Resumo: O presente artigo objetiva analisar os discursos proferidos pelos diversos Presidentes da República durante o Regime Militar, de modo a verificar como se operou a evolução do status institucional das Forças Armadas e do Poder Judiciário ao longo da história brasileira, bem como identificar como se dava o pretérito emprego das Forças Armadas como instrumento de estabilização política.
Palavras-chave:Forças Armadas. Poder Judiciário. Estabilização política.
1. Introdução.
A construção do presente artigo partiu de uma premissa: a de que os discursos, notadamente aqueles articulados por ocasião da assunção do mandato presidencial, abarcam, representam e refletem parte da história nacional, o que nos inspirou a analisar os pronunciamentos de posse realizados pelos Presidentes da República durante o denominado Regime Militar.
Nesse sentido, FERNANDO LYRA, então Deputado Federal, na qualidade de líder do antigo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), em discurso publicado no Diário do Congresso Nacional de 2 de abril de 1975, afirmou que os discursos, como testemunhos de uma época, "integram o acervo histórico de qualquer povo civilizado, valendo como fonte das mais originais e autênticas para fixar o grau de desenvolvimento político". (BRASIL, 1975, p. 2)
Tendo em vista o escopo a ser alcançado pelo texto ora introduzido, a empreitada limitou-se a identificar, fragmentar e analisar, especificamente, o ponto de vista anunciado por cada Presidente (durante Regime Militar) em relação às Forças Armadas e ao Poder Judiciário, de modo a buscar informações que possibilitassem verificar a respectiva trajetória institucional em momentos pretéritos.
Para tanto, foram examinados diversos discursos presidenciais, sendo que, em alguns casos, tendo em vista a inexistência de uma preleção de posse, outros, relativos a momentos posteriores, foram sopesados em substituição, adotando-se, em qualquer caso, o critério cronológico.
Obviamente, como não poderia deixar de ser, permitimo-nos, em alguns momentos, extrair certas inferências dos fragmentos textuais transcritos, para, em seguida, consignar a nossa própria observação acerca dos fatos, tudo historicamente relacionado com o tema de fundo abordado no trabalho.
2. Discursos de João Goulart.
Para uma perfeita compreensão a respeito do que se sucedeu durante o Regime Militar, cumpre analisar alguns discursos proferidos por JOÃO GOULART, peças fundamentais para a compreensão do desenrolar histórico a partir de 1964.
Como amplamente noticiado, JOÃO GOULART, Vice-Presidente, por ocasião da renúncia do Presidente JÂNIO QUADROS, encontrava-se em viagem oficial à China. Em virtude disso, RANIERI MAZZILLI, Presidente da Câmara dos Deputados, assume o poder como substituto legal, governando o país por alguns dias (de 25 de agosto a 8 de setembro de 1961). Tendo em vista o indisfarçado alinhamento ideológico com o comunismo, a posse de JANGO foi vetada pelos Ministros militares (General ODÍLIO DENIS, da Guerra, Brigadeiro GRÜN MOSS, da Aeronáutica, e Almirante SÍLVIO HECK, da Marinha), deflagrando-se uma grave crise político-militar, sendo o impasse solucionado através da aprovação, pelo Congresso Nacional, em 2 de setembro de 1961, de uma Emenda Constitucional instaurando o regime parlamentarista no Brasil, o que, em tese, garantiria o mandato de GOULART até 31 de janeiro de 1966.
Assim, em 8 de setembro de 1961, JANGO assume a Presidência da República, em sessão solene no Congresso Nacional. Na mesma data, é empossado o primeiro Gabinete Parlamentarista, presidido por TANCREDO NEVES. Em janeiro de 1963, um plebiscito decide pelo retorno do presidencialismo, tendo JOÃO GOULART adquirido plenamente os poderes de Presidente.
Quando de seu pronunciamento de posse, GOULART dirige-se, de modo singelo, "às Forças Armadas, que permaneceram fiéis ao espírito da democracia e devotaram-se à proteção da ordem jurídica", bem como ao Judiciário: "Ao Poder Judiciário, desejo prestar uma homenagem toda especial, ao vê-lo cada vez mais prestigiado pela reafirmação popular de respeito e acatamento às leis". (BONFIM, 2004, p. 263)
Em outra ocasião, quando articulava diretamente com os militares, GOULART deixa transparecer certa deferência às Forças Armadas. Assim aconteceu, por exemplo, quando de sua visita ao Batalhão de Guardas Presidenciais (Guarnição Militar de Brasília), em 10 de janeiro de 1962:
Ao agradecer as palavras que acaba de me dirigir o Senhor Comandante desta unidade o brioso Batalhão de Guardas Presidencial , ao ensejo deste almoço, desejo manifestar minha particular satisfação por este encontro, sobretudo por me ser dado participar do convívio honroso e amigo da oficialidade que aqui serve. Tenho a satisfação de vos dizer, com o orgulho de brasileiro e de patriota, que à medida que vou mantendo contato com os chefes e os demais membros de nossas Forças Armadas, mais forte sinto em meu espírito a convicção de que a disciplina, a ordem e o patriotismo, que são o seu verdadeiro apanágio, é que permitem, ao Governo e ao povo, o clima de tranquilidade e de confiança que é, de resto, o único compatível com as nossas tradições. E sabem todos os patriotas brasileiros, todos aqueles que colocam acima dos interesses pessoais os interesses da coletividade nacional, que é justamente esse clima de tranquilidade e de confiança que está estimulando os nossos irmãos de todos os recantos da Pátria no sentido da luta pelo desenvolvimento de nossa economia.
