RESUMO: O presente estudo visa a investigar os principais desafios e os caminhos para a efetivação de políticas públicas na área da infância e juventude. Para tanto, expõe-se a evolução jurídica, política e ideológica pela qual passou o Estado brasileiro, desde a criação do Código de Menores de 1927 até o Estatuto da Criança e do Adolescente. Posteriormente, discute-se o controle judicial das políticas públicas, apresentando e rebatendo os principais óbices que teimam em afastar a atuação do poder judiciário na efetivação desses direitos fundamentais.
Palavras-chave: políticas públicas, controle judicial, infância e juventude.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Políticas Públicas para a infância e a juventude. 2.1 Doutrina da Situação Irregular. 2.2 Doutrina da Proteção Integral. 2.3 O Estatuto da Criança e do Adolescente. 2.3.1 Sistema de Garantias de Direitos. 2.2.3.1 Promoção 2.2.3.2 Defesa 2.2.3.3 Controle 3. Controle Judicial das Políticas Públicas. 3.1 Supremacia da Constituição. 3.2 Eficácia das normas constitucionais. 3.3 Óbices para o controle judicial de políticas públicas. 3.3.1 Separação dos Poderes 3.3.2 Reserva do Possível 3.3.3 Discricionariedade Administrativa 4. Conclusão.
1.INTRODUÇÃO
Em contraposição ao Estado Absolutista, surge, no séc. XVIII, a primeira face do Estado de Direito: o Estado Liberal. Sob a governança dos burgueses e os ideais iluministas, principalmente da Separação de Poderes, foi propagada a limitação do poder do Estado. O objetivo era resguardar a liberdade do indivíduo contra o arbítrio estatal. Essa época também deu origem ao constitucionalismo clássico, quando foram estabelecidas as primeiras Constituições, as quais tinham por intuito apenas regular a organização política do Estado e os direitos fundamentais de primeira dimensão.[1]
A abstenção total do Estado, a igualdade meramente formal e o excesso de liberdade acabaram por gerar desigualdades sociais. Assim, os burgueses, que tanto se sentiram oprimidos em tempos de Absolutismo, oprimiram impiedosamente a grande massa, legitimados pelo arcabouço jurídico da época.
Profundas mudanças surgiram com o advento do Estado Social, solução encontrada para impedir o avanço das idéias socialistas e acalmar os movimentos sociais. Nessa nova fase do Estado de Direito, reivindicou-se a interferência do Estado no mercado, a consagração do princípio da igualdade material e a busca pela justiça social.
Nesse contexto, exigiu-se do Estado uma atuação positiva em favor dos grupos sociais que se encontravam à margem da sociedade. Dessa maneira, aparecem os direitos fundamentais de segunda dimensão – sociais, culturais e econômicos -, que, pautados em um ideal de igualdade material, adquirem foros constitucionais, principalmente, no Pós-Segunda Guerra Mundial. Portanto, o Estado Social almejou compatibilizar o sistema capitalismo com a prestação do bem-estar social, elemento do chamado welfare state, justificando a implantação de políticas públicas.
Na segunda metade do século XX, eclode um novo modelo de Estado, o chamado Estado Democrático de Direito, com a finalidade de materializar a igualdade, a justiça social, por meio de uma efetiva participação popular. Ganha destaque a solidariedade, exigindo-se, pois, uma participação coletiva na efetivação, tanto dos direitos de primeira e segunda dimensão, quanto nos de terceira dimensão, que buscam preservar o direito à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente livre, sadio e equilibrado, à conservação do patrimônio histórico, cultural e paisagístico.
Nesse Estado Constitucional, envolto pelas teses do neoconstitucionalismo, o qual prega a força normativa da Constituição e a máxima efetividade das normas jurídicas, a função primordial da Administração Pública é a concretização dos direitos fundamentais positivos, por meio de políticas públicas que façam valer as regras e os princípios dispostos na Constituição.
