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O proporcional e o razoável: a contribuição pioneira de Rui Barbosa ao estudo brasileiro do diálogo entre o critério da necessidade e o princípio da razoabilidade.

A liberdade de iniciativa econômica e a interdição da liberdade de empresa e de concorrência

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08/10/2011 às 16:34
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Rui Barbosa, ao repelir as interdições perpétuas e universais da liberdade de empresa e de concorrência temporal e espacial (em contratos de alienação de estabelecimentos comerciais e industriais), esteve em harmonia com o princípio constitucional da liberdade de iniciativa econômica.

SUMÁRIO: Introdução; 1 O proporcional e o razoável: a atualidade do tema na doutrina brasileira: 1.1 A diversidade temática — 1.2 Os elementos do princípio da proporcionalidade — 1.3 O debate sobre as distinções e semelhanças entre os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade; 2 A contribuição de Rui Barbosa ao diálogo entre o critério da necessidade e o princípio da razoabilidade; 3 A proibição de limitações geográficas à fixação de drogarias e farmácias, à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal; Conclusão; Referências.

Resumo: O presente artigo almeja demonstrar a pertinência de pesquisa realizada por Rui Barbosa na década de 1910 para a apreciação de polêmicas atuais envolvendo os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, além de correlacionar tal estudo do jurista baiano com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal concernente à inconstitucionalidade de leis a imporem limitações geográficas à fixação de novas drogarias e farmácias.

Palavras-chaves: proporcionalidade, necessidade e razoabilidade; Rui Barbosa; liberdade de iniciativa econômica, de empresa e de concorrência.

Abstract: This paper aims to demonstrate the relevance of research carried out by Rui Barbosa in the 1910s for the assessment of current controversies involving the principles of reasonableness and proportionality and correlates this study of Bahian lawyer with the jurisprudence of the Supreme Court concerning the constitutionality of laws to impose geographical limitations to the establishment of new drugstores and pharmacies.

Keywords: proportionality, necessity and reasonableness; Rui Barbosa; freedom of economic initiative, free enterprise and free competition.


INTRODUÇÃO

O presente artigo consubstancia homenagem a Rui Barbosa, ao demonstrar o pioneirismo e a atualidade de pesquisa realizada pelo ilustre jurista baiano corporificada no memorial forense As cessões de clientela e a interdição de concorrência nas alienações de estabelecimentos comerciais e industriais.

Pioneirismo, porque, décadas antes dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade (bem como do subprincípio da necessidade) ingressarem na pauta do debate jurídico brasileiro, o ideólogo da Constituição de 1891, no exercício do seu múnus advocatício, consultava precedentes judiciais anglo-saxônicos do final do século XIX e do início do século XX relativos à razoabilidade da interdição da liberdade comercial e à necessidade dessa interveniência na liberdade de empresa não ultrapassar a fronteira do necessário.

Atualidade, já que, decorridas quase uma centúria após o advento de tal estudo, viceja na dogmática pátria vigorosa controvérsia acerca dos pontos de convergência entre os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

A par disso, tal contributo de Rui Barbosa às letras jurídicas nacionais serve de ensejo para se analisarem precedentes do Supremo Tribunal Federal relativos à inconstitucionalidade de leis a imporem limitações geográficas à fixação de novas drogarias e farmácias.

Em suma, a propósito do resgate histórico dessa parcela do legado intelectual ruiano, buscou-se trazer à tona determinadas questões contemporâneas relacionadas à seara do proporcional, do razoável e do necessário, bem como da interdição da liberdade empresarial e de concorrência.


