SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. A LOCAÇÃO DA VAGA DE GARAGEM PARA TERCEIROS. 3. O NOVO § 1º DO ART. 1331. 4. E OS CONTRATOS JÁ CELEBRADOS?; 5. CONCLUSÃO; 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1. INTRODUÇÃO
No último dia 05.04.2012, foi publicada a lei nº 12.607/2012, que trouxe uma reforma pontual ao Código Civil vigente. A alteração atingiu o livro do Direito das Coisas, mais especificamente na matéria atinente a condomínio. Com a entrada em vigor da referida lei, o § 1º do art. 1.331 do Diploma material passa a ter nova roupagem, a saber:
Antes da edição da Lei 12.607/2012 |
Depois da edição da Lei 12.607/2012 |
§ 1o As partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas, sobrelojas ou abrigos para veículos, com as respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários. |
§ 1º As partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas e sobrelojas, com as respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários, exceto os abrigos para veículos, que não poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio, salvo autorização expressa na convenção de condomínio. |
Conforme se percebe no quadro comparativo acima exposto, o legislador optou por inserir uma restrição na liberdade de alienação da área privativa do condômino. Agora, os abrigos para veículos – mais conhecidos como garagens – somente poderão ser alienados a pessoas estranhas ao condomínio quando devidamente autorizado pela convenção de condomínio.
Apesar da suposta inovação legislativa, a linha de pensamento seguida não se alterou muito daquilo que a doutrina pátria vinha defendendo ordinariamente.
2. A LOCAÇÃO DA VAGA DE GARAGEM PARA TERCEIROS.
A vaga de garagem é considerada como parte da unidade privada do condômino e, em razão disso, deve ser utilizada exclusivamente por seu proprietário. Geralmente, seu título de propriedade é conferido juntamente com o registro da escritura pública da própria unidade autônoma.
Utilizou-se a expressão “geralmente” não por acaso.
Os novos empreendimentos possuem vagas sobressalentes que são vendidas em apartado para aqueles condôminos que precisam dispor de um numero maior de abrigos de veículos do que aqueles vinculados ao seu apartamento. Nestes casos, é possível optar pelo registro autônomo da vaga em face da unidade privada. Essa distinção confere ao proprietário a possibilidade de dispor da sua vaga de garagem de forma muito mais desimpedida do que se o seu registro estivesse vinculado à escrita do apartamento.
Aliás, desde a entrada em vigor do novo Código Civil, tornou-se mais fácil a locação das garagens de um condômino. Inovou o legislador civilista ao inaugurar o art. 1.338 que trouxe estampada a possibilidade de auferir frutos com o “abrigo para veículos”, conforme se observa, in verbis:
Resolvendo o condômino alugar área no abrigo para veículos, preferir-se-á, em condições iguais, qualquer dos condôminos a estranhos, e, entre todos, os possuidores”, o que significa dizer que o leque de locatários ganharia um grande impulso, pois extrapolaria os limites dos condôminos, sendo aceitos, inclusive terceiros estranhos ao condomínio.
Como uma tentativa de reduzir o afã pela exploração econômica, o referido art. 1.338 colocou um freio na liberdade para celebração de contratos de locação de garagens. O legislador exigiu o cumprimento do direito de preferência entre os condôminos para, a partir de então, ser viabilizada a oferta para alienígenas àquele convívio comunitário.
