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Atos concernentes à certificação de entidades beneficentes de assistência social: natureza jurídica e consequências.

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26/06/2012 às 15:10
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5. Entidade sem fins lucrativos: exigência comum ao procedimento de certificação e ao procedimento de isenção: dúvida quanto ao agir administrativo de aferição de requisito.

Causa estranheza, contudo, que, a par de os requisitos para a concessão do CEBAS apresentarem-se como elementos para a produção de um ato administrativo não tributário (certificação), alguns deles (não ter fins lucrativos) possuem idêntica semântica no art. 29, apresentando-se, por isso e também, como requisitos de isenção, o que pode levar o Estado a agir de modo diferente e a produzir resultados distintos. Por exemplo, um Ministério certifica com CEBAS determinada entidade, por óbvio, por ser sem fins lucrativos, além de preencher os demais requisitos, e a SRFB, ao verificar os requisitos de isenção e sobre os mesmos fatos, dados e período, entende que a entidade distribui resultados ou dividendos entre os sócios ou mesmo remunera seus sócios, ou seja, possui fins lucrativos, e por isso suspende-lhe o direito à isenção em procedimento administrativo fiscal.

Referida dinâmica não contribui para a aplicação efetiva da Lei e muito menos favorece o agir estatal que pode se deparar com situações em que seus órgãos integrantes (Ministérios e SRFB) confrontam-se, enquanto o particular espera uma resposta uníssona do Estado.

Explica-se: o art. 3º da Lei n. 12.101, de 2009, ao tratar da certificação ou renovação de CEBAS, prevê, em seu inciso I, que a entidade seja constituída como pessoa jurídica nos termos do caput do art. 1º, ou seja, ser pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, entre outras exigências.

Mas o que representa sem entidade sem fins lucrativos? Pela lição doutrinária de Luciano Amaro[3], a “inexistência de fim lucrativo” foi corretamente traduzida pelo art. 14 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), ao estabelecer a “não-distribuição de patrimônio ou renda”, ou seja, entidade sem fim lucrativo seria aquela cujo criador (ou instituidor ou mantenedor, ou associado, ou filiado) não tenha fim de lucro pra si, o que, obviamente, não impede que a entidade aufira resultados positivos (ingressos financeiros, eventualmente superiores às despesas) na sua atuação. Assim, de acordo com o referido doutrinador, quem cria a entidade é que não pode visar a lucro, ou seja, a entidade será, por decorrência, sem fim de lucro, o que não impede que ela aplique a disponibilidades de caixa e aufira renda, ou que, eventualmente, tenha, em certo período, um ingresso financeiro líquido positivo (superávit).

Acrescenta, ainda, Luciano Amaro[4] que o mencionado superávit não é lucro. Para ele, lucro é conceito afeto à noção de “empresa”, coisa que a entidade não é, nas referidas condições, justamente porque lhe falta o fim de lucro (vale dizer, a entidade foi criada não para dar lucro ao seu criador, mas sim para atingir uma finalidade altruísta).

Nesse mesmo sentido encontra-se a disciplina normativa contida no art. 12, § 3º, da Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997, que, ao conceituar entidade sem fins lucrativos, dispôs que seria aquela que não apresente superávit em suas contas ou, caso o apresente em determinado exercício, destine referido resultado, integralmente, à manutenção e ao desenvolvimento dos seus objetivos sociais.

Dessa forma, para fins de gozo da imunidade tributária prevista no art. 195, § 7º, da Constituição Federal, a entidade não deve ter fins lucrativos, ou seja, a entidade não deve se apropriar dos seus resultados operacionais, de modo que os sócios dessas entidades não recebam qualquer distribuição, direta ou indireta, dos lucros da mesma, sendo tais valores integralmente reinvestidos na sua manutenção, seu aprimoramento e no cumprimento de seus objetivos institucionais.

Por sua vez, alguns requisitos de isenção constantes do art. 29 da Lei n. 12.101, de 2009, de competência da SRFB, trazem requisitos, cujas definições traduzem o mesmo conceito de entidade sem fins lucrativos, indispensável à certificação, como, por exemplo, de I - não percebam seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores, remuneração, vantagens ou benefícios, direta ou indiretamente, por qualquer forma ou título, em razão das competências, funções ou atividades que lhes sejam atribuídas pelos respectivos atos constitutivos; II - aplique suas rendas, seus recursos e eventual superávit integralmente no território nacional, na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais; V - não distribua resultados, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, sob qualquer forma ou pretexto.

A que conclusão chegar? Ser sem fim lucrativo apresenta-se tanto como requisito para a certificação e aí de competência, para aferição, do Ministério certificador, como também é requisito de isenção e aí de competência da SRFB? O que isso representa? Um órgão sobrepondo-se a outro para que o ato administrativo produzido tenha validade e eficácia? Não nos parece a melhor resposta, mas a Lei expressa que, ao analisar referido requisito, pode a SRFB lavrar auto de infração, sendo considerado automaticamente suspenso o direito à isenção, o que sequer precisa ser comunicado ao órgão certificador (arts. 31 e 32 da Lei n. 12.101, de 2009).

