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A aposentadoria especial no serviço público e a sua implementação pela via do mandado de injunção

15/05/2012 às 14:47
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O administrador não pode conceder aposentadoria especial aos servidores públicos sem uma fórmula legal que equacione os requisitos no âmbito dos regimes próprios, eis que grande parte das regras do RGPS não se adequam aos RPPS.

1  COLOCAÇÃO DO PROBLEMA

A Constituição Federal, no seu art. 40, § 4º, veda a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria nos Regimes Próprios de Previdência Social – RPPS, excepcionando, porém, nos termos definidos em leis complementares, as seguintes situações: a) portador de deficiência física; b) exercente de atividade de risco; e c) exercente de atividade sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.

Ainda carente de regulamentação, as referidas hipóteses de aposentadoria especial nos RPPS têm sendo objeto de muitas ações de injunção perante o Supremo Tribunal Federal, em cujos julgamentos a Corte atualmente vem determinando a aplicação do art. 57 da Lei nº 8.213/91, que regulamenta a aposentadoria especial no âmbito do Regime Geral de Previdência Social – RGPS.

Sobre tais decisões, questiona-se acerca da possibilidade de o Poder Judiciário vir a substituir o legislador, proferindo decisões judiciais capazes de suplantar a inércia legislativa, determinando a satisfação do direito obstado. Isto não caracterizaria ativismo judicial inovador?


2  FUNDAMENTAÇÃO DA TESE

A nova postura do STF no tocante à aposentadoria especial nos RPPS foi demarcada pelo julgamento do MI 721-DF, datado de 27/09/2006, que suplantou o entendimento até então consagrada no âmbito da Corte[1]. É claro que merece aplausos o novo entendimento, seja pelo ideal de imprimir efetividade à Constituição, seja pelo fato de conferir vitalidade ao instituto da injunção. Vale dizer, a simples atitude do STF já foi capaz de produzir relevantes alterações no ambiente jurídico, político e social, gerando considerável expectativa nos seus atores. Contudo, é possível que o simples comando de aplicação subsidiária do art. 59, da Lei nº 8.213/91, não surta efeito prático.

A hipótese, com se vê, envolve dois regimes de previdência. Conquanto seja regido pelo Poder Público (União), O RGPS tem como clientes os trabalhadores da iniciativa privada.  Já os RPPS destinam-se exclusivamente aos servidores públicos ocupantes de cargo efetivo, tendo seu disciplinamento legal estabelecido pela Lei nº 9.717/98, cujo art. 5º, caput, proíbe expressamente a concessão de benefícios distintos daqueles previstos para o RGPS, “salvo disposição em contrário da Constituição Federal”.

Duas das três espécies de aposentadorias especiais previstas para os RPPS não têm disciplinamento legal no RGPS: a do portador de deficiência (CF, art. 40, § 4º, I) e a do exercente de atividade de risco (CF, art. 40, § 4º, II). A primeira espécie, embora tenha sido incluída no art. 201, § 1º, da CF, pela EC nº 47/05, ainda não foi regulamentada, não constando, pois, da referida Lei nº 8.213/91. E a atividade de risco sequer figura entre as possibilidades de cobertura pelo RGPS. Disso se concluir que qualquer decisão judicial concedente dessas duas espécies de aposentadoria especial estará contrariando a disposição do art. 5º da Lei nº 9.717/98.

Mais grave é o caso do parágrafo único do destacado art. 5º da Lei nº 9.717/98, o qual veda expressamente “a concessão de aposentadoria especial, nos termos do § 4º do art. 40 da Constituição Federal, até que lei complementar federal discipline a matéria”. Note-se que o ordenamento jurídica prescreve literalmente uma proibição. Diante disso, não poderia o Poder Judiciário, à revelia da previsão legal, dispor de forma distinta, a menos que seja antes declarada a inconstitucionalidade de tal regramento.

Por outro lado, conforme já é assente na doutrina, a aposentadoria especial nos RPPS, diante do seu caráter de voluntariedade, integra o grupo das aposentadorias voluntárias “por idade e tempo de contribuição”, para cuja conquista a Constituição (art. 40, § 1º, inciso III, alínea “a”), a partir da EC nº 20/1998, passou a exigir, concomitantemente, os requisitos de tempo de contribuição e idade, ao passo que no RGPS não há essa mesma exigência, bastando o tempo de contribuição ou a idade. Nos RPPS, é também exigido “tempo mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço público” e “cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria” (CF, art. 40, § 1º inciso III), requisitos estes do qual não cogita a Lei nº 8.213/91, pelo que seria impossível a sua pretendida aplicação analógica aos RPPS.

