Capa da publicação Forças Armadas e Judiciário nos discursos de Getúlio Vargas
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Das Forças Armadas e do Poder Judiciário sob o prisma dos discursos presidenciais durante a era Vargas e a república populista

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07/12/2022 às 14:00
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3. Dos Discursos dos Presidentes da República Populista.

3.1. Eurico Gaspar Dutra.

O Marechal EURICO GASPAR DUTRA, eleito pelo voto direto, inaugura mais um período de Governo republicano (de 31 de janeiro de 1946 a 31 de janeiro de 1951). Em seu discurso de posse presidencial, há citações não só à sua condição de militar, mas também ao papel das Forças Armadas:

Tendo desde a adolescência consagrado minha modesta existência aos árduos deveres militares, em cujo espírito de abnegação e disciplina se aprimora o culto da Pátria, espero concorrer para o engrandecimento das classes armadas, sobre cujos ombros repousa a segurança interna e externa do Brasil. [...].

Soldado, subindo ao poder como simples cidadão, espero em Deus as forças necessárias para fazer um governo civil, honesto e útil, ao meu País, um governo que possa corresponder às exigências de tão grave conjuntura, atento sempre aos imperativos da opinião nacional. (BONFIM, 2004, p. 230-231)

Sobre os ombros das Forças Armadas repousa a segurança interna e externa do Brasil, disse DUTRA, frase que reforça a ideia de tutela exercida pelas instituições militares.

3.2. Getúlio Vargas.

Posteriormente, GETÚLIO VARGAS, com quase quatro milhões de votos, é eleito para o período de 31 de janeiro de 1951 a 31 de janeiro de 1956, suicidando-se, no entanto, em 24 de agosto de 1954. Na posse, ao discursar, GETÚLIO, referindo-se às circunstâncias do pleito eleitoral do qual saíra vitorioso, afirmou:

A eleição de 3 de outubro desmentiu os seus presságios e também os argumentos engendrados que apenas escondiam os receios duma competição livre que permitisse ao povo exprimir a escolha e a preferência. A ordem não foi perturbada. Os poderes públicos permaneceram nos limites constitucionais e não precisaram extravasar para os recursos das medidas de exceção. A Nação não interrompeu o ritmo dos seus trabalhos e atividades. O Governo Federal, os órgãos da magistratura e as Forças Armadas merecem louvores pela sua contribuição para a lisura, a liberdade e a tranquilidade da propaganda e do pleito. (BONFIM, 2004, p. 238)

3.3. Café Filho.

Em 24 de agosto de 1954, com a morte de VARGAS, CAFÉ FILHO, na condição de Vice, passa a exercer o cargo em substituição ao titular, o que se dá até 3 de setembro de 1954, quando, então, é empossado como Presidente da República, permanecendo nesta condição até 31 de janeiro de 1956.

Em preleção proferida em 31 de agosto de 1954, CAFÉ FILHO destaca os meandros da crise (político-militar) que redundou no ato extremo de GETÚLIO. A leitura do texto permite sacar, novamente, a importância das Forças Armadas enquanto instrumento de estabilização em momentos de tensão:

Dirijo-me especialmente às gloriosas Forças Armadas, que souberam sempre identificar-se com os sentimentos do povo brasileiro e cuja colaboração neste instante é fundamental e decisiva, como esteios da ordem pública, da tranquilidade nacional e do regime da lei. (BRASIL, 1954, p. 9)

Em outro discurso, datado de 7 de setembro de 1954, CAFÉ FILHO sinaliza, mais uma vez, a consideração por ele assentada nas Forças Armadas enquanto instrumento de manutenção da unidade nacional:

Ao passar em revista, hoje pela manhã, as Forças Armadas de nossa Pátria, meu primeiro pensamento diante da ordem, do garbo, da beleza desse espetáculo, foi o de legítimo orgulho de brasileiro; mas logo, ao vê-las identificadas com o povo, que as aplaudia na transparente sinceridade da mesma comunhão, voltei as minhas cogitações para a ideia da unidade nacional, de que elas são o principal instrumento. (BRASIL, 1954, p. 2)

