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A responsabilidade patrimonial do sócio-gerente na execução fiscal de créditos tributários e não-tributários

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16/04/2012 às 09:10
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4. Responsabilidade tributária

Como visto no tópico 1.3, a obrigação tributária se encontra sob a égide do modelo de obrigações do direito civil, posto que apresenta os mesmos elementos da relação jurídica obrigacional, quais sejam credor, devedor e prestação.

Aduziu-se, anteriormente, outrossim, que a regra é a de quem contraiu a obrigação, com seu patrimônio responde. Contudo, existem hipóteses em que a lei atribui a responsabilidade a outra pessoa que não o obrigado. É a chamada responsabilidade secundária. No direito tributário, o responsável originário será o contribuinte, enquanto o secundário será o responsável, conforme se extrai da exegese do art. 121 do CTN.

A responsabilidade secundária, então, no direito tributário, é chamada de responsabilidade tributária, que vem disciplinada entre os arts. 128 e 138 do CTN. Anteriormente a estes dispositivos, porém, o Código Tributário Nacional trata da responsabilidade também no art. 124[63]. Pela redação do referido dispositivo, infere-se que o administrador da sociedade responderá solidariamente com ela, haja vista ter efetivo interesse comum com o fato gerador e ser pessoa designada por lei. Não há que se falar que o sócio-gerente não tem interesse comum com o fato gerador, afinal, trata-se de uma obrigação legal na gestão da empresa, além dos lucros, usufruídos, obviamente, pelo sócio-gerente, só advirem após o pagamento dos passivos, nos quais se incluiriam os tributos devidos ao Fisco.

A responsabilidade tributária pode ser, segundo a doutrina, por substituição ou por transferência. Na primeira hipótese, a responsabilidade ocorrerá contemporaneamente à ocorrência do fato gerador. Na segunda, em um momento posterior, em razão de um fato definido em lei que causar a alteração do sujeito passivo.

Neste tema, leciona Rubens Gomes de Souza[64], aduzindo que a transferência “é a passagem da sujeição passiva para outra pessoa, em virtude de um fato posterior ao nascimento da obrigação contra o obrigado direto”. Já a substituição é

A hipótese em que independentemente de fato novo posterior ao nascimento da obrigação, a lei já define a esta como surgindo desde logo contra pessoa diversa da que seria o obrigado direto, isto é, contra pessoa outra que aquela que auferiu vantagem econômica do ato, fato ou negócio tributado.

A responsabilidade tributária tem, como princípio, o art. 128 do CTN, o qual reza:

Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.

Pela leitura do citado artigo, compreende-se que a “terceira pessoa” é o responsável, e que este deve ter vínculo com o fato gerador da obrigação. Ademais, o referido dispositivo também faz alusão às modalidades de responsabilidade tributária, já que, em um primeiro momento, fala de “exclusão da responsabilidade do contribuinte”, que nada mais seria do que a responsabilidade por substituição, e, em um segundo momento, se refere à atribuição da responsabilidade a um “terceiro” em caráter supletivo, que é a responsabilidade por transferência.

Diante do exposto, é possível assimilar três requisitos para a ocorrência da responsabilidade tributária, quais sejam: a) necessidade de previsão legal; b) vinculação da terceira pessoa, a quem a lei atribui a responsabilidade, com o fato gerador da obrigação; c) responsabilidade decorrente da obrigação principal, que é referida no art. 121 do CTN.

O CTN elenca três hipóteses de responsabilidade, quais sejam a responsabilidade dos sucessores, prevista entre os arts. 129 a 133, a responsabilidade de terceiros, disciplinada nos arts. 134 e 135, e a responsabilidade por infrações, disposta entre os arts. 136 e 138.

Não obstante o CTN disponha sobre a responsabilidade tributária entre os arts. 128 e 138, aqui nos atentaremos tão somente para a responsabilidade de terceiros, exposta nos arts. 134 e 135 do mesmo diploma legal.

Ressalte-se que esta responsabilidade alcançará apenas as sociedades personificadas com limitação de responsabilidade, das quais se destacam a sociedade limitada e a sociedade anônima (retro 3.2).