1 O PROPORCIONAL E O RAZOÁVEL: A ATUALIDADE DO TEMA NA DOUTRINA BRASILEIRA

1.1 A diversidade temática

No Brasil, mostra-se expressiva a quantidade de trabalhos monográficos publicados em formato de livros-texto e dedicados especificamente ao princípio da proporcionalidade, elenco a abranger as mais diversas áreas e temáticas jurídicas. Exemplos:

(a) Direito Constitucional e Teoria Geral do Direito. A incidência do princípio da proporcionalidade no controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais [01], no controle dos atos legislativos [02], na ponderação racional ante a colisão de direitos fundamentais [03], na interpretação constitucional [04] e na quebra do sigilo bancário [05]. O princípio da proporcionalidade na Teoria Geral dos Direitos Fundamentais [06] e no Estado Democrático de Direito [07], bem como na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal [08]. O significado e a aplicação prática do princípio da proporcionalidade [09]. O princípio da proporcionalidade fundamentado na concepção grega de justiça [10]. O princípio da proporcionalidade como princípio jurídico [11]. A crítica ao princípio da proporcionalidade alicerçada no pensamento do filósofo alemão Jürgen Habermas [12].

(b) Direito Administrativo. No controle do ato administrativo [13] e na Principiologia do Direito Administrativo [14].

(c) Direito Ambiental. No âmbito do direito ao "meio ambiente equilibrado" [15].

(d) Direito Processual Civil. Na seara do processo civil em geral [16], do abuso do direito processual [17], da tutela constitucional e dos resultados do processo civil [18], assim como das tutelas de urgência [19].

(e) Direito Penal e Direito Processual Penal. Seja no Direito Penal em geral [20], no controle de normas penais [21] e no controle dos tipos penais incriminadores [22], seja no Direito Processual Penal em geral [23], na extinção antecipada da sanção penal [24], na aferição de exceções à inadmissibilidade de provas ilícitas no processo penal [25], na aplicação e execução da pena [26], em sede de medidas cautelares pessoais e de súmulas vinculantes [27] de cunho processual penal, na ponderação de interesses em matéria probatória processual penal [28], além de circunstâncias em que há colisão de normas jurídicas de natureza penal e/ou processual penal [29].

(f) Direito Tributário. O princípio da proporcionalidade em diálogo com o princípio da capacidade tributária e a liberdade de planejamento tributário, bem assim com as sanções tributárias e as contribuições de melhoria no domínio econômico [30]. A par disso, a questão da proporcionalidade das multas tributárias [31].

Ademais, há obras monográficas que realizam a análise conjugada dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade,quer no Direito do Consumidor [32], no Direito Administrativo [33], no Direito Tributário [34] e na Teoria Geral do Direito [35], quer no campo dos conflitos entre princípios constitucionais [36]. Mencionem-se, ainda, trabalhos monográficos que estudam ambos os princípios de forma ampla e diferenciada [37]. Também cumpre recordar as monografias jurídicas direcionadas ao tema que vislumbram os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade como um princípio jurídico único (de acordo com tal entendimento, haveria sinonímia entre os termos razoabilidade e proporcionalidade), ao examiná-los no âmbito do Direito Processual Civil [38], do Direito de Trânsito [39], do ordenamento jurídico pátrio e estrangeiro [40] e da discricionariedade administrativa [41]. Há, ainda, obra de Nohara, centrada no controle da razoabilidade do ato administrativo [42], deixando em segundo plano as questões peculiares ao princípio da proporcionalidade.

1.2 Os elementos do princípio da proporcionalidade

Na dogmática brasileira atual, disseminou-se a principal concepção alemã de princípio da proporcionalidade, ancorada no eixo adequação-necessidade-proporcionalidade em sentido estrito:

(a) No elemento da adequação, perquire-se se, por intermédio do ato jurídico escolhido, pode-se (1) alcançar determinada finalidade (realizando-a) ou (2) fomentá-la (nesse caso, não se pretende contemplar in totum o fim almejado, mas tão somente promovê-lo) [43].

(b) No elemento da necessidade, afere-se se o ato jurídico a limitar dado direito fundamental é, de fato, imprescindível, isto é, verifica-se se a finalidade incumbida àquele ato jurídico pode ser alcançada ou promovida por ato jurídico alternativo, o qual vise ao mesmo propósito, procedendo com a mesma intensidade e, ao mesmo tempo, restrinja em menor escala o direito fundamental afetado [44].

