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O direito aos alimentos gravídicos na união homoafetiva feminina

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30/07/2012 às 14:58
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Com a evolução do direito de família no ordenamento jurídico brasileiro, a prevalência, em um futuro próximo, sem dúvida, será a possibilidade do direito de alimentos gravídicos na união homoafetiva feminina.

“A Constituição Federal prima pela proteção dos direitos fundamentais, e deu acolhida generosa ao princípio da vedação de todo tipo de discriminação”.

                                      (Min. Joaquim Barbosa)

"Eu vejo a vida melhor no futuro. Eu vejo isso por cima do muro de hipocrisia que insiste em nos rodear”.

                                                       (Lulu Santos)

RESUMO

Este trabalho propõe demonstrar a possibilidade do direito aos alimentos gravídicos na união homoafetiva feminina no ordenamento jurídico brasileiro. Após as decisões da ADI nº. 4177 pelo Supremo Tribunal Federal e recurso especial nº. 1183378 pelo Superior Tribunal de Justiça, as uniões homoafetivas passaram a ser reconhecidas como uniões estáveis, e tendo a possibilidade de conversão em casamento civil. Consequentemente a seu favor os direitos e deveres foram equiparados aos do casamento tendo os casais homoafetivos agora a possibilidade de direitos como de sucessões, alimentos, adoção e outros. Nesse sentindo, pretende-se reconhecer a possibilidade do direito de alimentos gravídicos aos casais homoafetivos femininos que por vontade mútua resolveram através da inseminação artificial heteróloga ter um filho. O trabalho está embasado em pesquisas bibliográficas, tais como legislação, livros de autores diversos, artigos e periódicos, sendo que o método de procedimento é o monográfico e o método de abordagem é o dedutivo.

Palavras-chave: alimentos gravídicos, união estável e homoafetividade feminina.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. CAPÍTULO 1 - A FAMÍLIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. 1.1 Aspectos conceituais e sociais.1.2 Os novos arranjos da família brasileira. 1.3 União estável: o reconhecimento e a consolidação.. CAPÍTULO 2 - OS ALIMENTOS. 2.1 Conceito e natureza jurídica dos alimentos. 2.2 Espécies dos alimentos.. 2.3 A obrigação de alimentar e o pedido de alimentos no Direito de Família. 2.3.1 Características do direito a alimentos. 2.4 Pressupostos da obrigação alimentar. 2.5 Os alimentos e a obrigação de quem alimentar. 2.6 Alimentos gravídicos. 2.7 União homoafetiva e a obrigação alimentar. CAPÍTULO 3 - O DIREITO DOS ALIMENTOS GRAVÍDICOS NA UNIÃO HOMOAFETIVA. 3.1 A consolidação da união homoafetiva no ordenamento jurídico brasileiro. 3.2 Lei nº. 11.804/2008, a chamada lei dos alimentos gravídicos. 3.3 União homoafetiva feminina e os alimentos gravídicos. 3.3.1 Autonomia da vontade na inseminação artificial heteróloga. 3.3.2 Direito aos alimentos gravídicos na união homoafetiva feminina. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS


INTRODUÇÃO

O tema que se pretende desenvolver faz menção ao possível direito de alimentos gravídicos na união homoafetiva feminina, sendo esse o objetivo geral do trabalho. Após aprovação da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4277, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e posteriormente o reconhecimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no recurso especial nº. 1183378, as uniões homoafetivas passaram a ter seus direitos equiparados ao do casamento civil, dando ensejo à discussão quanto ao cabimento dos alimentos gravídicos nas uniões homoafetivas femininas.

Esta monografia se justifica pela importância de compreender todos os direitos do casal homoafetivo principalmente o de pleitear os alimentos gravídicos entre um casal feminino.

Os objetivos específicos do presente tema visam entender a evolução da família ao longo do tempo; analisar de forma geral a questão dos alimentos; examinar os aspectos da união homoafetiva bem como o da união estável e investigar a possibilidade do pedido de alimentos gravídicos na união homoafetiva feminina.

Com isso, tem-se o seguinte problema a resolver: baseado na Lei 11.804/08 e em conforme decisões do STF e STJ é possível o direito de pleitear alimentos gravídicos na união homoafetiva feminina?

Em resposta ao problema central da pesquisa, constata-se a seguinte hipótese: Seria possível incluir o casal homoafetivo feminino na Lei nº 11.804/08, apenas se acontecer uma inseminação artificial heteróloga com a vontade das duas partes.

