Capa da publicação Ataques ao STF: inquérito das fake news x sistema acusatório
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A relativização do sistema acusatório diante dos ataques aos Ministros da Suprema Corte brasileira.

O sistema inquisitório de exceção no inquérito das fake news

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Ante a inércia do Procurador Geral da República, como o STF pode se defender de ataques? O sistema penal acusatório surtiria efeito?

Resumo: Quando a Suprema Corte do Brasil está em posição de vítima, o Sistema Processual Acusatório pode não ser o melhor sistema para dar início a persecução penal. Este trabalho tem objetivo de abortar essa situação surgida no Inquérito das Fake News, e como o sistema inquisitório se tornou o único meio disponível para que o STF pudesse construir uma proteção contra o extremismo de direita. Procura-se, também, apontar uma possível oficialização legislativa do Juiz Inquisitor, em situação de excepcionalidade, como uma solução viável para o embate entre os dois sistemas.

Palavras-chave: Sistema Processual Penal Acusatório. Defesa do STF. Sistema Inquisitório. Inquérito das Fake News.


INTRODUÇÃO

Com a edição da Lei n° 13.964, de 24 de dezembro de 2019, também denominada de Pacote Anticrime, houve a oficialização do Sistema Processual Acusatório como o único a ser seguido durante a persecução penal, o qual compreende desde a fase de investigação e vai até à ação penal.

Contudo, no Brasil, em algumas circunstâncias, o sistema inquisitório ainda é usado por alguns órgãos do Poder Judiciário e alguns magistrados. O inquérito das Fake News, instaurado em março de 2019, pelo próprio STF, é um exemplo típico da utilização inquisitiva do sistema processual penal.

Até que ponto o uso do sistema inquisitório de torna o único caminho plausível para defesa mais célere e assertiva do Supremo Tribunal Federal e seus membros?

A não revogação explícita de alguns dispositivos do Código de Processo Penal e a preservação de artigos do Regimento Interno do Supremo, para alguns juristas, não recepcionados pela atual Constituição Federal,  seriam ferramentas que são deixadas deliberadamente para se valer do sistema inquisitivo?

São a estes questionamentos que este trabalho pretende responder. Em um primeiro momento, expor-se-á o que o Pacote Anticrime trouxe em termos de reafirmação do Sistema Acusatório e exemplos de dispositivos preservados que colidem com essa ratificação do aludido sistema.

Os pontos fracos do sistema acusatório e o Inquérito das Fake News serão dissecados, servindo este como leading case para demonstrar o quão se pode usar alguns dispositivos, para alguns teóricos, revogadas tacitamente ou pela Constituição ou pelo mencionado Pacote, em benefício ou proteção das Instituições e pessoas, leia-se neste último caso, magistrados e ministros.

Cunha-se, neste trabalho, uma nova designação para o sistema da Idade Média, Sistema Inquisitório de Exceção, reafirmando a tese de que um sistema híbrido ainda estaria vigente no Processo Penal brasileiro, contrapondo-se a vontade perene do legislador de que o Juiz Inquisitor foi deixado para trás definitivamente.

Já com relação a metodologia utilizada para o desenvolvimento deste trabalho, foi utilizada a abordagem qualitativa, sendo feita uma pesquisa exploratória de cunho bibliográfico e documental, assim como uma análise empírica jurisprudencial.


2 A REAFIRMAÇÃO DO SISTEMA ACUSATÓRIO COM BRECHAS PARA O SISTEMA INQUISITÓRIO

A Constituição de 1988 garante, de forma implícita, que o Sistema Acusatório é o que deve ser usado no âmbito do Processo Penal Brasileiro. É o que se depreende de uma série de garantias que se dá ao acusado e de princípios constitucionais. Senão vejamos: princípio do devido processo legal (art. 5°, LIV), do Contraditório e Ampla Defesa (art. 5°, LV), o Princípio do Juiz Natural (art. 5°, LIII) e da Presunção da Inocência (art. 5°, LVII).

No entanto, o Código de Processo Penal brasileiro fora gestado antes da Constituição de 1988, durante um período de autoritarismo de Getúlio Vargas e após a Revolução de 1930, e inspirado pelo Código de Processo Penal fascista italiano (SILVEIRA, 2015, p. 264).

