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A mutação constitucional da inafiançabilidade

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13/10/2011 às 13:02
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9. Considerações Finais

Viu-se que durante muito tempo a fiança repousou no núcleo da liberdade provisória, e que a existência de uma grande gama de crimes inafiançáveis era proveniente da concepção de que o acusado surpreendido em estado de flagrância deveria permanecer preso durante todo o decorrer do processo. A vedação à fiança assimilava-se a uma periculosidade ínsita seja a certos delitos, apenados com maior rigidez, seja a certas pessoas, a exemplo daqueles sem ocupação fixa ou que já tivessem sido condenados em momento anterior.

Com a edição de sucessivos enxertos na legislação processual penal codificada, principalmente a Lei 6.416 de 1977, a fiança e sua proibição perderam muito de sua importância. A promulgação da Constituição de 1988 não resolveu o problema do ponto de vista prático, embora tenha feito expressa menção à liberdade provisória em suas duas facetas, com e sem fiança. Reativou-se a inafiançabilidade como impossibilidade de obtenção de qualquer tipo de liberdade provisória para os crimes expressamente mencionados na Lei Maior, mas manteve-se a concessão de liberdade provisória sem fiança para os delitos nos quais esta fosse proibida pela legislação infraconstitucional. Geraram-se assim dois distintos níveis de inafiançabilidade, um por demais rigoroso e outro ainda fruto da insistentemente comentada incongruência da legislação de 1977.

Contudo, com a Lei Federal 12.403 de 2011, deu-se o fenômeno da mutação constitucional, no qual o texto constitucional ganha novos significados ainda que tenha permanecido gramaticalmente isento de mudanças. A liberdade provisória deixou de ser pensada a partir da possibilidade de conceder, negar ou dispensar fiança, e passou a relacionar-se com todo um novo grupo de medidas cautelares. Portanto, a inafiançabilidade deixa de ser uma presunção de periculosidade para constituir tão somente o não cabimento de uma particular medida cautelar para alguns delitos. Seu único reflexo mais ríspido segue sendo a impossibilidade de se conceder liberdade provisória a acusados de crimes inafiançáveis mediante medidas mais singelas, devendo o magistrado fixar uma ou mais obrigações suficientemente robustas que efetivamente garantam a vinculação do sujeito ao processo, o que de nenhuma forma se iguala à draconiana imposição de prisão obrigatória.


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Notas

  1. BARROS, Romeu Pires de Campos. Da Prisão Preventiva Compulsória, p. 125.
  2. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Regimes Constitucionais da Liberdade Provisória, p. 160. Por esta razão chegou-se a questionar se a liberdade do art. 321 efetivamente constituía medida cautelar.
  3. ARRUDA JR., Célio de. A Liberdade Provisória Vinculada Sem Fiança Face à Lei 6.416 de 1977. Revista de Processo, n. 28, p. 123.
  4. BATISTA, Weber Martins. Liberdade Provisória, p. 43.
  5. GARCIA, Basileu. Comentários ao Código de Processo Penal, v. III, p. 214.
  6. GARCIA, Basileu. Comentários ao Código de Processo Penal, v. III, p. 165.
  7. MACHADO, Antonio Alberto. Prisão Cautelar e Liberdades Fundamentais, p. 131.
  8. COSTA, José Armando. Estrutura Jurídica da Liberdade Provisória, p. 50.
  9. GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Juizados Especiais Criminais, p. 101.
  10. POLASTRI LIMA, Marcellus. A Tutela Cautelar no Processo Penal, p. 268.
  11. Não se limitando à questão da inafiançabilidade, a decisão tornou-se famosa por enunciar a doutrina do no set of circumstances. Segundo esta, aquele a quem interesse a declaração de inconstitucionalidade de uma lei tem o ônus de demonstrar que sob nenhuma hipótese concebível ela poderia ser considerada constitucional. Não obtendo êxito na sua argumentação, a norma continua produzindo efeitos como sendo compatível com a Constituição.
  12. RESPONDING to Terrorism: Crime, Punishment and War. Harvard Law Review, v. 115, n. 4, p. 1229.
  13. Cf. TJ-SP, HC 990.10.155677-4, Rel. Des. Marco Antonio Marques da Silva, j. 10.05.2010.
  14. BRUNO, Aníbal. Direito Penal – Parte Geral, t. II, p. 181.
  15. NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios Constitucionais Penais e Processuais Penais, p. 250. No entanto, alguns afirmam que a teoria da actio libera in causa é na realidade caso de responsabilidade objetiva, que não presume o dolo, prescinde dele. BETTIOL compartilha dessa posição (Direito Penal, v. II, p. 134), muito embora reconheça que a teoriase aproxime bastante a um dolo presumido.
  16. BAPTISTA, Francisco das Neves. O Mito da Verdade Real na Dogmática do Processo Penal.p. 207-208.
  17. BINDER, Alberto M. Introdução ao Direito Processual Penal, p. 82.
  18. STF, HC 103.399-SP, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, j. 22.06.2010.
  19. Art. 9º, § 2º, da Lei 7.291 de 1984.
  20. SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição, p. 141.
  21. STF, HC 83.468-0-ES, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 11.11.2003.
  22. FELDENS, Luciano. A Constituição Penal, p. 81.
  23. SCARANCE FERNANDES, Antonio. A Fiança Criminal e a Constituição Federal. Revista Justitia, n. 53, v. 155, p. 37.
  24. PEREIRA, Paulo Maurício. A Lei dos Crimes Hediondos e a Liberdade Provisória. RT, n. 671, passim.
  25. MOSSIN, Heráclito. Crime de Tortura. RT, n. 786, p. 496.
  26. MACHADO, Antônio Alberto. Prisão Cautelar e Liberdades Fundamentais, p. 182.
  27. SANGUINÉ, Odone. Inconstitucionalidade da Proibição de Liberdade Provisória do Inciso II do art. 2º da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990. RT, n. 667, p. 253 e ss.
  28. LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional, v. II, p. 94.
  29. SILVA, Amaury. Lei de Drogas Anotada, p. 280.
  30. MIRABETE, Julio Fabbrini. Crimes Hediondos – Aplicação e Imperfeições da Lei. RT, n. 663, p. 268 e ss.
  31. STF, HC 97.820-7-MG, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, j. 02.06.2009.
  32. STF, HC 92.824-SC, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 18.12.2007.
  33. STF, ADIN 3.112-1-DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 02.05.2007.
  34. STF, HC 93.940-6-SE, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 06.05.2008.
  35. MACHADO, Antônio Alberto. Prisão Cautelar e Liberdades Fundamentais, p. 239.
  36. STF, HC 93.302-SP, Rel. Min. Carmen Lúcia, j. 25.03.2008.
  37. STF, HC 97.346-SP, Rel. Min. Eros Grau, j. 25.05.2010.
  38. BARROSO, Luis Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo, p. 132.
  39. SCARANCE FERNANDES, Antonio. A Fiança Criminal e a Constituição Federal. Revista Justitia, n. 53, v. 155, p. 37.
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Sobre o autor
Claudio Watrin de Araujo

Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUC-SP, Pós-Graduando em Direito Penal e Processual Penal pela Faculdade Integrada Brasil-Amazônia-PA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAUJO, Claudio Watrin. A mutação constitucional da inafiançabilidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3025, 13 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20217. Acesso em: 5 nov. 2024.

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