2. OS ALIMENTOS
2.1. Conceito e natureza jurídica dos alimentos
O direito fundamental do ser humano por excelência é o de sobreviver. E este, com certeza, é o maior compromisso do Estado: garantir a vida a todos. Todos têm direito de viver, e sobreviver com dignidade.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, desde 1948 no seu artigo 25, §1º reconhece o alimento como direito inerente ao ser humano, definindo que “todos têm o direito a um padrão de vida adequado à saúde e ao bem estar próprio e de sua família, incluindo alimentação (...), e outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle”.
Surge desse modo, o direito ao alimento, relacionado ao princípio da preservação da dignidade humana.
Conceituando os alimentos, Cahali (1999, p.16) aduz:
Alimentos são, pois as prestações devidas, feitas para que quem as recebe possa subsistir, isto é, manter sua existência, realizar o direito à vida, tanto física (sustento do corpo) como intelectual e moral (cultivo e educação do espírito, do ser racional).
Alimento vem do latim alimentum, e significa sustento, alimento, manutenção, subsistência (alimentar, nutrir, desenvolver, aumentar, animar, fomentar, manter, sustentar, favorecer, tratar bem).
Segundo a acepção gramatical, o vocábulo traduz o necessário para a conservação da vida. Pode-se dizer que, na linguagem comum, “alimentos” consistem no necessário para manter o funcionamento do organismo dos animais e dos vegetais. A expressão supramencionada, no âmbito jurídico, compreende não só o que é indispensável ao sustento, mas também o necessário para a manutenção da condição social do ser humano, à dignidade da pessoa humana.9
Nesse mesmo sentindo, na visão de Dias (2009), para o direito, alimento não significa somente o que assegura a vida. A obrigação alimentar tem a finalidade precípua: atender às necessidades de uma pessoa que não pode prover a própria subsistência.
Para Farias e Rosenvald (2010) é possível entender-se por alimentos o conjunto de meios materiais necessários para a existência das pessoas, sob o ponto de vista físico, psíquico e intelectual.
O vocábulo “alimentos” tem, todavia, conotação muito mais ampla do que na linguagem comum, não se limitando ao necessário para o sustento. Nele se compreende não só a obrigação de prestá-los, como também o conteúdo da obrigação a ser prestada. Cuida-se de uma expressão plurívoca, designando diferentes medidas e possibilidades.
A natureza jurídica dos alimentos está ligada a origem da obrigação. De qualquer forma o tema não é pacífico. Para alguns doutrinadores, como Farias e Rosenvald, os alimentos prestam a manutenção digna da pessoa. Como já foi dito, destinam-se a assegurar a integridade física, psíquica e intelectual de uma pessoa humana, portanto sua natureza é de direito da personalidade. Por outro lado, defendendo a corrente majoritária, Orlando Gomes, Carlos Roberto Gonçalves e Maria Helena Diniz atribuem aos alimentos a natureza jurídica mista, qualificando-o como um direito de conteúdo patrimonial e finalidade pessoal, ou seja, a prestação de alimentos possui caráter econômico, todavia este auxílio não objetiva aumentar o patrimônio do alimentando, mas sim prover sua subsistência e materializar o princípio da solidariedade entre os membros que necessitam.
2.2. Espécies dos alimentos
Os alimentos são de diversas espécies, classificados pela doutrina segundo vários critérios. Classificam-se de acordo com a sua natureza; quanto a sua causa jurídica; quanto à finalidade e por último quanto ao momento em que são reclamados.
Quanto à natureza, os alimentos podem ser naturais ou civis. De acordo com as ideias de Dias (2009), os alimentos naturais são aqueles indispensáveis para garantir a subsistência, como alimentação, vestuário, saúde, habitação e educação. Também chamados de alimentos necessários, restringem-se ao indispensável à satisfação das necessidades primárias da vida. Já os alimentos civis destinam-se a manter a qualidade de vida do credor, de modo a preservar o mesmo padrão e status social do alimentante.