4.1. Responsabilidade de terceiros

O CTN disciplina a responsabilidade de terceiros nos arts. 134 e 135. Ambas as hipóteses tratam de responsabilização de “terceiros”[65] que deixaram de cumprir um dever legal de gestão. Diferenciam-se, contudo, no que se refere à regularidade, uma vez que o art. 134 dispõe sobre a atuação regular, enquanto o art. 135 trata da atuação irregular, com agressão à lei, contratos ou estatutos.

4.1.1. Responsabilidade de terceiros decorrente de atuação regular

Dispõe o art. 134 do CTN:

Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:

I - os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores;

II - os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados;

III - os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes;

IV - o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio;

V - o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário;

VI - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício;

VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.

Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório.

Pela leitura do dispositivo, se infere que a responsabilidade do obrigado e do responsável é solidária, de modo que qualquer um dos dois, ou os dois, em conjunto, devem pagar a dívida.

Ocorre que o caput do citado dispositivo diz que o responsável só responderá pelo débito nos casos em que houver impossibilidade de exigir o cumprimento da obrigação principal ao contribuinte. Como bem afirma Ricardo Alexandre[66]

Se uma das características da solidariedade é justamente a inexistência do benefício de ordem, não se pode designar “solidária” uma responsabilidade que depende da impossibilidade da exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte.

Contrário a esta posição está Kiyoshi Harada[67], que defende a subsistência da responsabilidade solidária condicionada à “impossibilidade de o contribuinte satisfazer a obrigação principal”.

Defendemos, contudo, a posição de Ricardo Alexandre, já que o CTN chamou de solidária uma responsabilidade que, na verdade, é subsidiária, posto que os bens do responsável só responderão pelo débito se for impossível exigir o cumprimento da obrigação ao contribuinte. Inegável há, pois, um benefício de ordem, tendo incorrido o CTN em uma imprecisão terminológica.

O citado dispositivo se refere, ainda, a uma ação ou omissão do responsável. Nada de novo há aqui. Conforme já afirmado, é requisito da responsabilidade a vinculação da terceira pessoa, a quem a lei atribui a responsabilidade, ao fato gerador da obrigação.

No tocante ao inciso VII do art. 134 do CTN, este prevê a responsabilidade dos sócios “no caso de liquidação de sociedade de pessoas”. O primeiro ponto a ser ressaltado aqui é que apenas o fato de ser sócio não importa em responsabilidade tributária, haja vista a existência do já discutido princípio da autonomia patrimonial, segundo o qual o patrimônio da pessoa jurídica não se confunde com o de seus sócios. O referido dispositivo, contudo, se refere à sociedade de pessoas, que se contrapõe à sociedade de capital. Segundo Fábio Ulhoa Coelho[68], “as sociedades de pessoas são aquelas em que a realização do objeto social depende mais dos atributos individuais dos sócios que da contribuição material que eles dão”, pelo que se extrai responderem os sócios das sociedades de pessoas ilimitadamente pelos débitos desta. Por este conceito, seriam sociedades de pessoas a sociedade em nome coletivo e a sociedade em comandita simples, haja vista a presença da responsabilidade ilimitada nestes tipos societários (retro 3.2). A sociedade limitada, embora como regra seja de capital, também pode ser de pessoas, sendo, pois, uma figura híbrida. A conclusão a que se chega é que enquanto não integralizado o capital social subscrito, a sociedade será tida como de pessoas, de tal modo que os sócios terão responsabilidade ilimitada (retro, 3.2).

Ressalvados estes casos, todavia, aos sócios não será imputada a responsabilidade tributária pelo simples fato de serem sócios. Há, contudo, hipótese em que o denominado sócio-gerente será responsável pelas obrigações assumidas pela sociedade, ainda que esta esteja protegida pelo princípio da autonomia patrimonial, o que se passa a analisar agora.

4.1.2. Responsabilidade de terceiros decorrente de atuação irregular

Dispõe o art. 135 do CTN:

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

I - as pessoas referidas no artigo anterior;

II - os mandatários, prepostos e empregados;

III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

A atuação irregular consiste no fato das pessoas arroladas por este artigo praticarem atos com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatuto. Difere, pois, do artigo antecedente em razão deste motivo, e também pelo fato desta responsabilidade ser por substituição, segundo doutrina e jurisprudência majoritárias, enquanto no dispositivo antecedente é por transferência.