A Constituição brasileira de 1988 determinou no caput do art. 6º que são direitos sociais, além de outros, a proteção à infância, determinando, no art. 5º, §1º, a aplicação imediata dos direitos fundamentais. Dessa maneira, impõe a tarefa aos órgãos estatais de maximizar a eficácia dos direitos da criança e do adolescente e criar condições reais de concretização.
As políticas públicas são instrumentos de materialização desses direitos fundamentais, visto que, pautando-se na essencialidade dos bens jurídicos a serem resguardados, compreendem um conjunto de medidas de natureza governamental que visam a realizar os fins sociais estabelecidos na Constituição. Dessa forma, o presente estudo visa a investigar os principais desafios e os caminhos para a efetivação de políticas públicas na área da infância e juventude.
2.POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A INFÂNCIA E A JUVENTUDE
A defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes possui duas peculiaridades: forte potencial mobilizador, capaz de articular diversas tendências políticas, religiosas, culturais e intelectuais, atraindo uma militância que não irá se favorecer diretamente com essa política, bem como pressupõe um conjunto de ações que atravessam diversas políticas setoriais.[2]
Entretanto, analisando a história brasileira e a evolução legislativa, somente a partir dos anos 80 a sociedade começou a exigir transformações nessa seara. Antes, verifica-se uma evidente segregação das políticas para esse segmento. As ações públicas eram ora voltadas aos “menores” – infância pobre, potencialmente perigosa -, ora às “crianças” – oriundas das classes média e alta. Portanto, a gestão das ações sociais, por um longo período, foi marcada pela exclusão da parcela que mais precisava de assistência.[3]
Nesse contexto, para se compreender a situação da infância e adolescência na atualidade, e seu processo de ruptura com o caráter historicamente periférico, é preciso fazer referência à evolução política e legal do país, bem como ao papel do conjunto dos protagonistas vinculados à luta pelas garantias dos direitos a esse grupo social.
2.1 DOUTRINA DA SITUAÇÃO IRREGULAR
No Brasil, a positivação da temática da infância e da juventude foi concretizada com o Código de Menores de 1927, considerado o primeiro diploma legal de proteção às crianças e aos adolescentes da América Latina, o qual, longe de criar um arcabouço de direitos e garantias aos menores de todas as classes sociais, visou, unicamente, estabelecer diretrizes à infância e à juventude excluídas, no intuito de afastá-las da delinqüência.
Os Juízes de Menores, à época, receberam poderes legais para adotar ações civis, trabalhistas, penais, tutelares e assistenciais nas causas envolvendo crianças e adolescentes. Na verdade, “o juiz dos menores centralizava as funções jurisdicional e administrativa, muitas vezes dando forma e estruturando a rede de atendimento. Enquanto era certa a competência da Vara de Menores, pairava indefinições sobre os limites da atuação do Juiz”[4].
A intervenção do Poder Executivo somente veio a ocorrer em 1938, quando foram criadas diversas entidades federais que tinham o objetivo de realizar ações na seara da infância e juventude, buscando a ordem social pregada pelo então Estado Novo. Dentre elas, destaca-se o Serviço de Assistência ao Menor (SAM), criado pelo Decreto-Lei 3.799/41, o qual, ligado ao Ministério da Justiça, possuía as finalidades de sistematizar e orientar os serviços de assistência a menores, ressocializar os jovens infratores, realizar pesquisas na área da infância e juventude, dentre outros. Entretanto, o SAM logo ficou conhecido pelas atrocidades cometidas contra os menores, através de ações correcionais e repressivas que esbanjavam maus-tratos.
