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Intervenção, precatórios, proporcionalidade e efetividade

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28/07/2012 às 10:41
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8. PROPORCIONALIDADE, RAZOABILIDADE E EFETIVIDADE

Para uma melhor compreensão da aplicação do princípio da proporcionalidade na decisão analisada, e estendendo a interpretação à razoabilidade da decisão quanto à sua utilidade e efetividade, precisa é a lição de CUNHA JÚNIOR (2011, P. 227-228), para quem, firmada a razoabilidade como garantia do devido processo legal, deve valer a posição do Supremo Tribunal Federal quanto à identidade desses princípios. Assim ensina o autor:

Utilizado habitualmente para aferir a legitimidade das restrições de direitos, o princípio da proporcionalidade ou razoabilidade, consubstancia, em essência, uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das ideias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição do excesso, direito justo e valores afins; precede e condiciona a positivação jurídica, inclusive a de nível constitucional; e, ainda, enquanto princípio geral do direito, serve de regra de interpretação para todo o ordenamento jurídico. (sem grifos no original)

Segue o autor ensinando que se trata

...o princípio da razoabilidade , ou proporcionalidade ampla, de um princípio constitucional implícito, que exige a verificação do ato do poder público (leis, atos administrativos ou decisões judiciais) quanto aos seguintes aspectos: adequação (ou utilidade), necessidade (ou exigibilidade) e proporcionalidade em sentido estrito.

Por adequação entende o autor ser a exigência de “que as medidas adotadas pelo poder público se apresentem aptas para atingir os fins almejados”; por necessidade “impõe-se que o poder público adote, entre os atos e meios adequados, aquele ou aqueles que menos sacrifícios ou limitações causem aos direitos fundamentais” e, finalmente, a proporcionalidade em sentido estrito é o subprincípio por meio do qual se deve procurar “um equilíbrio entre o motivo que ensejou a atuação do poder público e a providência por ele tomado na consecução dos fins visados”.

Tais considerações, servis à aferição do equilíbrio da decisão proferida no julgamento da IF-164/SP, pesar de sua aparente adequação, deixam em aberto a solução da inadimplência, a estender infinitamente (enquanto não houver dolo) a impossibilidade de qualquer medida de cobrança dos valores devidos, dando ensanchas ao enriquecimento ilícito do Estado, sob o pálio dos gastos correntes (sempre urgentes), pois como bem observou o Ministro Marco Aurélio em seu voto, “O Estado vê-se sempre diante de dificuldades de caixa”.


9.ENRIQUECIMENTO ILÍCITO E EFEITO MULTIPLICADOR

É de acaciano raciocínio que toda ilicitude é passível de correção, espontânea ou por meio de forças externas, v.g., uma decisão judicial.

Disso decorre que o enriquecimento ilícito, sem causa amparada pela lei, pode ocorrer ainda que de forma temporária, com a retenção do devido a outrem durante um período determinado de tempo.

Dessa forma, a contumácia do Estado em não pagar os valores que deve em virtude de decisão judicial transitada em julgado, ainda que se admita o entendimento esposado pelo e. STF de que somente o dolo e a intenção deliberada de não efetuar o pagamento têm o condão de deflagrar uma excussão por “via transversa” – intervenção -, não tem o poder de tornar lícita essa conduta. Permanece a conduta e seus deletérios efeitos.

Corolário lógico, a endêmica falta de caixa do Executivo torna desnecessária sequer a avaliação do dolo, tornando propício o enriquecimento ilícito por parte do Estado.

Com efeito, ciente de que o não pagamento das verbas devidas nenhuma sanção acarretará, uma vez que jamais será provado o dolo por conta da imperiosa necessidade de caixa, a suplantar continuamente o orçamento, está aberto o caminho para a utilização desse expediente como forma de financiamento.

Novamente, a esse respeito, esclarece o Ministro Marco Aurélio em trecho de seu voto no julgamento da IF-164/SP que

Iniludivelmente, tendo em vista a busca da realização de obras e, também, a delimitação temporal dos mandatos, proibida a reeleição, a sistemática consagrada jurisprudencialmente acabou por levar a sucessivas e pouco planejadas desapropriações, não se preocupando os governantes com a necessidade de conciliá-las com as dotações orçamentárias e, destarte, com créditos abertos para tal fim.

O que se tem, ao fim e ao cabo, é a utilização de tal expediente à larga, sem a preocupação de conciliar os gastos com o orçamento, passando a mensagem aos Poderes Executivos que utilizam tal expediente em menor escala que a via está aberta para ampliá-lo, multiplicando seus efeitos deletérios em prejuízo da sociedade.


10.COMPENSAÇÃO COMPULSÓRIA

Não poderíamos encerrar sem destacar a previsão insculpida nos parágrafos 9º e 10º do artigo 100 da Constituição da República, regulamentados pela Lei 12.431/2011, que trata da obrigação de abatimento, a título de compensação, do “valor correspondente aos débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa e constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora, incluídas parcelas vincendas de parcelamentos”.