Filio-me, com inabalável convicção, ao número daqueles que estão seguros de que a vitória da caminhada que ora estamos realizando, em busca da emancipação econômica nacional, depende, em grande parte, da disciplina e do patriotismo das nossas Forças Armadas.
Aqui, ao vosso lado, neste instante, sinto-me, felizmente, à vontade para vos afirmar e o faço como Chefe da Nação que o povo brasileiro sempre confiou nas suas Forças Armadas e que nelas nunca deixou de encontrar, nos momentos difíceis da nacionalidade, apoio decisivo no sentido da manutenção das instituições democráticas e aos seus anseios de paz e de progresso. (BRASIL, 1962)
Posteriormente, em 21 de fevereiro de 1962, na Vila Militar, no Rio de Janeiro, por ocasião das comemorações do 17º aniversário da Tomada de Monte Castelo pela Força Expedicionária Brasileira (FEB), JANGO dirige-se novamente aos militares:
Na reverência aos heróis que perderam ou expuseram a vida naqueles grandes episódios, rendo as homenagens do meu apreço cívico, interpretando o sentimento unânime do povo brasileiro às valorosas Forças Armadas de nossa pátria. [...]. Ninguém tem excedido as nossas Forças Armadas em fidelidade à democracia e no amor e devotamento às causas populares. O espírito dos mortos de Prano, Monte Castelo, Montese e Fornuovo di Taro revive, glorificado, no exemplo dos bravos soldados da democracia que, sob o mesmo esclarecido comando do seu antigo coronel, o então comandante do Sexto Regimento de Infantaria e hoje eminente General de Exército, Segadas Viana, asseguram a permanência de nossas instituições democráticas.
O exemplo profissional que o soldado brasileiro deu de sua bravura e de sua competência, lutando pelo ideal de nossa filosofia de vida, nos campos da Itália, e adaptando-se, sem dificuldade, ao manejo dos mais novos instrumentos de guerra, de par com as responsabilidades que nos cabem no cenário dos nossos compromissos internacionais, são elementos que nos fortalecem na convicção de que as Forças Armadas do Brasil devem ser dotadas, em permanente espírito de aperfeiçoamento, do instrumental imprescindível ao desempenho de sua tarefa, para que, a qualquer tempo, quando convocadas, possam manter as refulgentes tradições que constituem o nosso orgulho e a nossa honra. Quero também declarar que o Poder Executivo que se estimula e fortalece com a vossa solidariedade jamais poderá ser indiferente aos problemas humanos de vossa classe, agravados pelo processo inflacionário que o atual Governo encontrou em plena e desordenada ascensão. Esse processo se exprime na alta do custo de vida, que se torna mais penosa com o deslocamento profissional e a instabilidade de residência a que vossas funções vos sujeitam, e por isso há de constituir ponto destacado entre os deveres do Governo assegurar a oficiais e sargentos meios de proporcionarem às suas famílias uma vida tranquila e compatível com a elevada missão que lhes é confiada pela sociedade.
Estou convencido de que, nesta ordem de idéias, o Governo do Brasil não será insensível aos justos reclamos das Forças Armadas, depositárias do melhor do nosso patrimônio cívico. E não somente em relação às suas necessidades de aparelhamento material adequado, especialmente no que diz respeito à motomecanização e à modernização dos seus instrumentos de ação em combate, como, igualmente, no que se relaciona com o aperfeiçoamento do seu material de comunicações, estou seguro de que os recursos imprescindíveis serão postos à disposição dos seus objetivos fundamentais e inadiáveis.
Agradeço, em meu nome e no do Presidente do Conselho, Ministro Tancredo Neves, o calor e a simpatia de que nos cereais na acolhida que nos está sendo dispensada. Agradeço, de modo particular, ao Senhor Ministro da Guerra o testemunho, isento e autorizado, que acaba de transmitir à Nação sobre o esforço do Governo em servir ao País, o que não constitui mais que o dever precípuo dos que procuram desempenhar com lealdade os mandatos populares.
Continuaremos fiéis às imposições do nosso dever. A identificação, cada vez mais perfeita, entre as Forças Armadas e os legítimos anseios populares, dá-nos a certeza de que as reformas de base reclamadas pelo País poderão processar-se dentro da linha das tradições democráticas e cristãs que desejamos a qualquer preço preservar.
Manifestação como essa não pode deixar de representar conforto moral para um homem público, que foi chamado em circunstâncias difíceis a dar desempenho aos deveres impostos pela vontade popular e que não teve outra preocupação senão a de poupar o País e as suas instituições dos riscos que os ameaçavam, esperando encontrar, com a proteção de Deus, os meios de servir a sua pátria.