Os mencionados trechos são significativos quanto ao que se busca comprovar no presente trabalho, ou seja, o elevado status institucional exibido pelas Forças Armadas naqueles tempos, sobretudo em episódios de convulsão intestina e, em contrapartida, a concreta impossibilidade de o Judiciário atuar como fiel da balança, dirimindo os diversos conflitos que se sucederam ao longo da República Velha e da Era Vargas.

O instável quadro político-institucional daquela época era mesmo digno da preocupação presidencial. E as Forças Armadas seriam, como veremos, empregadas numa nova crise.

Nas eleições de 1955, CAFÉ FILHO não consegue emplacar o seu sucessor, o General JUAREZ TÁVORA, da União Democrática Nacional (UDN), sendo este derrotado pela chapa composta por JUSCELINO KUBITSCHEK, do Partido Social Democrático (PSD), e pelo Vice JOÃO GOULART, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Tenta-se impugnar o resultado das eleições, argumentando-se, para tanto, que JUSCELINO não obtivera a maioria do eleitorado. Afirma-se, outrossim, que a diferença (menos de 500 mil votos) entre o vitorioso e o derrotado corresponderia aos votos dos comunistas, os quais não poderiam estar representados no poder, por estarem impedidos de se eleger desde 1946. O Ministro da Guerra, General HENRIQUE LOTT assevera, então, que se deveria cumprir a Constituição, com a posse de JUSCELINO e JANGO. Adverte, inclusive, que o Exército estaria pronto para garantir a observância do Texto Constitucional.

A eleição de KUBITSCHEK e GOULART (aliança PSD - PTB) provoca o descontentamento da UDN e de alguns segmentos militares, agudando-se tal situação em 1º de novembro de 1955, por ocasião do sepultamento do General CANROBERT PEREIRA DA COSTA, o qual, naquela época, presidia o Clube Militar. Numa preleção durante o funeral, o Coronel JURANDIR DE BIZARRIA MAMEDE tece elogios a CANROBERT, destacando a ativa participação do militar falecido no movimento contrário a VARGAS, este ressuscitado, de certa forma, pela eleição de JANGO (como Vice) na chapa encabeçada por JUSCELINO. Da mesma forma, MAMEDE manifesta-se contra a posse dos candidatos eleitos, discurso que desagrada ao General LOTT, que exige para o mesmo uma punição exemplar, demanda que não é acolhida pelo Presidente CAFÉ FILHO, o qual, em seguida, afasta-se de suas funções por motivo de saúde, sendo a Presidência interina assumida, em 8 de novembro de 1955, por CARLOS LUZ, então Presidente da Câmara dos Deputados, que também se recusa a impor qualquer corretivo ao referido militar.

LOTT, contrariado, pede demissão da Pasta da Guerra. No dia 10 de novembro de 1955, numa reunião conduzida pelo Comandante da Zona Militar Leste, general ODÍLIO DENIS, os Comandantes das Guarnições do Distrito Federal, bem como o Comandante da Zona Militar Centro (São Paulo), General OLÍMPIO FALCONIÈRE, resolvem forçar o Governo a respeitar os valores militares (hierarquia e disciplina) e a punir MAMEDE. LOTT, por sua vez, acede ao movimento e o lidera. Em seguida, na madrugada de 11 de novembro do mesmo ano, tropas do Exército interditam o acesso ao Catete.

