5 A identidade no uso de nome empresarial e marca: os limites da concorrência desleal
5.1 A identidade de nome empresarial e marca no ambiente da empresarialidade
Como foi exposto, os sinais distintivos dos empresários e de seus produtos ou serviços, são ferramentas extremamente eficientes no alcance da prosperidade econômica. E para alcançá-la, não bastam conhecimentos acerca da organização societária, de títulos de crédito, mercado de capitais, ou contratos comerciais, sendo fator indispensável ao sucesso a contextualização da concorrência empresarial.
Há diversas maneiras leais, e outras desleais de ser proeminente no mercado onde se atua. O nome empresarial é utilizado para identificar tão somente o empresário, tendo o título de estabelecimento (ou nome fantasia) a função de identificar um dos estabelecimentos do empresário/sociedade. Já a marca, criada com grau bem maior de inventividade, serve para identificar os produtos criados e os serviços prestados.
O CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica, atua de forma preventiva e repressiva, garantindo a proeminência da valorização do trabalho humano sobre todos os outros valores da economia de mercado. Passa a ser autarquia a partir da Lei 8.884/94, ganhando importante função reguladora da economia nacional, criando condições para a concorrência empresarial.
O uso do nome e da marca como instrumentos para a concorrência desleal é vedado pela Lei 8.884/94, Lei 9.279/96, Lei 12.529/11, e pelo ordenamento jurídico privado, de uma forma geral pelo Código Civil, que proíbe o locupletamento ilícito, ou enriquecimento sem causa.
Por fim, relacionando a proteção conferida ao nome empresarial com a conferida à marca, pode se inferir que o nome (i) tem proteção a partir do registro na Junta Comercial, (ii) tem abrangência estadual correspondente à circunscrição da respectiva Junta Comercial, e (iii) não tem limitação legal expressa quanto ao âmbito econômico da atividade, embora muitas decisões apliquem tal restrição.
Por outro lado, o registro da marca (i) tem proteção a partir do registro no INPI, (ii) tem abrangência em todo o território nacional, e (iii) tem como regra a limitação da classe em que a marca foi registrada.
5.2 Do uso idêntico de nome empresarial e marca à concorrência desleal
O ponto nevrálgico deste estudo se encontra neste subtítulo. O artigo 124 da LPI informa, no inciso V que, não é registrável como marca "reprodução ou imitação de elemento característico ou diferenciador de título de estabelecimento ou nome de empresa de terceiros, suscetível de causar confusão ou associação com estes sinais distintivos".
Por óbvio, a Lei 9.279, por mais detalhista que fosse, não poderia abarcar todas as situações do cenário comercial pátrio, deixando de lado algumas situações em que se contrapõem direito concorrencial e direito marcário. Carvalho de Mendonça[54] diz que:
Escrever um tratado científico sobre a concorrência desleal é impossível, do mesmo modo que seria obra vã escrever um tratado doutrinal sobre a malícia humana, e nele prever todas as formas que pode assumir nas suas manifestações.
No contexto comercial ou industrial, existe a necessidade, como foi visto, do empresário identificar quem ele é, e qual atividade ele exerce no mercado. Uma das razões para que se tenha tal exigência é que é possível alguém registrar uma marca que constitui nome empresarial de outro empresário, ou um nome empresarial que constitui marca de produto ou serviço de outro empresário.
Retomando, o nome empresarial identifica o sujeito de direito (o empresário, a pessoa física ou jurídica), e a marca identifica, direta ou indiretamente, produtos ou serviços. Porém, há situações em que são feitos pedidos de registro de marcas idênticas ou muito similares a nomes empresariais, ocorrendo conflito entre eles. Nesse caso, a solução gera certa dificuldade, na medida em que marca e nome empresarial são protegidos em âmbitos distintos e com fins diversos.