Há diversos outros fatores, igualmente elencados pela Constituição Federal, sobre os quais esbarram as referidas decisões proferidas pelo STF, a exemplo do caráter contributivo e da necessária manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial do regime previdenciário em questão (CF, art. 40, caput); bem como o prévio custeio do benefício a ser concedido (CF, art. 195, § 5º). Note-se que no RGPS, em se tratando de aposentadoria por critérios diferenciados, o custeio é patrocinado tanto pelas contribuições previdenciárias comuns (patronais e dos segurados), como também pelo suplemento contributivo de 1, 2 ou 3% (em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa, decorrente dos riscos ambientais do trabalho, Lei nº 8.212/91, art. 22, II), integrando ainda tal custeio o acréscimo de 12, 9 ou 6% nas contribuições patronais, de acordo com a atividade exercida pelo segurado. Isto, efetivamente ainda não existe no âmbito dos RPPS, de modo que a concessão de tal benefício fatalmente violaria o princípio da contributividade, a regra do equilíbrio financeira e atuarial, e a exigência do prévio custeio (princípio da contrapartida).


3  CONCLUSÃO

Uma primeira constatação remete à absoluta impossibilidade de aplicação subsidiária e irrestrita da Lei n. 8.213/91 à hipótese de aposentadoria especial nos RPPS aos portadores de deficiência e aos exercentes de atividade de risco (CF, art. 40, § 4º, I e II). A referida Lei dispõe apenas sobre as atividades exercidas em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física.

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Há de ser entendido o comando decisório do STF não como determinante da imediata e irrestrita concessão do benefício previdenciário, mas apenas como ordem para a implantação e verificação dos seus necessários requisitos, contemplando-se, assim, as diversas exigências constitucionais, tais como as condições gerais e específicas para a obtenção do direito ao benefício e os critérios e princípios a serem observados tanto pelo legislador quanto pelo Administrador, caso do princípio contributivo e do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema previdenciário. A menos que o próprio STF fizesse constar na sua decisão os necessários contornos para a efetivação do direito obstado pela ausência de regulamentação, ele mesmo observando nesses contornos as exigências da Constituição.

É dizer, ao invés de apenas determinar a aplicação de norma similar, que não se suprirá a essência da norma específica, melhor seria que o STF, na mesma ação, já indicasse os elementos dos quais porventura careça a norma fundamental, estabelecendo os necessários contornos ao cumprimento da sua decisão e a efetivação do direito objetivado pelo impetrante, e já provendo o mandado de injunção de total e direto vigor para garantir ao impetrante o exercício do seu direito obstado pela omissão legislativa, conforme o fez no tocante à questão do direito de greve do servidor público, quando procedeu às devidas adaptações da Lei Geral de Greve ao caso específico.

Nessa senda, da ordem de injunção já constaria o necessário regramento, com a devida observância das peculiaridades atinentes aos RPPS, a exemplo do disposto no caput do art. 40 e no § 5º do art. 195 da CF, indicando para o caso concreto a correspondente fonte de custeio a fazer face à nova despesa previdenciária, nada impedindo, porém, o seu repasse ao Tesouro de cada ente federativo, até mesmo porque a hipótese caracteriza uma situação de transição, haja vista o direito adquirido e o direito em curso dos atuais servidores.

Tal postura não configuraria agressão ao princípio da separação e harmonia entre os Poderes, porquanto não estaria o STF a regulamentar abstratamente a matéria, mister este típico do Poder Legislativo, não se falando em ativismo judicial inovador, mas revelador, cuidando a Corte apenas do cumprimento do seu papel constitucional, sob o comando do art. 5º, inciso LXXI, da CF, sanando a falha existente no ordenamento jurídico, até manifestação do órgão legiferante.

O fato é que, em face do princípio da legalidade, afigura-se temerário o administrador conceder aposentadoria especial as servidores públicos sem uma fórmula legal que equacione os referidos requisitos no âmbito dos regimes próprios, eis que grande parte das regras do RGPS não se adequam aos RPPS.


Nota

[1] MI nº 721/DF. STF, Tribunal Pleno. Rel. Min. Marco Aurélio, Julgamento de 30/08/2007. DJ de 30/11/2007, pp. 29.

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Sobre o autor
Clemilton da Silva Barros

Advogado da União. Mestre em Direito e Políticas Públicas. Especialista em Direito Processual Civil, em Direito do Trabalho e em Direito Processual do Trabalho, Professor da Universidade Estadual do Piauí. Autor jurídico e literário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Clemilton Silva. A aposentadoria especial no serviço público e a sua implementação pela via do mandado de injunção. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3240, 15 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21772. Acesso em: 19 abr. 2024.

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