A doutrina e a jurisprudência têm se reportado a outra espécie de alimentos, os compensatórios, adotados em países como a França e a Espanha e, mais recentemente, o Brasil. Segundo Gonçalves (2011, p. 501) os alimentos compensatórios tem como objetivo o seguinte:
Visam eles evitar o descomunal desequilíbrio econômico-financeiro do consorte dependente, impossível de ser afastado com modestas pensões mensais e que ocorre geralmente nos casos em que um dos parceiros não agrega nenhum bem em sua meação, seja porque não houve nenhuma aquisição patrimonial na constância da união ou porque o regime de bens livremente convencionado afasta a comunhão de bens.
De cunho mais indenizatório do que alimentar, pois não se restringem em cobrir apenas a dependência alimentar, mas também o desiquilíbrio econômico e financeiro oriundo da ruptura do liame conjugal, não devem os alimentos compensatórios terem duração ilimitada no tempo. Uma vez desfeitas as desvantagens sociais e reparado o desiquilíbrio financeiro provocados pela ruptura da união conjugal, devem cessar.
Recentemente adotado no Brasil, os alimentos compensatórios já fazem parte das decisões nos Tribunais. Há pouco tempo, no ano de 2009, o Tribunal Regional do Rio Grande do Sul10 deferiu o pedido de alimentos compensatórios a uma mulher em desfavor do marido. Decidiu o TJRS que cabe a fixação dos alimentos compensatórios, em valor fixo, decorrente da administração exclusiva por um dos cônjuges das empresas do casal.
Quanto à causa jurídica, os alimentos dividem-se em legais ou legítimos, voluntários e indenizatórios. Os alimentos legítimos são aqueles elencados no artigo 1694 do CCB/2002. Os legítimos são devidos em virtude de uma obrigação legal, que pode decorrer do parentesco, do casamento ou do companheirismo.
Somente os alimentos legais ou legítimos pertencem ao direito de família, portanto, a prisão civil que acontece pelo não pagamento da dívida de alimentos, permitida pela CRFB/88, somente pode ser decretada nessa situação.
Os alimentos voluntários de acordo com Gonçalves (2011) emanam de uma declaração de vontade inter vivos, como na obrigação assumida contratualmente por quem não tinha a obrigação legal de pagar alimentos. Estes pertencem ao direito das obrigações e são chamados também de obrigacionais. Ainda na ideia de Gonçalves (2011), os alimentos voluntários podem ser declarados na manifestação causa mortis, manifestada em testamento, fazendo parte do direito das sucessões e também são chamados de testamentários.
Descritos pelo artigo 948 do CCB/2002, os alimentos chamados indenizatórios ou ressarcitórios, que são aqueles, que resultam da prática de um ato ilícito e constituem forma de indenização do dano ex delicto. Esta modalidade de prestação alimentar é também regulada pelo direito das obrigações.
Quanto à sua finalidade, os alimentos classificam em definitivos ou regulares, provisórios e provisionais. Na visão de Dias (2009), alimentos definitivos são os de caráter permanente, estabelecidos pelo juiz na sentença ou em acordo das partes devidamente homologados, apesar de que podem ser revistos.
Os alimentos provisórios e provisionais não sem confundem, eles possuem propósitos e finalidades diferentes e, inclusive, são previstos em distintos estatutos legais. Os provisórios estão previstos na Lei nº. 5.478. de 1968 - a Lei dos Alimentos - e são estabelecidos quando a propositura da ação de alimentos, ou em montante posterior, mas antes da sentença. Já os provisionais encontram-se na Lei nº 5.869, que sancionou o Código de Processo Civil Brasileiro de 1973 (CPCB/1973), e são deferidos em ação cautelar ou quando da propositura da ação de separação, divórcio, anulação de casamento, bem como na ação de reconhecimento de união estável, e se destinam a garantir a manutenção da parte ou custear a demanda.
Sobre os dois termos, alimentos provisórios e provisionais, Dias (2009, p.500 e 501), faz a seguinte explicação:
Ainda que a doutrina insista em diferenciar esses dois tipos de tutela emergencial, os juízes os tratam de maneira indistinta. A diferenciação entre duas espécies, em essência, é apenas terminológica e procedimental. Em substancia significam o mesmo instituto.