Chegamos, então, a um dos pontos primordiais do presente estudo, qual seja o da responsabilidade do sócio-gerente. Assim, nos atentaremos para o disposto no inciso III do art. 135 do CTN.

4.1.2.1 Responsabilidade tributária do sócio-gerente

Inicialmente, impende compreender o que é o sócio-gerente e qual o seu papel perante a sociedade. Sócio-gerente é um membro da sociedade que tem poder de gerência, isto é, que, internamente, administra a empresa e, externamente, manifesta a vontade da pessoa jurídica. Por este motivo, o sócio-gerente será o responsável tributário pelas obrigações tributárias da sociedade limitada, se agir com excesso de poder ou infringir lei, contrato social ou estatuto.

Segundo doutrina e jurisprudência majoritárias, o art. 135 do CTN é caso de responsabilidade por substituição, de modo que deve ser afastada a responsabilidade do contribuinte, que neste caso será a própria sociedade, para que o sócio-gerente torne-se o único responsável pelo crédito tributário. Assim, a responsabilidade do sócio torna-se não somente exclusiva, mas também pessoal, de tal modo que ele responde com todo o seu patrimônio, ressalvadas as situações de impenhorabilidade, na forma da lei.

Ocorre que é pacífico no STJ o entendimento de que a dissolução irregular da sociedade gera presunção de prática de atos abusivos ou ilegais, uma vez que o administrador que assim procede age em infração à lei. A dissolução irregular se caracterizaria pelo fechamento da empresa sem baixa na junta comercial e/ou comunicação ao Fisco, podendo ser comprovada pelo relato do oficial de justiça que não conseguiu citar a empresa pelo fato desta ter fechado. Ocorrendo isto, a execução pode ser redirecionada ao sócio-gerente. Isto porque o empresário tem a obrigação de atualizar o seu registro cadastral nos órgãos competentes. Aliás, o tema foi objeto de súmula do STJ:

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Súmula 435: "Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente".

Note que a dissolução irregular da sociedade só poderá ser averiguada em momento posterior à constituição do crédito, de modo que não se encaixaria no conceito de responsabilidade por substituição, já que, nesta, a responsabilidade do sócio-gerente nasce contemporaneamente ao fato gerador, e o que deslumbramos aqui é que a responsabilidade nasce quando o crédito já está constituído.

Não obstante, o STJ[69] vem entendendo que a dissolução irregular da sociedade também é modalidade de responsabilidade por substituição.

PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. DILAÇÃO PROBATÓRIA.

(...)

Os sócios (diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica) somente são pessoalmente responsáveis, por substituição, pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias quando comprovada a dissolução irregular da sociedade, a prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou a infração de lei, contrato social ou estatutos.

Hugo de Brito Machado Segundo[70] acha equivocada a posição do STJ, defendendo a responsabilidade em momentos distintos:

O primeiro, quando o fato gerador é praticado pelo diretor ou sócio-gerente fora de suas funções, extrapolando os limites impostos pelos atos constitutivos ou pela lei societária. É o caso, por exemplo, do sócio-gerente que realiza operação mercantil vedada pelo contrato social.

O segundo, quando embora o fato gerador tenha sido realizado pela pessoa jurídica, a dívida tributária não for adimplida em virtude de ato contrário à lei societária praticado pelo diretor ou sócio-gerente, como é o caso da liquidação irregular da sociedade, do desvio de recursos desta para a pessoa natural do diretor, ou quaisquer outros atos que, (...), embora praticados em nome do contribuinte, são contrários a seus interesses.

Ricardo Lobo Torres[71], citando Rubens Gomes de Souza, diz que “a sujeição passiva indireta se apresenta sob duas modalidades: transferência e substituição; por sua vez a transferência comporta três hipóteses: solidariedade, sucessão e responsabilidade”. Daí dizer que o referido autor não considera o caso do art. 135 do CTN como responsabilidade por substituição, mas por transferência, apontando que o responsável está na mesma esfera que o contribuinte, mas conserva a responsabilidade em caráter supletivo.

