Artigo Destaque dos editores

Laicidade estatal e liberdade religiosa.

Decisões políticas influenciadas pelo fundamentalismo homofóbico

Exibindo página 2 de 3
Leia nesta página:

4. Liberdade religiosa e secularização do Estado.

É quase indiscutível que a religião ocupa um lugar central na constituição do mundo que temos. Entretanto, as manifestações religiosas no mundo da ciência experimental moderna, tenderiam a um persistente declínio causado pela secularização da sociedade, e ainda que o indivíduo continue a crer e a praticar suas crenças múltiplas, as religiões, como as conhecemos, tradicionalmente, tenderiam a desaparecer.

De acordo com Durkheim (1996), o homem se define em sua coletividade, uma vez que só é homem enquanto parte de uma sociedade. Vivendo em sociedade as pessoas têm necessidade de explicar o mundo que os cerca, e a religião surgiu em satisfação à necessidade especulativa dos homens. Desse modo, a religião é responsável por grande influência na conduta de vida das pessoas e teria, por este motivo, ela mesma, uma estrutura de poder interna, com espaços e mensagens privilegiadas, baseadas em interesses específicos, e com uma dinâmica de interesses próprios.

O direito à liberdade de religião faz parte dos elementos que compõem a idéia de democracia moderna. Mantém um elo entre os princípios de liberdade de consciência, liberdade de expressão, liberdade de associação - corolários do direito à liberdade de pensamento -; e resulta, como solução para as situações problemáticas que envolvem discriminações civis em Estados que mantinham religiões oficiais, em conflitos muitas vezes armados.

Independentemente do sistema constitucional no qual esteja discriminado, o direito ao exercício livre de sua religião pode ser segmentado em: 1) Liberdade de crença; 2) Liberdade de culto e 3) Liberdade de organização religiosa.

Mais do que uma função social, o campo religioso desempenha uma função política, já que determina ações e posições no mundo. Destarte, a relação entre religião e política não deve ser pensada como um exercício de dispersão sem limites. Segundo o antropólogo Emerson Giumbeli, as condições associadas ao princípio da liberdade religiosa são as seguintes,

(...) separação entre Estados e Igrejas, não intervenção do Estado em assuntos religiosos, restrição dos grupos confessionais ao espaço privado, igualdade das associações religiosas perante a lei, garantia de pluralismo confessional e escolha individual(...)(GIUMBELLI, 2001, p.23)

Hoje, porém, nos mais diversos países, volta-se a reivindicar a liberdade religiosa, diante de governos que insistem em instaurar credos oficiais e políticas que implicam na discriminação de minorias religiosas. O campo político-jurídico deve ser secularizado, ou seja, definido como áreas onde o interesse geral e o bem-comum não sejam determinados por preceitos religiosos diversos.

A noção de secularização acompanha a idéia de uma modernidade que constrói a sua autonomia em relação à religião, a qual deixa de ser a instância ordenadora do social e passa a se circunscrever no âmbito privado, da subjetividade individual, perdendo ou diminuindo, assim, seu poder ou sua importância simbólica na sociedade.

O tema da secularização ou laicidade estatal é complexo e não é fato consumado nem nos países em que a modernidade esteve na agenda na formação dos Estados-nações, todavia, as crenças, valores e práticas religiosas não se restringem aos cultos ou à vida privada dos indivíduos mas, constituem, verdadeiramente, os indivíduos e, assim, interferem na maneira com que se relacionam com o mundo, que o lêem, na maneira com que fazem parte dele.

Na opinião de Alexandre B. Fonseca, "A religião não voltou a ocupar a centralidade e o poder de outrora. Isso pode até vir a acontecer, mas não está acontecendo e é impossível que aconteça num futuro próximo"(FONSECA, 2002, p. 30-31)

Esse pensamento, segundo Joanildo Burity, seria, fruto de uma episteme liberal fundada num dualismo entre espaço público e vida privada, no ideal de neutralidade do Estado, e na separação entre igreja e Estado. Exemplos como a resistência da Igreja Católica na Polônia e a politização do catolicismo e do protestantismo histórico latino-americanos na década de 70 e 80, seriam evidências contrárias àquelas expectativas, apontado, ao invés disso, para "um deslocamento de fronteiras e ressignificação ou redescrição de práticas".(BURITY, 2001, p.1)

A liberdade religiosa concebe-se como direito natural, inerente à qualidade de ser humano, que regula as relações entre o Estado e a Igreja, em consonância com a liberdade dos indivíduos e dos grupos, com o fito de sustentar, defender e propagar suas crenças religiosas, bem como se manifesta como um complexo de liberdades, alguns dos quais se circunscrevem à esfera individual dos cidadãos, enquanto outros se apresentam como direitos coletivos. A multiplicidade dos direitos abrigados sob seu manto é reportada, inclusive, pelo direito internacional [02].

