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As implicações jurídico-constitucionais da tutela da intimidade e suas relações com a atividade investigatória do Estado

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16/10/2011 às 08:06
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4. Criminalidade organizada e métodos heterodoxos de investigação

É cediço que o atual estágio de desenvolvimento tecnológico da sociedade e, por conseguinte, das formas de criminalidade que acompanham esse desenvolvimento, reclamam do Estado meios investigatórios compatíveis, adequados e eficientes.

Com efeito, imaginar que o vetusto inquérito policial normalmente embasado somente em oitiva de vítimas e eventuais de testemunhas irá dar conta das cada vez mais complexas formas de criminalidade organizada é fechar os olhos para a realidade e decretar a vitória do Estado paralelo.

Nesse sentido, é hora de abandonar a velha hipocrisia, no mais das vezes embalada em uma bela retórica, a fim de que se mude a mentalidade ultrapassada ainda vigorante, de modo a se possibilitar que o Estado se desincumba dos compromissos internacionais que assumiu de combate ao crime organizado e a corrupção. [21]

A propósito, esse também é o pensamento do ilustre José Paulo Baltazar Júnior, que já teve oportunidade de assinalar que:

Coloca-se, então, como necessária, face ao perigo do crime organizado, a adoção de novas bases no processo penal, que contemplem a adoção de técnicas especiais de investigação, a possibilidade da utilização de meios de inteligência na fase da investigação criminal, a proteção de testemunhas, vítimas e réus colaboradores, a adoção de soluções negociadas, a busca da prevenção. Acredito que essa modificação nas bases do processo penal não significará erosão dos direitos individuais, mas que será possível a adoção de tais medidas dentro do marco constitucional e com obediência ao princípio da ampla defesa.

De mais a mais, as próprias Leis nº 9.034/95 e nº 9.296/96 já consagram técnicas especiais de investigação, como a interceptação telefônica, telemática, infiltração de agentes, ação controlada, acesso a informações bancárias e fiscais e captação e interceptação ambiental, dando-se concretude aos ditos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.

Nada obstante, o próximo passo ainda há de ser dado, quer com a mudança de mentalidade dos operadores do sistema de investigações, ainda muito presos aos arcaicos modos de elucidação de crimes, que com a mudança de mentalidade dos operadores do sistema de justiça, ainda muito parcimoniosos quando se trata da autorização de modernas formas de comunicação.


5. Conclusão

A despeito da relevância da intimidade no cenário jurídico brasileiro, assegurada que está como direito fundamental do indivíduo, a sua proteção não poderá se dar a qualquer preço, em detrimento de outros direitos fundamentais, prima facie mais relevantes.

Desse modo, há de se ter em mente a necessidade de tutela também de outros interesses da sociedade, de igual ou superior fundamentalidade, por vezes com o sacrifício da intimidade.

Assim, temos que devem ser superados os óbices opostos à investigações empreendidas pelo Ministério Público, autorizando-se o acesso direito a dados bancários e fiscais, além do que deve-se dotar as polícias e demais órgãos do Estado de instrumentos eficientes para a utilização de técnicas especiais de investigação e inteligência a serviço da própria coletividade.


BIBLIOGRAFIA:

ARAS, Vladimir. Possibilidade de Quebra de sigilo bancário pelo Ministério Público. Uma proposta. Disponível em www.novacriminologia.com.br, acesso em 10/10/2011.

BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Crime Organizado e Proibição de Insuficiência. Livraria do Advogado.

BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada, 8ª Edição, Editora Saraiva.

CALABRICH, Bruno. Investigação Criminal pelo Ministério Público, fundamentos e limites constitucionais. Temas Fundamentais de Direito, v.7, Editora Revista dos Tribunais.

CAVALCANTI, José Robalinho, in Garantismo Penal Integral, Questões Penais e processuais, criminalidade moderna e a aplicação do modelo garantista no Brasil.

COELHO, SACHA CALMON NAVARRO, Caderno de Pesquisa Tributária, vol. 18, São Paulo, Ed. Resenha Tributária, 1993.

CONSERINO, Cássio Roberto. Crime Organizado e Institutos Correlatos. Série Legislação Penal Especial. Editora Atlas.

COSTA JUNIOR, Paulo José da. O Direito de Estar Só, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1970.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19a edição. São Paulo, Ed. Forense, 2005.

MENDRONI, Marcelo Batlouni. Provas no Processo Penal, Estudo sobre a Valoração das Provas Penais, Editora Altas.

MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 5ª Edição, Editora Altas.

SILVA, César Dário Mariano. Provas Ilícitas, 6ª Edição, Editora Atlas.


