IV - APLICABILIDADE TRANSVERSAL DAS NORMAS REGULAMENTADORAS DO MTE AO MEIO AMBIENTE LABORAL DOS MOTORISTAS (art. 9º da lei):
É ínsito à atividade do motorista rodoviário que este se ative na maior parte do tempo fora do ambiente do seu empregador. De fato, o motorista exerce sua atividade fundamentalmente na estrada, nela considerada desde a qualidade do pavimento das rodovias, passando pelos pontos de parada para descanso, hotéis, barreiras fiscais, barreiras policiais, praças de pedágios e, principalmente, pelos pátios das embarcadoras.
O ambiente laboral dos motoristas rodoviárias pode ser dividido da seguinte forma: o ambiente do empregador e o ambiente de terceiros, sendo este último subdividido em ambiente de terceiros privados e públicos.
A relevância do meio ambiente para a qualidade de vida dos seres humanos é bem demonstrada pelo art. 3º, I da Lei n. 6.938/81, o qual define meio ambiente como o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
O meio ambiente do trabalho, enquanto derivação do meio ambiente artificial, ou seja, do meio ambiente natural modificado pelo homem, constitui condição essencial para que o trabalhador exerça suas atividades com qualidade de vida.
Ocorre que a onipresença do meio ambiente não foi adequadamente transmudada para legislação do trabalho, uma vez que as Normas Regulamentadoras - NR do MTE possuem aplicação restrita às empresas privadas e públicas e pelos órgãos públicos da administração direta e indireta, bem como pelos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, que possuam empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, conforme preceitua o item 1.1 da NR 1.
Essa limitação acaba por não obrigar, por exemplo, no caso dos motoristas rodoviários transportadores de carga, que as embarcadoras guarneçam seus pátios com as condições mínimas de saúde, segurança e conforto preconizadas nas NRs do MTE.
Tal situação traz, cotidianamente, sérios conflitos entre motoristas e embarcadoras, resultando com frequência na restrição unilateral imposta pelas embarcadoras ao “CPF” dos motoristas “rebeldes”, impedindo que estes voltem a operar nas suas unidades, ou seja, alijando-os do mercado de trabalho.
Atento à peculiar transversalidade do meio ambiente laboral dos motoristas, o art. 7º projeto de lei previa que futuras concessões de rodovias contemplassem a construção de locais seguros, destinados a estacionamento de veículos e descanso para os motoristas, situados a intervalos menores que 200 (duzentos) quilômetros entre si, incluindo área isolada para os veículos que transportem produtos perigosos, e em consonância com o volume médio diário de tráfego na rodovia. No mesmo sentido, o art. 10 do projeto assinalava o prazo de um ano para que as concessionárias de rodovias outorgadas antes do advento da lei a ela se adaptassem. Contudo, infelizmente, ambos os artigos foram vetados pelo Poder Executivo.
Com os aludidos vetos presidenciais restou severamente prejudicada a atenção relativa ao meio ambiente laboral dos motoristas no que tange às instalações de terceiros do setor público administradas pela iniciativa privada sob o regime de concessão.
Todavia, remanesceu o art. 9º, que prevê a aplicação transversal das NRs do MTE, nos seguintes termos:
Art. 9o As condições sanitárias e de conforto nos locais de espera dos motoristas de transporte de cargas em pátios do transportador de carga, embarcador, consignatário de cargas, operador de terminais de carga, operador intermodal de cargas ou agente de cargas, aduanas, portos marítimos, fluviais e secos e locais para repouso e descanso, para os motoristas de transporte de passageiros em rodoviárias, pontos de parada, de apoio, alojamentos, refeitórios das empresas ou de terceiros terão que obedecer ao disposto nas Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego, dentre outras.
Desse modo, embora não figurem como empregadores dos motoristas transportadores de carga em contrato individual de emprego, as embarcadoras, consignatários de carga, operadores de terminais de carga, operadores intermodais de cargas, agentes de cargas, administradores de aduanas, administradores (públicos ou privados) de portos marítimos, fluviais e secos, bem como os responsáveis pelos locais de repouso e descanso dos motoristas estão obrigados a observar as condições sanitárias e de conforto prescritas nas NRs do MTE.
Da mesma forma, quanto aos motoristas rodoviários transportadores de passageiros, estão vinculados às NRs os responsáveis pelos pontos de parada, de apoio, dos alojamentos e pelos refeitórios.