O nome empresarial, para não ser confundido com outro já inscrito na junta comercial do estado da federação, deve ser distinto, observando o critério da novidade, conforme o artigo 35, inciso V, da Lei 8.934/94. Sua proteção se inicia com o arquivamento do estatuto ou do contrato social na respectiva Junta Comercial, e se limita à circunscrição territorial do estado onde se localiza a sede da sociedade. Assim, nenhuma outra empresa poderá ser registrada com o nome já registrado, ou semelhante.
Não há impedimento para que coexistam, por exemplo, duas sociedades com nomes idênticos, uma com sede no Rio Grande do Sul, e outra em Santa Catarina, pois as juntas comerciais são de estados diferentes. Desse modo, para ampliar a proteção conferida pelo nome empresarial, o titular deve abrir filiais nos estados da federação onde deseja proibir o uso do nome.
No que concerne à marca, a proteção conferida pelo registro junto ao INPI é de âmbito federal, ou seja, ninguém poderá utilizar-se da marca em todo território brasileiro, observada a classe de produtos ou serviços. Basicamente, são quatro as distinções entre o nome empresarial e a marca[55]:
(a) órgãos em que são registrados: nome empresarial deve-se proceder o arquivamento do ato constitutivo da sociedade na Junta Comercial enquanto que a marca deve ser registrada no INPI;
(b) âmbito territorial da tutela: as Juntas Comerciais precisamente por serem órgãos estaduais só podem conferir proteção estadual. O empresário só poderá ter proteção nacional, caso promova a inscrição ou o arquivamento nas demais Juntas Comerciais; Os efeitos de registro da marca são nacionais;
(c) âmbito material: enquanto o nome empresarial é protegido no âmbito estadual independentemente do ramo de atividade econômica a que se dedique o empresário, a marca tem a sua proteção nacional restrita à classe de produtos ou serviços em que se encontra registrada no INPI;
(d) âmbito temporal: o registro do nome empresarial é indeterminado, apenas a declaração de inatividade da empresa poderá importar a extinção do direito ao nome empresarial, na marca o direito de utilização exclusiva possui prazo de validade de 10 (dez) anos, contados a partir da data de concessão do registro, se o interessado solicitar esse prazo pode ser prorrogado por período igual.
Imagine-se a situação em que uma sociedade empresária baiana do ramo de engenharia e petroquímica, atuando desde a década de 40, tenha registrado sua marca junto ao INPI, em diversos ramos de atividade (inclusive no ramo de alimentos), em 1979. E uma outra, paranaense do ramo de alimentos, que atua desde a década de 60, tenha registrado a mesma marca em 1992. Poderá o primeiro registrante requerer a nulidade do segundo, ou não?
Há dois princípios que norteiam a prevalência de registros: o da anterioridade do registro, e o da especificidade, ou especialidade. Deve se evitar situações onde a prevalência de um princípio prejudica injustamente aquele que deseja valorizar sua marca no seu segmento mercadológico.
A assertiva de que podem se contrapor o direito concorrencial e o direito marcário se dá por este motivo: é o direito de possuir uma marca registrada, em face do direito de registrar outra ainda não utilizada no respectivo ramo, para que ela se valorize com a qualidade dos produtos oferecidos.
Pensemos agora, na mesma situação acima, porém com o diferencial de que ambos os proprietários das marcas idênticas possuam, em seus próprios nomes civis, a inscrição constante na marca. Como decidiriam os tribunais?
Tratam as asserções acima do conhecido caso Odebrecht, julgado no Recurso Especial nº 653.609-RJ, em 19/05/2005 (embargos de declaração com efeitos modificativos), que será analisado no capítulo seguinte.
Por ora, abordaremos os fatores decisórios em caso de colidência entre nome empresarial e marca. Como infere o advogado Carlos Ignácio Schmitt Sant'Anna[56], "o fundamento de proteção à propriedade imaterial é nuclearmente a vedação à concorrência desleal, que se traduz em enriquecimento sem causa". Ou seja, o que se quer coibir, basicamente, é o enriquecimento sem causa através da concorrência desleal.