Quanto ao momento em que são reclamados, os alimentos classificam-se em pretéritos, atuais e futuros. Para explicar a classificação do momento, Gonçalves (2011) faz relato de que “são pretéritos quando o pedido retroage a período anterior ao ajuizamento da ação; atuais, os postulados a partir do ajuizamento; e futuros, os alimentos devidos somente a partir da sentença”.
Essa classificação não se amolda perfeitamente ao direito brasileiro, uma vez que os alimentos futuros independem do trânsito em julgado da decisão que os concede, sendo devidos a partir da citação ou do acordo. E, na prática, os alimentos pretéritos têm sido confundidos com prestações pretéritas, que são fixadas na sentença ou no acordo, estando há muito vencidas e não cobradas, a ponto de não poder tê-las mais por indispensáveis à própria sobrevivência do alimentado, não significando mais que um crédito como outro qualquer, com supedâneo no artigo 732 do CPCB/1973.
2.3. A obrigação de alimentar e o direito aos alimentos no Direito de Família
Antes de adentrar no tema exposto, é válido fazer a distinção de dois termos, que são as obrigações de alimentar e os deveres de sustento.
A obrigação de prestar alimentos repousa no princípio da solidariedade existente entre os membros de um grupo familiar, cujo dever de ajuda mútua é recíproco. Depende, todavia, do estado de necessidade do requerente e das possibilidades do obrigado pela prestação alimentar. É um binômio da necessidade e possibilidade. O dever de sustento resulta de imposição legal dirigida a determinadas pessoas ligadas por vínculos familiares, é unilateral e deve ser cumprido incondicionalmente. Exemplo deste são os deveres familiares de sustento, assistência e socorro que incumbe aos cônjuges, companheiros e aos pais em relação aos filhos menores.
Nesse sentido, Gonçalves (2011) diz que a obrigação de prestar alimentos é transmissível, divisível, condicional, recíproca e mutável.
Apenas com a entrada do CCB/2002, a obrigação alimentar passou a ser transmissível, uma vez que, no artigo 402, do antigo CCB/1916 dispunha que “a obrigação de prestar alimentos não se transmite aos herdeiros do devedor”, extinguindo-se, pois, pela morte do alimentante. Com a atualização do CCB/2002, no artigo 1700, a obrigação de alimentar passou a ser transmissível.
O CCB/2002 descreve a regra da transmissibilidade da obrigação alimentar, prevista em seu artigo 1700, que remete ao artigo 1694, dando a entender que esta regra envolve também a obrigação alimentícia originada do vínculo de parentesco, além das decorrentes do casamento e união estável; e que os herdeiros do alimentante estariam obrigados a prestar alimentos ao credor-alimentado de acordo com as suas possibilidades, e não nas forças da herança. Na verdade o CCB/2002 não soluciona de uma forma clara as discussões atuais sobre o tema, mas apenas gera uma nova fase de conflitos e incertezas a serem solucionadas pela doutrina e jurisprudência.
A respeito da obrigação de alimentar ser divisível, Gonçalves (2011, p 512) afirma:
A obrigação alimentar é também divisível, e não solidária, porque a solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes. Não havendo texto legal impondo a solidariedade, ela é divisível, isto é, conjunta. Cada devedor resposta por sua quota-parte.
Explicando melhor a divisibilidade, o artigo 1698 do CCB/2002, na sua segunda parte, descreve:
Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide.
Segundo dispõe o §1º do artigo 1694 do CCB/2002, “os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada”. Essa é a terceira característica, a de condicionalidade. Diz-se que a obrigação de prestar é condicional porque sua eficácia está subordinada a uma condição resolutiva. Somente subsiste tal encargo enquanto perduram os pressupostos objetivos de sua existência, representados, pelo binômio necessidade-possibilidade, extinguindo-se no momento em que qualquer deles desaparece. Se, depois da aludida fixação, o alimentando adquire condições de prover à própria mantença, ou o alimentante não mais pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento, extingue-se a obrigação.