Senhores Ministros, Senhores Oficiais-Generais, Senhores Oficiais. Convido-vos a que levantemos as taças em memória dos nossos bravos que tombaram nos campos de batalha e pelo futuro glorioso das nossas Forças Armadas. (BRASIL, 1962)
No mesmo diapasão, em 10 de maio de 1962, no Quartel dos Dragões da Independência, no Rio de Janeiro, GOULART, por ocasião das comemorações do 154º aniversário do nascimento do Marechal MANUEL LUÍS OSÓRIO, discursou para um público de militares:
É-me profundamente grato participar da solenidade organizada pelo I Exército em homenagem ao grande soldado do povo, ao grande soldado da lei o Marechal Osório. Através desta justa homenagem, o Exército reverencia a memória do patrono de sua gloriosa Cavalaria, nesta data tão significativa, que assinala o aniversário do nascimento do grande brasileiro.
Ao agradecer a saudação do ilustre comandante do I Exército, desejo recordar as palavras proferidas pelo Marechal Osório, nos últimos instantes de sua vida: "Tranquilidade, independência, pátria e liberdade". Estas palavras permanecem cada vez mais vibrantes no espírito de nossas Forças Armadas. Fiel ao exemplo de Osório e ao exemplo de nossas Forças Armadas, tenho sempre presente o significado das palavras de Osório, que soube marcar, com sua bravura e seu patriotismo, as fronteiras de nossa pátria, como a dizer às futuras gerações que marcassem, também, com patriotismo e coragem, o caminho da independência do Brasil. Sinto-me, portanto, emocionado ao lembrar estas palavras do grande militar e, coerente com elas, tenho tido a preocupação de assegurar ao País um clima de tranquilidade e de compreensão propício à união calorosa da família brasileira. Tem sido também nossa preocupação ser fiel a todos os compromissos livremente assumidos pelo Brasil, dentro de uma linha de independência. E tem sido ainda nossa preocupação manter o País nesta caminhada pela emancipação econômica, que há de levar o povo brasileiro a melhores dias e a um respeito cada vez maior pelo sistema democrático em que vivemos.
Congratulo-me com todos os generais, com todos os oficiais, especialmente com aqueles que, abraçando a arma da Cavalaria, continuam fiéis ao símbolo de patriotismo e de confiança em nosso país, representado pela vida e pelo exemplo do Marechal Osório. Ao finalizar, levanto um brinde em homenagem a Osório, ao homem que, vindo das camadas mais vivas do povo, transformou-se em soldado, em general, em marechal e, sobretudo, num símbolo a ser seguido por todos os brasileiros. E, neste brinde, presto também minha homenagem ao glorioso Exército nacional. (BRASIL, 1962)
Apesar dessas referências elogiosas, a relação entre o Presidente da República e as Forças Armadas, a bem da verdade, estava definitivamente marcada desde o embate ideológico ocorrido por ocasião da renúncia de JÂNIO. E pioraria de vez.
3. Dos Discursos dos Presidentes do Regime Militar.
3.1. Castello Branco.
A estratégia de aproximação com as Forças Armadas esboçada por JANGO, e retratada nos três discursos anteriores, não surtiu efeito. Tendo em vista o movimento político-militar de 31 de março de 1964, assume a Presidência o Marechal CASTELLO BRANCO. Após ter sido eleito pelo Congresso Nacional, em 11 de abril de 1964, para o cargo de Presidente da República, seu pronunciamento, na mesma data, faz referências não só ao movimento em si, mas ao papel das Forças Armadas em crises institucionais:
[...] espero em Deus corresponder às esperanças de meus compatriotas, nesta hora tão decisiva dos destinos do Brasil, cumprindo plenamente os elevados objetivos do Movimento vitorioso de abril, no qual se irmanaram o Povo inteiro e as Forças Armadas, na mesma aspiração de restaurar a legalidade, revigorar a democracia, restabelecer a paz e promover o progresso e a justiça social. (BRASIL, 1964)
Em 15 de abril de 1964, CASTELLO BRANCO, agora ao tomar posse perante o Congresso Nacional, dedicou especial atenção à função desempenhada pelas Forças Armadas na dita Revolução, episódio cujo objetivo, segundo ele, era tão somente restaurar a democracia, que naquele momento encontrava-se profundamente ameaçada pelo governo antecedente:
Farei o quanto em minhas mãos estiver para que se consolidem os ideais do movimento cívico da Nação brasileira nestes dias memoráveis de abril, quando se levantou unida, esplêndida de coragem e decisão, para restaurar a democracia e libertá-la de quantas fraudes e distorções que a tornavam irreconhecível. Não através de um golpe de Estado, mas como uma Revolução que, nascida nos lares, ampliada na opinião pública e nas instituições e, decisivamente, apoiada nas Forças Armadas, traduziu a firmeza das nossas convicções e profundidade das nossas concepções de vida, convicções e concepções que nos vêm do passado e que deveremos transmitir, aprimoradas, às gerações futuras. Foi uma Revolução a assegurar o progresso, sem renegar o passado. Vimos, assim, a Nação, de pé, a reivindicar a sua liberdade e a sua vontade que, afinal, e nos termos previstos pela Constituição, se afirmou através do Congresso, legítimo representante dos ideais e aspirações do nosso povo. Nossa vocação é a da liberdade democrática Governo da maioria com a colaboração e o respeito das minorias. Os cidadãos, dentre eles, também em expressiva atitude, as mulheres brasileiras, todos, civis e soldados, ergueram-se num dos mais belos e unânimes impulsos da nossa História contra a desvirtuação do regime. (BRASIL, 1964)
No mesmo dia 15 de abril de 1964, CASTELLO BRANCO, ao receber, no Palácio do Planalto, a faixa presidencial, volta a firmar a importância das Forças Armadas, que efetivamente alicerçou a sua chegada ao poder:
Eu me encontro, neste momento, investido das altas funções de Presidente da República. Aqui estou colocado pelo voto soberano do Congresso Nacional; aqui me encontro em virtude da confiança de bravos e destemidos governadores de Estado; aqui estou como seguimento de uma conduta das Forças Armadas. [...].