O trabalho está estruturado em três capítulos. O primeiro capítulo traz a família no ordenamento jurídico brasileiro, tentando demonstrar, primeiramente, alguns aspectos conceituais e sociais da família, bem como os princípios constitucionais que versam este instituto. Em seguida, faz uma breve demonstração dos novos arranjos da família brasileira, informando diversas formas de constituir uma família, dando ênfase na união estável mostrando o seu reconhecimento e a consolidação deste conceito familiar.

O segundo capítulo trata, especificadamente, dos alimentos e suas generalidades. Os conceitos e a natureza jurídica; as possibilidades de pedido; a obrigação de alimentar; as espécies, sendo destaque os alimentos gravídicos e os alimentos na união homoafetiva.

O terceiro capítulo fala da união homoafetiva e o seu reconhecimento no ordenamento jurídico brasileiro após as decisões dos Tribunais, equiparando-as ao casamento civil. Em seguida descreve a Lei 11.804/2008, chamada de lei dos alimentos gravídicos, explicando os seus artigos e seu objetivo.

Por fim, faz menção a possibilidade do direito a alimentos gravídicos na união homoafetiva feminina, demonstrando como seria possível tal feito. Pontua também como este casal feminino vai ter o filho e a força da autonomia da vontade das partes nesta decisão de gerar uma criança.

Esta monografia será desenvolvida através de pesquisa bibliográfica. As principais fontes de pesquisa serão feitas através de livros, artigos e outros meios de informação, como os periódicos (revista e jornais), podendo ser encontrados em bibliotecas bem como em sites de internet. Importante mencionar que o método de procedimento utilizado será o monográfico, e o método de abordagem utilizado será o dedutivo.


CAPÍTULO 1

 

A FAMÍLIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

1.1 Aspectos conceituais e sociais

Com a entrada em vigor da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), o direito que rege o poder familiar, estabeleceu novos conceitos em relação à família com a intenção de abranger todas as pessoas que buscam a felicidade de forma coletiva, através da união, e tem os mesmos interesses familiares.

Com a ideia de Barbosa (2002), o Direito de Família seria um ramo do Direito Civil, cujas normas, princípios e costumes regulam as relações jurídicas do Casamento, da União estável, do Concubinato e do Parentesco, previstos pelo Código Civil Brasileiro de 2002 (CCB/2002), instituído pela Lei nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002.

A evolução do conceito de família reflete-se inevitavelmente no Direito de Família, constatando a dinamicidade das suas definições e abrangências.

Para explicar os aspectos conceituais relevantes da família, Farias e Rosenvald (2010, p. 21) dizem:

A família do novo milênio, ancorada na segurança constitucional, é igualitária, democrática e plural (não mais necessariamente casamentária), protegido todo e qualquer modelo de vivência afetiva e compreendida como estrutura socioafetiva, forjada em laços de solidariedade.

Nos pensamentos de Barbosa e Vieira, (2009) a sociologia é o caminho para definir o conceito de família. Na visão sociológica, a família é a relação privada em que se tecem as ligações particulares entre seus diferentes membros, por meio de práticas de cada um.

Na ideia de Bastos (1999) família seria um conjunto de pessoas unidas por laços de parentesco. O conceito mais atualizado do que poderia ser considerado uma família vem de Fernandes[1] que afirma ser aquela constituída por grupo de pessoas organizado através de regras culturalmente elaboradas em conformidade com modelo de comportamento.

Até a CRFB/88, o conceito Direito de Família tinha uma estrutura completamente ultrapassada, o que predominava era a figura do pai como aquele que determinava as regras. A ideia era a esposa e os filhos submissos às ordens do pai, sendo que apenas essa família era conceituada e regida pela CRFB/88. A legislação instituía como família, apenas aquela constituída pelo casamento, por isso apenas o matrimônio e as relações de filiação matrimonial e parentesco eram bem vistas.

Os princípios constitucionais têm como fundamento uma concepção eudemonista, em que o afeto é o elemento constitutivo dos vínculos familiares. A busca da felicidade, a supremacia do amor, a solidariedade social ensejam o reconhecimento do afeto como o modo mais plausível para a definição de família. Entretanto não é fácil conceituar o que realmente é uma família. Talvez seja um dos conceitos mais difíceis de explicar, uma vez que as mudanças e a adequação social de certa região em que se situa são enormes e variam conforme os momentos.