A reciprocidade também é característica da obrigação alimentar. No artigo 1696 do CCB/2OO2: “O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros”. Assim, há reciprocidade entre os parentes, cônjuges, e companheiros discriminados na lei quanto ao direito à prestação de alimentos e a obrigação de prestá-los, ou seja, ao direito de exigir alimentos corresponde o dever de prestá-los.
2.3.1. Características do direito a alimentos
Por se tratar de um direito tendente a manutenção da pessoa humana e de sua fundamental dignidade, é natural que os alimentos estejam cercados de características muito peculiares, afastando-o das relações obrigacionais comuns.
De acordo com Gonçalves (2011) o direito a alimentos apresenta varias características. É um direito personalíssimo, incessível, impenhorável, incompensável, imprescritível, intransacionável, atual, irrepetível ou irrestituível e irrenunciável.
Tem caráter personalíssimo por não poder ser transferido a outrem, na medida em que visa a preservar a vida e assegurar a existência do indivíduo que necessita de auxílio para sobreviver.
Devido ao seu caráter personalíssimo, o direito a alimentos, como consequência, tem a característica de ser incessível, ou seja, inseparável da pessoa, não pode ser objeto de cessão de crédito, pois isso se opõe a sua natureza. O artigo 1707 do CCB/2002 diz expressamente que o crédito a alimentos é “insuscetível de cessão”. No entanto, de acordo com Gonçalves (2011, p.520), apenas os alimentos futuros não poderão sofrer a cessão:
somente não pode ser cedido o direito a alimentos futuros. O crédito constituído por pensões alimentares vencidas é considerado um crédito comum, já integrado ao patrimônio do alimentante, que logrou sobreviver sem tê-lo recebido. Pode, assim, ser cedido.
Na obra de Cahali (1999, p. 110), a respeito da característica da impenhorabilidade dos alimentos faz a seguinte afirmativa:
Tratando-se de direito personalíssimo, destinado o respectivo crédito a subsistência da pessoa alimentada, que não dispõe de recursos para viver, nem pode prover às suas necessidades pelo próprio trabalho, não se compreende que possam ser as prestações alimentícias penhoradas; inadmissível, assim, que qualquer credor do alimentando possa privá-lo do que é estritamente necessário à sua subsistência.
A compensação é o meio de extinção de obrigações entre pessoas que são ao mesmo tempo, credor e devedor uma da outra. Segundo Gonçalves (2011) pode-se dizer então, que o direito a alimentos é incompensável, isto porque, seria extinto, total ou parcialmente, com prejuízo irreparável para o alimentando, já que os alimentos constituem o mínimo necessário à sua subsistência. Como exemplo, o marido não pode deixar de pagar a pensão a pretexto de compensá-la com recebimentos indevidos, pela esposa, de aluguéis só a ele pertencentes.
Nos dizeres de Gonçalves (2011) o direito aos alimentos é imprescritível, ainda que não seja exercido por longo tempo e mesmo que já existissem os pressupostos de sua reclamação. O que prescreve é o direito de postular em juízo o pagamento de pensões alimentícias, ainda que o alimentando venha passando necessidade há muitos anos.
Sendo indisponível e personalíssimo, o direito a alimentos de acordo com o artigo 841 do CCCB/2002, não pode ser objeto de transação. A regra aplica-se somente ao direito de pedir alimentos, pois a jurisprudência considera transacionável o quantum das prestações, tanto vencidas, como vinculadas. A transação celebrada nos autos de ação de alimentos constitui título executivo judicial.
O direito aos alimentos é atual, no sentido de exigível no presente e não no passado. Segundo Rodrigues (2004) alimentos são devidos ad futurum, não ad praeteritum. A necessidade que justifica a prestação alimentícia é, ordinariamente, inadiável, conferindo a lei, por esse motivo, meios coativos ao credor para a sua cobrança, que vão do desconto em folha à prisão civil.
Acentua Miranda (2000) que os alimentos recebidos não se restituem, ainda que o alimentário venha decair da ação na mesma instancia ou em grau de recuso. Os alimentos, uma vez pagos, são irrestituíveis, sejam provisórios, definitivos ou ad litem. Quem pagou alimentos, pagou uma dívida, não se tratando de simples antecipação ou de empréstimo.