E como foi concebido sob um regime fascista brasileiro, o CPP é reflexo desse tempo, como se extrai de um trecho de sua exposição de motivos, em que se justifica a expansão da criminalidade, na época, pelo excesso de garantias dadas ao réu:

De par com a necessidade de coordenação sistemática das regras do processo penal num Código único para todo o Brasil, impunha-se o seu ajustamento ao objetivo de maior eficiência e energia da ação repressiva do Estado contra os que delinquem. As nossas vigentes leis de processo penal asseguram aos réus, ainda que colhidos em flagrante ou confundidos pela evidência das provas, um tão extenso catálogo de garantias e favores, que a repressão se torna, necessariamente, defeituosa e retardatária, decorrendo daí um indireto estímulo à expansão da criminalidade. Urge que seja abolida a injustificável primazia do interesse do indivíduo sobre o da tutela social. Não se pode continuar a contemporizar com pseudo direitos individuais em prejuízo do bem comum. (CÉSPEDES, 2018, p. 495).

E não é somente pela exposição de motivos que o sistema inquisitório se torna evidente, mas por dispositivos como o art. 156 do mesmo código, em que autoriza o Juiz a produção de provas, sob os auspícios da urgência e da relevância, ou para “dirimir dúvida sobre ponto relevante”. Onde se vê, cabalmente, o caráter subjetivo da escolha dessa designação de urgência e relevância, dando azo para o provável desmando do magistrado.

Quem vai verificar se realmente há esses requisitos trazidos pelo código?

Como tolher os excessos cometidos pela interpretação subjetivista da vetusta norma?

Segundo Lopes (2020, p. 585), antes do Pacote Anticrime (Lei n° 13.964/2019), o CPP é essencialmente inquisitório ou neoinquisitório. O que contraria boa parte da doutrina que o considerava um sistema misto, ou seja, em parte acusatório e outra parte inquisitório, a depender da fase do processo.

E o art. 3°-A, trazido pelo aludido pacote, veio fortalecer o sistema acusatório, nestes termos: “O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação”.

Com o mencionado dispositivo legal, o que estava implícito na Constituição brasileira, está mais que concreto, o sistema processual penal é o acusatório.

No entanto, o citado artigo não pode ser interpretado de modo isolado em relação aos demais dispositivos do CPP, de cunho inquisitivo, que ainda persistem, como o mencionado art. 156.

Já que o legislador tinha intenção de deixar patente que o sistema processual penal brasileiro é o acusatório, por que os artigos que o contrariam não foram revogados?

Tinha o legislador de dar fim realmente às interpretações favoráveis ao sistema inquisitório? 

O que se viu foi que o legislador preservou alguns dispositivos que deixaram  azo a não aplicação, na sua totalidade, do sistema acusatório. Mesmo que tenha somente uma falta de boa técnica legislativa, há uma clara despreocupação em se fazer um trabalho de construir um Código de Processo Penal, apesar de ser uma coxa de retalhos com suas várias alterações, que realmente seja harmônico na aplicação de seus institutos.

Para Scarton (2022), houve uma revogação tácita do art. 156, dando-se uma interpretação sistemática do CPP. No entanto, realmente admite que o legislador, para preservar a segurança jurídica, poderia ter realmente extirpado do ordenamento processual penal o referido dispositivo.

Há uma intenção subliminar de deixar o sistema processual uma parte acusatória e uma parte inquisitiva, mesmo com a declaração explícita do Pacote Anticrime de que o sistema vigente é o acusatório?

Parece haver, com a preservação ainda de alguns elementos inquisitivos, um intento de se construir uma válvula de escape, onde o Poder Judiciário poderia lançar mão para garantir alguma resposta para a sociedade, na sua ânsia punitivista. Como se o sistema inquisitivo desse uma maior celeridade na punição do infrator e uma sensação da lei cumprida para a massa ignara.

Netto (2020, p. 17) destaca a participação do juiz na coleta de provas em favor do investigado, nestes termos:

O que a nova redação do Código de Processo Penal faz, porém, quando admite a atuação probatória do juiz em favor do investigado (seja para requisitar documentos para confirmar a suspeita de que o réu é inocente, seja para atestar sua presumida incapacidade mental), é, a rigor, dar-lhe uma função de ser uma das muitas armas processuais à disposição do sujeito passivo da investigação, o que não se coaduna com o modelo acusatório de processo penal.

