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Luhmann e a desaposentação: a reversibilidade da aposentadoria como marco de evolução jurídica

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14/10/2011 às 11:16

Resumo:


  • A desaposentação é a renúncia à aposentadoria com o objetivo de buscar um benefício previdenciário mais vantajoso, cercada de controvérsias e polêmicas.

  • A desaposentação é considerada um marco de evolução jurídica, alinhada com a teoria da evolução social de Niklas Luhmann.

  • Não há previsão legal que proíba a desaposentação, sendo possível renunciar à aposentadoria desde que atendidos os requisitos necessários, apesar de argumentos contrários baseados em decretos e princípios como direito adquirido e ato jurídico perfeito.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

4 ACOPLAMENTO ESTRUTURAL: DESAPOSENTAÇÃO E EVOLUÇÃO JURÍDICA DO DIREITO PREVIDENCIÁRIO

Enfim, o âmago desta pesquisa. Vistos a teoria evolutiva jurídica de corte luhmanniano e o perfil jurídico da desaposentação, busca-se, neste momento, correlacionar evolução e desaposentação. Em outras palavras: o intento é explicitar a desaposentação – tal como compreendida dogmaticamente no item pretérito – como sintoma de evolução do direito previdenciário.

Constatou-se como se dá a evolução jurídica do direito na teoria sistêmica de Niklas Luhmann: uma comunicação de expectativa normativa inesperada surge no sistema (variação); essa comunicação surpreendente passa a ser selecionada pelas estruturas do sistema (seleção); e posteriormente, tal comunicação acaba por reproduzir-se autopoieticamente, fazendo parte do sistema de modo duradouro (restabilização).

Frise-se: tal é a evolução do direito. Contudo, será que referido esquema evolutivo pode ser aplicado ao direito previdenciário? Ou: a teoria sistêmico-evolutiva luhmanniana pode ser empregada para explicar as mutações de um (sub) subsistema jurídico, no caso, o previdenciário? Luhmann não responde a essa indagação.

Contudo, uma análise sistemática da teoria sistêmica luhmanniana assume uma resposta positiva. Ora, viu-se que a caracterização da pós-modernidade[20] acolhe a ideia-força de complexificação do complexo que, nas diretrizes sistêmicas, paramenta-se como excessiva diferenciação funcional da sociedade. Essa complexificação do complexo atinge outrossim as mais primárias estruturas do direito, acabando por roçar também os (sub) subsistemas do direito. Logo, também o direito previdenciário pode se compreendido à luz da teoria luhmanniana da evolução jurídica.

Portanto, o direito previdenciário, como (sub) subsistema do direito, encontra-se na contingência de enfrentar espasmos evolutivos através da tríade variação-seleção-restabilização. E o entorno (ambiente) do direito previdenciário contribui proficuamente para tais impulsos evolutivos, na medida em que a abertura cognitiva do (sub) subsistema permite recolher dados novos que se processam no entorno capazes de influenciar – não de maneira decisiva, saliente-se, vez que o (sub) subsistema é operacionalmente fechado, reproduzindo-se por si mesmo (autopoiese) – o (sub) subsistema, podendo ocorrer, daí, evolução.

Tudo o que foi explanado acima calha, à fiveleta, no caso da desaposentação. Nesse sentido, a desaposentação é um sintoma de evolução do direito previdenciário, ou seja, de sua veemente complexificação.

Para a análise da desaposentação com evolução direito previdenciário, parte-se de uma assertiva engendrada por Wladimir Novaes Martinez (2007, p. 18, grifo nosso), o pioneiro observador da desaposentação: "A desaposentação não reclama autorização legal que, aliás, inexiste, provavelmente porque ninguém havia cogitado disso [...]".

Ninguém cogitou da desaposentação porque era improvável. Contudo, ela aconteceu. Alguém pleiteou a renúncia à aposentadoria. E disso nasceu uma comunicação desviante, surpreendente, donde que se vislumbra o primeiro passo evolutivo do direito previdenciário no que tange à desaposentação, que é a variação[21].

Posteriormente, tais pedidos de renúncia foram-se multiplicando[22], o que possibilitou "[...] a continuidade da reprodução do elemento inovador" (NEVES, 2008, p. 2), o que é, precisamente, a etapa da seleção[23].

A restabilização da desaposentação no direito previdenciário – o cume do processo evolutivo luhmanniano – somente ocorre com a positivação[24], ou seja, quando a desaposentação encontrar-se prevista, de modo expresso, dentro do corpo jurídico-positivo do sistema brasileiro[25].

Observe, para finalizar, a seguinte estruturação: (i) primeiro pedido de desaposentação; (ii) multiplicação dos pedidos de desaposentação; (iii) previsão positiva da desaposentação no ordenamento jurídico brasileiro:

Na esfera jurídica, a variação evolutiva, que diz respeito aos elementos, apresenta-se como ‘comunicação de expectativas normativas inesperadas’. Isso significa que o respectivo comportamento não é previsto nas estruturas normativas preexistentes, desaponta expectativas contrafácticas dominantes [(i)]. O desvio pode ser seletivamente rejeitado ou tratado com indiferença. É possível, porém, que a repetição ou difusão do desvio conduza à produção de novas estruturas normativas que venham a condicionar a continuidade da inovação. A seleção significa, portanto, que a conduta inicialmente desviante passa a ser prevista no plano das expectativas normativas [(ii)]. Não importa necessariamente a restabilização. Esta só ocorre quando a nova expectativa é inserida como norma jurídica vigente no modelo estrutural de reprodução do direito. Refere-se à unidade do sistema jurídico e, portanto, ao problema da inserção consistente da nova norma no ordenamento jurídico [(iii)] (NEVES, 2008, p. 18-19).