CARLOS LUZ, LACERDA, MAMEDE e outros embarcam e homiziam-se no navio Tamandaré e, já pela manhã de 11 de novembro, rumam para Santos, estratégia arquitetada pelo Brigadeiro EDUARDO GOMES, Ministro da Aeronáutica, que pretendia organizar a resistência (ao movimento liderado por LOTT) em São Paulo. FALCONIÈRE, que se encontrava no Rio de Janeiro, ruma para São Paulo a fim de assegurar o triunfo do movimento na região, sendo detido por Oficiais da Força Aérea. FALCONIÈRE, ao tratar com EDUARDO GOMES, informa ao Ministro estar agindo em prol da legalidade, sendo, então, libertado, e conseguindo chegar a São Paulo. Diante de tal quadro, CARLOS LUZ e os demais integrantes do navio Tamandaré retornam ao Rio de Janeiro, reconhecendo implicitamente a vitória de LOTT.

Em 11 de novembro de 1955, CARLOS LUZ é declarado pela Câmara dos Deputados impedido para o exercício da Presidência, assumindo (interinamente) o Vice-Presidente do Senado Federal, NEREU RAMOS. Novos embates surgem com a melhora do quadro de saúde do mandatário licenciado (CAFÉ FILHO), cujo retorno à Presidência foi obstado por intermédio de decisão exarada pelo Congresso Nacional, conforme Resolução de 22 de novembro de 1955. Assim, NEREU RAMOS governou o País durante o período de 11 de novembro de 1955 a 31 de janeiro de 1956.

3.4. Juscelino Kubitschek.

Contornada a crise, JUSCELINO é empossado para o período de 31 de janeiro de 1956 a 31 de janeiro de 1961. Do discurso proferido por ocasião de sua diplomação, em 27 de janeiro de 1956, no Tribunal Superior Eleitoral, não se extraem referências aos militares, como fizeram praticamente todos os Presidentes anteriores. JUSCELINO, diversamente, destaca o papel da Justiça Eleitoral na condução do pleito de 1955:

Não duvidamos, mesmo nas horas mais difíceis, que o nosso País já estivesse amadurecido suficientemente para que as regras e fundamentos da moral e do direito resistissem a toda sorte de desregramentos da paixão. O ato de hoje, neste Tribunal, fortalece o princípio de que não vinga mais entre nós o arbítrio e de que a lei é forte. Só se podem incluir, aliás, no número dos países civilizados aqueles em que as regras do jogo político são invioláveis, depois de aceitas. Só se podem considerar de fato constituídos em nação os povos para os quais a lei é objeto de acatamento, de limitação de sentimentos bruscos de desgoverno.

Não é apenas a nós, Senhor Presidente e Srs. Membros desta alta corte, a quem consagram Vossas Excelências supremos magistrados da República brasileira; o que se consagra aqui, também e muito mais, é a vontade popular, fonte de toda a autoridade nas democracias. O que proclama este Tribunal é a submissão à vontade do povo; o que defende o ato de hoje é a confiança e a esperança popular na lei. (BONFIM, 2004, p. 247)

Posteriormente, em 5 de junho de 1956, em visita ao Supremo Tribunal Federal, JUSCELINO volta a destacar o importante papel desempenhado pelo Poder Judiciário:

Declaro hoje, Senhores Membros do Supremo Tribunal Federal, e isto para honra minha e, sobretudo, de Vossas Excelências, que imaginei muitas vezes que nesta Corte Suprema da Justiça do meu País pudesse vir a decidir-se em última instância o destino da minha candidatura à Presidência da República. E nunca me arreceei deste desfecho. (BRASIL, 1956, p. 10)

A toda evidência, quis KUBITSCHEK se referir aos episódios que quase o impediram de subir ao poder. Outrossim, num claro recado a alguns segmentos militares que, como visto, tentaram evitar sua posse, JUSCELINO, ao conferenciar na Associação dos Ex-Combatentes, em 1º de março de 1956, disse:

Ainda é fato do dia a indisciplina de alguns poucos oficiais de nossas bravas forças aéreas que se voltaram contra o poder legitimamente constituído, que mal começara a sua difícil missão.