Na década de 60, o SAM foi banido para dar lugar a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM). Instaurada pelo governo militar, através da Lei 4.513/64, a FUNABEM ficou com a função de definir e implementar a Política Nacional do Bem-Estar do menor. A nível estadual, e totalmente dependentes da seara federal, foram criadas as Fundações Estaduais de Bem-Estar dos Menores (FEBEMs). Essa política, que buscava assegurar programas de integração ao menor carente, por meio de assistência à família, caracterizou-se pela sua centralização decisória, verticalização hierárquica e privilégio do conhecimento altamente especializado, excluindo a participação decisória dos estados, dos municípios e da sociedade civil.[5]
Nos anos 70, tendo em vista o aumento das desigualdades sociais, foi verificado um índice altíssimo de crianças e adolescentes nas ruas, levando, no ano de 1976, à instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito do Menor na Câmara dos Deputados. Após o diagnóstico deplorável da situação de menor no país, e em meio às pressões da sociedade civil, foi publicado o Código de Menores de 1979. Esse, devido a questões internas – ditadura e Política Nacional do Bem-Estar dos Menores ineficaz – e externas – internacionalmente difundia-se a doutrina da proteção integral da criança -, já surgiu defasado, tendo em vista que insistiu na doutrina da situação irregular, advinda do Código de 1927.
A reviravolta no trata da matéria ocorreu nos anos 80. O contexto político da época, com a luta pela redemocratização do país e o fortalecimento da sociedade civil, não mais poderia suportar a política social do Estado Militar.
A articulação da sociedade em torno do tema da infância e juventude deu origem à Frente Nacional de Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes, à Pastoral do Menor da CNBB, ao Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, à Comissão Nacional Criança e Constituinte e, finalmente, ao Fórum Nacional Permanente de Entidades Não-Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente – Fórum DCA. Esse Movimento Pré-Constituinte formulou as emendas “Criança e Constituinte” e “Criança-Prioridade Nacional”, que foram encaminhadas à Assembléia Nacional Constituinte, acompanhadas das assinaturas de 200.000 adultos e mais de 1.400.000 crianças e adolescentes.[6]
Portanto, somente com a Constituição Federal de 1988[7], construída através de um processo de mobilização social e restabelecimento da democracia, afasta-se a doutrina da situação irregular e adota-se a doutrina internacional de proteção integral às crianças e aos adolescentes.
2.2 DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL
A Teoria da Proteção Integral da Criança afirma que os menores possuem os mesmos direitos dos adultos; contudo, devido à sua condição de hipossuficiência e vulnerabilidade, fazem jus a uma proteção especial e prioritária.
Essa teoria ganha força e plena aceitação com a aprovação da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989. Com fundamento na doutrina internacional de proteção integral às crianças e aos adolescentes, afastou-se o caráter assistencialista anteriormente seguido e buscou-se, na elaboração da Constituição Federal de 1988, priorizar a educação em face do trabalho.
Na verdade, a partir da Constituição da República de 1988, há um reconhecimento da criança e do adolescente como cidadãos, ou seja, titulares de direitos fundamentais, rompendo-se, efetivamente, com a visão minimalista do menor como objeto, abarcada pelo revogado Código de Menores.
O artigo 227, da Carta Magna de 1988, dispõe in verbis:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (...)
Infere-se, pois, que a Carta Maior aclara os princípios protetores dos menores, construindo o direito fundamental da criança e do adolescente ao não trabalho e à integridade física, reconhecendo, definitivamente, o direito à preservação da dignidade humana dos menores e a posição especial que os mesmos se encontram no processo de desenvolvimento humano. Conforme assevera Paolo Vercelone[8]:
Reconhece-se formalmente que existe uma categoria de cidadãos – as crianças – que têm seus próprios interesses específicos, os quais nem sempre coincidem – e às vezes contrastam – com os dos adultos. Esta categoria não pode proteger-se por si mesma, não tem força contratual dentro da sociedade, não vota e não protesta. Por conseguinte, os adultos responsáveis – não só os pais, mas também, e sobretudo, aqueles que tomam decisões coletivas que envolvem milhões de crianças (administradores, políticos e aqueles que detêm o poder econômico) – são investidos da responsabilidade de exercitar os direitos fundamentais das crianças em seu lugar.