Com clareza, o comercialista citado aduz que "para verificar-se se esta (concorrência desleal) pode potencialmente ocorrer, deve-se examinar se a classe da marca colide com o objeto social do nome comercial". Assim, se terá um indício se houve ou não ato desleal. Outra maneira é verificar a localidade onde são realizadas as empresas, se elas forem a mesma, e o objeto social for semelhante, verificar-se-á a concorrência desleal.
Sant'Anna critica incisivamente a "logística" utilizada pelo Governo Federal ao designar o DNRC - Departamento Nacional de Registro de Comércio para tratar do registro do comércio, para que este sub-rogue a função executiva aos "órgãos locais" (juntas comerciais). Assevera, assim, a existência de diversos problemas nessa logística, quais sejam:
a falta de interligação entre as juntas comerciais das diversas unidades federativas, o que permite que empresas sejam registradas com o mesmo nome empresarial;
ausência de ressalva de comunicação ou integração com o INPI, o que obrigaria o empresário a consultar todas as juntas comerciais do país, sob pena de correr o risco de perder seu nome de empresa;
há inexplicável diferença entre a competência para julgar casos de colidência entre os nomes empresariais e as marcas - no caso das marcas, o INPI deve integrar o polo passivo da ação juntamente com o detentor da marca, sendo a justiça federal a competente. No caso do nome empresarial, o STJ firmou entendimento de que as juntas comerciais são meros "cartórios", e por isso não deve integrar o polo passivo, permanecendo, assim, a competência da justiça estadual (relação entre particulares);
o âmbito estadual da proteção ao nome empresarial, adotada pelo Código Civil de 2002, vai de encontro ao disposto no art. 8º da Convenção da União de Paris[57], que estende a proteção a todos os países;
a prescrição para ajuizar ação anulatória do nome empresarial, que antes era vintenária, não existe mais pelo novo Código Civil, criando uma preocupação permanente a todos os empresários, que não têm a certeza de que seu nome empresarial nunca poderá ser “roubado” por outro empresário;
Não obstante todas essas dificuldades, bem possível que alguém, de má-fé, utilize ou tente utilizar o registro de marca no INPI, ou do nome empresarial na Junta Comercial, como mera ferramenta para prejudicar concorrentes, ou locupletar-se ilicitamente, enriquecendo às custas de outro.
Quais seriam, então, os critérios utilizados pelo julgador para solucionar o conflito?
A chave para a solução, ao se analisar os recentes julgados do Superior Tribunal de Justiça, principalmente a partir de 2002, com o novo Código Civil, é a utilização do princípio da anterioridade do registro apenas de forma subsidiária, quando não for possível a "coexistência harmônica entre elementos constantes de nomes empresariais e marcas"[58]. Alias, nome empresarial e marca não e confundem, mas os elementos que os integram podem conflitar.
Somente haverá utilização do princípio da anterioridade quando for verificado que os empresários litigantes atuam no mesmo ramo de atividade e no mesmo território. Se não ocorrer dessa forma, observar-se-ão os princípios da especificidade e da territorialidade. Isso porque o uso deste princípio é sempre mais gravoso do que os outros: acarretará, em regra, a imposição de abstenção de uso ou realização de modificações (aditivas ou supressivas) ao titular do nome ou da marca com registro posterior. Além de haver condenação de uma das partes pelo uso indevido de elemento constante de nome ou marca anteriormente registrado.
Nesse passo, não se confundem marca e nome empresarial. Porém, podem conflitar os elementos que os compõem.
Todavia, caso não seja possível permitir a coexistência do nome e da marca através da especialidade ou da territorialidade, reconhecendo-se a confusão entre eles, o fundamento utilizado deverá ser o da anterioridade do registro, determinado-se a supressão, ausência de uso ou modificação dos elementos componentes do registro mais recente, sem prejuízo de eventual indenização pelo uso indevido.
