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Laicidade estatal e liberdade religiosa.

Decisões políticas influenciadas pelo fundamentalismo homofóbico

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6. Considerações Finais.

A diversidade está no centro das principais discussões sociais e políticas. Desde o final dos anos 60 mas, em especial, a partir da década de 80, os movimentos das chamadas minorias têm crescido e adquirido um progressivo reconhecimento nos países ocidentais. Desde então, o mundo vem assistindo a muitas lutas por reconhecimento de identidades, com processos e resultados diversos.

As lutas por reconhecimento de identidades culturais têm sido direcionadas para bases étnico-religiosas, citamos como exemplos as divisões de Estados como a Iugoslávia e, mais recentemente, revoluções e guerrilhas em países Orientais, na maioria islâmicos, como Paquistão, Chechênia e Afeganistão.

Como coloca Lerner (2005), nunca se falou tanto em tradições, em cultura, em preservação.

A modernidade exigiu a separação entre Estado e igrejas, governo civil e religião, instituindo a "liberdade religiosa" e proclamando a isonomia de todos os coletivos de culto. Todavia, o nascimento do movimento fundamentalista – inimigo da ciência e da razão - se insere no centro dessa modernidade, como movimento crítico às inovações científicas, a partir de uma narrativa sagrada e de um monopólio de interpretação balizado pela religião.

O fundamentalismo religioso opera como uma espécie de retorno do reprimido, uma repetição do recalcado pela cultura, porque esta, não tendo sabido lidar com ele, não fez mais do que preparar sua repetição. Nesta perspectiva, pode ser compreendida como fundamentalista a pessoa que se fecha em sua própria concepção da verdade, não se abrindo para o diálogo e nem para novas construções de identidade. Quer impor sua maneira de compreender "a verdade" aos seus interlocutores.

Ao tratar desta problemática, enfatiza-se que, para além da existência de grupos, o problema analítico, propriamente sociológico-político, está na reconstituição das condições de sua formação.

De um lado, a modernidade deslocou a religião do espaço público para o privado, tratando-a como arcaísmo que seria vencida pela marcha da razão ou da ciência, desconsiderando as necessidades a que ela responde e os simbolismos que ela envolve. Do outro o fundamentalismo insurge-se como resposta ao desenvolvimento das ciências e racionalismos e se mostra como seu inimigo, conduz as artes por uma moral definida em termos religiosos e organiza a economia e a administração segundo critérios tradicionalistas.

Ao longo deste trabalho foi abordada a questão francesa, contudo ela não é a única. Ainda, encontramos problemáticas como esta nos Estados Unidos da América, "(...)O neofundamentalismo apresenta-se não só como movimento de tipo religioso mas, também, como verdadeiro sujeito político cuja intenção é reagir contra a presumível perda de valores da sociedade americana e contra a degeneração da democracia(...)"(PACE, STEFANI, 2002, p.36)

As evidências de que a religião se tornou incontornável na atualidade, não estão apenas nos noticiários, mas também em debates que colocam em questão as relações entre Estado, religião e sociedade. Exemplos são os grandes embates de partidos políticos religiosos, em todo o mundo, intervindo na aprovação de medidas legislativas que legalizem a união civil entre casais do mesmo sexo.

Nas últimas décadas, o movimento fundamentalista tem articulado religião e política como uma forma de fazer valer os valores cristãos a partir de sua concepção teológica, completamente avessa a orientações sexuais diferentes do heterossexualismo. Vimos, neste sentido, a "pirâmide hieráquica" que "escalona", em razão de critérios de ordem moral religiosa, aqueles que possuem orientações sexuais não heterônomas.

Na nossa tradição ocidental, herdeira da moral judaico-cristã, o amor entre pessoas do mesmo sexo foi considerado e tratado como crime dos mais graves, equiparado ao regicídio e à traição nacional. Durante centenas de gerações, nossos antepassados ouviram nos púlpitos e confessionários que a homossexualidade era o pecado que mais provoca a ira divina.

Durante décadas seguidas, intelectuais e políticos de esquerda relegaram ao status de "luta menor" os estudos e militância em favor dos direitos humanos das minorias sexuais. Sob o pretexto de que primeiro se devia derrubar o capitalismo e garantir o pão e trabalho às classes subalternas, transferia-se para um futuro remoto discutir e lutar pelos direitos sexuais e de gênero.(GENTE, 1976).