Igualmente procede Ricardo Alexandre[72], ao dividir a responsabilidade tributária nas modalidades de substituição e transferência, subdividindo esta em responsabilidade por sucessão, por solidariedade e de terceiros, na qual se encaixa o art. 135, III do CTN.

Ainda neste tocante, há discussão a respeito da permanência da pessoa jurídica no pólo passivo, haja vista que na responsabilidade por substituição o sócio-gerente passa a deter responsabilidade exclusiva e pessoal pelo débito, de modo que a sociedade não figuraria mais no pólo passivo da execução.

José Vianna Vaz[73] entende que, por se tratar de responsabilidade por substituição, esta seria tão somente do sócio-gerente, sendo afastada, pois, a figura do contribuinte originário. Para ele, não haveria sentido em o art. 135 do CTN mencionar responsabilidade pessoal se houvesse solidariedade.

Na mesma linha de pensamento está Maria Rita Ferragut[74], para quem a responsabilidade pessoal do art. 135 do CTN significa que o terceiro responde sozinho pela dívida, não havendo que se falar nem em solidariedade, nem em subsidiariedade.

Luciano Amaro[75] também defende esta corrente, dizendo que

Esse dispositivo exclui do pólo passivo da obrigação a figura do contribuinte (...), ao mandar que o executor do ato responda pessoalmente. A responsabilidade pessoal deve aí ter sentido (...) de ela não ser compartilhada com o devedor “original” ou “natural”.

Não se trata, portanto, de responsabilidade subsidiária do terceiro, nem de responsabilidade solidária. Somente o terceiro responde, “pessoalmente”.

Contra esta corrente está Gilberto Villela[76], afirmando que a responsabilidade do art. 135 não exclui a da pessoa jurídica:

Ainda que o CTN possa ter querido essa exclusão, assim não se deve interpretar por dois motivos: em primeiro lugar, porque quando os sócios ganham, a empresa também ganha; e em segundo plano, porque há solidariedade comum em razão do art. 124, I do CTN.

A Ministra Eliana Calmon[77] também defende que o sócio só pode ser pessoal e exclusivamente responsabilizado nos casos do art. 137 do CTN, e não do art. 135 do CTN, divergindo da posição doutrinária restritiva.

Leandro Palsen[78] considera haver responsabilidade solidária, dispondo que

Tendo o ato sido praticado em benefício da empresa, incide o art. 124, I, do CTN, que estabelece a solidariedade em função do interesse comum, de modo que, embora pudesse a responsabilidade do sócio-gerente ser pessoal, passará a haver a responsabilidade solidária da própria empresa, sem beneficio de ordem. Daí porque, normalmente, se viabiliza a execução de ambos, optando, o Fisco, por executar primeiramente a empresa (...) e, apenas no caso de ausência ou insuficiência de bens, por buscar o redirecionamento contra o sócio-gerente infrator.

Hugo de Brito Machado[79] explica a discussão, dizendo que no 5° Simpósio Nacional de Direito Tributário, realizado em outubro de 1980 em São Paulo, prevaleceu o entendimento de que o art. 135 do CTN cuida de responsabilidade por substituição, de modo que o administrador já figura originariamente no pólo passivo, pelo que a figura do contribuinte deve ser excluída da execução. O autor, porém, é contrário a esta posição, afirmando que:

Com efeito, a responsabilidade do contribuinte decorre de sua condição de sujeito passivo direto da relação obrigacional tributária. Independe de disposição legal que expressamente a estabeleça. Assim, em se tratando de responsabilidade inerente à própria condição de contribuinte, não é razoável admitir-se que desapareça sem que a lei o diga expressamente.

Isto, aliás, é o que se depreende do disposto no art. 128 do Código Tributário Nacional, segundo o qual "a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação". Pela mesma razão que se exige dispositivo legal expresso para a atribuição da responsabilidade a terceiro, também se há de exigir dispositivo legal expresso para excluir a responsabilidade do contribuinte.