É, outrossim, direito humano de toda pessoa não ser obrigada a agir contra a própria consciência e contra seus princípios religiosos. Segue-se daí, não ser lícito obrigar cidadãos a professar ou a rejeitar qualquer religião, ou impedir que alguém entre ou permaneça em comunidade religiosa ou mesmo a abandone. O direito de liberdade de consciência e de crença deve ser exercido, concomitantemente, com o pleno exercício da cidadania.

4.1. Laicidade estatal no mundo moderno.

A secularização do aparato jurídico-político constitui em um processo histórico decisivo na formação das sociedades modernas ocidentais. Com a separação, o Estado, além de adquirir autonomia em relação ao grupo religioso ao qual se aliava, amplia sua dominação jurídica e política sobre a esfera religiosa. Destarte, o laicismo não foi introduzido abruptamente. A emancipação da sociedade em relação ao domínio religioso foi sendo feita progressivamente, ao longo de um processo iniciado com a Revolução Francesa de 1789.

A separação Estado–Igreja e a moderna secularização do Estado propiciaram a efetivação de profundas mudanças no campo religioso. Instaurada pelos Estados liberais – cujo ideário político preconiza a neutralidade religiosa do Estado e a restrição da religião à vida privada ou à particularidade das consciências individuais –, a separação desmantelou o monopólio religioso, erodindo, ao menos parcialmente, as prerrogativas que a religião oficial usufruía de sua aliança política com o Estado, e resultou na garantia legal de liberdade religiosa, na defesa da tolerância religiosa e na proteção do pluralismo religioso.

Contudo, as evidências de que debates envolvendo temáticas religiosas tornaram-se praticamente incontornáveis na atualidade, não estão apenas nos noticiários, mas também em debates que colocam em questão as relações entre Estado, religião e sociedade.

Citemos a França como exemplo. Entre julho e dezembro de 2003, foi criada, pela Presidência da República, uma "Comissão sobre a Laicidade" do Estado. Formada por vinte membros, funcionários, militantes, intelectuais de diversas especialidades, a qual promoveu centenas de audiências abertas e algumas dezenas de audiências fechadas. À comissão foi solicitado um conjunto de medidas que servissem para orientar o Poder Executivo. O relatório foi oficialmente entregue em dezembro de 2003.

O que nos interessa neste relatório, trata-se de seu tema geral, a "laicidade estatal". Um dos vetores deste relatório procura reforçar a neutralidade do Estado, especialmente nas regras aplicadas aos servidores e serviços públicos. Nesse sentido, insiste-se que os servidores devem exercer suas funções colocando em suspensão suas opiniões pessoais, políticas e filosóficas, inclusive, as religiosas. Por outro lado, medidas diversas colocam o Estado como um fator direto de intervenção no campo religioso. Dentre elas estão a criação de uma "escola nacional de estudos islâmicos".

A "Comissão sobre a Laicidade" fez diversas e específicas recomendações a propósito das instituições educacionais. Afirma o relatório, "o espaço escolar deve permanecer para elas (as alunas) [03] um lugar de liberdade e de emancipação". Com base nisso, a comissão propôs que fosse elaborada uma lei que proíba nas escolas públicas "os trajes e signos manifestando um pertencimento religioso ou político". Essa recomendação foi prontamente acolhida pela Presidência da República, que algumas semanas depois enviou um projeto de lei à Assembléia com base no relatório da Comissão sobre a Laicidade, o qual transformou-se em Lei em março de 2004 (Lei n° 2004-228, de 15 de março de 2004).

No contexto da luta por uma cultura laica e democrática que respeite as liberdades individuais e valorize a diversidade, o conflito é importante. A disputa entre perspectivas de valores e de interesses é o grande motor da história, não há futuro para a humanidade com a imposição de doutrinas fundamentalistas.

Entretanto, a batalha por uma cultura laica, plural e progressista só será eficaz se for além da esfera do Estado. Com efeito, não é suficiente uma decisão judicial ou um texto de lei para garantir que essa cultura seja assegurada. Deve-se, portanto, avançar na luta por uma mudança cultural para que se tornem hegemônicos esses valores.