Assumo, neste momento, o comando efetivo das Forças Armadas do Brasil e, nessas condições, eu me dirijo aos meus velhos camaradas de profissão, dizendo-lhes que procurarei corresponder à confiança em mim depositada, procurando servir ao povo brasileiro que de mim espera o sagrado cumprimento da minha missão. Era o que eu tinha a dizer. (BRASIL, 1964)
Em 17 de abril de 1964, o Presidente CASTELLO BRANCO visita o Supremo Tribunal Federal, quando, então, faz o seguinte pronunciamento:
Eu não conheço o protocolo desta Casa, mas acredito que as normas aqui adotadas não vão contrariar o meu desejo, todo natural, de responder à saudação do Exmo. Sr. Presidente. Ouvi bem a clarividência com que S. Exª caracterizou a situação atual. Anotei bem e, sinceramente, as advertências que S. Exª me fez num plano cívico, chamando a atenção para o exercício da justiça na democracia. Todo Presidente da República sempre está às voltas com a legalidade, e, mais do que isto, com a defesa da legalidade. E há quem pense e quem diga que esta defesa está inteiramente garantida quando o dispositivo militar a assegura. Mas, Sr. Presidente, Srs. Ministros, tenho a impressão, como antigo defensor da legalidade, de que há muito o que fazer para assegurar as normas jurídicas do País. Penso que ela está numa administração que realize com honestidade e olhando para o futuro. Penso que ela está na maneira de considerar o Congresso Nacional.
Penso que está na coexistência dos três poderes e que esta coexistência reside muito na iniciativa do Poder Executivo e penso, também, que a defesa da legalidade está garantida quando o Presidente da República assegura condições para o funcionamento da justiça no País. Fui soldado e defensor da legalidade e, muitas vezes, me sentia verdadeiramente desolado quando via que ela só podia ser mantida com as baionetas não ensarilhadas, mas, colocadas fora dos quartéis, a fim de que o Poder Executivo continuasse a fazer uma nefasta administração, a gozar o poder e a não dar à nação as condições de vida necessárias. Procurei, assim, Senhor Presidente, responder às generosas palavras de V. Exª, a acolher as suas advertências e bem me situar na concepção de legalidade que eu tenho. Muito obrigado. (BRASIL, 1964)
Na ocasião, o Ministro RIBEIRO DA COSTA, então Presidente do STF, igualmente discursou:
Senhor Presidente, Marechal Humberto de Alencar Castello Branco. Excelência. A visita cordial que Vossa Excelência realiza, neste momento, à Alta Corte de Justiça Brasileira tem amplo significado, ainda mais acentuando-se pelo fato eloquente que Vossa Excelência timbrou em ressaltar: de se ter empossado no Poder Executivo e dali, pela primeira vez, sair hoje para a realização desse ato solene.
Só isto revela o zelo, o apreço e a admiração do Chefe de Estado pelas demais instituições, a começar por aquela cuja missão reside, precisamente, em julgar, em face da Constituição, os atos dos demais Poderes.
Nota-se, através da leitura do último parágrafo do texto supra, o recado dado pelo Ministro RIBEIRO DA COSTA ao Presidente CASTELLO BRANCO: a missão do Poder Judiciário "reside, precisamente, em julgar, em face da Constituição, os atos dos demais Poderes".
A visita realizada por CASTELLO ao STF foi assim descrita pelo Ministro EVANDRO LINS E SILVA, que à época integrava a composição da Corte Suprema, em entrevista concedida a MARLY MOTTA e VERENA ALBERTI:
Como foi essa visita?
Ele foi fazer a visita protocolar ao Supremo, certo dia. Existe lá um salão que tem um grupo Luís XV com cinco cadeiras de um lado, cinco do outro, e um sofá de duas pessoas. Ficam então os dez ministros, e o presidente da República vem e senta ao lado do presidente do Supremo. Quando o presidente Castelo Branco chegou, estávamos todos de pé, em tomo das cadeiras, e ele se dirigiu a mim em primeiro lugar: "Ministro, como tem passado?" Eu já o conhecia, porque fui chefe da Casa Civil e ele era o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas. Ele se dirigiu em seguida ao Hermes Lima e ao Vítor Nunes Leal, ou seja, àqueles três que eram os mais visados pela propaganda, e depois sentou-se ao lado do presidente do Tribunal. Não falou pessoalmente com os demais. Interpretei aquilo como uma mensagem: "Não tenho nada contra os senhores." Houve discursos do presidente do Supremo e dele, foi uma solenidade simples, informal, embora estivéssemos com a capa de ministro. Havia jornalistas, e houve publicidade dos discursos.