Em verdade, a posição que defende a permanência da sociedade no pólo passivo é mais coerente, haja vista que o sócio-gerente age em nome da pessoa jurídica, e o devedor é a sociedade e não o administrador, de tal modo que ele não poderia ser responsabilizado sozinho. Em outros termos, não se poderia excluir a responsabilidade da empresa, já que o ato foi realizado em nome dela. Ademais, como bem afirmava Pontes de Miranda[80], os sócios não representam a sociedade, mas verdadeiramente a presentam. Assim, a responsabilidade da sociedade deve ser, ao menos, subsidiária, senão solidária, mesmo porque a prática nos mostra que só há interesse jurídico em responsabilizar o sócio-gerente quando frustrada a busca de bens da pessoa jurídica. Aliás, isto também é o que dispõe o art. 4°, §3° da LEF[81]. Não bastassem estes motivos, há ainda o texto do art. 124 do CTN, do qual se infere que o administrador da sociedade responderá solidariamente com ela, haja vista ter efetivo interesse comum com o fato gerador e ser pessoa designada por lei. Baseado nisto, conclui-se que a responsabilidade do sócio-gerente será, no mínimo, subsidiária, isto é, só responderá se os bens da sociedade forem insuficientes para satisfazer a dívida. Contudo, ocorrendo tal hipótese, a sociedade continuará figurando no pólo passivo, em litisconsórcio com o sócio-gerente.

Esta conclusão é reforçada pela rejeição do anteprojeto do CTN no tocante à responsabilidade tributária de terceiro com exclusão da responsabilidade do sujeito passivo.

No que tange à responsabilidade ser “pessoal”, o que, ab initio, afastaria a responsabilidade da sociedade, restando somente a do sócio-gerente, cumpre afirmar que não se confunde com exclusividade. Quando o CTN diz que a responsabilidade pelos créditos tributários é pessoal, quer afirmar que o responsável responde com todo o seu patrimônio. Dessa forma, se o sujeito passivo deve IPTU em um montante superior ao valor do seu imóvel, não há que se falar que a entrega do imóvel extingue a obrigação e, consequentemente, o crédito tributário. Caso assim fosse, estaríamos diante de uma responsabilidade real. A fim de esclarecer, responsabilidade real é aquele que incide sobre a coisa, desconsiderando aspectos pessoais, subjetivos. A responsabilidade pessoal, por sua vez, incide sobre a pessoa, considerando, pois, aspectos subjetivos.

Portanto, quando o art. 135 do CTN afirma que “são pessoalmente responsáveis”, quis dizer que o sócio-gerente responde com todo o seu patrimônio, e não que a responsabilidade do sócio-gerente é exclusiva. Certamente, se o contribuinte fosse exonerado da responsabilidade, o legislador o teria feito de forma expressa. Como não o fez, não há como se alcançar a ilação pretendida por alguns, de modo que a responsabilidade do contribuinte subsiste juntamente com a do sócio-gerente.

A prática também nos leva a concluir por esta corrente, já que ocorrida a dissolução irregular da sociedade, o sócio-gerente é incluído no pólo passivo, através do redirecionamento da execução fiscal, senão, vejamos:

PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO – Execução Fiscal – Ofensa ao Art. 535, II do CPC – Inocorrência – Dissolução Irregular – Sócio-Gerente – Redirecionamento – In­terpretação do Art. 135, inciso III, do CTN.

[...]

5. A empresa que deixa de funcionar no endereço indicado no contrato social arquivado na junta comercial, desaparecendo sem deixar nova direção, é presumivelmente considerada como desativada ou irre­gularmente extinta.

6. Imposição da responsabilidade solidária.

7. Recurso especial parcialmente provido. [82]

Nesse caso, uma vez imputada a co-responsabilidade ao sócio-gerente, ele assumirá a posição de sujeito passivo, em litisconsórcio eventual com a sociedade devedora.

Este também é o entendimento do Tribunal Regional Federal da 3ª região[83]:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO: AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO PASSIVO. CONTRIBUINTE E CO-RESPONSÁVEIS. TRIBUTÁRIO. EXCLUSÃO DA LIDE DOS COOBRIGADOS SOLIDÁRIOS. EX-DIRETORES DA EXECUTADA. AUSÊNCIA DE CONCORDÂNCIA DO EXEQUENTE. INADMISSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO.