Denis Borges Barbosa[59], ao contextualizar essa problemática, dispõe:
A doutrina e a jurisprudência mais tradicional pareciam se inclinar no sentido de que a proteção dos nomes empresariais não estaria sujeita à regra da especialidade, muito embora as condições de concorrência pudessem influir sobre a análise da confundibilidade. Neste sentido, Luiz Leonardos, Carvalho de Mendonça, Waldemar Ferreira, Trajano de Miranda Valverde, Gama Cerqueira e Pontes de Miranda, além do ensinamento da decisão de 4.5.62, do Supremo Tribunal Federal, mantendo sentença que condenara a Vidrobrás S.A. - Ferramentas Pneumáticas, Indústria e Comércio Ltda. a alterar sua denominação por conflito com Indústrias Reunidas Vidrobrás Ltda.
A tendência mais recente tem modificado essa perspectiva: tendo em vista a regra da especialidade das marcas, na colisão entre estas e nomes de empresa, haverá uma tendência a transferir a regra para o objeto da empresa pertinente, e reconhecer a existência de uma lesão à propriedade no contexto da concorrência pertinente - o que é, em princípio, de bom direito.
Portanto, a guinada doutrinária e jurisprudencial referida por Denis Borges Barbosa, ocorrida de 2002 até hoje, é reflexo das adaptações que os julgadores e estudiosos do Direito têm realizado para suprir as lacunas deixadas pelos legisladores.
Há, e sempre haverá atrasos legislativos, cabendo ao operador do Direito inovar, objetivando sempre aquilo que é de bom direito.
5.3 Os leading cases na leitura jurisprudencial
Neste subtítulo serão abordados os principais casos da jurisprudência referente à colidência entre os nomes empresariais e as marcas, onde foram firmados alguns posicionamentos pelo Superior Tribunal de Justiça.
No REsp 653.609, já exposto anteriormente, se tratava do famoso caso Odebrecht:
[...] 4. A proteção legal da denominação de sociedades empresárias, consistente na proibição de registro de nomes iguais ou análogos a outros anteriormente inscritos, restringe-se ao território do Estado em que localizada a Junta Comercial encarregada do arquivamento dos atos constitutivos da pessoa jurídica. 5. Não se há falar em extensão da proteção legal conferida às denominações de sociedades empresárias nacionais a todo o território pátrio, com fulcro na Convenção da União de Paris, porquanto, conforme interpretação sistemática, nos moldes da lei nacional, mesmo a tutela do nome comercial estrangeiro somente ocorre em âmbito nacional mediante registro complementar nas Juntas Comerciais de todos os Estados-membros. 6. A análise da identidade ou semelhança entre duas ou mais denominações integradas por nomes civis (patronímicos) e expressões de fantasia comuns deve considerar a composição total do nome, a fim de averiguar a presença de elementos diferenciais suficientes a torná-lo inconfundível. 7. A proteção de denominação social e nome civil em face do registro posterior de marca idêntica ou semelhante encontra previsão dentre as vedações legais previstas ao registro marcário (art. 65, V e XII, da Lei nº 5.772/71, aplicável, in casu). 8. Conquanto objetivando tais proibições a proteção de nomes comerciais ou civis, mencionada tutela encontra-se prevista como tópico da legislação marcária, pelo que o exame de eventual colidência não pode ser dirimido exclusivamente com base no critério da anterioridade, subordinando-se, em atenção à interpretação sistemática, aos preceitos legais condizentes à reprodução ou imitação de marcas, é dizer, aos arts. 59 e 65, XVII, da Lei nº 5.772/71, consagradores do princípio da especificidade. Precedentes. 