Qual foi o conteúdo dos discursos? Houve alguma referência à situação?
Não houve, porque foi logo em seguida aos acontecimentos. O presidente Castelo manifestou sua reverência à Corte Suprema do país, palavras protocolares. Depois houve o discurso do presidente do Supremo, que não disse nada, apenas agradeceu a presença dele. Não houve nada de político, que pudesse chamar a atenção.
O presidente do Tribunal, ministro Ribeiro da Costa, não aproveitou a ocasião para marcar uma certa independência do Supremo em relação à Revolução?
Não tocou nesse assunto. Ribeiro da Costa, como todos sabem, tinha muitas ligações com os grupos da UDN, era até ligado à Revolução. Também era filho de general, os irmãos eram coronéis, tinha ligações militares, tanto que foi surpreendente, depois, sua atitude de defesa do Tribunal, da instituição, sua firmeza em exigir o absoluto respeito ao funcionamento da Corte e aos seus juízes. Ele teve um papel muito importante depois. Esteve à altura do momento histórico que se seguiu, no desempenho do cargo. Tanto que se diz que ele teria mandado um recado ao presidente da República, dizendo que se tocassem no Tribunal, fecharia o órgão e mandaria a chave.
No primeiro momento não houve então um confronto entre o Executivo e o Supremo?
Havia sim. Havia ameaças. Os jornais todos reclamavam a nossa cabeça. [...].
Mas independentemente da atitude do ministro Ribeiro da Costa, o Judiciário, nesse momento inicial, não foi de certa forma poupado porque os militares se preocuparam muito mais em voltar suas baterias contra o Legislativo e o Executivo?
Em primeiro lugar, a atitude do Ribeiro da Costa foi firme, altiva, digna, e ele defendeu a instituição o quanto pôde; em segundo lugar, é preciso reconhecer, houve também a posição do presidente Castelo Branco, que era um homem mais moderado, menos açodado e com uma compreensão de que devia respeitar a Corte Suprema do país. Ele tinha esse entendimento, que não teve o seu substituto, Costa e Silva, o qual, ao contrário, investia contra tudo e contra todos, contra as instituições, como um ditador, como um tirano. Não era esse o temperamento de Castelo Branco, tanto que, quando visitou o Supremo Tribunal Federal, deixou entrever, no seu gesto de cumprimentar aqueles que eram visados pela campanha da imprensa, uma mensagem de que não estava pretendendo nos atingir, de que ia respeitar o Tribunal e seus juízes. (SILVA, 1997, p. 378-380)
3.2. Costa e Silva.
O Marechal COSTA E SILVA, Ministro da Guerra durante o governo CASTELLO BRANCO, desincompatibiliza-se do cargo e se candidata às eleições indiretas. Em 3 de outubro de 1966, é eleito (pelo Congresso Nacional) para o quadriênio 1967-1971, tendo PEDRO ALEIXO como Vice. No seu discurso de posse, proferido no Palácio do Planalto a 15 de marco de 1967, depois de receber a faixa presidencial das mãos do Marechal CASTELLO BRANCO, COSTA E SILVA, ao falar sobre as origens da Revolução, realça a participação das Forças Armadas no movimento político-militar de 1964, cabendo destacar o seguinte extrato:
A Revolução teve profundas origens populares, num grandioso movimento cívico, que levou às ruas e às praças homens e mulheres, jovens e velhos, dispostos a lutar por Deus e pela Nação, com a solidariedade de todas as classes sociais, de todos os democratas e o apoio unânime e decisivo das Forças Armadas.
Revolução, em verdade, e não golpe de Estado, que visasse tão somente a substituir um homem por outro ou por outra uma facção política.
Revolução, e não motim militar, pois as Forças Armadas, que também vêm do povo, com o povo se irmanaram em defesa dos mesmos ideais. [...].
A solidariedade dos meus Camaradas do Exército, da Armada e da Força Aérea não lhe modificou aqueles atributos: apenas exprimiu a sua aspiração unânime de continuidade do processo revolucionário e da sua defesa. A democracia tem de armar-se para defender-se daqueles que se valem das suas franquias para destruí-la. [...].
Se, como lhe competia por dever para com o País, a Revolução adotou, por vezes, severas restrições, nem por isso modificou a nossa organização institucional, pois conservou em pleno funcionamento esta Casa egrégia, a que atribuiu o poder de eleger o Presidente da República, e o Poder Judiciário, cujas decisões têm sido invariavelmente respeitadas. (BONFIM, 2004, p. 279-280)
Interessante comentar o momento em que o Presidente empossado afirma que "a democracia tem de armar-se para defender-se daqueles que se valem das suas franquias para destruí-la", frase que, a nosso ver, permite extrair duas conclusões imediatas: prima facie, que as Forças Armadas, representadas, no caso, por seu Comandante Supremo, o Presidente COSTA E SILVA, funcionavam efetivamente como instrumento de estabilização em momentos de crises, sendo, por assim dizer, as baionetas defensoras da democracia. A segunda inferência traduz a indiscutível incapacidade do Judiciário daqueles períodos em atuar como a balança da Justiça, com o respectivo e indispensável fiel democrático.