Mesmo sem maiores repercussões, circunscrita a uns poucos jovens, vítimas eles próprios de envenenadores desalmados e sem qualquer escrúpulo, mesmo constituindo um gesto de rebeldia quase solitário, quantos prejuízos para o país, quanto tempo perdido, quantos pretextos emotivos fornecidos para a má propaganda do Brasil no exterior!

Falando-vos exatamente no dia em que praticamente e sem maiores consequências é reduzido o foco de indisciplina, aproveito-me do ensejo para afirmar que o meu desejo de paz e de harmonia entre os brasileiros é cada vez mais ardente, é cada vez maior e mais firme. Em defesa da paz não recuarei um só momento em tomar todas as medidas necessárias e, também, todas as responsabilidades para a manutenção da ordem pública e da disciplina. Conto, para isso, com a firme decisão dos chefes militares, das três Armas, com o espírito de patriotismo que impera nas corporações e com a confiança do povo brasileiro, de quem sou servidor fiel. As forças armadas destinam-se a combater o inimigo externo e a manutenção da ordem pública e estão cada vez mais firmes no cumprimento dos seus deveres e nobres obrigações. (BRASIL, 1956, p. 3-4)

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3.5. Jânio Quadros.

JÂNIO QUADROS, eleito pelo voto direto, assume o Governo em 31 de janeiro de 1961, em substituição a JUSCELINO. Seu discurso, da mesma forma que o do antecessor, exalta a Justiça Eleitoral, enaltecendo, por conseguinte, o Poder Judiciário, que naquela ocasião já começava a adquirir o status constitucional identificado na presente ocasião. QUADROS também não faz, pelo menos na alocução junto à Justiça Eleitoral, qualquer alusão às Forças Armadas:

Muitos são os caminhos para a conquista do Poder.

Viciosos, porém, se me afiguram todos aqueles que se apartam do voto do povo, deitado nas urnas soberanas.

Percorri a estrada legítima. E, por isso, a Justiça Eleitoral do meu País, mais uma vez, proclama esta verdade simples: a democracia só se define, só se afirma e consolida através do sufrágio.

É o direito à opção que faz os cidadãos responsáveis e as nações poderosas e permanentes.

De advogado que postulava interesses individuais a administrador dos interesses coletivos se não foi longa a minha jornada, foi ela suficientemente áspera para ensinar-me que a Justiça não é apenas um dos Poderes da República, mas, constitui, isto sim, essência desse mesmo regime.

Não há justiça onde as prerrogativas inalienáveis da condição humana possam ser postergadas por minorias que se afirmem pela força de um poder ocasional, ou pela implantação de uma filosofia de empréstimos.

[...]. a abolição do elemento servil; a afirmação do regime representativo; a estrutura federativa; a liberdade de opinião, de culto e de associação; a emancipação do poder judiciário; a relativa autonomia dos Estados e dos Municípios; as leis do trabalho com a sua própria judicatura; o voto secreto e universal; a criação da justiça eleitoral - eis algumas das decisivas conquistas que dão as verdadeiras e grandiosas dimensões do nosso progresso.

A Justiça Eleitoral teve de passar entre nós pelos estreitos caminhos da evolução e do aprimoramento, a que estão sujeitos todos os órgãos político-sociais. Contra poderosos fatores adversos, contra interesses mesquinhos e particularistas, pelo próprio viço da sua natureza ética, pela própria armadura moral dos seus componentes, conseguiu finalmente esta instituição atingir aquele grau de isenção e solidez que faz dela, a um tempo, símbolo e sustentáculo das garantias constitucionais vinculadas ao exercício do voto.

O aperfeiçoamento desta Justiça é a nossa grande conquista dos últimos tempos, aquela que mais fundamentalmente responde pela verdade, pela pureza, pela segurança do sufrágio. (BONFIM, 2004, p. 254-255)

Começava a se desenhar, assim, o status institucional da Justiça Eleitoral (vertente do Poder Judiciário), fato mundialmente reconhecido.