9. Especificamente no que tange à utilização de nome civil (patronímico) como marca, verifica-se a absoluta desnecessidade de autorização recíproca entre homônimos, além da inviabilidade de exigência, ante a ausência de previsão legal, de sinais distintivos à marca do homônimo que proceder posteriormente ao registro, também submetendo-se eventual conflito ao princípio da especificidade. 10. Consoante o princípio da especificidade, o INPI agrupa os produtos ou serviços em classes e itens, segundo o critério da afinidade, de modo que a tutela da marca registrada é limitada aos produtos e serviços da mesma classe e do mesmo item. Outrossim, sendo tal princípio corolário da necessidade de se evitar erro, dúvida ou confusão entre os usuários de determinados produtos ou serviços, admite-se a extensão da análise quanto à imitação ou à reprodução de marca alheia ao ramo de atividade desenvolvida pelos respectivos titulares. 11. À caracterização de "marca notória" (art. 67, caput, da Lei nº 5.772/71), a gozar de tutela especial impeditiva do registro de marcas idênticas ou semelhantes em todas as demais classes e itens, perfaz-se imprescindível a declaração de notoriedade pelo INPI, com a concessão do registro em aludida categoria especial. 12. Diversas as classes de registro e o âmbito das atividades desempenhadas pela embargante (comércio e beneficiamento de café, milho, arroz, cereais, frutas, verduras e legumes, e exportação de café) e pela embargada (arquitetura, engenharia, geofísica, química, petroquímica, prospecção e perfuração de petróleo), e não se cogitando da configuração de marca notória, não se vislumbra impedimento ao uso, pela embargante, da marca Odebrecht como designativa de seus serviços, afastando-se qualquer afronta, seja à denominação social, seja às marcas da embargada. Precedentes. 13. Possibilidade de confusão ao público consumidor dos produtos e serviços das litigantes expressamente afastada pelas instâncias ordinárias, com base no exame do contexto fático-probatório, do qual são absolutamente soberanas. Inviabilidade de revisão de mencionado entendimento nesta seara especial, nos termos da Súmula 07/STJ. Precedentes.
No caso, o Superior Tribunal de Justiça atentou para a exata distinção entre nome empresarial e marca, como também para o fato de que a proteção legal da denominação de sociedades empresariais se circunscreve à unidade federativa de jurisdição da Junta Comercial em que o registro está arquivado (no caso da Odebrecht S/A, o estado da Bahia e, no caso da Odebrecht Ltda., produtora de café, o estado do Paraná), ressaltando que a extensão para todo o país pode ser feita por registro complementar nas juntas comerciais de todos os estados-membros, o que não teria ocorrido.
O relator também ponderou que "Odebrecht" é sobrenome dos fundadores de ambas as sociedades empresárias e, por isso, patrimônio delas. Além disso verificou-se que, em cada um dos registros, o termo "Odebrecht" vem acompanhado de palavras que individualizam as denominações sociais e os ramos em que as respectivas sociedades atuam, o que afastaria a possibilidade de confusão[60].