(c) No elemento da proporcionalidade em sentido estrito, efetua-se sopesamento ou ponderação, ao se cotejar, nas palavras de Luís Virgílio Afonso da Silva, "a intensidade da restrição ao direito fundamental atingido" [45] com "a importância da realização do direito fundamental que com ele colide e que fundamenta a adoção da medida restritiva" [46].

O magistério de Luís Virgílio Afonso da Silva acolhe tal concepção trina do princípio da proporcionalidade com as seguintes ressalvas:

(a) Embora prefira se referir àquele como regra da proporcionalidade, porquanto, à luz da classificação de princípios e regras de Robert Alexy — explica Afonso da Silva —, "não pode ser considerado um princípio [...], pois não tem como produzir efeitos em variadas medidas" [47], pontua o jurista paulista que a locução princípio da proporcionalidade se incorporou à prática jurídica brasileira [48], reconhece a "forte carga semântica" [49] da expressão e a polissemia em torno do conceito de princípio jurídico [50].

(b) Por outro lado, o renomado constitucionalista uspiano rechaça a sinonímia entre o princípio da proporcionalidade e o princípio da razoabilidade, ante a formulação alemã daquela e a origem anglo-saxônica desta, bem como a diferente estrutura de ambos os princípios: enquanto o princípio da proporcionalidade se ancoraria nos elementos da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito, o princípio da razoabilidade se adstringiria ao elemento da adequação:

A exigência de razoabilidade, baseada no devido processo legal substancial, traduz-se na exigência de "compatibilidade entre o meio empregado pelo legislador e os fins visados, bem como a aferição da legitimidade dos fins". Barroso chama a primeira exigência – compatibilidade entre meio e fim – de razoabilidade interna, e a segunda – legitimidade dos fins –, de razoabilidade externa. Essa configuração da regra da proporcionalidade faz com que fique nítida sua não identidade com a regra da proporcionalidade. O motivo é bastante simples: o conceito de razoabilidade, na forma como exposto, corresponde apenas à primeira das três sub-regras da proporcionalidade, isto é, apenas à exigência de adequação. A regra da proporcionalidade é, portanto, mais ampla do que a regra da razoabilidade, pois não se esgota no exame da compatibilidade entre meios e fins, conforme ficará claro mais adiante. [51]

1.3 O debate sobre as distinções e semelhanças entre os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade

Todavia, na doutrina brasileira grassa a diversidade de entendimentos quanto às diferenças e às semelhanças entre os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Endossam as distinções entre tais princípios jurídicos ressaltadas por Afonso da Silva as monografias de Luciano Feldens [52], Carolina Medeiros Bahia [53] e José Sérgio da Silva Cristóvam [54]. Nesse sentido, averbamos:

Embora o princípio da razoabilidade e o princípio tridimensional da proporcionalidade acolhidos no Brasil tenham raízes históricas diversas (o primeiro, estadunidense, e o segundo, alemã), no Direito brasileiro, o princípio tridimensional da proporcionalidade fagocita, em sua dimensão da adequação, o princípio da razoabilidade. Por isso, no Direito pátrio, aquele se torna uma evolução deste. Do ponto de vista histórico, na doutrina e na jurisprudência brasileiras, a disseminação do (e invocação recorrente ao) princípio da razoabilidade (a partir meados do século XX, mormente em sua segunda metade) antecede ao princípio tridimensional da proporcionalidade (finais do século XX e, sobretudo, década de 2000), ainda que usual, na segunda metade do século XX, a remissão ao princípio da proporcionalidade como sinônimo do princípio da razoabilidade. (Independente de haver sinonímia entre tais princípios e independente do princípio tridimensional da proporcionalidade constituir, no Direito pátrio, aprimoramento do princípio da razoabilidade, a questão central, na prática jurídica, diz respeito à necessidade de existir criteriosa aplicação de ambas as normas, bem como dos princípios da juridicidade e da dignidade da pessoa humana.) [55]

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Consoante preconiza Marcus Alan de Melo Gomes [56], o proporcional é razoável, mas o razoável nem sempre é proporcional — ponderação também feita por Mariângela Gama de Magalhães Gomes [57].