Conceber a ação probatória do juiz, tanto em benefício do réu ou do autor, viola o sistema acusatório, deixando o processo penal fragilizado diante dos arroubos de magistrados ávidos por justiça, influenciados pelos clamores sociais.

Outro ponto que merece destaque são as ADIns 6.298, 6.299 e 6.300 e 6.305, que suspenderam, por decisão liminar do Ministro Fux, a eficácia dos artigos que tratam do Juiz das Garantias.

Mas qual é sua relação com o sistema acusatório?

Ocorre que um dos artigos que tiveram sua eficácia suspensa foi o art. 3°-A, que trata justamente do sistema acusatório.

Então, juntamente com o Juiz de Garantias, o sistema acusatório deixou também de ser o padrão de sistema processual penal?

A resposta é não. Esse foi o entendimento da jurisprudência pátria, que entende que a liminar nas referidas ADI’s deram suspensão somente à figura do Juiz de Garantias e não ao instituto do sistema acusatório. Esse foi o entendimento da 13ª Turma de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo em sede de Habeas Corpus, nestes termos:

HABEAS CORPUS. Quebra de sigilo telefônico. Pleito do impetrante de que fosse desentranhado o laudo pericial produzido, ante a ilegalidade da produção de prova, de ofício, pelo juiz, o que afronta o sistema acusatório. Constrangimento ilegal. Nulidade da prova. Produção de prova de ofício, pelo juízo, que atenta contra o sistema acusatório, já consagrado em sede constitucional e ora reforçado pela égide do art. 3°-A, do CPP, introduzido pela Lei n° 13.964/2019. Liminar do Min. Fux, na MC na ADI n.o 6299/DF, que não suspendeu a eficácia do aludido artigo no que tange ao reforço do sistema acusatório, mas apenas quanto à implantação do juiz de garantias, que demanda mudança estrutural do Judiciário. Revogação tácita do art. 156, do CPP. Precedente deste Eg. TJSP. Ordem concedida, para decretar a ilicitude da prova produzida de ofício pelo juízo, devendo ser desentranhada dos autos, juntamente com todas as provas produzidas em derivação e pela prova ilícita contaminadas. (SÃO PAULO, 2021, grifo nosso).

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Esse entendimento do TJ-SP é a interpretação lógica, mesmo porque não faz sentido não dar eficácia a uma norma que só veio reforçar algo que a Constituição de 1988 já estabeleceu, já que o objetivo das impugnações trazidas pelas ADIN’s é  apenas a suspensão do Juiz de Garantias.


3 O INQUÉRITO DAS FAKE NEWS E A FRAGILIDADE DO SISTEMA ACUSATÓRIO

Por meio de Portaria, o Ministro Dias Toffoli, ainda como Presidente do STF, em março de 2019, instaurou o inquérito n° 4.781/DF, mais conhecido na mídia como Inquérito das “Fake News”, o qual tinha por objetivo apurar as notícias falsas, denunciação caluniosa e ameaças dirigidas aos membros daquele Tribunal e aos seus familiares.

Foi usado como sustentáculo e como permissivo para a instituição desse inquérito, pelo próprio Supremo, o art. 43 do seu Regimento Interno, que assim aduz:

Art. 43. Ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro.

§ 1º Nos demais casos, o Presidente poderá proceder na forma deste artigo ou requisitar a instauração de inquérito à autoridade competente.

§ 2º O Ministro incumbido do inquérito designará escrivão dentre os servidores do Tribunal. (BRASIL, 2022, grifo nosso).

Alguns pontos devem ser considerados, o primeiro deles é que o citado dispositivo não teria sido recepcionado pela Constituição de 1988, isso seguindo uma “análise paramétrica”. E seguindo “uma análise ordinário-substancial”, não daria permissão para que o STF investigue crime que vai além de suas dependências internas, segundo Streck (2019).

Não seria recepcionada pela atual Constituição porque esta baliza princípios que dão o afastamento necessário do julgador a uma posição de neutralidade, alçando o sistema processual acusatório como uma conquista civilizatória. O juiz julga, o Ministério Público denuncia, este e as partes alimentam o processo com os fatos e as provas, sendo que a autoridade investiga, cada um com seu papel bem definido.