Acontece que esta opção do Código Civil sempre foi bastante criticada pelos doutrinadores pátrios. Silvio de Salvo Venosa compõe a corrente que se posiciona contra esta possibilidade de locação para terceiros, conferida pelo Código atual. O referido autor, ao comentar o Código Civil, alerta para uma maior fragilidade da segurança do condomínio quando se autoriza a locação da garagem para aqueles que não se apresentam como condôminos, sugerindo inclusive uma ampla restrição a esta possibilidade. Segundo o doutrinador, “deveria o Código ter sido mais específico e incisivo. Não só a convenção e o regulamento podem vedar o ingresso de estranhos, como também a assembléia geral pode decidir sobre a matéria.”[1]
Neste mesmo sentido, afirma Pedro Elias Avvad que “muito embora a lei tenha aberto uma possibilidade de alugar área no abrigo para veículo a estranhos sem a tradicional ressalva “se a convenção o permitir”, está claro que o condômino locador, não fica, só por isso, autorizado a ignorar o estatuto interno alugando a sua vaga a estranhos, caso haja proibição expressa neste sentido.”[2]
Portanto, apesar de não constar no dispositivo mencionado, a necessidade de previsão acerca da possibilidade de locação para terceiros, pelo menos, na convenção de condomínio deve ser imposta. Esta exigência busca assegurar, no mínimo, o dever de informação aos demais condôminos da viabilidade de locação aos outros, mantendo, assim um comportamento isonômico para todos. Além disso, garante, ainda, a participação dos demais proprietários na deliberação de condutas a serem adotadas junto ao condomínio.
3. O NOVO § 1º DO ART. 1331.
A alteração inaugurada no § 1º do art. 1331 veio legitimar aquilo que estava presente apenas nas linhas dos livros e na mente dos doutrinadores mais cautelosos. Agora, o legislador, como já mencionado, resolveu limitar a liberdade do condômino quanto à alienação e a locação da sua vaga de garagem. A partir de então, somente com a autorização expressa na convenção de condomínio é que será possível adotar qualquer dessas atitudes. Em outras palavras, a simples omissão quanto a este tema deve ser interpretada como obstáculo à locação ou alienação da vaga de garagem para terceiros que não os condôminos.
Sendo assim, por exemplo, locar um “abrigo para veículos” sem a devida autorização expressa precedente da convenção de condomínio não assegura a validade do contrato de locação, haja vista que foi desobedecida a norma expressa, agora, em lei.
Apesar dessa maior segurança, a inovação não é merecedora de fortes aplausos pelo seu ineditismo.
Aliás, diga-se de passagem, que, apesar de, no curso do presente ensaio, sempre mencionar a expressão “inovação”, numa análise mais aprofundada não podemos sustentar o bastão da novidade com tanta ânsia. Isso porque o próprio Código Civil no art. 1.339, § 2º afirma expressamente que “é permitido ao condômino alienar parte acessória de sua unidade imobiliária a outro condômino, só podendo fazê-lo a terceiro se essa faculdade constar do ato constitutivo do condomínio, e se a ela não se opuser a respectiva assembléia geral.”
Perceba que a linha de raciocínio constante no novo § 1º do art. 1331 é similar a que consta no art. 1.339 § 2º do mesmo diploma civil, o que apaga, um pouco, o brilho do dispositivo foco deste pequeno ensaio.
A vantagem, porém, está na restrição da temática, o que evita maiores discussões. Identificar e qualificar o que venha a ser “parte acessória” da unidade imobiliária do condômino era uma tarefa que ficava solta nas relações factuais. Por exemplo: seria possível considerar a garagem com escritura autônoma como um acessório à unidade imobiliária? E aquela que está registrada na mesma escritura do apartamento? Se a resposta for positiva, a mudança ora em análise somente confirmará aquilo que o Código já mencionava, ou como popularmente se diz: “será chover no molhado”. Em caso contrário, o legislador civilista acabou por sanar uma omissão legal que já era suprida pela Convenção de Condomínio que tinha total autonomia para censurar a possibilidade de locação e/ou alienação da vaga de garagem para terceiros estranhos ao condomínio.
4. E OS CONTRATOS JÁ CELEBRADOS?
Considerando, ou não, a mudança legislativa como uma inovação, deve-se alertar para uma singela situação: E as relações locatícias travadas anteriormente à promulgação da referida norma em condomínios onde não há convenção de condomínio que permita expressamente a celebração com terceiros, como ficará a partir de então?