Já no REsp 262.643, onde foi convocado para relatoria e voto o Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vasco Della Giustina, discutia-se o reconhecimento do uso exclusivo do nome comercial e da marca formada pelo vocábulo Fiorella. Alegava-se no caso, que o termo foi devidamente registrado, em momento anterior, como marca e parte do nome empresarial da recorrente, circunstância suficiente para elidir seu uso pela recorrida, tendo em vista o caráter absoluto da proteção conferida pelo registro. Transcreve-se a íntegra da ementa:
DIREITO EMPRESARIAL. PROTEÇÃO AO NOME COMERCIAL. CONFLITO. NOME COMERCIAL E MARCA. MATÉRIA SUSCITADA NOS EMBARGOS INFRINGENTES. COLIDÊNCIA ENTRE NOMES EMPRESARIAIS. REGISTRO ANTERIOR. USO EXCLUSIVO DO NOME. ÁREAS DE ATIVIDADES DISTINTAS. AUSÊNCIA DE CONFUSÃO, PREJUÍZO OU VANTAGEM INDEVIDA NO SEU EMPREGO. PROTEÇÃO RESTRITA AO ÂMBITO DE ATIVIDA DA EMPRESA RECURSO IMPROVIDO. 1. Conflito entre nome comercial e marca, a teor do art. 59 da Lei n. 5.772/71. Interpretação. 2. Colidência entre nomes empresariais. Proteção ao nome comercial. Finalidade: identificar o empresário individual ou a sociedade empresária, tutelar a clientela, o crédito empresarial e, ainda os consumidores contra indesejáveis equívocos. 3. Utilização de um vocábulo idêntico - FIORELLA - na formação dos dois nomes empresariais - FIORELLA PRODUTOS TÊXTEIS LTDA e PRODUTOS FIORELLA LTDA. Ausência de emprego indevido, tendo em vista as premissas estabelecidas pela Corte de origem ao analisar colidência: a) ausência de possibilidade de confusão entre os consumidores; b) atuação empresarial em atividades diversas e inconfundíveis. 4. Tutela do nome comercial entendida de modo relativo. O registro mais antigo gera a proteção no ramo de atuação da empresa que o detém, mas não impede a utilização de nome em segmento diverso, sobretudo quando não se verifica qualquer confusão, prejuízo ou vantagem indevida no seu emprego. 5. Recurso a que se nega provimento.
Nesse caso, a Turma entendeu que, apesar de haver um vocábulo idêntico na formação dos dois nomes empresariais, não se verifica seu emprego indevido, tendo em vista as premissas estabelecidas pelo tribunal de origem ao analisar colidências, tais como, ausência de possibilidade de confusão entre consumidores e atuação empresarial em atividades diversas e inconfundíveis.
Desse modo, não obstante a existência de registro anterior da recorrente, esse não tem a capacidade de elidir, de forma absoluta, o uso do referido vocábulo pela recorrida, visto que, na hipótese, não se vislumbra infringência às finalidades ensejadoras da proteção ao nome empresarial, porquanto as atividades econômicas das empresas dão-se em campos distintos.
Some-se a isso a utilização da palavra “Têxteis” no nome da recorrente, circunstância que manifesta distinção entre as espécies e obsta eventual confusão. Destarte, a tutela do nome comercial deve ser entendida de modo relativo, pois o registro mais antigo gera a proteção no ramo de atuação da empresa que o detém, mas não impede a utilização do nome em segmento diverso, sobretudo quando não se verifica qualquer confusão, prejuízo ou vantagem indevida em seu emprego.
Por fim, no julgamento do REsp 1.204.488, ocorrido em 22 de fevereiro de 2011, consolidou-se o entendimento de que, para a aferição de eventual colidência entre denominação e marca, não se deve ater apenas à análise do critério da anterioridade, mas também levar em consideração outros dois princípios básicos do direito pátrio das marcas: o princípio da territorialidade, correspondente ao âmbito geográfico da proteção, e o princípio da especificidade, segundo o qual a proteção da marca, salvo quando declarado pelo INPI de alto renome ou notória, está diretamente vinculada ao tipo de produto ou serviço, como pressuposto de necessidade de evitar erro, dúvida ou confusão entre os usuários.