Em síntese, parece-nos que foi conferida legitimação a dois órgãos distintos para um requisito comum, o que deve ser, salvante melhor entendimento, dirimido pelo Advogado-Geral da União, a quem cabe uniformizar entendimento ante a lacuna normativa[5], até mesmo para delimitar a atuação e forma de agir de cada órgão envolto para a produção da vontade estatal.


6. Proposta de solução para a análise do requisito “sem fins lucrativos”: análise pelo órgão certificador dos atos constitutivos e documentos formais apresentados.

Extraindo o sentido e o alcance da Lei do CEBAS, e, tendo em conta não haver palavras inúteis nela, razoável entender que ao se debruçar sobre as condições e requisitos para a certificação ou renovação do CEBAS, o Ministério responsável analisará a condição da pessoa jurídica – se é sem fins lucrativos - cotejando apenas os documentos formais apresentados pela entidade, porque a Lei, em seu art. 3º, ao enumerar as condições para a certificação, exige que a pessoa jurídica demonstre tal situação por intermédio de sua constituição, devendo, ainda, prever em seus atos constitutivos a destinação do eventual patrimônio remanescente a entidade sem fins lucrativos congêneres ou a entidades públicas em caso de dissolução ou extinção, senão vejamos:

Art. 3º A certificação ou sua renovação será concedida à entidade beneficente que demonstre, no exercício fiscal anterior ao do requerimento, observado o período mínimo de 12 (doze) meses de constituição da entidade, o cumprimento do disposto nas Seções I, II, III e IV deste Capítulo, de acordo com as respectivas áreas de atuação, e cumpra, cumulativamente, os seguintes requisitos:

I - seja constituída como pessoa jurídica nos termos do caput do art. 1º; e

II - preveja, em seus atos constitutivos, em caso de dissolução ou extinção, a destinação do eventual patrimônio remanescente a entidade sem fins lucrativos congêneres ou a entidades públicas.

Em outros verbetes, a aferição pela autoridade certificadora de ser a entidade requerente sem fins lucrativos dar-se-á em cotejo com os atos constitutivos da pessoa jurídica interessada, não soando razoável que adentre substancialmente na veracidade das alegações e que confira todos os atos materiais produzidos pela entidade em sua existência, mesmo porque tais atos constitutivos são registrados no órgão competente (Registro Civil das Pessoas Jurídicas - RCPJ) e os dados e documentos apresentados perante a Administração Pública, em caso de falsidade, podem sujeitar o requerente à responsabilização penal, entre outras consequências. Não se descura, ainda, que os atos registrados no RCPJ tem por fim garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, o que também irradia seus efeitos perante o Ministério certificador.

Por conseguinte, na verificação dos requisitos da isenção (art. 29 da Lei do CEBAS), é que efetivamente a entidade requerente deverá demonstrar que é pessoa jurídica sem fins lucrativos, vale dizer, I - não percebam seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores, remuneração, vantagens ou benefícios, direta ou indiretamente, por qualquer forma ou título, em razão das competências, funções ou atividades que lhes sejam atribuídas pelos respectivos atos constitutivos; II - aplique suas rendas, seus recursos e eventual superávit integralmente no território nacional, na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais; V - não distribua resultados, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, sob qualquer forma ou pretexto, entre outros.

Perceba-se que a Lei tracejou a distinção carreada e defendida na presente manifestação, exigindo, no momento da certificação, apenas a observância dos atos constitutivos apresentados, mesmo porque a entidade requerente pode pretender o CEBAS apenas e tão-somente para formar parcerias com a União, dela recebendo transferências voluntárias, o que, na prática, ocorre várias Organizações Não Governamentais que atuam na área de saúde.

Ao se pretender a imunidade tributária, contudo, a requerente pode e deve passar por crivo mais exauriente, inclusive, fiscalização, a qualquer tempo, pela SRFB[6], para se aferir a veracidade das informações formalmente prestadas, devendo atender efetivamente aos seguintes requisitos:

Art. 29. A entidade beneficente certificada na forma do Capítulo II fará jus à isenção do pagamento das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, desde que atenda, cumulativamente, aos seguintes requisitos:

I - não percebam seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores, remuneração, vantagens ou benefícios, direta ou indiretamente, por qualquer forma ou título, em razão das competências, funções ou atividades que lhes sejam atribuídas pelos respectivos atos constitutivos;

II - aplique suas rendas, seus recursos e eventual superávit integralmente no território nacional, na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais;

III - apresente certidão negativa ou certidão positiva com efeito de negativa de débitos relativos aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e certificado de regularidade do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS;

IV - mantenha escrituração contábil regular que registre as receitas e despesas, bem como a aplicação em gratuidade de forma segregada, em consonância com as normas emanadas do Conselho Federal de Contabilidade;

V - não distribua resultados, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, sob qualquer forma ou pretexto;

VI - conserve em boa ordem, pelo prazo de 10 (dez) anos, contado da data da emissão, os documentos que comprovem a origem e a aplicação de seus recursos e os relativos a atos ou operações realizados que impliquem modificação da situação patrimonial;

VII - cumpra as obrigações acessórias estabelecidas na legislação tributária;

VIII - apresente as demonstrações contábeis e financeiras devidamente auditadas por auditor independente legalmente habilitado nos Conselhos Regionais de Contabilidade quando a receita bruta anual auferida for superior ao limite fixado pela Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006.