Em decorrência da migração dos ecos remotos ou das intervenções diretas de grupos e incidentes religiosos (especialmente fundamentalistas) em países como Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha, Austrália, a religião "volta" a fazer parte do cotidiano cultural e político. Reacendendo-se a desconfiança de que a presença religiosa na esfera pública a enfraquece, pois introduz uma lógica particularista onde só deveria prevalecer o interesse de toda a sociedade, bem como tal agredindo um pilar do republicanismo, qual seja, a laicidade do Estado, o que acabaria por "jogar água ao moinho" da direita política no momento mesmo em que estaria mobilizando novos contingentes sociais para atuarem politicamente.

O Estado não tem, senão, que se abster completamente de qualquer participação e ação no domínio religioso e, em contrapartida, tem o direito e o dever de exigir das Igrejas que não queiram dominá-lo ou querer modelá-lo à sua vontade.

A existência de discriminações religiosas fundamentalistas, representação de um preconceito grosseiro e persistente, deve ser evocada como pano de fundo de reflexões, que tenham como preceito a dignidade humana - como espelho da liberdade de cada um, ou seja, da consideração de que cada um é capaz de agir como sujeito, como fim de si mesmo e para si mesmo, e de internalizar criticamente regras máximas, imperativos, leis de decisão - tal como tudo o mais que fragiliza a ideologia de um Estado republicano e democrático de direito, de respeito ao princípio maior da dignidade da pessoa humana e à liberdade de religião e de crença.

Acredito que o único caminho para acabarmos com o preconceito, com a exclusão moral, e com a hierarquia metafísica dos valores (em oposição a uma hierarquia meramente normativa, com base em premissas construídas em comunidade, e não descobertas transcendentalmente), é rumarmos em direção a prática da ausência, que constitui uma aceitação, um estar aberto, um permitir do outro.

O cristianismo deve assimilar todo o valor positivo da modernidade, o que o tornará mais puro, mais autêntico, usufruindo-se de todo o racionalismo possível, como forma de interpretá-lo para passar a dizer algo verdadeiro e não contraditório a este homem e esta mulher da modernidade.


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Notas

  1. Dentre elas a Constituição Federal Brasileira de 1988.
  2. Ver a Declaração sobre a eliminação de todas as formas de intolerância e discriminação fundadas na religião ou nas convicções, de 1981 e o art. 18 da DUDH de 1997.
  3. Em outubro de 2003, duas irmãs islâmicas foram expulsas de uma escola pública depois que se recusaram a retirar o véu, símbolo do islamismo.
  4. Com o estudo meticuloso das respostas dadas pelos espíritos, por meio de diversos médiuns e em diversas localidades de diversos países, Denizard Rivail, ou como eraconhecido Allan Kardec, compôs um livro que, diz-se, originou o moderno espiritismo: "O Livro dos Espíritos", lançado em Paris em 18 de abril de 1857.
  5. Os efeitos combinados da filosofia racionalista de Descartes, Spinoza e Leibniz, e empirista de Locke, Berkeley e Hume, produziu profundo impacto na teologia cristã. Como resultado da invasão do Racionalismo na teologia, chegou-se à conclusão de que o "sobrenatural não invade a história". O teólogo liberal, por sua vez, e os neo-ortodoxos fazem distinção entre historie (história, fatos brutos) e heilsgeschichte (história santa, ou história salvífica), criando dois mundos distintos e não conectados: o mundo da história bruta, real, factível e o mundo da fé, da história e da salvação.
  6. O número de assassinatos de homossexuais em 2008 aumentou 55% em relação ao ano anterior. Foram mortos 190 homossexuais, uma média de um assassinato a cada dois dias, no Brasil. Segundo estatísticas do FBI (Federal Bureau of Investigation), de 2007, nos Estados Unidos ocorreram 335 crimes de intimidação, 448 de ofensas físicas leves (tais como empurrões) e 242 de ofensas físicas graves, contra homossexuais. Independentemente da gravidade da ofensa, todos ocorreram em razão da orientação sexual do agredido.
  7. Revista Época de 01.04.2003 anuncia a edição desse glossário, cuja produção foi coordenada pelo cardeal colombiano Afonso López Trujillo.
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Sobre a autora
Paola Frassinetti Alves de Miranda

Pós-graduanda em Direito Público pela Ensine Faculdades. Bacharela em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba Articulista e pesquisadora da área de Direitos Humanos

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MIRANDA, Paola Frassinetti Alves. Laicidade estatal e liberdade religiosa.: Decisões políticas influenciadas pelo fundamentalismo homofóbico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2643, 26 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17463. Acesso em: 18 dez. 2024.

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