Notas

  1. BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada, Editora Saraiva, 8ª Edição, p. 147.
  2. COSTA JUNIOR, Paulo José da. O Direito de Estar Só, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1970.
  3. MS n.21.729-4.
  4. Cf. Sigilo Bancário no Brasil, Dualidade e Globalização: Duas propostas para reunificação e retomada de coerência perante o texto constitucional, in Garantismo Penal Integral, Questões penais e processuais, criminalidade moderna e a aplicação do modelo garantista no Brasil, Editora Podivm, p.306.
  5. Constituição Federal Anotada, 8ª Edição, Revista e Atualizada até a EC.56/2007, Editora Saraiva, p. 163.
  6. MS 23652/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 22/11/2000, DJ 16/02/2001; MS 23639/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 16/11/2000, DJ 16/02/2001.
  7. MS 23882/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, julgado em 31/10/2001, DJ 01/02/2002.
  8. Com efeito, recentemente, em julgado bastante interessante, a Segunda Turma do STJ considerou ser possível o Ministério Público realizar quebra de sigilo bancário, sem intermediação do Poder Judiciário. Eis a ementa desta decisão: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. MINISTÉRIO PÚBLICO. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. NATUREZA DA DECISÃO DENEGATÓRIA. MEIO DE IMPUGNAÇÃO CABÍVEL. 1. Caso concreto em que o Parquet solicita administrativamente a quebra de sigilo bancário no âmbito de procedimento investigatório ministerial. Após negativa do juízo de 1º grau, o Ministério Público impetrou Mandado de Segurança, do qual o Tribunal de origem não conheceu, sob o fundamento de que o meio de impugnação cabível é o Agravo de Instrumento.
  9. 2. Nem toda decisão proferida por magistrado possui natureza jurisdicional, a exemplo da decisão que decreta intervenção em casa prisional ou afastamento de titular de serventia para fins de instrução disciplinar. 3. O Conselho Nacional de Justiça regulamentou os procedimentos administrativos de quebra de sigilo das comunicações (Resoluções 59/2008 e 84/2009). 4. Necessário adotar a técnica hermenêutica do distinguishing para concluir pela inaplicabilidade da Súmula 267 do STF ("Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição"), pois todos os seus precedentes de inspiração referem-se à inviabilidade do writ contra ato jurisdicional típico e passível de modificação mediante recurso ordinário, o que não se amolda à espécie. 5. A exemplo do entendimento consagrado no STJ, no sentido de que nas Execuções

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    Fiscais a Fazenda Pública pode requerer a quebra do sigilo fiscal e bancário sem intermediação judicial, tal possibilidade deve ser estendida ao Ministério Público, que possui atribuição constitucional de requisitar informações para fins de procedimento administrativo de investigação, além do fato de que ambas as instituições visam ao bem comum e ao interesse público. Precedentes do STJ e do STF. 6. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança provido, tão-somente para determinar que o Tribunal a quo enfrente o mérito do mandamus. (RMS 31.362/GO, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 17/08/2010, DJe 16/09/2010)

  10. CALABRICH, Bruno. Investigação Criminal pelo Ministério Público, fundamentos e limites constitucionais, Editora Revista dos Tribunais, p.212/213.
  11. COELHO, SACHA CALMON NAVARRO, Caderno de Pesquisa Tributária, vol. 18, São Paulo, Ed. Resenha Tributária, 1993, p.100.
  12. No mesmo sentido, CALABRICH, Bruno. Op. Cit. p.231. Também é a posição de SILVA, César Dario Mariano in Provas Ilícitas, Editora Atlas, 6ª Edição, p.47.
  13. MENDRONI, Marcelo Batlouni. Provas no Processo Penal, Estudo sobre a Valoração das Provas Penais, Editora Atlas, 2010, p.142.
  14. Nesse sentido, CONSERINO, Cássio Roberto. Crime Organizado e Institutos Correlatos, Editora Atlas, p.76.
  15. Órgãos esses nunca acoimados de arbitrários quando apenas uma parcela da população, normalmente dos estratos inferiores, era objeto das investigações empreendidas.
  16. Sem prejuízo de lamentáveis decisões das Cortes Superiores que tem anulado operações policiais envolvendo proeminentes figuras da sociedade e do Estado.
  17. Ob. Cit. p.225/226.
  18. Op. Cit. p.73.
  19. Ob. Cit., p.66.
  20. No mesmo sentido, CONSERINO, Cássio Roberto, Ob. Cit.154.
  21. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19a edição. São Paulo, Ed. Forense, 2005, p. 136.
  22. A propósito, no que concerne ao crime organizado, a Convenção de Palermo, aprovada pelo Decreto n.º 231, de 29 de maio de 2003, e promulgada pelo Decreto n.º 5015, de 12 de Março de 2004, dispõe em seu art.20, que dispõe: "1. Se os princípios fundamentais do seu ordenamento jurídico nacional o permitirem, cada Estado Parte, tendo em conta as suas possibilidades e em conformidade com as condições prescritas no seu direito interno, adotará as medidas necessárias para permitir o recurso apropriado a entregas vigiadas e, quando o considere adequado, o recurso a outras técnicas especiais de investigação, como a vigilância eletrônica ou outras formas de vigilância e as operações de infiltração, por parte das autoridades competentes no seu território, a fim de combater eficazmente a criminalidade organizada."
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Sobre o autor
Leonardo Bellini de Castro

Promotor de Justiça em São Paulo. Especialista em Direito Constitucional pela PUC/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, Leonardo Bellini. As implicações jurídico-constitucionais da tutela da intimidade e suas relações com a atividade investigatória do Estado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3028, 16 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20239. Acesso em: 2 nov. 2024.

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