Lembram os autores Rodolfo Pamplona Filho e Pablo Stolze[3] que a nulidade do negócio jurídico pode ser classificada, dentre outras espécies, em originária e sucessiva, sendo que a primeira é assim rotulada, pois o vício nasce no próprio ato, enquanto que a segunda se manifesta por causa superveniente. Sendo assim, esta mudança legislativa seria, portanto, uma causa superveniente, o que afetaria os contratos em vigência já que não estão em conformidade com o que determina a lei, configurando, portanto uma fraude ao dispositivo legal?
O primeiro pensamento que pode ser desenhado segue a linha de raciocínio segundo a qual não pode ser considerado como defeito do negócio jurídico, pois não houve intenção das partes em fraudar a norma legal. Neste ponto, Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald destacam que “a nulidade por fraude é objetiva, não estando atrelada à intenção de burlar o mandamento legal. Havendo contrariedade à lei, pouco interessa se o declarante tinha, ou não, o propósito fraudatório.”[4]
Ocorre que, apesar da possibilidade de invalidar um negócio jurídico por causa superveniente, a alteração da norma jurídica não é capaz de atingir o plano da validade do contrato de locação – no exemplo citado –, pois os requisitos para assegurar o livre trânsito dos efeitos desta avença devem ser observados no momento da sua celebração.
No caso em voga, deve-se chamar ao centro o art. 6º da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro que assim afirma: “a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”. Isso implica dizer que não será possível a retroatividade da lei 12.607/2012 devido à sua eficácia ser processada apenas a partir da sua publicação, mantendo-se, consequentemente, hígida toda avença celebrada anteriormente.
Portanto, não há que se falar em quebra dos efeitos jurídicos decorrentes de contratos de locação de garagem de condomínio com terceiros celebrados antes da promulgação da referida lei. Estas avenças devem permanecer intactas, respeitando todos os efeitos dela decorrentes. O que não se pode aceitar é a renovação do mencionado contrato sem observar a necessidade de autorização expressa da convenção de condomínio para situações como esta em estudo.
5. CONCLUSÃO.
Diante de tudo ora apresentado, ainda que de forma singela, é possível concluir que o novo texto do § 1º do art. 1.331 do Código Civil modificado pela introdução da Lei 12.607/2012 apenas trouxe contornos legais para um entendimento doutrinário majoritário acerca das limitações ao exercício do poder de disponibilidade das garagens em condomínio edilício para terceiros.
É certo que com a referida mudança, consolidou-se o entendimento acerca do assunto, evitando maiores discussões, porém, como já relatado, o próprio Diploma Civil já tangenciava neste sentido na medida em que trazia em seu § 2º do art. 1.339 a impossibilidade de alienar partes acessórias à unidade imobiliária a terceiros, sem prévia autorização da convenção de condomínio.
Por fim, concluiu-se que, apesar da introdução do novel dispositivo legal, seus efeitos não podem atingir os contratos de locação entre condôminos e terceiros já celebrados sob pena de ferir frontalmente o art. 6º da Lei de Introdução do Direito Brasileiro, que assegura a proteção ao direito adquirido.
Destarte, a novidade legal, apesar de bem-vinda, não pode ser considerada como uma inovação.
6. BIBLIOGRAFIA.
AVVAD, Pedro Elias. Condomínio em Edificações no Novo Código Civil. 2 ed. rev. amp. Rio de Janeiro: 2007, Renovar.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: teoria geral. 8 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso do Direito Civil: Parte Geral. 10 ed. rev. atual. vol I. São Paulo: SARAIVA, 2008.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2011.
Notas
[1] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 384
[2] AVVAD, Pedro Elias. Condomínio em Edificações no Novo Código Civil. 2 ed. rev. amp. Rio de Janeiro: 2007, Renovar, p. 114
[3] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso do Direito Civil: Parte Geral. 10 ed. rev. atual. vol I. São Paulo: SARAIVA, 2008, p. 384
[4] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: teoria geral. 8 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010, p 530.