Não obstante, o governo de JÂNIO ressentia-se de uma base política de sustentação, uma vez que o PTB e o PSB dominavam o Parlamento Federal. Da mesma forma, enfrentava a oposição da própria UDN, inclusive de CARLOS LACERDA, então Governador do Estado da Guanabara. Em 25 de agosto de 1961, JÂNIO QUADROS renuncia ao mandato, pedido que é aceito pelo Congresso Nacional. Em seguida, nova crise se instalaria no País e, mais uma vez, as Forças Armadas seriam instadas a intervir.

3.6. João Goulart.

Por ocasião da renúncia de JÂNIO, JOÃO GOULART, Vice-Presidente, encontrava-se em viagem oficial à China. Em virtude disso, RANIERI MAZZILLI, Presidente da Câmara dos Deputados, assume o poder como substituto legal, governando o país por alguns dias (de 25 de agosto a 8 de setembro de 1961). Tendo em vista o indisfarçado alinhamento ideológico com o comunismo, a posse de JANGO foi vetada pelos Ministros militares (General ODÍLIO DENIS, da Guerra; Brigadeiro GRÜN MOSS, da Aeronáutica; e Almirante SÍLVIO HECK, da Marinha), deflagrando-se uma grave crise político-militar, sendo o impasse solucionado através da aprovação, pelo Congresso Nacional, em 2 de setembro de 1961, de uma Emenda Constitucional instaurando o regime parlamentarista no Brasil, o que, em tese, garantiria o mandato de GOULART até 31 de janeiro de 1966.

Assim, em 8 de setembro de 1961, JANGO assume a Presidência da República, em sessão solene no Congresso Nacional. Na mesma data, é empossado o primeiro Gabinete Parlamentarista, presidido por TANCREDO NEVES. Em janeiro de 1963, um plebiscito decide pelo retorno do presidencialismo, tendo JOÃO GOULART adquirido plenamente os poderes de Presidente.

Quando de seu pronunciamento de posse, GOULART dirige-se, de modo singelo, às Forças Armadas, que permaneceram fiéis ao espírito da democracia e devotaram-se à proteção da ordem jurídica, bem como ao Judiciário: Ao Poder Judiciário, desejo prestar uma homenagem toda especial, ao vê-lo cada vez mais prestigiado pela reafirmação popular de respeito e acatamento às leis. (BONFIM, 2004, p. 263)

Em outra ocasião, quando articulava diretamente com os militares, GOULART tenta demonstrar certa deferência às Forças Armadas. Assim aconteceu, por exemplo, quando de sua visita ao Batalhão de Guardas Presidenciais (Guarnição Militar de Brasília), em 10 de janeiro de 1962:

Ao agradecer as palavras que acaba de me dirigir o Senhor Comandante desta unidade o brioso Batalhão de Guardas Presidencial , ao ensejo deste almoço, desejo manifestar minha particular satisfação por este encontro, sobretudo por me ser dado participar do convívio honroso e amigo da oficialidade que aqui serve. Tenho a satisfação de vos dizer, com o orgulho de brasileiro e de patriota, que à medida que vou mantendo contato com os chefes e os demais membros de nossas Forças Armadas, mais forte sinto em meu espírito a convicção de que a disciplina, a ordem e o patriotismo, que são o seu verdadeiro apanágio, é que permitem, ao Governo e ao povo, o clima de tranquilidade e de confiança que é, de resto, o único compatível com as nossas tradições. E sabem todos os patriotas brasileiros, todos aqueles que colocam acima dos interesses pessoais os interesses da coletividade nacional, que é justamente esse clima de tranquilidade e de confiança que está estimulando os nossos irmãos de todos os recantos da Pátria no sentido da luta pelo desenvolvimento de nossa economia.

Filio-me, com inabalável convicção, ao número daqueles que estão seguros de que a vitória da caminhada que ora estamos realizando, em busca da emancipação econômica nacional, depende, em grande parte, da disciplina e do patriotismo das nossas Forças Armadas.