O reconhecimento efetivo desses direitos é corroborado com o surgimento da Lei 8.069/1990, o famoso Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o qual nasce em um contexto histórico em que o Brasil, internacionalmente, ratificou a Convenção sobre os Direitos da Criança[9] e, nacionalmente, promulgou a Constituição Democrática de 1988. Portanto, revogou-se o Código de Menores e a Política Nacional de Bem-Estar do Menor.
2.3.O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
A Lei 8.069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente, reconhece como base doutrinária, em seu art. 1º, a proteção integral à criança e ao adolescente, bem como estabelece os instrumentos adequados à concretização desses direitos dentro da realidade brasileira.[10]
Para o Estatuto da Criança e do Adolescente considera-se criança a pessoa até doze anos de idade incompletos e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. Ressalta-se que o Estatuto buscou eliminar a palavra “menor”, a qual, utilizada pelo antigo Código de Menores, representava crianças e adolescentes oriundos da camada mais excluída da sociedade. Assim, a substituição semântica é uma atitude política de não-discriminação e transformação.
Dessa forma, o Estado brasileiro não pode se eximir, seja por uma legislação internacional acolhida internamente, seja pelos próprios ditames constitucionais, de assistir esses sujeitos de direitos que se encontram em situação de desproteção. Na seara do direito interno, o art. 4º, do ECA, na mesma linha do art. 227, da Constituição Federal, assim prescreve:
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude (grifo nosso).
Portanto, firmou-se como prioridade do Estado a formulação e efetivação de políticas públicas voltadas às crianças e aos adolescentes.
Ressalta-se que, a partir dos anos 80, ocorreram mudanças históricas após crise do Estado de Bem-Estar pós-bélico, tendo em vista a incompatibilidade da estrutura do Estado com a ordem socioeconômica emergente - o neoliberalismo. Passou-se a exigir do Estado menos ingerência, transferindo, pois, à sociedade responsabilidades antes pertencentes ao poder público. Surge, pois, o conceito de sociedade providência ou de bem-estar (em oposição ao conceito de Estado Providência, Estado Social ou de Bem-Estar) pelos teóricos do pluralismo de bem-estar. Para esses, as providências sociais devem ser realizadas de forma combinada entre fontes básicas: o Estado, o mercado e a sociedade. Assim, a sociedade também passou a ser responsabilizada pelo destino da comunidade, cabendo-lhe também realizar serviços, os quais antes eram somente dever do Estado.[11]
2.3.1 Sistema de Garantia de Direitos
Com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, desenvolveu-se um Sistema de Garantia de Direitos[12] que, através de um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais, apóia-se em três eixos - promoção, defesa e controle - para efetivar os direitos fundamentais da infância e juventude.
2.3.1.1 Promoção
O eixo da Promoção é consagrado no art. 87 do ECA[13], o qual, além de determinar políticas universais de atendimento às necessidades básicas das crianças e adolescentes, enfatiza a importância de programas assistenciais de proteção especial à parcela infanto-juvenil em risco social. Dentre esses últimos, destacam-se o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI, que visa a eliminar o labor de crianças e adolescentes abaixo de 16 anos; o Programa Sentinela, atualmente designado CREAS, o qual busca combater a exploração e o abuso sexual de meninos e meninas. Ambos foram criados pelo governo federal e buscam atingir uma parcela vulnerável da população.
Como estratégias para a funcionalidade e eficiência das políticas de atendimento, foram determinadas: a municipalização das políticas; a instauração de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da criança e do adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis, sendo assegurada a participação popular paritária; a criação e manutenção de programas específicos; manutenção de fundos nacional, estaduais e municipais vinculados aos respectivos conselhos dos direitos da criança e do adolescente; relação entre os órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social, para fins de celeridade no atendimento inicial a adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional, mobilização da opinião pública no sentido da indispensável participação dos diversos segmentos da sociedade[14].
