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Contraditório administrativo na demarcação de terras indígenas

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15/01/2012 às 09:22
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4. Contraditório Administrativo na Demarcação de Terras Indígenas.

O artigo 5º, LIV, dispõe que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Assim, o contraditório, como corolário do princípio do devido processo legal é assegurado não só em processos judiciais, mas também em processos administrativos por expresso comando constitucional, constituindo direito fundamental dos administrados.

Não obstante a obediência ao devido processo legal, o Decreto 22/91 não previa expressamente o contraditório administrativo no processo de demarcação das terras indígenas, dando origem a inúmeras ações judiciais.

Vejamos a jurisprudência acerca da existência do contraditório na demarcação de terras indígenas:

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DEMARCATÓRIO. INEXISTÊNCIA. DECRETO 1.775/1996. CONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. I - Esta Corte possui entendimento no sentido de que o marco temporal previsto no art. 67 do ADCT não é decadencial, mas que se trata de um prazo programático para conclusão de demarcações de terras indígenas dentro de um período razoável. Precedentes. II – O processo administrativo visando à demarcação de terras indígenas é regulamentado por legislação própria - Lei 6.001/1973 e Decreto 1.775/1996 - cujas regras já foram declaradas constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal. Precedentes. III – Não há qualquer ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa, pois conforme se verifica nos autos, a recorrente teve oportunidade de se manifestar no processo administrativo e apresentar suas razões, que foram devidamente refutadas pela FUNAI. IV – Recurso a que se nega provimento.

(RMS 26212, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 03/05/2011, DJe-094 DIVULG 18-05-2011 PUBLIC 19-05-2011 EMENT VOL-02525-02 PP-00290) EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS. RESPEITO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. SEGURANÇA INDEFERIDA. Imprescindibilidade de citação da FUNAI como litisconsorte passiva necessária e ausência de direito líquido e certo, por tratar a questão de matéria fática. Preliminares rejeitadas. Ao estabelecer um procedimento diferenciado para a contestação de processos demarcatórios que se iniciaram antes de sua vigência, o Decreto 1.775/1996 não fere o direito ao contraditório e à ampla defesa. Proporcionalidade das normas impugnadas. Precedentes. Segurança indeferida.

(MS 24045, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 28/04/2005, DJ 05-08-2005 PP-00006 EMENT VOL-02199-01 PP-00197 LEXSTF v. 27, n. 322, 2005, p. 145-154)

Superada a questão acerca do contraditório, os estudos e pareceres referentes às contestações, após aprovação da FUNAI, são encaminhados ao Ministro da Justiça, para apreciação da proposta apresentada pelo órgão indigenista, referente aos limites da terra indígena, e das razões apresentadas pelos contestantes.

O Ministro da Justiça, se aprovar os estudos feitos pela FUNAI, por meio de Portaria publicada no Diário Oficial da União, declara de a terra de ocupação tradicional do grupo indígena especificado, indicando a superfície, o perímetro, seus limites e determina a demarcação física.


CONCLUSÃO

Terras tradicionalmente ocupadas por indígenas são aquelas habitadas pelos índios em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições, nos termos do § 1º do artigo 231 da Constituição Federal/88.

O procedimento para demarcação de terras indígenas tradicionais é regulamentado pelo artigo 17 da Lei 6.001/73, Estatuto do Índio, pelo Decreto 1.775/96 e pela Portaria nº 14/MJ, de 9/01/1996.

Comungo da tese de que não há ofensa ao princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa a demarcação de terras tradicionais indígenas realizada nos termos do Decreto 1.775/98.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

KAYSER, Harmut-Emanuel. Os direitos dos povos indígenas do Brasil : desenvolvimento histórico e estágio atual / Harmut-Emanuel Kayser ; tradução maria da Glória Lacerda Rurack, Klaus-Peter Rurack. – Porto Alegre : Sérgio Antônio Fabris Ed. 2010.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; GONET BRANCO Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007.

NEVES, João Lino Neves. Juridificação do Processo de Demarcação de Terras Indígenas no Brasil. Revista Crítica de Ciências Sociais, Nº 55, Novembro de 2009.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31º ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

FUNAI. www.funai.gov.br


Notas

  1. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 34ª ed. São Paulo: Malheiros. 2011.
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Sobre o autor
Jorge Arcanjo dos Santos

Procurador Federal - AGU. Procuradoria Federal Especializada a Fundação Nacional do Ìndio - FUNAI. Especialista em Direito Constitucional pela Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL. Especialista em Direito Público pela Universidade de Brasília - UnB. Professor do Instituto de Ensino Superior Planalto - IESPLAN.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Jorge Arcanjo. Contraditório administrativo na demarcação de terras indígenas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3119, 15 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20855. Acesso em: 25 abr. 2024.

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