I - Execução fiscal aforada contra o devedor contribuinte e co-responsáveis pelo débito fiscal objeto da cobrança.

II - É lícito à Fazenda Pública promover execução fiscal em face de litisconsortes facultativos diversos, num só processo, sendo eles responsáveis solidários pelo crédito fiscal cobrado.

III- Constando do título executivo os nomes dos diretores da executada à época em que foi contraída a dívida fiscal, emerge evidente suas condições de coobrigados solidários e garantes da obrigação tributária.

IV - Encontrando-se o processo em marcha regular, não tem amparo legal a exclusão do pólo passivo da lide de litisconsortes responsáveis pela obrigação tributária, sem a concordância do exequente, ainda que tenham contratualmente transferido o controle acionário da executada para terceiros.

V - Agravo provido. (grifou-se)

Conforme se infere do julgado supra, é necessário que o nome do sócio-gerente conste na Certidão de Dívida Ativa – que é o título executivo extrajudicial em sede de execução fiscal – para que figurem no pólo passivo o contribuinte e o responsável como litisconsortes passivos. A jurisprudência, contudo, vem mitigando esta regra, admitindo o redirecionamento da execução fiscal para o co-responsável, ainda que o nome dele não conste na CDA.

Esta questão é polêmica em razão da previsão do art. 2°, §5°, I da Lei n° 6.830/80[84] e do art. 202, I do CTN, os quais asseveram que o nome do co-responsável deverá constar na Certidão de Dívida Ativa obrigatoriamente.

Quanto ao tema, afirma Humberto Theodoro Jr.[85] que:

Sendo a execução fiscal regulada pela Lei n. 6830 (...), continua, a meu ver, inadmissível, em feito da espécie, pretender a Fazenda o acertamento de responsabilidade de terceiros ou coobrigados que não figuraram no processo administrativo e contra quem não se formou o título executivo, que é a Certidão de Dívida Ativa.

Não importa que o art. 4° da Lei n. 6830 diga que a execução fiscal pode ser promovida contra outras pessoas além do devedor. O certo é que a mesma lei dispõe que a liquidez e certeza, requisito sine qua non da execução forçada, só decorre da regular inscrição do débito pelo órgão competente para apurar a mesma liquidez e certeza.

Como diz o próprio autor supracitado, o art. 4° da Lei n° 6.830/80, dispõe que a execução fiscal pode ser promovida tanto contra o devedor, que é o contribuinte, quanto em desfavor do responsável[86], e como bem explica Fredie Didier Jr.[87]

Se realmente fosse necessária a designação do responsável no termo de Inscrição de Dívida Ativa, ele se transformaria em devedor, não havendo razão para o art. 4°, V, da Lei n. 6830/1980 fazer referência ao responsável; bastaria a referência ao devedor, pois ostenta essa condição aquele que consta do Termo de Inscrição de Dívida Ativa.

O STJ[88] já se posicionou diversas vezes a este respeito aduzindo que

TRIBUTÁRIO - EXECUÇÃO FISCAL - PENHORA DE BENS - RESPONSABILIDADE DO SOCIO - ARTIGOS [135] E [136], CTN.

1. O SOCIO RESPONSAVEL PELA ADMINISTRAÇÃO E GERENCIA DE SOCIEDADE LIMITADA, POR SUBSTITUIÇÃO, E OBJETIVAMENTE RESPONSAVEL PELA DIVIDA FISCAL, CONTEMPORANEA AO SEU GERENCIAMENTO OU ADMINISTRAÇÃO, CONSTITUINDO VIOLAÇÃO A LEI O NÃO RECOLHIMENTO DE DIVIDA FISCAL REGULARMENTE CONSTITUIDA E INSCRITA. NÃO EXCLUI A SUA RESPONSABILIDADE O FATO DO SEU NOME NÃO CONSTAR NA CERTIDÃO DE DIVIDA ATIVA.

2. MULTIPLICIDADE DE PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS (STF/STJ).

3. RECURSO PROVIDO

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS DE DEVEDOR. NULIDADE DA CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA - CDA. REQUISITOS (AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO CO-RESPONSÁVEL PELO DÉBITO TRIBUTÁRIO E DE DISCRIMINAÇÃO DA DÍVIDA). ART. 2º, § 5º, DA LEI 6.830/80. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. AFASTAMENTO.