Destaca-se nesse ponto a questão da municipalização que, segundo Luís de La Mora, “supera o conceito tradicional de ‘prefeiturização’. Ela aproxima o processo decisório do nível da execução, de tal maneira que em cada localidade sejam criados e mantidos programas em função de suas peculiaridades, garantindo o controle social da qualidade das decisões tomadas e das ações executadas”[15].
Sendo assim, a redemocratização do Estado brasileiro deu origem a redesenho do seu sistema federativo, o qual investe na descentralização, a fim de fortalecer a capacidade decisória dos estados e municípios, superando a trajetória histórica das políticas públicas brasileiras, que, desde 1930, tiveram uma gestão centralizada pelo governo federal. Além disso, a municipalização é uma estratégia que permite a participação popular na fiscalização das políticas públicas.
2.3.1.2 Defesa
Já o eixo de Defesa objetiva a “responsabilização do Estado, da sociedade e da família, pelo não-atendimento, atendimento irregular ou violação dos direitos individuais ou coletivos das crianças e dos adolescentes”[16].
Dessa maneira, organismos públicos e/ou sociedade civil – Ministério Público, Poder Judiciário, Defensoria Pública, Conselhos Tutelares, associações legalmente constituídas, dentre outros - tornam-se legitimados a assegurarem os direitos da criança e adolescente, seja por meio de ações judiciais, seja através de procedimentos administrativos, seja pela mobilização social.
Dos organismos referidos, enfatiza-se o papel do Ministério Público, o qual, a partir da Constituição de 88, abandonou sua atuação eminentemente “parecerista”, para atuar também como órgão agente, desvinculado dos demais poderes do Estado, cabendo “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”. (Artigo 129, Inciso III, CF/88).
O próprio ECA determina que compete ao Ministério Público promover o inquérito civil e a ação pública para a proteção dos interesses individuais, difusos, coletivos relativos à infância e à adolescência (art. 201, V), elencando como matéria dessas ações, dentre outras, o não oferecimento ou oferecimento irregular de serviço de assistência social visando à proteção à família, à maternidade, à infância e à adolescência, bem como ao amparo às crianças e aos adolescentes que dele necessitam (art. 208, VI).
Dessa maneira, as ações civis públicas são um relevante instrumento de implementação dos direitos fundamentais da infância e juventude.
2.3.1.3 Controle Social
O último eixo, Controle Social, tem o intuito de fiscalizar o cumprimento dos preceitos legais, através da vigilância de organismos governamentais e não governamentais. Conforme Maurílio Matos e Alessandra Mendes[17]:
Controle social se refere à participação da sociedade civil na elaboração, implementação e fiscalização das políticas públicas, em que se compreende que o público deve ser uma expressão do conjunto das necessidades postas pelos diferentes segmentos da sociedade e não território apenas daqueles que, por diferentes motivos, alcançam a hegemonia em determinados governos.
Antes, com influência do Estado Moderno, a expressão controle social foi entendida como controle do Estado ou dos empresários sobre a população. Atualmente, está ligada à forma de participação da população na elaboração e fiscalização das políticas públicas.
Rodriane Souza assevera que “a participação pode ser entendida como processo social, no qual o homem se descobre enquanto sujeito político, capaz de estabelecer uma relação direta com os desafios sociais”[18].
Dessa maneira, esclarece a autora que, no Brasil, nas décadas de 50 e 60, houve uma participação comunitária, a qual era compreendida como a sociedade completando o Estado, havendo um incentivo, por parte deste, do voluntariado e da solidariedade. No contexto de 1970, desenvolveu-se uma participação popular, que significa a luta e a contestação da população ao regime opressor da época; a população passa a combater o Estado. Já nos anos 80, instaura-se a participação social, quando a sociedade, buscando efetivar os direitos sociais, passa a disputar o poder do Estado, adentrando no aparelho estatal.[19]
Os Conselhos Tutelares, inovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, são exemplos dessa última participação, haja vista que os próprios representantes da comunidade são responsáveis por discutir, elaborar e fiscalizar a política social em cada esfera do governo[20].