4.Posição de Herbert. L. A. Hart
Herbert L. A. Hart se posicionou tanto quanto aos escritos de Ronald Dworkin em “Temos direito à pornografia?”, quanto à argumentação de Lorde Devlin contra o Relatório Wolfenden.
Hart classifica o posicionamento de Lorde Devlin como “tese moderada” que seria aquela na qual uma moral compartilhada é o cimento da sociedade; sem essa, existiriam apenas agregados de indivíduos e não uma comunidade. A ruptura de princípios morais é encarada como transgressão contra a sociedade como um todo e, por isso, é possível o uso da lei para preservar a moral social. Em relação a isso, já foi explanado a crítica feita por Hart sobre o uso de uma definição ambígua do que seria “sociedade” por parte de Devlin. Para Hart, o principio crítico geral que Devlin desenvolveu – que uma sociedade tem o direito de tomar qualquer medida necessária à sua autopreservação – é inadequada; “não se pode comprovar, com manifesta certeza, que a preservação de uma sociedade exija a coerção de sua moralidade como tal”[10].
Outro ponto que merece destaque da obra “Direito, Liberdade, Moralidade” é a questão do populismo moral e da democracia. Hart aponta ser uma má interpretação da democracia aquela que ameaça a liberdade individual, acreditando que “a fidelidade aos princípios democráticos impõe a aceitação do que se pode chamar de populismo moral: a concepção de que a maioria tem o direito moral de determinar como todos devem viver”[11]. Apesar de a democracia ser a melhor forma de governo, não pode ser tida como perfeita, infalível e irresistível, no sentido de não lhe poder opor qualquer reação contrária. Não se pode acatar a concepção de que a moral positiva firmada por uma esmagadora maioria moral está imune à crítica, apesar de haver, nas palavras de Hart, “no atual funcionamento da democracia muitas forças dispostas a estimular a crença de que o princípio do governo democrático significa que a maioria está sempre certa”[12].
No ensaio “Between utility and rights”, publicado em 1980 na Columbia Law Review, Hart irá criticar os argumentos de Ronald Dworkin em “Temos direito à pornografia?”. A crítica gira em torno do que Hart chamou de “contagem dupla” das preferências de uma sociedade feita por Dworkin, em referência ao uso de uma política utilitarista para defender o direito à independência moral. Hart faz uso de um exemplo para demonstrar o erro de argumentação de Dworkin, que seria o direito dos homossexuais de praticar seus gostos pessoais privadamente, fato este que foi acatado pelas preferências de heterossexuais liberais que, sendo maioria, inclinou a balança a favor da revogação de leis contra homossexuais na Inglaterra, em 1967. Hart diz que a principal fraqueza do argumento de Dworkin é presumir que se a liberdade de alguém é restringida, isso deve ser interpretado como uma negação de igual tratamento.
A todas essas objeções de Hart, Dworkin rebate em uma nova edição do seu ensaio. Ele afirma que Hart exprime erroneamente suas razões; na verdade, “não é o resultado do cálculo utilitarista que causa ou concretiza o fato de os homossexuais serem desprezados por outros”[13]. A desvantagem ocorre quando o conceito de vida adequada para o homossexual é desprezado pelos demais concidadãos, tendo como justificativa utilitarista as preferências moralistas dessas outras pessoas. Isso retoma o dilema da maioria e minoria democráticas, além de envolver o objetivo de toda sociedade de tratar todos de modo igualitário. Dworkin acredita que mesmo que haja mais motivos para certa preferência, não se pode desconsiderar as demais. O objetivo deste ensaísta é desenvolver uma teoria de direitos que tenha ligação com uma teoria política e examinar até que ponto essa teoria pode ser sustentada pela ideia de que o governo está comprometido em tratar as pessoas com igualdade.
5. Conclusão
Foram expostas as argumentações de Ronald Dworkin, Lorde Devlin e Herbert. L. A. Hart. De fato, nenhum desses identificou uma resolução para a questão de modo satisfatório e aplicável. Excetuando o pensamento de Lorde Devlin – que devido alguns equívocos e “exageros” acaba diminuindo a importância de buscar uma solução com menos imposição e mais equilíbrio – os outros dois, mesmo havendo críticas recíprocas entre eles, destacaram pontos de suma relevância para uma análise completa da problemática acerca de como tratar a imoralidade quando uma maioria a considera passível de punição legal. Levar em conta os direitos individuais e entender que nem sempre a maioria democrática está correta são alguns desses pontos essenciais.
Essa discussão faz lembrar um pensamento do sociólogo e professor doutor da Universidade Estadual de Paulistana (UNESP), Marco Aurélio Nogueira. Citando Antonio Gramsci, ele faz uma explanação brilhante:
Lendo Gramsci: "é um erro grosseiro de presunção e superficialidade considerar que uma determinada concepção do mundo e da vida tenha em si mesma uma superioridade em termos de capacidade de previsão". (Cadernos do cárcere, vol. 3, p. 343). Muitas pessoas, de esquerda, centro e direita, agem assim. Daria até para dizer que quanto mais o cara esbraveja, xinga, ofende seus adversários e posa de "radical", mais manifesta esta presunção superficial, na qual faltam argumentos e sobram "provas". Tem muita gente por aí espumando raiva, ódio e ressentimento a título de sabedoria, convencido de que sua concepção é a única verdadeira. Quer dizer, a sua e a de todos os outros que pensam como ele. Para pessoas assim, a vida se resume a uma batalha de palavras incendiárias, travada por pequenos guetos de “iguais” e fiéis que se bastam a si próprios.[14]
Esse pensamento pode ser encaixado em diversas questões sociais e políticas. Para o foco desse trabalho – como as pessoas devem se comportar diante da homossexualidade, prostituição ou pornografia, julgando como conduta imoral ou não – essa citação é uma reflexão cabível, uma vez que demonstra que, acima de qualquer julgamento, deve haver a capacidade de diálogo e tolerância, atributos esses necessários para uma vida democrática real e sustentável.
6. Referências
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
_________. Uma questão de princípios. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
HART, H. L. A. Between Utility and Rights. Columbia Law Review, Inglaterra, v. 79, n. 5, pp. 828-846, 1979.
_________. Direito, Liberdade, Moralidade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1987.
Notas
[1] DWORKIN, R. Temos direito à pornografia? In: ________. Uma questão de princípios. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 499.
[2] Ibid., p. 500.
[3] Ibid., p. 513.
[4] Ibid., p. 523.
[5] Ibid., p. 526.
[6] Ibid., p. 533
[7] Ibid., p. 534
[8] DWORKIN, R. Liberdade e Moralidade. In: Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 376.
[9] Ibid., p. 393.
[10] HART, H. L. A. Direito, Liberdade, Moralidade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1987. p. 99
[11] Ibid., p. 95.
[12] Ibid., p. 97.
[13] DWORKIN, R. Temos direito à pornografia? In: _________. Uma questão de princípios. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 546.
[14] Acesso em: <http://www.facebook.com/marco.a.nogueira/posts/318208491527795> Data de acesso: 16 de novembro de 2011.