1 - Segundo remansosa jurisprudência desta Corte e do Colendo STF, a execução fiscal é proposta contra a pessoa jurídica, não sendo exigível fazer constar da CDA o nome dos co-responsáveis pelo débito tributário, os quais podem ser chamados supletivamente. Precedentes.

(...)

(grifou-se)

Da mesma forma o fez o Superior Tribunal Federal[89], antes da criação do STJ pela Constituição Federal de 1988, quando ainda lhe competia a interpretação do ordenamento jurídico federal:

- EXECUÇÃO FISCAL CONTRA SOCIO DE SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. AUSÊNCIA DO NOME NA CERTIDÃO DA DIVIDA. NÃO E DE EXIGIR-SE. MAS NECESSARIA A PROVA DA PRATICA DE ATOS QUE OFENDAM A LEI, OS ESTATUTOS OU CONTRATO SOCIAL, OU CONFIGUREM EXCESSO DE PODERES. PETIÇÃO DE RECURSO MIMEOGRAFADA, QUE NÃO ATENDE A ESPÉCIE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO.

(grifou-se)

Nota-se, então, que a jurisprudência é pacífica no sentido de que a responsabilidade do sócio-gerente não é excluída se o nome deste não constar na Certidão de Dívida Ativa.

A importância desta questão reside no fato de que se o nome do sócio constar na CDA, o ônus da prova incumbirá a ele. Entretanto, se a execução for redirecionada ao sócio, posto que constatada a responsabilidade após a apuração do crédito, o ônus de provar o cometimento de ato ilícito é do Fisco. É o que se infere do seguinte julgamento proferido pela Segunda Turma do STJ[90]:

TRIBUTÁRIO -EXECUÇÃO FISCAL -REDIRECIONAMENTO -SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA - NÃO-OCORRÊNCIA - SOLIDARIEDADE PREVISTA PELA LEI N. 8.620/93, ART. [13] - RESPONSABILIDADE DO SÓCIO-GERENTE -CDA -PRESUNÇÃO JURIS TANTUM DE LIQUIDEZ E CERTEZA -ÔNUS DA PROVA -ERRO MATERIAL CONFIGURADO NO ACÓRDÃO EMBARGADO.

(...)

2. Primeira Seção, no julgamento dos EREsp 702.232/RS, de relatoria do Min. Castro Meira, assentou entendimento segundo o qual: 1) se a execução fiscal foi promovida apenas contra a pessoa jurídica e, posteriormente, foi redirecionada contra sócio-gerente cujo nome não consta da Certidão de Dívida Ativa, cabe ao Fisco comprovar que o sócio agiu com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto, nos termos do art. [135] do CTN; 2) se a execução fiscal foi promovida contra a pessoa jurídica e o sócio-gerente, cabe a este o ônus probatório de demonstrar que não incorreu em nenhuma das hipóteses previstas no mencionado art. 135; e, 3) se a execução foi ajuizada apenas contra a pessoa jurídica, mas o nome do sócio consta da CDA, o ônus da prova também compete ao sócio, em face da presunção juris tantum de liquidez e certeza da referida certidão.

3. Hipótese em que os nomes dos sócios constam na certidão da dívida ativa, devendo o ônus da prova recair sobre os sócios e não sobre a Fazenda. Embargos de declaração acolhidos para sanar o erro material apontado, sem efeitos infringentes. (grifou-se)

Impende destacar, ademais, que a Fazenda Pública pode substituir ou emendar a CDA, de modo a fazer constar o nome do sócio-gerente, a qualquer momento, até a decisão de 1ª instância[91].

Desta feita, por se tratar do ingresso de um responsável no feito, ele deverá ser citado, sob pena de transgressão do contraditório e da ampla defesa. Ressalte-se que o sócio-gerente deverá opor embargos à execução[92] ou exceção de pré-executividade[93], a depender se ônus da prova incumbe a ele ou à Fazenda, respectivamente, mas nunca embargos de terceiros, já que ele é parte legítima e não terceiro.