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7. Silêncio normativo quanto ao órgão responsável pela análise de requisitos de isenção: necessidade de uniformização pelo Advogado-Geral da União.

Há de se registrar, de plano, que tanto a Lei n. 12.101, de 2009, quanto o Decreto n. 7.237, de 2010, são silentes acerca da competência para se aferir os requisitos de isenção constantes do art. 29 da Lei em tela.

O art. 31 da Lei do Cebas apenas dita que o direito à isenção poderá ser exercido pela entidade a contar da data da publicação da concessão de sua certificação, desde que, por óbvio, atendido os requisitos de isenção constantes da citada Lei, não mencionando, contudo, quem será o competente para referida análise.

A sistemática anterior à edição da Lei n. 12.101, de 2009, indicava caber referida atribuição (análise de requisitos de isenção) à SRFB, conforme já encampado pelo STF que, ilustrativamente, negou provimento ao Mandado de Segurança n. 13.692/DF por ter sido impetrado contra ato do Ministro de Estado da Previdência Social e não contra ato da SRFB, encampando, inclusive, manifestação da Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Previdência Social, verbis:

7. Por fim, o argumento da Recorrente de que teria havido a decadência do crédito tributário cobrado não pode ser analisado neste recurso ordinário.

O Mandado de Segurança n. 13.692/DF foi impetrado pela ora Recorrente no Superior Tribunal de Justiça contra ato do Ministro de Estado da Previdência Social, a fim de se discutir eventual direito líquido e certo ao Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social – Cebas.

O lançamento e a cobrança de créditos tributários, feitos pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, não podem ser discutidos neste mandado de segurança, no qual se aponta autoridade coatora distinta.

Sobre esse ponto bem se manifestou a Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência Social:

“No que pertine à relação que pretende fazer o impetrante entre a suposta decadência dos créditos decorrentes e o CEBAS cancelado, cumpre deixar claro que tal argumentação não merece prosperar, pois confunde institutos completamente distintos: certificados e isenção.

Isso porque, não há que se confundir o procedimento de certificação de uma entidade como beneficente de assistência social, que tem seu trâmite perante o Conselho Nacional de Assistência Social (em primeira instância administrativa) e perante o Ministro de Estado da Previdência Social (em sede recursal) e o procedimento de isenção que tramita perante a Secretaria da Receita Federal do Brasil – SRFB.

O equívoco pode ser claramente percebido quando se observa a autoridade apontada como coatora. O Ministro de Estado da Previdência Social não possui qualquer competência para proceder ao lançamento de eventuais créditos tributários, o que, com o advento da Lei 11.457, de 2007, ficou a cargo da SRFB”

No âmbito dos Ministérios certificadores (saúde, educação e assistência social), acredita-se dever analisar apenas os requisitos para a certificação, estancando aí sua atribuição administrativa, adotando, pois, a sistemática anteriormente sedimentada no que tange ao CEBAS. Após referido procedimento administrativo, expede-se ofício à SRFB comunicando concessão, renovação etc. para demais providências.

Aqui necessário que seja conferida interpretação pacificadora para que não sejam proferidos entendimentos diversos ante a lacuna normativa, o que, a vista dos órgãos envolvidos (SRFB e Ministérios), pode ser dirimido, administrativamente, pelo Advogado-Geral da União.

Avançando para um arremate, entendemos que a Lei n. 12.101, de 2009, traz matérias de naturezas distintas, quais sejam a) eminentemente administrativa como a concessão, a renovação e o indeferimento de CEBAS; b) tributária como aferição de requisitos para isenção/imunidade. Aquela de competência do Ministério certificador, esta da SRFB.

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Sobre o autor
Elias Higino dos Santos Neto

Advogado da União. Chefe da Divisão de Legislação Aplicada e Estudos Normativos da Consultoria Jurídica no Ministério da Saúde. Especialista em direito processual pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Pós-graduado em direito público pela Faculdade Processus - Brasília. É autor de vários artigos jurídicos. Foi Coordenador Substituto de Procedimentos Licitatórios e Negócios Jurídicos da Consultoria Jurídica no Ministério da Saúde, Técnico Judiciário na Seção Judiciária do Distrito Federal e Analista Judiciário Executante de Mandados no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS NETO, Elias Higino. Atos concernentes à certificação de entidades beneficentes de assistência social: natureza jurídica e consequências.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3282, 26 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22099. Acesso em: 24 abr. 2024.

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