 O Direito de Família tem princípios gerais, sendo que estes são aplicáveis a todos os ramos do direito. O princípio da dignidade, da igualdade, da liberdade, da proibição do retrocesso social e da proteção integral a crianças e adolescentes, todos estes considerados princípios gerais. No entanto, há princípios especiais que são próprios das relações familiares e devem servir sempre como norte nas questões que envolva a família.

Têm-se como base na formação de uma família os princípios da solidariedade e da afetividade, sendo estes princípios específicos do direito da família, além de outros a serão estudados ao longo do presente capítulo.

Um dos mais importantes princípios do Direito de Família é o da afetividade. Toda família, da forma que ela seja, precisa do afeto. Antes de adentrar no princípio em questão, se faz necessária, a apresentação de uma definição do termo afeto. Uma das dificuldades no estudo da afetividade é a definição do que realmente significa o termo. Na linguagem geral, afeto relaciona-se com sentimentos de ternura, carinho e simpatia. Nas mais variadas literaturas, afetividade está relacionada aos mais diversos termos: emoção, estados de humor, motivação, sentimento, paixão, atenção, personalidade, temperamento e outros tantos.

A afetividade também é concebida como o conhecimento construído através da vivência, não se restringindo ao contato físico, mas à interação que se estabelece entre as partes envolvidas, na qual todos os atos comunicativos, por demonstrarem comportamentos, intenções, crenças, valores, sentimentos e desejos, afetam as relações e, consequentemente, o processo de aprendizagem. Perceber o sujeito como um ser intelectual e afetivo, que pensa e sente simultaneamente, e reconhecer a afetividade como parte integrante do processo de construção do conhecimento, implica outro olhar sobre a prática pedagógica, não restringindo o processo ensino-aprendizagem apenas à dimensão cognitiva.[2]

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 Como explica Dias (2009) a família transforma-se na medida em que se acentuam as relações de sentimentos entre seus membros: valorizam-se as funções afetivas da família. O afeto não é fruto da biologia. Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência familiar, não do sangue.

Ligado ao princípio da afetividade encontra-se o princípio do pluralismo das entidades familiares. Decorrente do pluralismo político, citado no artigo 1º, inc. V, da CRFB/88, o princípio do pluralismo das entidades familiares trás o reconhecimento do Estado sobre existência de várias possibilidades de arranjos familiares. É o Estado reconhecendo a possibilidade de novas estruturas de famílias. As uniões onde existe o afeto, a dignidade e a liberdade podem ser consideradas uma família.[3]

O Direito de Família, também tem como um dos princípios especiais o do não retrocesso social. No pensamento de Dias (2009) o principio descreve que o homem e a mulher, em geral, a família não podem sofrer limitações ou restrições da legislação ordinária. Este é o chamado princípio constitucional da proibição do retrocesso social. Nenhum texto proveniente do constituinte originário pode sofrer retrocesso que lhe alcance jurídico social inferior.

Dando continuidade aos princípios do Direito da Família, no artigo 1º, inc. III, da CRFB/88, expõe sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, aduzindo que o Estado de Direito tem como fundamento a dignidade da pessoa humana. O princípio constitucional da dignidade passou a servir de base nas relações da família, o que implicou efetivamente na consolidação da valorização do indivíduo, integrante da instituição familiar como ser em sua individualidade, devendo ser respeitado e atendido nas suas necessidades mais gritantes.

A respeito do princípio da solidariedade familiar, este é reconhecido como objetivo fundamental pelo artigo 3º, inc. I, da CRFB/88, no sentido de buscar a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Por razões óbvias, esse princípio acaba repercutindo nas relações familiares, já que a solidariedade deve existir nesses relacionamentos pessoais.

O princípio da igualdade descrito no artigo 226, § 5º, da CRFB/88 relata que: “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”. O sistema jurídico assegura tratamento isonômico e proteção igualitária a todos os cidadãos no âmbito social. A respeito da igualdade e diferença de gêneros em um ambiente familiar, Dias (2009, p. 65) assegura:

A igualdade, porém, não apaga as diferenças entre gêneros, que não podem ser ignorados pelo direito. O desafio é considerar as saudáveis e naturais diferenças entre homens e mulheres dentro do princípio da igualdade. Já está superado o entendimento de que a forma de implementar a igualdade é conceder à mulher o tratamento diferenciado que os homens sempre desfrutaram.

Prevê o artigo 227, caput, da CCB/2002 que:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

A CRFB/88 veda também a discriminação em razão da idade, bem como assegura especial proteção ao idoso. Atribui à família, a sociedade e ao Estado e o dever de assegurar sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar, bem como garantindo-lhe direito a vida.