É irrenunciável porque o CCB/2002, no seu artigo 1707, 1ª parte, permite que se deixe de exercer, mas não que se renuncie o direito de alimentos. Pode-se renunciar o exercício e não o direito.
Determinado as características dos alimentos, cabe, agora, discorrer sobre os seus pressupostos objetivos e subjetivos da obrigação alimentar, o que virá na sequência.
2.4. Pressupostos da obrigação alimentar
Certos requisitos deverão existir no momento da concessão dos alimentos. São pressupostos objetivos da obrigação de prestar alimentos: a) existência de um vínculo de parentesco; b) necessidade do reclamante; c) possibilidade da pessoa obrigada; d) proporcionalidade.
O artigo 1695 do CCB/2002 preceitua:
São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.
No que se refere ao primeiro pressuposto, o vínculo de parentesco, deve ser salientado que nem todos os parentes são obrigados a prestar alimentos. De acordo com o CCCB/2002, em seus artigos 1694, 1696 e 1697, somente os ascendentes, descendentes e irmãos bilaterais ou unilaterais são obrigados.
Em relação ao segundo pressuposto, o da necessidade do alimentando, importa considerar que o credor da prestação alimentar deve, efetivamente, encontrar-se em estado de necessidade. Não é preciso que o pretendente a alimentos chegue à miséria completa para obtê-los; basta que não tenha renda suficiente para manter-se e não possa conseguir pelo trabalho os meios indispensáveis à subsistência correspondente a sua posição social.
No que diz respeito ao terceiro pressuposto, o da possibilidade da pessoa obrigada, deve ser ressaltado que para buscar os alimentos é necessário também que aquele de quem se pretende esteja em condições de fornecê-los. A necessidade de um importa na possibilidade do outro.
Pode ser apontado como quarto pressuposto para que exsurja a obrigação alimentar, a proporcionalidade. Este instituto não visa o enriquecimento do alimentando. Portanto não tem porque exigi-los além das necessidades do alimentando. Como ressalta o artigo 1694 do CCB/2002, o devedor não pode ser compelido a prestá-los com sacrifício próprio ou da sua família, pelo fato de o reclamante os estimar muito alto, ou revelar necessidades maiores.
2.5. Os alimentos e a obrigação de quem alimentar
Quando se fala em obrigação alimentar dos pais sempre se pensa no pai que registra, que, no entanto, nem sempre se identifica com o pai biológico. Como vem, cada vez mais, sendo prestigiada a filiação socioafetiva, que, inclusive, prevalece sobre o vínculo jurídico e o genético, essa mudança também se reflete no dever de prestar alimentos.
Portanto, de acordo com Gonçalves (2011) é defensável a possibilidade de serem reivindicados alimentos do genitor biológico, diante da impossibilidade econômico-financeira, do pai socioafetivo, que não está em condições de cumprir com a real necessidade alimentar do filho.
No pensamento de Dias (2009), no que se diz respeito ao termo final da obrigação alimentar, pode-se afirmar que, apesar do adimplemento da capacidade civil aos 18 anos, isto não leva a extinção automática do encargo alimentar. Assim, é irrelevante fixar termo final aos alimentos. A fixação é ineficaz.
A obrigação alimentar não é somente dos pais em decorrência do poder familiar. Existe a reciprocidade de obrigação alimentar entre pais e filhos, ônus que se estende a todos os ascendentes, recaindo sempre nos mais próximos. De acordo com o artigo 1698 do CCB/2002: “se o parente que deve alimentos em primeiro lugar não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os parentes de grau imediato”. Dias (2009, p. 482) aduz:
Assim, a obrigação alimentar, primeiramente, é dos pais, e, na ausência de condições de um ou ambos os genitores, transmite-se o encargo aos ascendentes, isto é, aos avós, parentes em grau imediato mais próximo.
Ainda no artigo 1698 do CCCB/2002, este esclarece que a obrigação avoenga é subsidiária, deixando antever que só se pode exigir do avô depois de evidenciada a inexistência ou impossibilidade do pai.