Outro interessante tema acerca do redirecionamento da execução para o sócio-gerente refere-se ao inadimplemento. Muito já se discutiu se o simples inadimplemento configuraria infração à lei, de modo que se a empresa não cumprisse a obrigação, o sócio-gerente seria incluído no pólo passivo, respondendo, assim, pela obrigação da sociedade.

O TRF da 4ª região[94] já exarou decisão a este respeito, aduzindo o que se segue:

EXECUÇÃO FISCAL. INCLUSÃO DO SÓCIO-GERENTE NO PÓLO PASSIVO. ART. 135, III, DO CÓDIGO TRIBUTÁIRO NACIONAL.

- A obrigação tributária decorre de lei, e o seu inadimplemento configura infração legal a justificar a presença do sócio-gerente no pólo passivo da execução fiscal (art. [135], III, do CTN).

No mesmo sentido foi a decisão proferida pela 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, em 08/02/2011[95]:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - ICMS - EXECUÇÃO FISCAL - REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO AOS SÓCIOS. POSSIBILIDADE - RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DOS SÓCIOS CONFIGURADA.

Infringe a lei o sócio que deixa de recolher tempestivamente os tributos devidos pela empresa devedora, o mesmo ocorrendo com relação ao encerramento irregular da sociedade, podendo ser citado e ter seus bens particulares penhorados, ainda que seu nome não conste da certidão da dívida ativa, em razão de ser considerado responsável tributário, nos termos do art. 135, do CTN. RECURSO AO QUAL SE DÁ PROVIMENTO. DECISÃO REFORMADA.

Não obstante tais decisões, o STJ já pacificou o tema[96], relatando que “Esta Corte já decidiu que o mero inadimplemento tributário não configura violação à lei apta a ensejar o redirecionamento da execução fiscal contra os sócios”.[97]

Para finalizar, confere-se um acórdão do STJ que bem resume os assuntos aqui tratados, concernentes ao redirecionamento da execução fiscal ao sócio-gerente[98]:

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSABILIDADE DE SÓCIO-GERENTE. LIMITES. ART. 135, III, DO CTN. PRECEDENTES.

1. Os bens do sócio de uma pessoa jurídica comercial não respondem, em caráter solidário, por dívidas fiscais assumidas pela sociedade. A responsabilidade tributária imposta por sócio-gerente, administrador, diretor ou equivalente só se caracteriza quando há dissolução irregular da sociedade ou se comprova infração à lei praticada pelo dirigente.

2. Em qualquer espécie de sociedade comercial é o patrimônio social que responde sempre e integralmente pelas dívidas sociais. Os diretores não são responsáveis pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros solidária e ilimitadamente pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação do estatuto ou lei (art. 158, I e II, da Lei nº 6.404/76).

3. De acordo com o nosso ordenamento jurídico-tributário, os sócios (diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica) são responsáveis, por substituição, pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes da prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou com infração de lei, contrato social ou estatutos, nos termos do art. 135, III, do CTN.

4. O simples inadimplemento não caracteriza infração legal. Inexistindo prova de que se tenha agido com excesso de poderes ou infração de contrato social ou estatutos, não há falar-se em responsabilidade tributária de ex-sócio a esse título ou a título de infração legal. Inexistência de responsabilidade tributária do ex-sócio.

5. Precedentes desta Corte Superior.

(...) (grifou-se)

Diante do exposto, conclui-se que a responsabilidade tributária prevista no art. 135, III do CTN é exceção à regra da limitação de responsabilidade, já que os sócios-gerentes podem responder pessoalmente pelas obrigações da sociedade. Outrossim, a dissolução irregular da empresa possibilita o redirecionamento da execução fiscal aos sócios-gerentes, o que não ocorre no caso de simples inadimplemento.

Passa-se, então, ao estudo da tão mencionada execução fiscal, a fim de se chegar ao ponto central deste trabalho, qual seja a responsabilidade do sócio-gerente pelos créditos não-tributários.

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Sobre a autora
Elaine Xavier Teixeira

Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2011).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TEIXEIRA, Elaine Xavier. A responsabilidade patrimonial do sócio-gerente na execução fiscal de créditos tributários e não-tributários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3211, 16 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21513. Acesso em: 4 nov. 2024.

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