Aqui, ao vosso lado, neste instante, sinto-me, felizmente, à vontade para vos afirmar e o faço como Chefe da Nação que o povo brasileiro sempre confiou nas suas Forças Armadas e que nelas nunca deixou de encontrar, nos momentos difíceis da nacionalidade, apoio decisivo no sentido da manutenção das instituições democráticas e aos seus anseios de paz e de progresso. (BRASIL, 1962)

Posteriormente, em 21 de fevereiro de 1962, na Vila Militar, no Rio de Janeiro, por ocasião das comemorações do 17º Aniversário da Tomada de Monte Castelo pela Força Expedicionária Brasileira (FEB), JANGO dirige-se novamente aos militares:

Na reverência aos heróis que perderam ou expuseram a vida naqueles grandes episódios, rendo as homenagens do meu apreço cívico, interpretando o sentimento unânime do povo brasileiro às valorosas Forças Armadas de nossa pátria. [...]. Ninguém tem excedido as nossas Forças Armadas em fidelidade à democracia e no amor e devotamento às causas populares. O espírito dos mortos de Prano, Monte Castelo, Montese e Fornuovo di Taro revive, glorificado, no exemplo dos bravos soldados da democracia que, sob o mesmo esclarecido comando do seu antigo coronel, o então comandante do Sexto Regimento de Infantaria e hoje eminente General de Exército, Segadas Viana, asseguram a permanência de nossas instituições democráticas.

O exemplo profissional que o soldado brasileiro deu de sua bravura e de sua competência, lutando pelo ideal de nossa filosofia de vida, nos campos da Itália, e adaptando-se, sem dificuldade, ao manejo dos mais novos instrumentos de guerra, de par com as responsabilidades que nos cabem no cenário dos nossos compromissos internacionais, são elementos que nos fortalecem na convicção de que as Forças Armadas do Brasil devem ser dotadas, em permanente espírito de aperfeiçoamento, do instrumental imprescindível ao desempenho de sua tarefa, para que, a qualquer tempo, quando convocadas, possam manter as refulgentes tradições que constituem o nosso orgulho e a nossa honra. Quero também declarar que o Poder Executivo que se estimula e fortalece com a vossa solidariedade jamais poderá ser indiferente aos problemas humanos de vossa classe, agravados pelo processo inflacionário que o atual Governo encontrou em plena e desordenada ascensão. Esse processo se exprime na alta do custo de vida, que se torna mais penosa com o deslocamento profissional e a instabilidade de residência a que vossas funções vos sujeitam, e por isso há de constituir ponto destacado entre os deveres do Governo assegurar a oficiais e sargentos meios de proporcionarem às suas famílias uma vida tranquila e compatível com a elevada missão que lhes é confiada pela sociedade.

Estou convencido de que, nesta ordem de idéias, o Governo do Brasil não será insensível aos justos reclamos das Forças Armadas, depositárias do melhor do nosso patrimônio cívico. E não somente em relação às suas necessidades de aparelhamento material adequado, especialmente no que diz respeito à motomecanização e à modernização dos seus instrumentos de ação em combate, como, igualmente, no que se relaciona com o aperfeiçoamento do seu material de comunicações, estou seguro de que os recursos imprescindíveis serão postos à disposição dos seus objetivos fundamentais e inadiáveis.

Agradeço, em meu nome e no do Presidente do Conselho, Ministro Tancredo Neves, o calor e a simpatia de que nos cereais na acolhida que nos está sendo dispensada. Agradeço, de modo particular, ao Senhor Ministro da Guerra o testemunho, isento e autorizado, que acaba de transmitir à Nação sobre o esforço do Governo em servir ao País, o que não constitui mais que o dever precípuo dos que procuram desempenhar com lealdade os mandatos populares.