Na cabe intentar contra os avós execução dos alimentos não pagos pelo genitor, o que seria impor a terceiro pagamento de dívida alheia. A jurisprudência vem admitindo a ação de alimentos em desfavor dos avós somente quando da separação dos pais, nenhum dos genitores possuírem condições de prover o sustento da prole.
O CCB/2002 no seu artigo 1694 relata que “os parentes, cônjuges, e conviventes podem pedir alimentos uns aos outros”. Quem não tiver condições de prover a própria sobrevivência pode-se socorrer de seus familiares para viver de modo compatível com a sua condição social e as necessidades com a educação. Ainda que a lei prescreva, primeiro nos parentes e depois no cônjuge ou companheiros, a ordem está invertida. O artigo 1829, inc. IV, do CCB/2002, a respeito da obrigação alimentar acompanha a ordem de vocação hereditária.
Quanto aos parentes em linha reta, como o vínculo sucessório não tem limite, é infinito a reciprocidade da obrigação alimentar entre ascendentes e descendentes. Tanto pais e avós devem alimentos a filhos e netos, quanto netos e filhos têm obrigação com os ascendentes. Entre os ascendentes, o ônus recai sobre os mais próximos.
A obrigação alimentar é recíproca, estabelecendo a lei uma ordem de preferência, ou melhor, de responsabilidade. Os primeiros obrigados a prestar alimentos são os pais. Esse dever estende-se a todos os ascendentes. Também não a limite na obrigação alimentar dos descendentes.
Na ausência de obrigados em linha reta, são chamados a prestar alimentos os demais parentes. Explicita a lei que a obrigação entre os parentes de segundo grau compreende tanto os irmãos germanos, que são aqueles irmãos filhos dos mesmos pais, quanto os unilaterais, que são os filhos de somente um dos pais.
Não há como reconhecer direitos aos parentes e não lhe atribuir deveres. Os graus de parentesco não devem servir só para se ficar com o bônus, sem assunção dos ônus.
O artigo 1595, §1º, do CCB/2002 explica: “O casamento e a união estável geram parentesco por afinidade entre o cônjuge ou companheiro e os seus ascendentes, descendentes ou irmão”. A obrigação alimentar decorre não só do parentesco natural ou consanguíneo, mas também do parentesco por afinidade.
De modo expresso, ressalta o CCB/2002, no §2º do artigo 1595, que a permanência do vínculo de afinidade mesmo após a dissolução do casamento e da união estável, remanescendo assim o vínculo jurídico, mantém-se a solidariedade familiar. Assim, não se extinguindo a relação de parentesco, imperioso reconhecer a persistência do dever alimentar. Em um aspecto geral, Dias (2009, p.486) cita:
A doutrina, de modo geral, é contra o reconhecimento da obrigação alimentar, entendendo que afinidade não origina parentesco, mas apenas aliança, não sendo apta a criar direito a alimentos. Porém, a lei não faz qualquer distinção, fala em parentesco por afinidade e impõe obrigação alimentar aos parentes.
O dever de mutua assistência atribuído aos cônjuges quando do enlace matrimonial é que da origem à recíproca obrigação alimentar. Relatando sobre o conteúdo, Dias (2009) explica que se trata de ônus que surge na solenidade das núpcias, mas sua exigibilidade, a título de alimentos, está condicionada ao término do casamento. Até mesmo o cônjuge que proporcionou a separação, violando os deveres do casamento pode receber alimentos.
A união estável tem direitos e deveres dos companheiros. Dentre os deveres está presente o dever de alimentos por expressa determinação legal, na medida em que o artigo 1724 do CCB/2002 estabelece dentre outros, o dever de mutua assistência, além de sustento e educação dos filhos, em perfeita consonância com o disposto no artigo 2°, incisos II e III, da Lei nº. 9.278/96, que é a regulamentação do artigo 226 §3º, da CRFB/88.
Como já foi dito em tópico anterior, o CCB/2002 ao regular a questão dos alimentos também consignou expressamente, em seu artigo 1694, que além dos parentes, os cônjuges e também os companheiros, podem “pedir uns aos outros os alimentos que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de educação”.