Suzana de Toledo Barros vislumbra o princípio da razoabilidade forjado na jurisprudência dos Estados Unidos da América como expressão do princípio da proporcionalidade na ordem jurídica estadunidense [58]. Também notando sinonímia entre ambos os princípios, Eduardo Melo de Mesquita consigna: "Um juízo definitivo sobre a proporcionalidade ou razoabilidade da medida há de resultar da rigorosa ponderação entre o significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador (proporcionalidade ou razoabilidade em sentido estrito)." [59] Atribuem ao princípio da razoabilidade o mesmo conteúdo do princípio tridimensional da proporcionalidade os magistérios de Daniel André Fernandes [60] e Adilson Josemar Puhl [61]. Igualmente compartilham do posicionamento favorável à sinonímia entre os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade Raphael Augusto Sofiati de Queiroz [62], Anderson Sant´Ana Pedra [63] e Celso Antônio Bandeira de Mello [64].

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o princípio da proporcionalidade é uma faceta do princípio da razoabilidade [65].

Conforme Irene Patrícia Nohara, "por mais que se aponte a utilização do termo proporcionalidade de forma diferenciada, sua identificação se pauta no juízo de razoabilidade, e salvo a diferenciação quanto à nomenclatura e à identificação dos elementos, que não é pacífica, os dois conceitos" [66] — infere — "acabam se prestando ao mesmo objetivo de controle das atividades legislativa e executiva para que não haja restrições excessivas aos direitos dos cidadãos" [67].

Luís Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos compartilham do entendimento de que, apesar "da origem e do desenvolvimento diversos" [68], ambos os princípios "abrigam os mesmos valores subjacentes: racionalidade, justiça, medida adequada, senso comum, rejeição aos atos arbitrários ou caprichosos" [69], motivo por que "razoabilidade e proporcionalidade são conceitos próximos o suficiente para serem intercambiáveis" [70].

Na Ciência do Direito Administrativo, José Roberto Pimenta Oliveira esposa juízo próprio sobre as distinções entre ambos os princípios: consoante a construção planteada por Oliveira, enquanto o princípio da razoabilidade constitui "mandato de otimização, exigindo seu conteúdo jurídico a proscrição de condutas axiologicamente intoleráveis, irrazoáveis ou arbitrárias, no desempenho da função administrativa, dentro das possibilidades jurídicas e fáticas pertinentes" [71] — obtempera — "a cada caso em que opera sua incidência na atividade administrativa" [72], o princípio da proporcionalidade "procedimentaliza ou racionaliza os contornos da razoabilidade" [73], ao delinear como são aplicados "princípios e regras do regime jurídico-administrativo" [74] e como são "ponderados os interesses e valores, presentes no processo de atualização do direito, instrumentalizando e potencializando o controle intersubjetivo" [75].

Já na Teoria Geral do Direito, Humberto Ávila [76] igualmente formula entendimento próprio: ao contrário do princípio da proporcionalidade, o princípio da razoabilidade não se refere à relação de causalidade entre meio e fim nem ao "entrecruzamento horizontal de princípios" [77] (ausente, pois, "espaço para afirmar que uma ação promove a realização de um estado de coisas" [78]), e sim ao "dever de harmonização do Direito com suas condições externas (dever de congruência)" [79], a exigir "a relação das normas com suas condições externas de aplicação, quer demandando um suporte empírico existente para a adoção de uma medida, quer exigindo uma relação congruente entre o critério de diferenciação escolhido e a medida adotada" [80].

Luiz Carlos Branco, conquanto estude em separado os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, vincula ambos aos subprincípios da adequação e da necessidade (sem versar acerca do subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito) [81].

Tiago Cintra Essado divisa a razoabilidade "como instrumento para a obtenção de equidade, congruência e equivalência" [82] e agasalha a subdivisão do princípio da proporcionalidade nos subprincípios da "adequação (pertinência ou aptidão), necessidade e proporcionalidade em sentido estrito" [83].

