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O proporcional e o razoável: a contribuição pioneira de Rui Barbosa ao estudo brasileiro do diálogo entre o critério da necessidade e o princípio da razoabilidade.

A liberdade de iniciativa econômica e a interdição da liberdade de empresa e de concorrência

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08/10/2011 às 16:34
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CONCLUSÃO

1 No Brasil, mostra-se expressiva a quantidade de trabalhos monográficos publicados em formato de livros-texto e dedicados especificamente ao princípio da proporcionalidade e/ou ao princípio da razoabilidade, elenco a abranger as mais diversas áreas e temáticas jurídicas, a exemplo da Teoria Geral do Direito, do Direito Constitucional, da Teoria dos Direitos Fundamentais, do Direito Administrativo, do Direito Ambiental, do Direito Tributário, do Direito de Trânsito, do Direito do Consumidor, do Direito Penal, do Direito Processual Civil e do Direito Processual Penal.

2 Na dogmática jurídica brasileira contemporânea, nota-se considerável diversidade de pensamento quanto às distinções e semelhanças entre os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Há correntes doutrinárias que consideram ambos os princípios possuidores do mesmo conteúdo essencial, apesar das origens geográficas e culturais distintas. Há correntes doutrinárias que os distinguem tendo em vista a forma diversa como foram moldados em face dos diferentes sistemas jurídicos em que se forjaram. Há correntes doutrinárias que inserem o princípio da razoabilidade dentro do campo de incidência do princípio da proporcionalidade. E há correntes doutrinárias que encaixilham o princípio da proporcionalidade no interior do princípio da razoabilidade.

3 Serve de achega a esse debate o trabalho intitulado As cessões de clientela e a interdição de concorrência nas alienações de estabelecimentos comerciais e industriais, sobejamente lastreado na jurisprudência anglo-saxônica do final do século XIX e início do século XX, constante do tomo I do volume XL (correspondente ao ano de 1913) das Obras Completas de Rui Barbosa, originalmente redigido sob a forma de memorial forense.

4 No referido memorial forense (§ 278), Rui Barbosa considera justificável a limitação temporal e espacial à liberdade comercial, desde que não seja uma "interdição perpétua e universal", uma vez que, nesse caso, significaria a "abdicação da liberdade e personalidade humana, que o direito não a pode sancionar". Esteado em tal premissa, infere (§ 301) a "nulidade jurídica dos contratos de cessão de clientela, ainda mesmo expressos, quando sem limites de tempo e espaço".

5 Compulsando-se tal memorial alinhavado por Rui, percebe-se o pioneirismo do estadista baiano em se debruçar, na primeira metade da década de 1910, sobre questões jurídicas que se tonariam, mormente a partir de década de 2000, aspecto central do debate jurídico brasileiro, mormente na seara do Direito Constitucional e da Teoria dos Direitos Fundamentais. Mais do que isso: por meio do estudo ruiano, percebe-se a possibilidade de diálogo entre a dimensão da necessidade do princípio tridimensional da proporcionalidade (matriz alemã) e o princípio da razoabilidade (matriz anglo-saxônica).

6 A formulação de origem germânica do critério da necessidade se aproxima, em essência, do conteúdo do princípio da razoabilidade extraído por Rui Barbosa da jurisprudência dos Estados Unidos e do Reino Unido do final século XIX e início do século XX, ao defender a possibilidade de que seja regular e justificável a interdição ilimitada e prevista em contrato da liberdade de comércio ou de indústria, quando unicamente de cunho temporal, ou quando unicamente de caráter espacial, considerando irrazoável (não razoável, sem razão ou irracional) a interdição perpétua e universal de jaez temporal e, ao mesmo tempo, espacial (§§ 278, 279, 282 e 284).

7 Rui colheu (§§ 279) da obra de Edmund H. T. Snell intitulada "The Principles of Equity: intended for the use of students and of practitioners" precedentes da jurisprudência inglesa a reconhecerem a nulidade de "contratos de interdição geral de um comércio", salvo se "a interdição, sendo limitada, como a de não exercer alguém certo comércio em determinado lugar ou por tempo razoável". Posto de outro modo: afigura-se válido contrato de interdição de comércio, "se bem que ilimitado quanto ao espaço [Nordenfelt v. Maxim Co., Limited, 1894, A. C. 535], ou, até, quando ilimitado quanto ao tempo [Haynes v. Doman, 1899, 2 Ch. 13], supondo-se sempre que seja razoável nas circunstâncias de um e outro caso".