A seguir, cita-se parte da ementa:
1. Apesar de as formas de proteção ao uso das marcas e do nome de empresa serem diversas, a dupla finalidade que está por trás dessa tutela é a mesma: proteger a marca ou o nome da empresa contra usurpação e evitar que o consumidor seja confundido quanto à procedência do produto. 2. A nova Lei de Propriedade Industrial, ao deixar de lado a linguagem parcimoniosa do art. 65, V, da Lei 5.772/71 – corresponde na lei anterior ao inciso V, do art. 124 da LPI –, marca acentuado avanço, concedendo à colisão entre nome comercial e marca o mesmo tratamento conferido à verificação de colidência entre marcas, em atenção ao princípio constitucional da liberdade concorrencial, que impõe a lealdade nas relações de concorrência. 3. A proteção de denominações ou de nomes civis encontra-se prevista como tópico da legislação marcária (art. 65, V e XII, da Lei nº 5.772/71), pelo que o exame de eventual colidência não pode ser dirimido exclusivamente com base no critério da anterioridade, subordinando-se, ao revés, em atenção à interpretação sistemática, aos preceitos legais condizentes à reprodução ou imitação de marcas, é dizer, aos arts. 59 e 65, XVII, da Lei nº 5.772/71, consagradores do princípio da especificidade. Precedentes. 4. Disso decorre que, para a aferição de eventual colidência entre denominação e marca, não se pode restringir-se à análise do critério da anterioridade, mas deve também se levar em consideração os dois princípios básicos do direito marcário nacional: (i) o princípio da territorialidade, ligado ao âmbito geográfico de proteção; e (ii) o princípio da especificidade, segundo o qual a proteção da marca, salvo quando declarada pelo INPI de “alto renome” (ou “notória”, segundo o art. 67 da Lei 5.772/71), está diretamente vinculada ao tipo de produto ou serviço, como corolário da necessidade de se evitar erro, dúvida ou confusão entre os usuários. 5. Atualmente a proteção ao nome comercial se circunscreve à unidade federativa de jurisdição da Junta Comercial em que registrados os atos constitutivos da empresa, podendo ser estendida a todo território nacional se for feito pedido complementar de arquivamento nas demais Juntas Comerciais. Precedentes. 6. A interpretação do art. 124, V, da LPI que melhor compatibiliza os institutos da marca e do nome comercial é no sentido de que, para que a reprodução ou imitação de elemento característico ou diferenciado de nome empresarial de terceiros constitua óbice ao registro de marca – que possui proteção nacional –, necessário, nessa ordem: (i) que a proteção ao nome empresarial não goze somente de tutela restrita a alguns Estados, mas detenha a exclusividade sobre o uso do nome em todo o território nacional e (ii) que a reprodução ou imitação seja “suscetível de causar confusão ou associação com estes sinais distintivos”. Não sendo essa, incontestavelmente, a hipótese dos autos, possível a convivência entre o nome empresarial e a marca, cuja colidência foi suscitada.
Hodiernamente a proteção ao nome comercial se circunscreve à unidade federativa de jurisdição da junta comercial em que registrados os atos constitutivos da empresa, podendo ser estendida a todo o território nacional se for feito pedido complementar de arquivamento nas demais juntas comerciais.
Entendeu, ainda, que a melhor exegese do art. 124, V, da LPI (Lei n. 9.276/1996) para compatibilização com os institutos da marca e do nome comercial é que, para que a reprodução ou imitação de elemento característico ou diferenciado de nome empresarial de terceiros constitua óbice ao registro da marca, que possui proteção nacional, é necessário nesta ordem: que a proteção ou nome empresarial não goze de tutela restrita a alguns estados, mas detenha a exclusividade sobre o uso do nome em todo território nacional e que a reprodução ou imitação sejam suscetíveis de causar confusão ou associação com esses sinais distintivos.