O próximo princípio a ser estudado é o da liberdade. Baseado no artigo 1513 do CCB/2002, este princípio expõe sobre o direito de todos a decidirem as escolhas melhores para si mesmo e para a sua família, todos tem liberdade para tentar alcançar a sua felicidade. É importante frisar que se deve ter muito cuidado no seu entendimento, isso porque, o real sentido é que o Estado ou mesmo um ente privado não pode intervir coativamente nas relações de família, porém por meio de politicas públicas, através do planejamento familiar e o controle de natalidade, são formas de fiscalizar a liberdade das famílias.

Deste modo, destaca-se que a evolução do conceito família está ligada ao fato da sociedade enxergar com novos olhos a estrutura familiar. A liberdade de escolha do ser humano em poder constituir sua família, ajudou na evolução do conceito família. O Direito de Família e os seus novos conceitos fizeram com que várias uniões estáveis fossem reconhecidas como uma família, independente do casamento. Com a evolução constitucional, o sistema jurídico passou a estruturar a família como aquela união que tem como objetivo a dignidade da pessoa humana, a solidariedade social e a erradicação da pobreza e também a igualdade substancial.

Em um forçoso passo, além de reconhecer a família tradicional, fundada do casamento, agora novos arranjos familiares passam também a serem reconhecidos e cumprem a função que a sociedade destinou a família: buscar felicidade em objetivos comuns do casal e a formação da pessoa humana digna.

1.2 Os novos arranjos da família brasileira

A Lei de nº. 3.071, que institui Código Civil de 1916 (CCB/1916), descreveu como perfil de família, a matrimonializada, patriarcal, hierarquizada, patrimonializada e heterossexual. A chefia destas famílias era do marido e a esposa e os filhos possuíam posições inferiores à dele. Existia uma linha de valores, que era seguida de forma rígida, os direitos eram de acordo com as posições na família. A vontade da família se traduzia na vontade do homem que se transformava na vontade da entidade familiar. Contudo, esses poderes se restringiam à família matrimonializada, os filhos ilegítimos, não possuíam espaço na original família. O casamento era aceito apenas na união heterossexual, aquela união entre homem e mulher. A palavra matrimônio, ainda que seja compreendida como sinônimo de  casamento é referente exclusivamente à união entre um  homem e uma mulher, uma vez que deriva de mater, matris (mãe) no latim clássico. O objetivo da família era a conservação do patrimônio, e com isso homem e mulher precisavam gerar filhos, para servirem como força de trabalho e assim gerar frutos. Como precisavam da procriação, as famílias obrigatoriamente tinham que serem constituídas por um par heterossexual e fértil.

Na ideia de Farias e Rosenvald (2010), entende-se como o antigo conceito de família, aquela onde o homem era o que exercia a chefia da sociedade conjugal, sendo merecedor de respeito e obediência da mulher e dos filhos.

Com as mudanças ocorridas após a CRFB/88, o Estado agora reconhece e efetiva a devida proteção das múltiplas possibilidades dos novos arranjos familiares. A estrutura da sociedade foi modificada. 

Sobre as mudanças ocorridas no sistema jurídico brasileiro, Farias e Rosenvald (2010, p. 42) escrevem:

De fato o legislador apenas efetivou o que já representava a realidade de várias famílias brasileiras, reconhecendo que a família brasileira é um fato natural e o casamento uma solenidade, uma convenção social, adaptando, assim, o Direito aos anseios e às necessidades da sociedade.

A primeira possibilidade de um arranjo familiar é o mais tradicional. Protegido pela Igreja, que conceitua na Bíblia como união entre pai e mãe, dando a ideia de ser um homem e uma mulher, esta declara como sacramento indissolúvel. De certa forma também apoiado pelo Estado, a família matrimonial é aquela oficializada pelo casamento. Com base nas palavras de Dias (2010), o Cristianismo considera as únicas relações afetivas aceitáveis são as decorrentes do casamento entre um homem e uma mulher, em face do interesse da procriação.  Até a entrada do CCB/2002, era a única forma admissível de formação de família. A Família matrimonial é a mais aceita e comum na sociedade. Um par heterossexual oficializa a união com o casamento e vive com filhos e netos ao redor, criando assim a família matrimonial.