Como se vê, a Constituição prevê de forma expressa, independente de regulamentação, do abatimento compulsório dos valores devidos pelo titular de direito de crédito perante a Fazenda Pública, no momento de expedição do precatório, subtraindo do credor do precatório o mesmo direito de inadimplir concedido à Fazenda Pública pela Suprema Corte.

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Ao que parece, temos aí um clássico caso de “dois pesos e duas medidas”, a demonstrar a pressão exercida pelo Estado sobre o particular, mesmo em se tratando de créditos de natureza alimentar.


11.CONCLUSÃO

A formação e o fortalecimento do Estado Democrático de Direito exige o cumprimento das leis como uma das formas de se ter uma relativa previsão dos acontecimentos futuros nos quais o cidadão é levado a confiar.

Para assegurar esse cumprimento, deve ser invocada a supremacia da Constituição, feita para proteger o cidadão, hipossuficiente por definição, do imenso poder do Estado, não o contrário.

Em que pese ser hoje comum a relativização de preceitos constitucionais, seja em aplicação direta ou por meio da modulação de efeitos nas decisões do e. STF, permanece a necessidade do equilíbrio das relações entre o Estado e o cidadão, anseio de toda a sociedade.

Assim, ao invocar o princípio da proporcionalidade, traduzido na “proibição do excesso” para indeferir, v.g., uma intervenção no Poder Executivo com lastro simplesmente na “ausência de dolo” quando do não pagamento de dívida fundada; ao passo em que, por norma de igual hierarquia se tem a obrigação do abatimento de eventuais débitos por compensação – reforçando assim liquidez e certeza dos créditos -, o e. STF acaba por perpetrar grande desequilíbrio, pois “proíbe o excesso” somente para uma parte da relação, e justamente a mais forte.

Além disso, nada obstante a invocar-se a prevalência do interesse público sobre o particular para se negar uma intervenção no Poder Executivo - último refúgio do credor do Estado - sem lhe deixar uma saída honrosa, a Suprema Corte permite a existência e a perpetuação do administrador público “de ocasião”, sem quaisquer compromissos com responsabilidade fiscal e finanças públicas, abrindo espaço para gestões extremamente deletérias ao interesse público.

Sendo desiderato da lei o regramento da conduta, e os efeitos de seu descumprimento a punição e a prevenção, a situação criada pela decisão do e. STF mais se assemelha à revogação da lei: à falta de dolo, desnecessário ao Executivo respeitá-la, eis que não haverá punição; e não havendo punição, não serão prevenidas condutas semelhantes.

Assim, é necessário que o debate não se encerre, e que a sociedade busque o cumprimento de seu mandato conforme a outorga.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXY, Robert. Teoria Dos Direitos Fundamentais. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

BRASIL. Constituição da República, de 05 de outubro de 1988, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>, Acesso em 18 abr. 2011.

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BRASIL. Decreto nº 93.872, de 23 de dezembro de 1986, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 03 ago 2011.

BRASIL. Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 03 ago 2011.

BRASIL. Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 03 ago 2011.

BRASIL. Lei nº 12.431, de 27 de junho de 2011, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 03 ago 2011.

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2000.

CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 5ª. ed. revista, ampliada e atualizada conforme Emenda Constitucional n. 67/2010. Salvador: Editora Jus Podium, 2011.

PONTES DE MIRANDA, F. C. Comentários à Constituição de 1967 c/ a emenda nº 1 de 1969, I. São Paulo: RT, 1970.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 34ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011.


ABSTRACT

The present study analyzes the different treatment in law suits regarding the due compensation when the state is the author and when it is the defendant, under the principles of reasonableness and effectiveness to the satisfaction of such claims, in a democratic state.

Also investigates the current position of the Supreme Court on the issue and the repercussions of their decisions in the relationship between state and citizen, regarding the difference between the expectation of law and its implementation.

Keywords: Constitution. Democracy. Reasonableness. Effectiveness. Intervention. Writ. Non intentional action. Illicit enrichment.

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Sobre o autor
Fábio Henrique Calil Gandara

Bacharel em Direito Advogado inscrito na OAB/SP e OAB/RJ ; Pós Graduado em Direito Constitucional pela UNIDERP Pós Graduado em Direito Tributário pela UNIDERP Membro do IBCCRIM Membro do IBA - International Bar Association Membro do Criminal Law Committee, Business Crime Committee, Human Rights Law Committee e Anti-Corruption Committee da IBA - International Bar Association

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GANDARA, Fábio Henrique Calil. Intervenção, precatórios, proporcionalidade e efetividade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3314, 28 jul. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22082. Acesso em: 22 dez. 2024.

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