Em 30 agosto de 1969, uma doença (trombose cerebral) acomete o Presidente COSTA E SILVA e o impede de exercer as funções presidenciais, ao mesmo tempo em que sepulta seu plano de entregar ao país, no dia 7 de setembro de 1969, uma nova Carta (a Constituição de 1969), com maiores instrumentos de defesa do Estado, permitindo a revogação do Ato Institucional nº 5 e de todos os demais outorgados até então. Uma Junta Militar Governativa composta pelos Ministros da Marinha de Guerra (AUGUSTO RADEMAKER), do Exército (AURÉLIO LYRA TAVARES) e da Aeronáutica (MÁRCIO DE SOUZA MELLO) assume o governo em 1º de setembro de 1969, conforme previsto no Ato Institucional nº 12, de mesma data, permanecendo até 30 de outubro de 1969, não havendo discurso de posse.
O Ato Institucional nº 16, de 14 de outubro de 1969, editado pelos referidos Ministros militares, que se encontravam no exercício da Presidência, declara a vacância dos cargos e fixa data para eleição e posse do Presidente e do Vice-Presidente da República. COSTA E SILVA falece no Rio de Janeiro, em 17 de dezembro de 1969.
3.3. Emílio Garrastazu Médici.
Uma vez eleito pelo Congresso Nacional, reaberto desde 22 de outubro de 1969, o General EMÍLIO GARRASTAZU MÉDICI é empossado na Presidência em 30 de outubro do mesmo ano, sendo o Almirante AUGUSTO RADEMAKER o Vice.
Interessante mencionar que MÉDICI não alude expressamente ao papel das Forças Armadas no âmbito do movimento político-militar de 1964, por ele também chamado de Revolução. Não obstante, deixa patente a sua condição de homem da caserna, o que equivale dizer que a sua origem militar seguramente influenciaria, como efetivamente influenciou, a condução do governo:
Homem da caserna, creio nas virtudes da disciplina, da ordem, da unidade de comando. E creio nas messes do planejamento sistematizado, na convergência de ações, no estabelecimento das prioridades. E, porque assim o creio, é que tudo farei por coordenar, integrar, totalizar nossos esforços tantas vezes supérfluos, redundantes, contraditórios, dispersivos em uma tarefa global, regida por um grande plano diretor. [...].
Homem da lei e do regulamento, creio no primado do Direito. E, porque homem da lei, é que pretendo velar pela ordem jurídica. E, homem, de pés no chão, sinto que, nesta hora, a ordem jurídica se projeta em dois planos. Vejo o plano institucional, destinado a preservar as conquistas da Revolução, vejo o plano constitucional, que estrutura o Estado e assegura o funcionamento orgânico dos Poderes. Estou convencido de que é indispensável a coexistência dessas duas ordens jurídicas, expressamente reconhecida pela Constituição, fundada no imperativo da segurança nacional, e coerente enquanto for benéfica à defesa da democracia e à realização do bem comum. (BRASIL, 1969)
MÉDICI, ao vislumbrar a coexistência de duas ordens jurídicas expressamente reconhecidas no Texto Magno, algo absolutamente incoerente sob o prisma do Direito Constitucional, posto que a Constituição é uma só, não havendo que se pensar, portanto, em duplo ordenamento, acaba por revelar, a nosso ver, sua verdadeira intenção: sinalizar, desde a posse, que a exegese a ser extraída pelo Poder Judiciário a respeito da Lei Maior deveria levar em conta essa tal dicotomia por ele assentada, qual seja, o plano institucional (o imperativo da segurança nacional enquanto valor destinado a preservar as conquistas do Regime) e o nível constitucional (referente à estrutura do Estado e o funcionamento orgânico dos poderes). A questão que se mostrou de difícil solução à época foi justamente conciliar esses dois valores apontados no discurso de MÉDICI.
3.4. Ernesto Geisel.
Através de eleição indireta, ERNESTO GEISEL, da ala liberal das Forças Armadas, passa a exercer o cargo de Presidente da República em 15 de março de 1974, imprimindo, desde o início de sua gestão, o denominado processo de distensão lenta, gradual e segura, cujo objetivo maior era, como efetivamente aconteceu, a reintrodução da democracia no país.
Quando do pronunciamento proferido em 15 de março de 1974, no Palácio do Planalto, por conta da assunção do mandato, GEISEL não cita as Forças Armadas, nem menciona o Poder Judiciário. A essência de seu discurso, que em diversas passagens refere-se ao Regime e a seus respectivos idealizadores, revela o propósito maior do movimento político-militar de 1964, o qual, segundo o Presidente, seria "um projeto nacional de grandeza para a Pátria, alicerçado no binômio indissolúvel do desenvolvimento e da segurança". (BRASIL, 1974)
Já em 19 de março de 1974, quando da primeira reunião ministerial, GEISEL reforça o apego ao binômio desenvolvimento e segurança:
O desenvolvimento de uma Nação é, necessariamente, um desenvolvimento integrado, o que não implica, de forma alguma, progresso linear, paralelo, entre os vários setores, admitindo-se, ao contrário, defasagens impostas por fatores conjunturais e pela sempre limitativa disponibilidade de recursos e, bem assim, por decisão estratégica de avanço mais rápido, a princípio, em setores considerados prioritários. Importa reconhecer, entretanto, que retardes excessivos em qualquer parte da ampla frente da ação governamental acabarão, inevitavelmente, por frear o progresso em todos os outros setores.