2.6. Alimentos Gravídicos
A obrigação de prestar alimentos ao filho surge mesmo antes de seu nascimento. Resguardado pelo artigo 2º do CCB/2002, o nascituro pode buscar alimentos desde a sua concepção. O nascituro já tem direitos garantidos na legislação brasileira mesmo com a mera expectativa de vida.
Estabelecida no sistema jurídico brasileiro há poucos anos, a Lei nº 11.804/08, assegura o que chama de “alimentos gravídicos”, ou seja, alimentos à gestante, que se transformam em alimentos ao filho quando de seu nascimento.
Segundo Gonçalves (2011) alimentos gravídicos, em artigo da citada Lei, são os destinados a cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto. Compreendem como as despesas a assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, alem de outras que o juiz considerar pertinentes. Lembrando que o rol das despesas não é taxativo.
O objetivo dos alimentos gravídicos é garantir o desenvolvimento de forma conveniente, onde o feto não é privado de qualquer acesso a nutrientes que possam comprometer seu desenvolvimento saudável.
A nova legislação entra em contato com a realidade social facilitando a apreciação dos requisitos para a concessão dos alimentos ao nascituro. De acordo a Lei dos alimentos gravídicos, em seu artigo 6º, a requerente tem que convencer o juiz da existência de indícios da paternidade, desta forma, este fixará os alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, observando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré.
Através da Lei de Alimentos Gravídicos se tem mais um caminho para a busca da dignidade da pessoa humana, pessoa esta que é considerada desde a sua concepção. A criança e a gestante em qualquer situação tem o direito de viver e sobreviver com dignidade. O legislador busca através da lei a condição ideal para que pai, juntamente com a mãe, arque com as despesas da gestação.
No próximo capítulo o tema será abordado de forma detalhada, descrevendo todos os artigos da Lei 11.804/08, até mesmos aqueles que foram vetados do projeto original.
2.7. A união homoafetiva e a obrigação alimentar
A obrigação alimentar, que foi esclarecida em tópico anterior, sendo vista a partir do princípio constitucional da solidariedade social, torna-se evidente que a sua finalidade é a busca da afirmação, no plano concreto, da própria dignidade humana. Por isso, não se pode excluir os alimentos das uniões entre pessoas do mesmo sexo, pena de atentar contra a dignidade da pessoa humana.
A relação homoafetiva, como qualquer outro relacionamento heterossexual, lastreia-se no afeto e na solidariedade como já foi dito em tópicos anteriores, e não há motivo para deixar de reconhecer o direito aos alimentos, em favor daquele que, eventualmente, venha a necessitar de proteção material.
Assim, mesmo não contemplados no artigo 1694 do CCB/2002, que prevê sua possibilidade apenas entre parentes, cônjuges ou companheiros, os alimentos são devidos nas uniões homoafetivas, eis que decorrem de princípios constitucionais, especialmente do dever de solidariedade social e da afirmação da dignidade humana.
Ainda mais, como já foi citado, o STF e depois o STJ já reconheceram as uniões homoafetivas como uniões estáveis. Portanto, podem-se ver um sistema judiciário considerando as uniões homoafetivas como uniões estáveis e consequentemente dando direito ao casamento civil, fazendo com que tenha os direitos e deveres dos companheiros, cônjuges e parentes.
Depois das recentes decisões passa a ganhar força e espaço esta corrente, a qual defende a possibilidade de prestação alimentícia nas relações homoafetivas, tratando-se esta de um instituto regulado pelo direito de família.
Em seu voto o Ministro Relator da ADI 4277 reconheceu todos os direitos dos casais heteroafetiva as uniões homoafetivas. Disse ele: “Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva”.11
Desse modo, com espeque nos valores constitucionais e tendo em mira que é objetivo fundamental da República construir uma sociedade solidária, justa e igualitária, é direito das uniões homoafetivas, sempre que um dos parceiros deles necessitar, como forma de manter sua integridade, o pedido aos alimentos.