8 No entanto, o jurista baiano pondera (§ 280) que o critério adotado à época na Inglaterra (primeira metade da década de 1910) deixava de ser meramente de cunho temporal e espacial, à medida que se disseminava naquela jurisprudência o parâmetro da razoabilidade (conjugado com a análise da abrangência territorial da proibição ao exercício do comércio).

9 Nesse contexto, para se aquilatar se determinada interdição na liberdade comercial de âmbito territorial e temporal seria razoável, Rui Barbosa traz a lume (§§ 280 e 285) baliza pretoriana que muito recorda o princípio parcial da necessidade ou da exigibilidade de matriz alemã quanto à proibição de excesso, isto é, a vedação ao exercício de direito além do indispensável à adequada proteção do interesse do titular do direito.

10 Rui Barbosa, ao repelir as interdições perpétuas e universais da liberdade de empresa e de concorrência de cunho simultaneamente temporal e espacial (previstas, in casu, em contratos de alienação de estabelecimentos comerciais e industriais), denota-se em harmonia com o princípio constitucional da liberdade de iniciativa econômica.

11 Na esteira, menciona-se, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal desenvolvida com alicerce no paradigmático acórdão em sede do Recurso Extraordinário n. 193749/SP (Relator para o acórdão, Ministro Maurício Corrêa), de 4 de junho de 1998, o qual julgou inconstitucional norma legal municipal a impor limitação geográfica (fixação de distância mínima) para o estabelecimento de farmácias e drogarias, ao reputar tal ato legislativo ofensivo ao princípio da livre iniciativa e deletério à ordem consumerista.

12 No plano infraconstitucional também se extrai (a contrario sensu) vedação à interdição perpétua, na medida em que o art. 1.147 do Código Civil de 2002 veda ao alienante de estabelecimento empresarial fazer concorrência ao adquirente "nos cinco anos subsequentes à transferência" (grifo nosso), ou seja, proíbe-se por prazo certo, e não de forma ilimitada.


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Sobre o autor
Hidemberg Alves da Frota

Especialista em Psicanálise e Análise do Contemporâneo (PUCRS).Especialista em Relações Internacionais: Geopolítica e Defesa (UFRGS). Especialista em Psicologia Clínica Existencialista Sartriana (Instituto NUCAFE/UNIFATECPR). Especialista em Direito Público: Constitucional, Administrativo e Tributário (PUCRS). Especialista em Ciências Humanas: Sociologia, História e Filosofia (PUCRS). Especialista em Direitos Humanos (Curso CEI/Faculdade CERS). Especialista em Direito Internacional e Direitos Humanos (PUC Minas). Especialista em Direito Público (Escola Paulista de Direito - EDP). Especialista em Direito Penal e Criminologia (PUCRS). Especialista em Direitos Humanos e Questão Social (PUCPR). Especialista em Psicologia Positiva: Ciência do Bem-Estar e Autorrealização (PUCRS). Especialista em Direito e Processo do Trabalho (PUCRS). Especialista em Direito Tributário (PUC Minas). Agente Técnico-Jurídico (carreira jurídica de nível superior do Ministério Público do Estado do Amazonas - MP/AM). Autor da obra “O Princípio Tridimensional da Proporcionalidade no Direito Administrativo” (Rio de Janeiro: GZ, 2009). Participou das obras colegiadas “Derecho Municipal Comparado” (Caracas: Liber, 2009), “Doutrinas Essenciais: Direito Penal” (São Paulo: RT, 2010), “Direito Administrativo: Transformações e Tendências” (São Paulo: Almedina, 2014) e “Dicionário de Saúde e Segurança do Trabalhador” (Novo Hamburgo: Proteção, 2018).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FROTA, Hidemberg Alves. O proporcional e o razoável: a contribuição pioneira de Rui Barbosa ao estudo brasileiro do diálogo entre o critério da necessidade e o princípio da razoabilidade.: A liberdade de iniciativa econômica e a interdição da liberdade de empresa e de concorrência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3020, 8 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20138. Acesso em: 22 dez. 2024.

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