De forma semelhante, no quadro da segurança nacional, o processo de seu reforço é também essencialmente integrado, de vez que esse processo é o mesmo do próprio desenvolvimento nacional, aplicado apenas em campo especializado e mais restrito. O mínimo de segurança indispensável resulta, pois, da interação devidamente balanceada dos diferentes graus de segurança alcançados ou desejados, em cada um dos seus setores componentes.
Cabe salientar, ainda, a estreita vinculação que se estabelece entre esses dois processos aqui apresentados distintamente o do desenvolvimento nacional e o da segurança ambos integrados nas suas áreas peculiares, mas, também, integrados entre si. (BRASIL, 1974)
E, no derradeiro parágrafo do mesmo discurso endereçado ao Ministério, GEISEL afirma: "Quanto às Forças Armadas, reservar-me-ei para apresentar minhas diretrizes gerais na primeira reunião do Alto Comando que se realizará nos próximos dias". (BRASIL, 1974)
O trecho anterior, sem sombra de dúvida, desponta o poder político ostentado pelas Forças Armadas naquela época, mesmo diante do novo panorama que se desenhava a partir de então, sendo pertinente ponderar que GEISEL, ao decidir não tratar de assuntos militares na mesma ocasião, tivesse o propósito de, reservadamente, no âmbito particular das Forças Armadas, ditar-lhes os novos rumos da distensão, preparando, assim, o terreno que culminaria com a definitiva saída dos militares da cena política, o que aconteceria com o fim do próximo governo.
3.5. João Figueiredo.
Posteriormente, uma vez eleito indiretamente pelo Congresso Nacional, o General JOÃO FIGUEIREDO, o último Presidente militar, passa a exercer o cargo em 15 de março de 1979, nele permanecendo até 15 de março de 1985, tendo em vista que a Emenda Constitucional nº 8, de 14 de abril de 1977, promulgada por GEISEL com amparo no AI nº 5, passou a fixar o mandato presidencial em 6 anos. Também da ala liberal, FIGUEIREDO assume o governo reafirmando a concepção de abertura política inaugurada pelo mandatário antecessor. Ao receber a faixa presidencial, FIGUEIREDO proferiu, em síntese, as seguintes palavras a respeito do movimento político-militar de 1964:
Reafirmo, portanto, os compromissos da Revolução de 1964, de assegurar uma sociedade livre e democrática. Por todas as formas a seu alcance, assim fizeram, nas circunstâncias de seu tempo, os presidentes Castello Branco, Costa e Silva, Emílio Médici e Ernesto Geisel.
Reafirmo: é meu propósito inabalável dentro daqueles princípios fazer deste País uma democracia. As reformas do eminente Presidente Ernesto Geisel prosseguirão até que possam expressar-se as muitas facetas da opinião pública brasileira, purificado o processo das influências desfigurantes e comprometedoras de sua representatividade. Reafirmo: sustentarei a independência dos poderes do Estado e sua harmonia, fortalecendo, para que atinja sua plenitude, a Federação sonhada pelos fundadores desta Pátria. [...].
Reafirmo o meu gesto: a mão estendida em conciliação. Para que os brasileiros convivam pacificamente. Para que as divergências se discutam e resolvam na harmonia e na boa vontade, tão da índole de nossa gente. [...].
Preocupada com o bem comum.
Vigilante na preservação da ordem pública e dos direitos das pessoas e da sociedade. Firme na segurança das instituições.
Prudente e serena na utilização dos instrumentos legais existentes para esse fim. (BRASIL, 1979)
Nota-se, perfeitamente, o tom conciliador que permeou o aludido discurso, provavelmente uma das razões explicáveis para o fato de FIGUEIREDO, como já havia feito GEISEL, não ter se dirigido expressamente às Forças Armadas, cujo protagonismo começava a se esvaecer. Afinal, naquele momento, já estava devidamente traçado o derradeiro rumo a ser dado ao movimento de 1964, qual seja, o afastamento dos militares da trama política.
Com efeito, em perfeita sintonia com o referido propósito de conciliação nacional, e após amplo debate, é sancionada por FIGUEIREDO, em 28 agosto de 1979, a Lei nº 6.683 (Lei de Anistia), cujo art. 1º, caput, concedeu anistia a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da administração direta e indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares.