Portanto, torna-se perspícuo que a trajetória da desaposentação no direito previdenciário brasileiro assume uma inequívoca faceta da teoria sistêmico-evolutiva de Niklas Luhmann.

Por fim, deve-se sublinhar o papel do entorno (o ambiente) para a evolução do direito previdenciário nacional, no que tange à desaposentação. A desaposentação acontece justamente na medida em que o direito previdenciário – enquanto (sub) subsistema do direito – permanece cognitivamente aberto ao ambiente, precipuamente o econômico. Como cediço, a permanência do trabalhador no mercado de trabalho cada vez mais é estendida, o que se relaciona umbilicalmente com o aumento da expectativa de vida e com a melhoria da saúde. Esses dois fatores explicam, em grande parte, o impulso da desaposentação, sensibilizando, portanto, o direito previdenciário às novas condições sociais. Essas novas condições sociais pressionam mutações adaptadoras nos elementos estruturais da sociedade (entendida como acoplamento estrutural de sistemas parciais) e nos próprios sistemas parciais, de modo a tornar provável o improvável. E isso é, conforme já visto, a eclosão da evolução. E a desaposentação representa, nada mais, nada menos, a transformação do improvável no provável.


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo fixou como objetivo precípuo analisar o novel instituto da desaposentação, sob dois aspectos, distintos mas ontologicamente complementares: (i) um, atinente à dogmática jurídica, onde se examinaram os contornos jurídicos da desaposentação consoante as reflexões da doutrina e da jurisprudência; (ii) o outro, relativo à análise da desaposentação como monumento de evolução do direito previdenciário, à luz da teoria sistêmico-evolutiva de Niklas Luhmann.

Dogmaticamente, podem-se, no que tange à desaposentação, recolher as seguintes ilações: (i) a desaposentação consiste na reversibilidade da aposentadoria, com o escopo de preservar o tempo de contribuição, para que, no porvir, possa ser utilizado em outra aposentadoria, mais vantajosa; (ii) a desaposentação pode dar-se em qualquer regime previdenciário (RGPS ou RPPS), mesmo que importe em mudança de sistema; (iii) a desaposentação é admissível no ordenamento jurídico brasileiro, consoante doutrina e jurisprudência majoritárias; (iii) logo, não cabe invocar a ausência de previsão legal, o ato jurídico perfeito e o direito adquirido, bem como uma suposta irrenunciabilidade da aposentadoria como forma de obstar a desaposentação; e (iv) por fim, de acordo também com doutrina e jurisprudência prevalecentes, a desaposentação não reclama, seja aquela operada no âmbito do mesmo regime previdenciário, seja aquela que importa em mudança de regime previdenciário, a devolução dos valores, anteriormente auferidos, à entidade previdenciária.

Outra perspectiva, abissalmente sociológica, igualmente foi empregada neste estudo. Consiste na análise da desaposentação como evolução do direito previdenciário, conforme os postulados da teoria dos sistemas de Niklas Luhmann. As seguintes ilações merecem ser destacadas: (i) a desaposentação é um sintoma de evolução do sistema previdenciário, na medida em que representa a normalização do improvável; (ii) a desaposentação percorreu – ou percorre – o trajeto evolutivo bosquejado por Niklas Luhmann, no seguinte sentido: (ii.a) a desaposentação é uma comunicação desviante do sistema (variação); (ii.b) a desaposentação é uma comunicação desviante do sistema que logrou ampla difusão nas estruturas do direito previdenciário (seleção); (ii.c) a desaposentação, por fim, passa – não obstante a ausência de uma positivação – a reproduzir-se no sistema, devido a sua repetibilidade e durabilidade, apoiando-se, sobretudo, no trabalho da dogmática jurídica (restabilização); (iii) a desaposentação surge, também, das relações entre sistema e ambiente, na medida em que o segundo aportou no primeiro novos impulsos, que acabaram por encontrar processamento e acolhida no sistema.

Assim, esta pesquisa buscou dar uma ampla visão desse novo instituto do direito brasileiro, que denota, de maneira assaz nítida, a complexificação do sistema jurídico pátrio, o que evidencia uma ruptura com a modernidade, dando-se boas-vindas, então, à pós-modernidade.


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Sobre o autor
Renato de Abreu Barcelos

Graduado em Direito pela Universidade de Itaúna. Pós-graduando em Direito pela PUC Minas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARCELOS, Renato Abreu. Luhmann e a desaposentação: a reversibilidade da aposentadoria como marco de evolução jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3026, 14 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20205. Acesso em: 22 dez. 2024.

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