Continuaremos fiéis às imposições do nosso dever. A identificação, cada vez mais perfeita, entre as Forças Armadas e os legítimos anseios populares, dá-nos a certeza de que as reformas de base reclamadas pelo País poderão processar-se dentro da linha das tradições democráticas e cristãs que desejamos a qualquer preço preservar.

Manifestação como essa não pode deixar de representar conforto moral para um homem público, que foi chamado em circunstâncias difíceis a dar desempenho aos deveres impostos pela vontade popular e que não teve outra preocupação senão a de poupar o País e as suas instituições dos riscos que os ameaçavam, esperando encontrar, com a proteção de Deus, os meios de servir a sua pátria.

Senhores Ministros, Senhores Oficiais-Generais, Senhores Oficiais. Convido-vos a que levantemos as taças em memória dos nossos bravos que tombaram nos campos de batalha e pelo futuro glorioso das nossas Forças Armadas. (BRASIL, 1962)

No mesmo diapasão, em 10 de maio de 1962, no Quartel dos Dragões da Independência, no Rio de Janeiro, GOULART, por ocasião das comemorações do 154º Aniversário do Nascimento do Marechal MANUEL LUÍS OSÓRIO, discursou para um público de militares:

É-me profundamente grato participar da solenidade organizada pelo I Exército em homenagem ao grande soldado do povo, ao grande soldado da lei o Marechal Osório. Através desta justa homenagem, o Exército reverencia a memória do patrono de sua gloriosa Cavalaria, nesta data tão significativa, que assinala o aniversário do nascimento do grande brasileiro.

Ao agradecer a saudação do ilustre comandante do I Exército, desejo recordar as palavras proferidas pelo Marechal Osório, nos últimos instantes de sua vida: Tranquilidade, independência, pátria e liberdade. Estas palavras permanecem cada vez mais vibrantes no espírito de nossas Forças Armadas. Fiel ao exemplo de Osório e ao exemplo de nossas Forças Armadas, tenho sempre presente o significado das palavras de Osório, que soube marcar, com sua bravura e seu patriotismo, as fronteiras de nossa pátria, como a dizer às futuras gerações que marcassem, também, com patriotismo e coragem, o caminho da independência do Brasil. Sinto-me, portanto, emocionado ao lembrar estas palavras do grande militar e, coerente com elas, tenho tido a preocupação de assegurar ao País um clima de tranquilidade e de compreensão propício à união calorosa da família brasileira. Tem sido também nossa preocupação ser fiel a todos os compromissos livremente assumidos pelo Brasil, dentro de uma linha de independência. E tem sido ainda nossa preocupação manter o País nesta caminhada pela emancipação econômica, que há de levar o povo brasileiro a melhores dias e a um respeito cada vez maior pelo sistema democrático em que vivemos.

Congratulo-me com todos os generais, com todos os oficiais, especialmente com aqueles que, abraçando a arma da Cavalaria, continuam fiéis ao símbolo de patriotismo e de confiança em nosso país, representado pela vida e pelo exemplo do Marechal Osório. Ao finalizar, levanto um brinde em homenagem a Osório, ao homem que, vindo das camadas mais vivas do povo, transformou-se em soldado, em general, em marechal e, sobretudo, num símbolo a ser seguido por todos os brasileiros. E, neste brinde, presto também minha homenagem ao glorioso Exército nacional. (BRASIL, 1962)

Apesar dessas referências elogiosas, a relação entre o Presidente da República e as Forças Armadas, a bem da verdade, estava definitivamente marcada desde o embate ideológico ocorrido por ocasião da renúncia de JÂNIO, cujo desenrolar histórico culminou com a assunção do poder pelos Militares.

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Sobre o autor
Reis Friede

Desembargador Federal, Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (biênio 2019/21), Mestre e Doutor em Direito e Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). É autor do livro Teoria do Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRIEDE, Reis. Das Forças Armadas e do Poder Judiciário sob o prisma dos discursos presidenciais durante a era Vargas e a república populista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7098, 7 dez. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/100862. Acesso em: 9 mai. 2024.

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