Não obstante ter silenciado quanto à caserna no discurso de posse, FIGUEIREDO, logo em 19 de março de 1979, na primeira reunião ministerial, refere-se expressamente às funções das Forças Armadas:
Nossas Forças Armadas, tranquilas no cumprimento do dever, saberão garantir-nos o grau de segurança indispensável à presença soberana do País no cenário internacional. Não deixarão, por outro lado, de assegurar a ordem e a paz internas, necessárias à participação política do povo na vida nacional. (BRASIL, 1979)
Mesmo diante dessa inegável tonalidade pacificadora, a década de 80 do século passado experimentaria sérias reações à proposta de abertura política, em curso desde GEISEL. Grupos de direita radical, numa completa aversão ao projeto em trâmite, perpetram odiosos atos de cunho terrorista, sendo o mais emblemático deles o que se deu em 1981, no conhecido Caso Riocentro, quando duas bombas explodiram durante um show comemorativo ao Dia do Trabalho. A ocorrência deste e de outros atentados reforçam o nosso entendimento de que as Forças Armadas, naquela quadra, já não ostentavam o mesmo poder político de antigamente, fato que era do amplo conhecimento dos próprios militares, sobretudo os liberais, tanto que alguns segmentos da caserna (os ditos radicais) tentavam a todo custo recuperar terreno e paralisar a inevitável distensão. Era o sinal inequívoco de que as próprias Forças Armadas não pretendiam mais prorrogar o exercício do poder. Estava esgotado, naquela ocasião, o emprego das instituições militares como elemento de estabilização de crise.
Como que se estivesse preparando o novo caminho a ser trilhado pelas Forças Armadas a partir de 1985, FIGUEIREDO, quando de seu penúltimo discurso em cadeia nacional de rádio e TV, abordou o tema Defesa Nacional, sinteticamente:
Não se pode improvisar a Defesa Nacional. É preciso contar com estruturas permanentes, com alto nível de especialização, flexibilidade para renovação constante, tanto nas concepções estratégicas e táticas como nos instrumentos de combate. Porque a Defesa Nacional exige o máximo de eficácia, que só se consegue pela dedicação total das pessoas engajadas, pelo treinamento constante, pelo domínio dos avanços tecnológicos. [...].
Em que consiste a Defesa Nacional? É uma tarefa ciclópica que exige recursos tecnológicos avançados de poder de fogo de transporte e da eletrônica. É um papel estratégico que exige a perfeita integração entre Exército, Marinha e Força Aérea, na defesa conjunta do território, do mar e do espaço aéreo nacionais. [...].
As Forças Armadas têm também o dever de zelar pela segurança interna e pela nossa tranquilidade institucional. A união, a coesão das Forças Armadas, voltadas para a sua missão profissional, é fator decisivo para a manutenção do equilíbrio político e institucional de qualquer país.
A História nos mostra que o rompimento da coesão militar e o desvio das forças militares para servir a ambições de poder pessoal levam a crises violentas e demoradas, a perdas valiosas de vidas e de bens que deixam cicatrizes profundas na convivência de uma comunidade.
Essa ameaça estava presente quando fizemos a Revolução de 1964. Os fatores de controvérsia e divisão foram afastados e superadas as ambições pessoais. Prevaleceu, nestes 20 anos, o sentido da missão institucional; prevaleceu a doutrina de apoiar a nossa sociedade no caminho da democracia.
Antes de 1964, a situação das Forças Armadas deixava muito a desejar. O armamento era obsoleto, quase todo o material era importado. Os efetivos do Exército, da Marinha e da Força Aérea estavam dispostos apenas pelo litoral e pela fronteira sul do País.
Nestes 20 anos, fizemos um esforço sistemático para trazer as Forças Armadas ao nível compatível com o crescimento nacional. Forças Armadas eficientes e modernas implicam despesas. O avanço tecnológico dos instrumentos de combate exige elevado nível tecnológico de preparo dos homens para manejá-los.
O processo de modernização e equipamento das Forças Armadas obedeceu e obedece a critérios rígidos de economia, em vista da escassez dos recursos orçamentários, sempre aquém das necessidades dos vários setores da atividade governamental. [...].
A Força Aérea, a Marinha e o Exército precisam, portanto, de contar com a aparelhagem adequada. É imprescindível que cada uma dessas Forças disponha de sistemas de detecção, como o radar, o sonar, etc., apropriados às suas missões específicas. Também é imprescindível que cada Força conte com armas capazes de causar dano sobre o adversário; precisa da organização logística adequada, de apoio, abastecimento e administração; é preciso uma estrutura de comando e de estado-maior para estudo, decisão e execução quanto a estratégias e alternativas de ação.
A missão específica do Exército consiste na defesa do nosso imenso Território. Por isso, a modalidade das tropas terrestres e o poder de fogo por unidade são fatores fundamentais para a execução dessa tarefa. Hoje, a nossa Infantaria, a Cavalaria blindada e a Artilharia dispõem de armamento e mobilidade adequados às suas missões específicas. [...]. (BRASIL, 1984)
No dia 28 de dezembro de 1984, FIGUEIREDO, despedindo-se em cadeia nacional de rádio e TV, reconheceu e apontou a quem cabe conduzir a cena política:
A democracia, que queremos plena, oferece à sociedade os meios para o seu contínuo aperfeiçoamento, para a solução racional dos seus próprios problemas e de suas crises. A política, como arte do diálogo, da argumentação e do compromisso, retoma, nesse quadro, a posição que lhe cabe no comando da sociedade. [...]. (BRASIL, 1984)