Outro tipo de família está descrita no artigo 226, § 4º, da CRFB/88, a chamada família monoparental, que é aquela formada por qualquer um dos pais e seus descendentes. No pensamento de Dias (2009) esses núcleos familiares passaram a ser nominados de familiar monoparantais, para ressaltar a presença de somente um dos pais na titularidade do vínculo familiar.

Sobre a família monoparental Dias assegura (2009, p.198):

A monaparentalidade tem origem na viuvez, quando a morte de um dos genitores, ou na separação ou no divórcio dos pais. A adoção por pessoa solteira também faz surgir um vinculo monoparental. A inseminação artificial por mulher solteira ou a fecundação homóloga após a morte do marido são outros exemplos.  

Como inovação nos novos arranjos familiares brasileiro, encontra-se a família anaparental. Na idealização de Farias e Rosenvald (2010), a convivência entre parentes dentro de uma estruturação com propósitos parecidos, impõe reconhecimento da existência de uma entidade familiar, e é essa que se pode chamar de família anaparental. Um exemplo dessa família é a convivência de duas irmãs sob o mesmo teto, ou até tios e sobrinhos juntos, que buscam com esforços a formação do acervo patrimonial e felicidade. Existem também aqueles que não são parentes, porém moram juntos. Como exemplo, os amigos que moram sob mesmo teto. Esta é chamada de família eudemonista que caracteriza pela convivência entre pessoas por laços afetivos e solidariedade mútua.

As mudanças sociais fizeram com que surgisse a família denominada pluriparental ou mosaico. De acordo com as palavras de Dias (2009) são aquelas caracterizadas pela estrutura complexa decorrente de vários vínculos, igualdade nas funções dos novos casais e forte grau de interdependência. Também nomeado de mosaico ou família pluriparental, surge da pluralidade das relações parentais, especialmente oriundas de divórcio, da separação e assim formando uma nova família. O ponto marcante desse tipo de família, é que decorre da peculiar organização do núcleo, isto é, a reconstrução da família por casais onde um ou ambos são egressos de outras uniões. O casal que se uniu agora traz para a nova família seus filhos, e também acabam tendo filhos em comum. Para caracterizar melhor a família pluriparental cita-se o ditado popular: “os meus, os teus, e os nossos”.

Descrita no artigo 1º da Lei nº 9.278/96, a união estável é conhecida pela convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

Contudo, nem sempre a união estável apresentou-se de forma pacífica e clara. Na verdade, por muitos anos, o que se vivenciou foi um estágio de dicotomia entre a norma legal e a realidade social.

Reconhecendo a união estável com a instituição de programática para facilitar sua conversão em casamento, atendeu-se a necessidade de adaptação da norma jurídica ao fenômeno jurídico-social, conferindo a esta modalidade de associação entre as espécies de famílias.

Cabe ressaltar que recentemente a união homoafetiva, aquela formada por pessoas do mesmo sexo, também foi equiparada à união estável.

Referente à união homoafetiva, esta se caracteriza pela relação afetiva entre pessoas do mesmo sexo, com características de união estável nos termos da lei. Esta modalidade vem sendo defendida por alguns doutrinadores, tais eles como Maria Berenice Dias, Cristiano Chaves Farias e Nelson Rosenvald e já foi reconhecida como união estável no Supremo Tribunal Federal (STF) e mais recente pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que considerou possível a conversão ao casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.

Sobre as uniões homoafetivas Dias explica (2009, p 47):

Se duas pessoas passam a ter vida em comum, cumprindo os deveres de assistência mútua, em verdadeiro convívio estável caracterizando pelo amor e respeito mútuo, como objetivo de construir um lar, inquestionável que tal vínculo, independente do sexo seus participantes, gera direitos e obrigações que não podem ficar à margem da lei.

Recentemente, em maio de 2011, o STF, reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo. O Ministro Celso de Mello, justificando o seu voto favorável ao reconhecimento da união homoafetiva como união estável falou:

Toda pessoa tem o direito de constituir família, independentemente de orientação sexual ou identidade de gênero. Não pode um Estado Democrático de Direito conviver com o estabelecimento entre pessoas e cidadãos com base em sua sexualidade. É inconstitucional excluir essas pessoas.[4]

O grupo familiar pode ser monoparental ou composto por famílias recompostas, ou formado por membros do mesmo sexo, que irá surtir efeitos sociais e jurídicos do mesmo modo. Atualmente a família é compreendida tão somente por valores constitucionais da dignidade, igualdade, afetividade e estabilidade.