5.4 Da Convenção da União de Paris de 1883 à atualidade da propriedade industrial no cenário jurídico brasileiro
Nas palavras de Mark Blaxill[61]:
[...] Também obtivemos nossos MBAs de grandes instituições de ensino (Harvard e MIT) e depois fomos trabalhar em uma das maiores empresas de consultoria estratégica do mundo, o The Boston Consulting Group (BCG). Ao cabo de mais de quatro décadas de trabalho de serviços profissionais, havíamos atendido dezenas de clientes em todo o mundo, em numerosos setores, e a cada estágio da cadeia de valor. Como estrategistas, cabia a nós ajudar nossos clientes a encontrarem vantagem – uma “vantagem competitiva sustentável”, no jargão dos consultores. Junto com muitos outros colegas, trabalhamos e conseguimos conquistar valor para nossos clientes. Nós os ajudamos a operar com eficiência, reduzir custos, ampliar sua fatia de mercado e, em muitos casos, eles também aumentaram seus lucros e o valor se suas ações. Contudo, apesar de todos os nossos melhores esforços e de muito trabalho, nós raramente (se é que alguma vez) conseguimos mostrar-lhes como obter verdadeira vantagem sustentável. Sabíamos que não estávamos sozinhos. Na verdade, parece-nos que a grande maioria das iniciativas empresariais destinadas a aumentar a competitividade, na verdade, é projetada para implementar “as melhores práticas”. Em outras palavras, conservar a posição que a empresa alcançou. A maior parte de seu trabalho segue a regra “table stakes” do pôquer – pela qual só se pode apostar a quantia que se tem na mesa à sua frente – ou seja, limita-se a arriscar o mínimo para entrar em um mercado competitivo global. Ninguém implementa essas melhores práticas para ganhar vantagem – tão somente para sobreviver.
Na página subsequente, ao citar outro autor, Kevin Rivette, aduz que “a propriedade intelectual é uma fonte-chave... de vantagem competitiva”, concluindo:
A chave para a vantagem competitiva é ter a posse das distintas partes de nossa empresa que criam valor. Para verdadeiramente ter a posse de um diferencial, só há um caminho, que passa pela propriedade intelectual. Ao cavarmos mais fundo, descobrimos que a propriedade intelectual desempenha papel principal tanto na criação quanto na partilha de valor. Com a propriedade intelectual correta, as empresas podem impor preços premium, aumentar sua participação no mercado, manter os custos baixos e até mesmo gerar renda indireta. Sem ela seus produtos (ou serviços) carecem de diferenciação e só podem concorrer no preço.
Num cenário atual e nacional, a Petrobras é considerada a detentora da marca brasileira mais conhecida no cenário internacional (quase quinze milhões de reais em 2010). Isso se deve a um esforço de muitos anos, de valorização dos seus produtos, de investimentos não só em tecnologia, mas em geral, para o desenvolvimento do país. Assim, reproduz-se parte de reportagem feita pela revista Istoé Dinheiro, de 13 de maio de 2011[62]:
Em abril de 2010, uma gigantesca mancha de óleo espalhou-se pelo Golfo do México, comprometendo a reputação da maioria das empresas de petróleo. O acidente em um poço em águas profundas da British Petroleum (BP) obrigou a companhia britânica a gastar mais de US$ 40 bilhões em indenizações, multas e nos esforços para tapar o vazamento, que levou poluição e destruição à costa da Louisiana e do Alabama e Texas, nos Estados Unidos. Os danos, contudo, não foram só ambientais.
A imagem da BP saiu, literalmente, manchada do episódio, que respingou também em muitos concorrentes. Por esse motivo, chega a ser surpreendente que o valor da marca Petrobras tenha crescido 39% nesse período e chegado a US$ 13,4 bilhões (R$ 23,6 bilhões). Esse desempenho fez com que a petrolífera brasileira fosse, pela segunda vez consecutiva, a marca mais valiosa do Brasil e a 61ª do mundo – à frente, inclusive, da BP, que viu sua grife recuar 27% –, de acordo com a pesquisa As Marcas Mais Valiosas do Brasil em 2011, realizada em parceria pela DINHEIRO e pela BrandAnalytics/Millward Brown.
A matéria mostra como um acidente ambiental pode conceber a prevalência de uma marca em detrimento de outra. Um simples deslize, que causou um desastre natural de grandes proporções, pode fazer com que uma empresa perca bilhões de dólares, enquanto que outra lucre, por méritos próprios, é verdade, mas muito em decorrência da desvalorização da concorrente.
As outras marcas que lideram o ranking, segundo as empresas de consultoria, são a do banco Itaú, segunda colocada, com quase dez milhões de reais, e a do banco Bradesco, terceira, valendo quase nove milhões de reais.