Belize Câmara Correia, partidária da formulação tripartite do princípio da proporcionalidade, abraça a distinção feita por Peter Craig [84]: o princípio da razoabilidade diz respeito ao contraste entre a medida atacada e a prudência do ser humano comum, ao passo que a proporcionalidade "tem como objetivo aquilatar se existe justificativa no interesse público para que se permita a invasão da esfera individual" [85].

Na visão de Gustavo Ferreira Santos, inspirado em lição do jurista português Vitalino Canas [86], a razoabilidade consubstancia "teste intermédio de proporcionalidade" [87], uma vez que não indaga "a natureza do meio escolhido pelo Estado" [88], mas apenas se questiona se o meio elegido foi moderado e prudente.

De acordo com Flavia D´Urso, adotar-se o princípio da proporcionalidade como sinônimo do princípio da proporcionalidade reduziria a abrangência daquele, ao confiná-lo à seara do devido processo legal [89].

Gisele Santos Fernandes Góes preleciona que a razoabilidade se exaure no bloqueio ao "inaceitável ou arbitrário" [90], diferentemente do proporcional, que agrega a essa função negativa a função positiva de "resguardo na materialização da melhor medida possível dos direitos constitucionais fundamentais" [91]. O entendimento de que o princípio da razoabilidade se distingue do princípio da proporcionalidade em virtude daquele se limitar à função negativa também é esposado por Chade Rezek Neto [92].

Segundo Manoel Aureliano Ferreira Neto, enquanto o princípio da razoabilidade "apenas impede a existência de atos irrazoáveis, sem substituir a medida assim considerada" [93], o princípio da proporcionalidade "sopesa, na aplicação dos subelementos estruturantes, os princípios em conflito, apontando qual deles deve prevalecer, em face do exame da dimensão do peso de cada um deles" [94].

Willis Santiago Guerra Filho impinge ao princípio da razoabilidade uma "função negativa" [95] (desobedecê-lo "significa ultrapassar irremediavelmente os limites do que as pessoas em geral, de plano, consideram aceitável, em termos jurídicos)" [96], e ao princípio da proporcionalidade atribui "uma função positiva [...], na medida em que pretende demarcar aqueles limites, indicando como nos manteremos dentro deles - mesmo quando não parecer, à primeira vista, ‘irrazoável’ ir além" [97].

Enquanto "a razoabilidade é um princípio de interpretação, que está (ou deve estar) presente em todo agir individual e social" [98] — contrasta Francisco Fernandes de Araújo —, "a proporcionalidade, além desse aspecto, também é um princípio de calibragem ou dosimetria na feitura e na aplicação da norma, isto é, tem uma ‘materialização’ mais forte do que o princípio da razoabilidade" [99]. A "razoabilidade trata da legitimidade da escolha dos fins em nome dos quais agirá o Estado" [100] — reflexionam Wellington Pacheco Barros e Wellington Gabriel Zuchetto Barros —, ao passo que "a proporcionalidade averigua se os meios são necessários, adequados e proporcionais aos fins já escolhidos" [101].

Consoante aduz Leonardo de Araújo Ferraz, enquanto o princípio da proporcionalidade se resume ao papel de "instrumento estruturado e preordenado de solução de conflitos envolvendo direitos colidentes" [102], o princípio da razoabilidade se associa ao conceito de "racionalidade comunicativa" [103] ("coerência lógica e interna do sistema jurídico" [104]) e à "proibição de excesso ou insuficiência" [105].

Conforme o ensino de Carlos Roberto Siqueira Castro, no âmbito da legislação destinada ao combate de desigualdades, a razoabilidade corresponde à "compatibilidade e congruência entre a classificação [legislativa] e o fim a que ela se destina, o que caracteriza e demarca o território singular do princípio da razoabilidade (reasonableness)" [106], e a proporcionalidade concerne ao "controle da medida da suficiência, da insuficiência ou do excesso, calcado no trinômio necessidade-adequação-proporcionalidade estrita, que circunscreve o território específico da aplicação do princípio da proporcionalidade" [107].