Desde modo, não caberia ao Poder Judiciário o papel investigatório, pois este papel é próprio das autoridades policiais. E o próprio Supremo reforça essa tese, na ADI 1570, nestes termos:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 9034/95. LEI COMPLEMENTAR 105/01. SUPERVENIENTE. HIERARQUIA SUPERIOR. REVOGAÇÃO IMPLÍCITA. AÇÃO PREJUDICADA, EM PARTE. "JUIZ DE INSTRUÇÃO". REALIZAÇÃO DE DILIGÊNCIAS PESSOALMENTE. COMPETÊNCIA PARA INVESTIGAR. INOBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. IMPARCIALIDADE DO MAGISTRADO. OFENSA. FUNÇÕES DE INVESTIGAR E INQUIRIR. MITIGAÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DAS POLÍCIAS FEDERAL E CIVIL. 1. Lei 9034/95. Superveniência da Lei Complementar 105/01. Revogação da disciplina contida na legislação antecedente em relação aos sigilos bancário e financeiro na apuração das ações praticadas por organizações criminosas. Ação prejudicada, quanto aos procedimentos que incidem sobre o acesso a dados, documentos e informações bancárias e financeiras. 2. Busca e apreensão de documentos relacionados ao pedido de quebra de sigilo realizadas pessoalmente pelo magistrado. Comprometimento do princípio da imparcialidade e conseqüente violação ao devido processo legal. 3. Funções de investigador e inquisidor. Atribuições conferidas ao Ministério Público e às Polícias Federal e Civil (CF, artigo 129, I e VIII e § 2o; e 144, § 1o, I e IV, e § 4o). A realização de inquérito é função que a Constituição reserva à polícia. Precedentes. Ação julgada procedente, em parte. (BRASIL, 2004, grifo nosso).

Nesta ADI, o Supremo declarou a inconstitucionalidade do art. 3° da Lei 9.034/95, no qual o dispositivo dava poderes inquisitoriais ao Juiz, em flagrante afronta ao sistema acusatório e ao princípio da imparcialidade do Magistrado.

Apesar do posicionamento da Jurisprudência do próprio STF ser no sentido de proteção do sistema acusatório, e de seu suposto fortalecimento com o Pacote Anticrime, a instauração do inquérito 4781 dá um forte golpe no aludido sistema processual, sujeitando a Corte Maior às críticas ferrenhas de seus opositores.


4 SISTEMA INQUISITÓRIO DE EXCEÇÃO: UMA SALVAGUARDA PARA PROTEÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL

De quem o STF pode se valer, em sua defesa, quando seus membros são vítimas de ataques ou a própria instituição?

O sistema processual penal acusatório surtiria algum efeito, já que se tem uma Procuradoria Geral da República - PGR, inerte, subjugada a um dos Poderes da República?

São questionamentos que se fazem em virtude do surgimento do Inquérito 4.781, dada sua repercussão nacional.

Sobre a inércia da PGR, Streck (2022), reforça esse pensamento, o qual aduz que não havia outra opção para o STF instaurar de ofício o mencionado inquérito, sob pena de sucumbir aos arroubos autoritários e a vilania de grupos extremistas de direita, assim declarando:

Há uma variável que deixa mais séria a questão brasileira: o STF foi demonizado pela extrema-direita. Isso é fato. Passeatas contra o STF, a favor do estado de sítio, pela volta do AI-5 (sic), impeachment de ministros, prisão de ministros e quejandices quetais. Até mesmo ataques com fogos foram feitos.

Bom, isso fez com que, na falta do Ministério Público, o STF abrisse o famoso inquérito. E aí se disse: "STF autoritário!". Claro: e queriam o quê? Que o Supremo já fechasse as próprias portas sozinho? Queriam que o presidente da Corte fosse pessoalmente comprar os fogos?

Bem, é correto em se dizer que existiria uma previsão legal para que ora se adotasse um sistema processual ora se adotasse outro?

O sistema legitimado pela Constituição e pelo Código de Processo Penal é o Acusatório, especialmente ratificado pelo art. 3°-A, introduzido pelo Pacote Anticrime. No entanto, o que se viu foi o uso do sistema inquisitório para dar impulso a um inquérito, pois sem ele não teria nascido. E a Corte Suprema, vendo-se acuada por seus opositores, descontentes com suas decisões, estavam vociferando e atentando contra as instituições democráticas.