O real problema não é a laicidade estatal, mas o tratamento igualitário das diversas raças e culturas em cada país. A democracia moderna deve admitir que possa haver católicos, islâmicos, budistas, judeus, protestantes, etc e dar-lhes um lugar igual dentro da sociedade, por meio de uma assimilação forçada (não se pode permitir que o debate quede em questões meramente políticas e que envolvem ideologias particulares de cada cidadão, o coletivo deve ser valorizado, a dignidade da pessoa humana deve ser valorizada) que virá da mestiçagem e de políticas sociais voluntárias.


5. Fundamentalismo religioso: subversão do direito à liberdade religiosa.

Na nossa sociedade ocidental, tem-se a idéia de que a "essência" da religião estaria expressa na sistematização teológica (conhecimento acadêmico institucional). Porém, se pensarmos em religião como um sistema de crenças e práticas, constatamos que religião não é somente Teologia, pois é necessário compreender as relações de poder que definem o que é correto e o que é errado dentro de uma tradição institucionalizada, ao menos a partir de uma perspectiva sócio-democrática.

Dentro de um aspecto histórico-cultural, tanto crenças como práticas conferem os mais variados sentidos religiosos. Tomar posicionamento de uma ou de outra significa identificar-se com um lugar de poder. O que devemos fazer é entender como diferentes crenças e práticas fazem sentido para as pessoas e os grupos que as adotam, em contextos históricos específicos.

Embates dentro do campo religioso suscitam preocupação com a questão da tolerância religiosa e do diálogo inter-religioso. O estabelecimento de representações (símbolos que constituem nossa própria maneira de ser, de pensar e agir, dentro de contextos variados, definindo identidades não estanques) não é pacífico nem consensual, mas conflituoso, pois se cada grupo ou indivíduo se compreende de uma determinada forma, a legitimação de uma identidade passa pela desqualificação de outras.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

A forte marca heterodoxa da religiosidade impede que se encontre nela elementos que permitam entender o diálogo existente entre as formas religiosas e as racionalistas de se conceber a história. Por exemplo, uma religiosidade popular que incorpore elementos cristãos e kardecistas operará com dois conceitos distintos e excludentes de história, o retilinear e escatológico cristão, desenvolvido a partir de Santo Agostinho, e os ciclos de recomeço da doutrina da reencarnação do kardecismo [04].

Desse modo, é imprescindível que nosso olhar se fixe no diálogo, áspero e contundente, no mais das vezes, entre as igrejas institucionalizadas e os racionalismos.

Quando observamos que as circunstâncias que envolveram a afirmação histórica da liberdade religiosa conectam-se ao pluralismo religioso advindo da quebra da unidade teológico-política da cristandade e à eclosão do constitucionalismo moderno, o valor que historicamente se sobressai como fundamental ao reconhecimento do direito à liberdade religiosa é o princípio da igualdade. A idéia de liberdade religiosa somente pode prosperar num contexto em que se busca o respeito à igualdade de direitos entre todos os cidadãos. Igualdade esta que deve ser interpretada como equilíbrio do poder, sempre presente nas identidades hegemônicas, geralmente disfarçado como universal, com o reconhecimento, até mesmo a celebração pública, de identidades marginais ou suprimidas.

As religiões derivadas do cristianismo se sustentam em uma concepção da história que tem dois fundamentos, sendo o primeiro a noção de retilinearidade e de escatologia e o segundo a noção de história como processo progressivo. Entrelaçando essas duas noções está a concepção de ser a vontade humana o motor e a direcionadora da história.

Nesse contexto, deve-se tomar uma posição: a) escolhendo-se os ângulos que se julga melhores, ou espreitando-se por entre os limites colocados pelas circunstâncias ou b) fica-se em posição de desinteresse, mas, ao mesmo tempo ativo, ou seja, nem se deixa de contrair vínculos – de amizade, de antagonismo, de indiferença – em relação ao que se vê, nem determina-se ideologicamente.

Nos Estados Unidos, teólogos protestantes conservadores, muitos originários do puritanismo inglês, se posicionam contrários à teologia liberal [05] e entre 1909 e 1915 seus seguidores publicaram uma série de volumes com o título The Fundamentals: A Testimony to the Truth (Os Fundamentos: Um Testemunho à Verdade). É o título desta coleção que irá qualificar esse movimento de fundamentalista, pois ele quer fixar os fundamentosda fé cristã. Esses pontos expressam verdades que devem ser aceitas e não debatidas, pois estão na bíblia e ela não contém erros. Tudo que está na bíblia foi inspirado por Deus e, portanto, deve ser acatado, pois é para o bem e felicidade do ser humano.