Para Valeschka e Silva Braga [108], o princípio da razoabilidade radica sua matriz na construção pretoriana norte-americana do devido processo substantivo (neste se fundamenta), enfoca a interpretação jurídica (destinada à "exclusão de condutas desarrazoadas" [109]) e "a congruência dos motivos (pressupostos de fato) com a finalidade da medida" [110], "possibilita a verificação da adequação e necessidade entre os motivos e os fins" [111], "abrange as circunstâncias pessoais" [112] do caso concreto, "em virtude do tempo e do lugar, envolvendo a noção de senso comum" [113], relaciona-se com o déficit de lógica ou congruência (dimensão da racionalidade: adequação + necessidade) [114] aos olhos da "sensatez do homem comum" [115] (dimensão da razoabilidade em sentido estrito [116]), traduz "a percepção do bom senso admitido pela comunidade, que acaba variando de acordo com os padrões do próprio intérprete" [117] e se volta à "valoração dos atos emanados do Poder Público, para que estes não deixem de ser informados por justiça, bom senso, razão" [118].

Já o princípio da proporcionalidade, segundo a alentada monografia da jurista cearense, nasce e se desenvolve no âmbito do Tribunal Constitucional da Alemanha, alicerça-se no Estado de Direito, e direciona o exame da "compatibilidade dos meios com os fins" [119] a "situações jurídicas abstratas" [120], estribado nos critérios predefinidos [121] das dimensões da adequação, da necessidade e da proporcionalidade, colocando-se "na balança dois interesses legítimos, para que eles sejam sopesados, a fim de que seja analisado qual deles deve prevalecer" [122], com vistas não apenas a "dar subsídios à interpretação jurídica" [123] como também a atuar na "otimização dos direitos fundamentais, solucionando-lhes os conflitos" [124].

Apesar de Marcelo José Magalhães Bonicio asserir que ambos os princípios "são bastante parecidos" [125], sobretudo no campo do Direito Processual Civil brasileiro, adverte que o princípio da razoabilidade decorre do due process of law e consiste em "regra geral de conduta" [126]adaptável "às particularidades de cada hipótese" [127] (aspecto em que seu ponto de vista se aproxima da ensinança de Silva Braga).

Helenilson Cunha Pontes realiza três diferenciações entre os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade:

(1) O princípio da proporcionalidade exige maior "grau de motivação racional" [128] do ato decisório, ou seja, além da "consideração dos interesses concretamente em jogo e a eleição de uma medida razoável, mediante o afastamento das medidas irrazoáveis ou inaceitáveis" [129] (campo de incidência do princípio da razoabilidade), requisita o atendimento aos requisitos da "adequação, necessidade e conformidade" [130].

(2) Enquanto o princípio da razoabilidade "exige apenas que a decisão jurídica seja racionalmente motivada, aprecie os interesses concretamente em discussão e seja uma dentre as várias decisões igualmente razoáveis, mediante um juízo de exclusão" [131], o "princípio da proporcionalidade consubstancia notadamente, mas não exclusivamente, um juízo acerca da relação meio-fim, entre a medida tomada e o fim com ela buscado" [132], porquanto "os aspectos da adequação e da necessidade, em maior medida, e a conformidade ou proporcionalidade em sentido estrito, em menor medida, realizam-se tendo em vista aquela relação" [133].

(3) "A proporcionalidade [...] não exige apenas que a atuação estatal e a decisão jurídica sejam razoáveis, mas que sejam melhores, e representem a maximização das aspirações constitucionais" [134].

Na óptica de Ricardo Aziz Cretton, o princípio da razoabilidade possui traços hermenêuticos e converge "para a ponderação de outros princípios" [135], ao passo que o princípio da proporcionalidade se reveste "de vocação objetiva, material, substancial, precipuamente destinado, ad ovo, ao balanceamento de valores (e de outros princípios decorrentes)" [136], a exemplo da segurança, liberdade, igualdade e propriedade, e ambos deságuam no princípio da ponderação de valores e bens, espécie de superprincípio "fundante do próprio Estado de Direito Democrático contemporâneo (pluralista, cooperativo, publicamente razoável e tendente ao justo)" [137].