A verdade é que, mesmo com a CF/88, o sistema inquisitivo nunca morreu e sempre esteve presente na realidade jurídica penal brasileira, legitimado, sim, por alguns dispositivos do CPP atual, como já citado anteriormente. Foram revogados tacitamente, sob o pensamento de alguns juristas, mas de uso implacável quando o Magistrado quer fazer o papel de promotoria, sob a justificativa obsoleta da busca da “verdade real”.

Assim, a colenda Corte Suprema tirou o seu art. 43, do seu Regimento Interno, como uma carta coringa, um escudo de proteção para si mesma. Se é constitucional ou não, o próprio STF já disse que sim. Este é, verdadeiramente, o competente para isso. Deste modo, foi feito no julgamento na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF n° 572/DF, do qual se extrai o seguinte trecho do Acórdão:

Nos limites desse processo, diante de incitamento ao fechamento do STF, de ameaça de morte ou de prisão de seus membros, de apregoada desobediência a decisões judiciais, arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada totalmente improcedente, nos termos expressos em que foi formulado o pedido ao final da petição inicial, para declarar a constitucionalidade da Portaria GP n.º 69/2019 enquanto constitucional o artigo 43 do RISTF, nas específicas e próprias circunstâncias de fato com esse ato exclusivamente envolvidas. (BRASIL, 2022. Grifo nosso).

Em momento anterior, especificamente no Habeas Corpus 152.720/DF, o STF instaurou de ofício inquérito para investigar o uso abusivo de algemas contra  Sérgio de Oliveira Cabral Santos Filho, ex-governador do Rio de Janeiro. Então, apesar da grande repercussão do caso do inquérito das Fake News, havia jurisprudência do Supremo no sentido de abertura de inquérito por ele próprio, como se extrai do trecho do voto do Ministro Gilmar Mendes, relator do processo:

O abuso no uso de algemas também enseja a "responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade”. O fato é, ao menos em tese, típico de abuso de autoridade - art. 4°, b, da Lei 4.898/65. A despeito disso, não se tem notícia da instauração da competente investigação. Tenho que esta Corte deve não apenas determinar a instauração do inquérito, na forma do art. 5°, II, do CPP, mas conduzir as apurações para que saibamos, de fato, o que inspirou a conduta. Temos que nos perguntar sobre nosso éthos, o que fazemos e por que fazemos. Um dos éthos da jurisdição constitucional é impedir que se façam abusos contra os direitos humanos. (BRASIL, 2018, grifo nosso).

Na doutrina pátria não se encontra a expressão utilizada neste trabalho, sistema inquisitório de exceção. O que se tem é a designação de sistema misto ou sistema neoinquisitório, como intitulado por Aury Lopes Júnior. Oficialmente é acusatório, como já deixado claro pelo art. 3°-A, do CPP, introduzido pelo Pacote Anticrime, mas com alguns dispositivos não revogados, que servem como uma carta na manga do magistrado, para que instaure inquéritos de ofício, como o art. 5°, II, usado como fundamento no referido voto do Min. Gilmar Mendes, no HC 152.720/DF, retromencionado.

Alguma dose de norma inquisitória se fez necessária, como um único meio possível para proteção do pilar do modelo democrático brasileiro, qual seja  o Supremo Tribunal Federal. Os que apontam que esse sistema processual penal é anticivilizatório ou ilegal, vê-se que não revelam uma solução ou alternativa para coibir a deflagração de manifestações e ações atentatórias contra a Corte Máxima.

O caso do inquérito das Fake News serviu como uma pequena amostra para se provar que é plausível se deixar um ponto de fuga para autoproteção das instituições democráticas, especialmente para momentos conturbados em que se tem uma inércia do Ministério Público. Contudo, a única salvaguarda que se poderia ter é que a decisão de instauração de tais inquéritos deveria ser tomada sempre de forma colegiada, isso com o intuito de minimizar uma provável dose de autoritarismo e excesso que poderia advir da decisão de um único ministro ou magistrado.

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Sobre o autor
Paulo das Neves e Silva Júnior

Especialista em Direito Eleitoral. Especialista em Direito Civil e Processo Civil. Atualmente Analista Judiciário do Tribunal Regional Eleitoral do Piauí.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JÚNIOR, Paulo Neves Silva. A relativização do sistema acusatório diante dos ataques aos Ministros da Suprema Corte brasileira.: O sistema inquisitório de exceção no inquérito das fake news. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7150, 28 jan. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/101678. Acesso em: 23 nov. 2024.

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