Trata-se de uma importantíssima inovação, que instrumentaliza a Auditoria-Fiscal do Trabalho na seara administrativa, bem como o Ministério Público do Trabalho na seara judicial, de modo a exigir que todos responsáveis pela a cadeia ambiental envolvida na prestação dos serviços de transporte observem as condições mínimas sanitárias e de conforto preconizadas pelas Normas Regulamentadoras do MTE.
V – CONSIDERAÇÕES FINAIS
A regulamentação da jornada dos motoristas rodoviários, embora chegando com décadas de atraso e tendo sido concebida com alguns dispositivos que agridem o objetivo da própria norma, estabelece marco jurídico seguro quanto à possibilidade e os meios de controle da jornada de trabalho desses profissionais, onerando, ainda que de forma mitigada, a sobrejornada.
A plena e adequada aplicação desta lei tem o potencial de resguardar a dignidade, a saúde e a vida de milhões de motoristas profissionais, bem como de toda a sociedade enquanto usuária das rodovias brasileiras. Além disso, espera-se um efeito extremamente positivo sobre a demanda da mão de obra do motorista, pois a regularização do quadro atual de desumana sobrejornada implicará, inexoravelmente, na necessidade de formação e contratação de milhares desses profissionais.
O cenário que se aproxima abre para os sindicatos laborais um momento histórico ímpar, no qual o incremento na demanda pela mão de obra do motorista combinado com a restrição do pagamento por comissão possibilita negociações coletivas amplamente profícuas, tendendo a resultar em pronunciada elevação no nível salarial dos motoristas profissionais.
Sob o ponto de vista econômico esse novo estado de coisas, no médio e longo prazo, tenderá a estimular a mudança no perfil do transporte de cargas brasileiro, atualmente com notória prevalência do modal rodoviário. Além disso, sob o ponto de vista socioeconômico, uma das maiores questões de saúde pública do Brasil será impactada positivamente com a esperada queda no nível de acidentes rodoviários.
Por outro lado, a aplicação desvirtuada da norma, poderá produzir efeito inverso, ou seja, aprofundar as mazelas até então observadas.
Tendo em vista a atribuição legalmente conferida ao empregador para que ele possa eleger o meio de controle da jornada de trabalho dos seus motoristas, se não houver ostensiva fiscalização, a fraude poderá se estabelecer como regra no setor. Sendo assim, é fundamental que os órgãos de fiscalização - Polícias Rodoviária Federal e Estaduais, Fiscalização do Trabalho e Ministério Público do Trabalho - se articulem proativamente para que a aplicação da norma seja devidamente acompanhada.
Neste sentido cabe reconhecer e aplaudir a celeridade e o compromisso institucional do CONTRAN, corporificados na tempestiva edição da Resolução n. 405/2012, regulamento que não apenas demonstrou o empenho e a agilidade do Poder Executivo, como trouxe importantes avanços e aperfeiçoamentos na interpretação e aplicação da lei.
Merece atenção a postura dos sindicatos profissionais, do Poder Judiciário Trabalhista e do Ministério Público do Trabalho frente ao novo quadro normativo. A lei, conforme já assentado, conferiu pronunciada importância à negociação coletiva, chegando ao limiar de atribuir a ela efeito derrogatório sobre a Constituição Federal. Desse modo, caso os sindicatos ao invés de valerem-se do cenário criado pela lei para estabelecer condições econômicas e sociais vantajosas para os trabalhadores, decidam flexibilizar direitos consagrados na Constituição e na CLT, em especial quanto aos limites de jornada, far-se-á necessária a pronta atuação do Ministério Público do Trabalho e da Justiça do Trabalho para conformar a autonomia coletiva da vontade aos limites legais e constitucionais.
Ainda na linha de conformação da lei à hierarquia normativa, é fundamental que haja o devido enfrentamento das disposições que autorizam o estabelecimento da jornada “12 x 36” e o fracionamento do intervalo intrajornada, seja ele nos casos concretos, seja por meio do seu questionamento perante o Supremo Tribunal Federal através da Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Enfim, a lei n. 12.619/2012 trará uma nova realidade para esse estratégico setor, se esta realidade será positiva ou negativa depende fudamentalmente da postura dos atores que até então se envolveram na criação da própria lei.