1.3 União estável: o reconhecimento e a consolidação

A união estável consiste numa relação de puro afeto entre homem e mulher. A comunhão de vida que se estabelece por essa via informal tem por objetivo a mútua felicidade e a formação de uma família, sem necessidade de intervenção cartorária ou judicial[5].

Para explicar as características da união estável, Serejo (2004, p. 37) escreve:

Importante, por conseguinte, para configurar-se a união estável é a aferição dos requisitos legais, considerando-se, ainda: a) a convivência more uxório[6]; b) a afeição recíproca; c) a comunhão de vida e de interesses; d) a conduta dos conviventes; e e) a posse do estado de casado.

O CCB/2002 descreve a união estável como entidade familiar consagrando os artigos 1723 a 1727 para tratar do tema. O artigo 1723 reconhece a união estável como entidade familiar e o parágrafo 1º do mesmo artigo determina que a união estável não se pode constituir quando houverem impedimentos elencados no artigo 1521, que são os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;  os afins em linha reta; o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; o adotado com o filho do adotante; as pessoas casadas e por fim o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte. Existe a exceção dos impedimentos, que são pessoas casadas formalmente, mas separadas de fato (desde que comprovada) ou separada judicialmente. Assim, os solteiros, viúvos, separados e divorciados podem constituir união estável.

Os efeitos jurídicos dessa união à moda conjugal serão examinados caso a caso, de acordo com suas características e peculiaridades. Garantido será, no entanto, a defesa dos direitos assegurados aos parceiros e seus descendentes, para que se preservem os frutos dessa relação de afeto.

Os companheiros em união estável possuem deveres e direitos gerais iguais, como lealdade, respeito, assistência, sustento e educação dos filhos. Além disso, a lei assegura direito à pensão alimentícia, que inclui moradia, educação, vestuário, alimentação e lazer. Caso separem-se, a guarda dos filhos ficará com quem tiver melhores condições, do mesmo modelo do casamento.[7]

Dentre esses direitos e deveres, a possibilidade de pedir alimentos ao companheiro é comum no ordenamento jurídico brasileiro. Pode-se observar na jurisprudência o pedido de alimentos e outros direitos na união estável. No ano de 2010 foi julgada procedente e mantida a sentença no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, onde o apelante interpôs a apelação cível contra a sentença que decidiu que fossem concedidos alimentos para a ex-companheira e o filho menor.

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL - REQUISITOS LEGAIS - COMPROVAÇÃO - CARACTERIZAÇÃO - ALIMENTOS - BINÔMIO - OBEDIÊNCIA - PARTILHA DE BEM - AUSÊNCIA DE PEDIDO - SENTENÇA MANTIDA.

Os deveres pessoais enunciados pelo legislador para a configuração da união estável devem ser rigorosamente observados, considerando o fato do instituto estar situado na categoria de entidade familiar, consoante o art. 226, § 3º, da CF. Assim, presente a comprovação dos requisitos indispensáveis à declaração da união, e havendo pedido não há como julgar improcedente. Comprovado o binômio necessidade/possibilidade, correta a fixação de alimentos à ex-companheira e ao filho menor, comprovada a dependência destes ao alimentante. Não há que se falar em partilha de bem imóvel do casal quando não houve comprovação da propriedade e muito menos pedido para tanto[8].

Apesar da falta de revestimento legal em alguns pontos, não obsta ao reconhecimento de certos efeitos jurídicos a essa espécie de união. Seus membros formam uma entidade familiar e não podem ser ignorados os efeitos dessa convivência no âmbito interno do grupo e também no plano externo, por seu indisfarçável reflexo social. O direito de alimentos, por exemplo, que no casamento civil já é caso concreto, passa a ser objeto frequente também de pedidos, tanto nas uniões estáveis como nas uniões homoafetivas.

 Tema do próximo capítulo, os alimentos nas palavras de Farias e Rosenvald (2010), são o conjunto de meios materiais necessários para a existência das pessoas, sob o ponto de vista físico, psíquico e intelectual. Os alimentos, sejam eles no casamento, na união estável ou homoafetiva partem do postulado geral do binômio, necessidade e possibilidade.

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Sobre o autor
Raphael Dias Macedo

Acadêmico do curso de Direito das Faculdades de Direito Santo Agostinho (FADISA), em Montes Claros (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACEDO, Raphael Dias. O direito aos alimentos gravídicos na união homoafetiva feminina. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3316, 30 jul. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22324. Acesso em: 19 mar. 2024.

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