Tudo quanto o homem fez ou fará em concreto na história reflete sua opção – ou ele age conforme os preceitos religiosos e isso se reflete no equilíbrio social, ou ele age contra esses preceitos e gera o caos social.

Nas palavras de Leonardo Boff, o fundamentalismo pode ser assim definido,

(...)Não é uma doutrina. Mas uma forma de interpretar e viver a doutrina. É assumir a letra das doutrinas e normas sem cuidar de seu espírito e de sua inserção no processo sempre cambiante da história, que obriga a contínuas interpretações e atualizações, exatamente para manter sua verdade essencial. Fundamentalismo representa a atitude daquele que confere caráter absoluto ao seu ponto de vista(...)(BOFF, 2002, P.25)

Os fundamentalistas religiosos justificam seus atos afirmando serem eles, a única maneira de abraçar um ideal de passado coletivo mais puro, aqueles que se apegam à letra da palavra reveladacomo sendo a única verdade, quem nutre a convicção de que o texto escriturístico está livre de erros humanos e só a interpretação literal tem cabimento e validade.(PIERUCCI, 2004)

A divulgação pública do fundamentalismo se deu, sobretudo, com o debate sobre a proibição dos professores de biologia de ensinarem, nas escolas, as teorias evolucionistas. Desde os anos 20, os fundamentalistas, temendo que o darwinismo levasse os jovens a perderem sua fé em Deus, na bíblia, ou na doutrina "fundamental" do cristianismo, vem criando mecanismos legais, proibindo o ensino da Teoria da Evolução.

Os Estados Unidos dispõem de várias das melhores universidades do mundo, abrigam metade dos cientistas premiados com o Nobel e detêm o registro de mais patentes do que todos os seus concorrentes diretos em conjunto. Ainda assim, só um em cada dois americanos acredita que o homem possa ser produto de milhões de anos de evolução. (CARELLA,VEJA,2009)

O biólogo americano David Sloan Wilson, da Universidade Binghamton, disse a repórter Gabrielli Carelli, da revista brasileira Veja, na edição alhures citada, que: "(...) Infelizmente, a evolução é percebida por muitos como uma arma projetada para destruir a religião, a moral e o potencial dos seres humanos".

Dentro das igrejas existem movimentos de reação contra essa dominação de ideais e dogmas fundamentalistas, os quais estão baseados em uma posição que associa a missão religiosa ao compromisso com a justiça social. Destarte, nas últimas décadas, o movimento fundamentalista tem articulado religião e política, nos mais diversos países, como uma forma de fazer valer os valores cristãos a partir de sua concepção teológica. Desse modo, as relações da vida cotidiana entre a igreja e a política vão se tornando cada vez mais difíceis de serem enfrentadas; especificamente, a construção do Estado laico, tanto na sua formalidade como na sua prática.

5.1. Fundamentalismo religioso homofóbico.

O fundamentalismo religioso é o caso que melhor ilustra o mergulho na contingência bruta e a construção de um imaginário que não a enfrenta nem a compreende, mas simplesmente se esforça por contorná-la apelando para uma forma inseparável de transcendência: a divina, de modo a justificar atitudes religiosas fanáticas, um retorno à sociedade pré-moderna ou mesmo práticas violentas.

Sua origem encontra-se no universo religioso, entretanto, a sua abrangência na sociedade contemporânea ultrapassa esse universo e ocupa os espaços da política, da economia e das artes, carregando consigo um traço tipicamente ideológico.

O fundamentalismo apresenta-se como reação à modernidade ocidental, liberal e tecnocrática. É caracterizado pela inimizade à ciência e à razão. Outrossim, de acordo com seus conceitos, as artes são conduzidas pelas rédeas de uma moral definida em termos religiosos e a economia e a administração política são organizadas sob a dominação de critérios religiosos tradicionalistas.

A interpretação atualizada da letra da doutrina é um risco para uma mente fundamentalista, pois pode vir a perder sua verdade original, primitiva. Esta compreensão gera intolerância e desprezo do outro e das outras maneiras de compreender a verdade.