As monografias brasileiras relativas ao princípio da proporcionalidade escritas por José Eduardo Suppioni [138] de Aguirre, Liana Chaib [139], Thiago Bottino do Amaral [140], Denilson Feitoza Pacheco [141] e Fabiana Lemes Zamalloa do Prado [142] aludem à mencionada controvérsia terminológica sem ostentarem posicionamento nitidamente favorável ou contrário à sinonímia ou não entre ambos os princípios, ao priorizarem a fundamentação de aspectos mais fulcrais de suas correspondentes pesquisas jurídicas, ou seja, preponderando o foco de tais autores a questões de maior pertinência à problematização dos respectivos trabalhos monográficos.

Também há monografistas que não mencionam a controvérsia terminológica concernente aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, optando por estudo centrado em matriz germânica do princípio da proporcionalidade, a exemplo das obras de Thiago André Pierobom de Ávila [143], Anizio Pires Gavião Filho [144] e Orlando Luiz Zanon Junior [145].

Jarbas Luiz dos Santos, ao propor a concepção grega de justiça como fundamento filosófico, escolheu desconsiderar as "eventuais diferenças apontadas entre os conceitos de razoabilidade e proporcionalidade" [146].

Sylvia Marlene de Castro Figueiredo versa sobre as variações terminológicas do princípio da proporcionalidade apenas no âmbito da Europa continental, sem se imiscuir na questão da razoabilidade [147].

No sentir de Fábio Pallaretti Calcini, o princípio da razoabilidade exprime o devido processo legal substantivo [148], engloba o princípio tridimensional da proporcionalidade [149] e representa "um standard de justiça" [150].

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Sobre o autor
Hidemberg Alves da Frota

Especialista em Psicanálise e Análise do Contemporâneo (PUCRS).Especialista em Relações Internacionais: Geopolítica e Defesa (UFRGS). Especialista em Psicologia Clínica Existencialista Sartriana (Instituto NUCAFE/UNIFATECPR). Especialista em Direito Público: Constitucional, Administrativo e Tributário (PUCRS). Especialista em Ciências Humanas: Sociologia, História e Filosofia (PUCRS). Especialista em Direitos Humanos (Curso CEI/Faculdade CERS). Especialista em Direito Internacional e Direitos Humanos (PUC Minas). Especialista em Direito Público (Escola Paulista de Direito - EDP). Especialista em Direito Penal e Criminologia (PUCRS). Especialista em Direitos Humanos e Questão Social (PUCPR). Especialista em Psicologia Positiva: Ciência do Bem-Estar e Autorrealização (PUCRS). Especialista em Direito e Processo do Trabalho (PUCRS). Especialista em Direito Tributário (PUC Minas). Agente Técnico-Jurídico (carreira jurídica de nível superior do Ministério Público do Estado do Amazonas - MP/AM). Autor da obra “O Princípio Tridimensional da Proporcionalidade no Direito Administrativo” (Rio de Janeiro: GZ, 2009). Participou das obras colegiadas “Derecho Municipal Comparado” (Caracas: Liber, 2009), “Doutrinas Essenciais: Direito Penal” (São Paulo: RT, 2010), “Direito Administrativo: Transformações e Tendências” (São Paulo: Almedina, 2014) e “Dicionário de Saúde e Segurança do Trabalhador” (Novo Hamburgo: Proteção, 2018).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FROTA, Hidemberg Alves. O proporcional e o razoável: a contribuição pioneira de Rui Barbosa ao estudo brasileiro do diálogo entre o critério da necessidade e o princípio da razoabilidade.: A liberdade de iniciativa econômica e a interdição da liberdade de empresa e de concorrência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3020, 8 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20138. Acesso em: 21 nov. 2024.

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