Recorrendo à razão ou à luz natural, quando dela carece para impor o que interpreta e expulsando a razão quando esta lhe mostra a falsidade da interpretação, ou quando já obteve a aceitação do seu ponto de vista, a atitude fundamentalista, em face de sua razão estabelecida e imutável, desenha o seu lugar próprio da teologia. Sobressai-se, neste sentido, uma doutrina naturalistasegundo a qual a heterossexualidade é a forma da sexualidade humana produzida pela natureza – e, acrescentam os religiosos, a única aceita por Deus, Javé, Allah (os termos variam conforme as crenças). A concepção predominante é sempre a de que a homossexualidade é um "desvio", uma "suspensão" do desenvolvimento sexual considerado normal.

A necessidade de impormos limite à tolerância torna-se cada vez mais evidente. No sentido de que, não podemos permitir que sob o manto do exercício do direito humano à liberdade religiosa, atos de violência moral, psicológica e/ou física [06] irrompam como a essencialidade e fundamentalidade do direito à dignidade da pessoa humana das minorias sociais, quais sejam, negros, índios, idosos, e aqueles que possuem orientação sexual diversa da heterossexual, que seriam os homossexuais, bissexuais, travestis e transexuais.

A liberdade moderna, significando ausência de coação, exige a tarefa crítica de conhecer e determinar o que de fato coage e limita a vida dos homens. As coações podem ser internas (subjetivas) ou externas (objetivas), mas, independentemente de sua característica, é preciso opor-se a elas quando injustas, indevidas ou cruéis.

A visão criacionista entende o sexo como motivo do companheirismo e da reprodução, existindo só em virtude de certa complementaridade entre o homem e a mulher. Sustentam, ainda, que nenhum outro modelo de vivência sexual pode ser naturalou moralmente aceitável.

O Vaticano editou nos primeiros dias de Abril de 2003 um polêmico glossário de termos sexuais. Trata-se do "Léxico para termos ambíguos e coloquiais sobre vida familiar e questões éticas". O capítulo sobre homossexualidade e homofobia afirma que a homossexualidade deriva de um conflito psicológico não resolvido, afirma ainda que os homossexuais não são normais e que os países que permitem os casamentos unissexuais são habitados por pessoas com mentes profundamente perturbadas. [07] Oficialmente, portanto, a posição da Igreja Católica, continua sendo homofóbica e gerando polêmica.

Nesta linha de raciocínio, paradoxalmente, lembramos-nos do escândalo da chamada "pedofilia de batina", que veio a público no primeiro semestre de 2002, em diferentes partes do mundo, e que tem provocado entre os católicos, ainda mais discussões sobre a homossexualidade.

Alguns luteranos, embora contrários à ordenação de homossexuais, chegam a reconhecer que seria um engano expulsar os homossexuais das celebrações religiosas com proporções semelhantes à segregação ocorrida na mesa da comunhão, embasada num critério racial, levada a cabo por cristãos sul-africanos durante a apartheid (BRASH, 1998). Outros, ao contrário, apresentam idéias mais conservadoras, defendendo a proibição completa dos homossexuais nos templos religiosos. Entretanto, em jogo nesse debate está a compreensão de doutrinas centrais como a natureza da igreja, seu ministério e a interpretação da bíblia.

Contudo, convivem posições diferenciadas entre os cristãos e até mesmo entre membros da hierarquia da Igreja Católica. Destarte, não pretendemos, neste trabalho, nos concentrar em ideologias individuais, outrossim, nos dogmas e doutrinas das religiões, amplamente consideradas.

As grandes religiões monoteístas não têm apenas que enfrentar a explicação da realidade oferecida pelas ciências, mas têm ainda que enfrentar, de um lado, a pluralidade de confissões religiosas rivais e, de outro, a moralidade laica determinada por um Estado secular. Acabam por reconhecerem-se e à própria ciência (cujas lógicas lhes são quase impossíveis de traduzir) como rivais. Destarte, se imaginam em relação imediata com o absoluto e portadoras da verdade eterna e universal, excluem o trabalho do conflito e da diferença e produzem a figura do "outro" como demônio e herege.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Paola Frassinetti Alves de Miranda

Pós-graduanda em Direito Público pela Ensine Faculdades. Bacharela em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba Articulista e pesquisadora da área de Direitos Humanos

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MIRANDA, Paola Frassinetti Alves. Laicidade estatal e liberdade religiosa.: Decisões políticas influenciadas pelo fundamentalismo homofóbico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2643, 26 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17463. Acesso em: 26 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos