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Subsídio: entre o mito e a realidade

04/10/2012 às 16:03
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A coexistência das verbas remuneratórias com as verbas indenizatórias tem sido alvo de um tipo dissimulado de tabu, como se os magistrados e os membros do Ministério Público não merecessem uma remuneração diferenciada em função das altas responsabilidades e cobranças que assumem.

A doutrina sedimentada no âmbito do Direito Administrativo orienta: “Subsídio é a denominação atribuída à forma remuneratória de certos cargos, por força da qual a retribuição que lhes concerne se efetua por meio dos pagamentos mensais de parcelas únicas, ou seja, indivisas e insuscetíveis de aditamentos ou acréscimos de qualquer espécie” (CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO. Celso Antônio Bandeira de Mello – 28ª edição – São Paulo: Malheiros Editores, 2011. p. 272). Conforme se pode observar em outras obras, a exemplo do livro DIREITO ADMINISTRATIVO (São Paulo: Saraiva, 2010), de autoria de Diógenes Gasparini, o tema é praticamente isento de divergências.

Ao contrário do que alardeiam alguns incautos, seja qual for a motivação dos mesmos, o regime do subsídio jamais pretendeu extinguir as verbas de caráter indenizatório, como diárias, auxílio-funeral, ajuda de custo (em caso de mudança), etc.

O festejado administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello é quem adverte que “... na vedação estabelecida só não se incluem as verbas indenizatórias, qual, por exemplo, o pagamento de ‘ajudas de custo’ para acobertar despesas de mudança de servidor designado para servir em local fora da sede” (obra citada, p. 272).

O atual regime de subsídio foi instituído pela Emenda Constitucional nº 19 de 1998, que deu a seguinte redação ao § 4º do art. 39 da Constituição Federal de 1988, in verbis:

“O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI”.

Alguns juristas altamente qualificados chamam as verbas indenizatórias de “penduricalhos” e outras denominações que não cabem neste escrito. Tais celebridades do mundo jurídico fazem apologia do subsídio como se o mesmo fosse a verdadeira redenção do ocupante de cargo público com status de agente político.

Interessante notar que com o advento da Emenda Constitucional nº 47/2005 o § 11 do art. 37 da Constituição Federal passou a ter nova redação, in verbis:

“§ 11. Não serão computadas, para efeito dos limites remuneratórios de que trata o inciso XI do caput deste artigo, as parcelas de caráter indenizatório previstas em lei”.

A melhor doutrina do Direito Administrativo repudia a idolatria do subsídio. Senão vejamos, ipsis verbis:

“Não se presta serviço à Administração Público sem uma retribuição pecuniária, pois haveria enriquecimento sem causa (art. 884 do CC), proibido pelo ordenamento jurídico (art. 884 do CC) e pela moral. A regra, portanto, é a retribuição pelo trabalho prestado à Administração Pública, conforme indicam alguns incisos (IV, VI e VII) do art. 7º da Constituição Federal aplicáveis ao servidores públicos em geral, por força do disposto no §3º do art. 39, também da Lei Maior” (DIREITO ADMINISTRATIVO. Diogenes Gasparini. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 241).

Primeiramente, vejamos o que diz o caput do art. 884 do Código Civil, in verbis:

“Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários”.

Aqui não se pode prescindir dos comentários dos eminentes civilistas Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, verbo ad verbum:

“Quando da vigência do CC/1916, a vedação ao enriquecimento sem causa fazia parte da principiologia do direito brasileiro; não havia norma explícita a essa respeito em nosso ordenamento. O atual CC transformou o princípio em regra positivada” (CÓDIGO CIVIL COMENTADO. 8ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 775).

Vem à baila o percuciente escólio da festejada professora Maria Helena Diniz, ipsis verbis et litteris:

“Princípio, fundado na equidade, pelo qual ninguém pode enriquecer à custa de outra pessoa, sem causa que o justifique. Assim, todo aquele que receber o que lhe não era devido terá o dever de restituir o auferido, feita a atualização dos valores monetários, conforme os índices oficiais, para se obter o reequilíbrio patrimonial” (CÓDIGO CIVIL ANOTADO. 12ª edição. São Paulo: Saraiva. 2006. p. 687).

Quando um Magistrado ou membro do Ministério Público é designado (normalmente por portaria) para ir substituir um colega em férias ou de licença médica, sem prejuízo de suas atribuições normais (o que quer dizer que terá obrigatoriamente que continuar exercendo sua titularidade e ainda fazer o trabalho que era feito pelo colega substituído), faz jus a uma retribuição pecuniária, pois tal mister não está abrangido pelo subsídio, visto que tal verba remuneratória alcança apenas as funções normais do agente político, jamais o trabalho extraordinário.

E se o Magistrado ou membro do Ministério Público for designado para atuar em substituição a um colega de outra cidade (comarca), terá que assumir o prejuízo do deslocamento, estadia, alimentação etc.? Claro que não. Daí porque existem as diárias.

O chamado Estatuto dos Servidores Públicos da União, positivado na Lei nº 8.112/1990 (dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais) é muito didático e até autoexplicativo.

Vale a pena ler o que o diploma legal citado fala sobre as denominadas “diárias”, a seguir:

Art. 58. O servidor que, a serviço, afastar-se da sede em caráter eventual ou transitório para outro ponto do território nacional ou para o exterior, fará jus a passagens e diárias destinadas a indenizar as parcelas de despesas extraordinária com pousada, alimentação e locomoção urbana, conforme dispuser em regulamento.

A explicação para a instituição das diárias é simples: o servidor público ou agente político não pode ser penalizado por ter sido designado para exercer sua função em outro lugar.

O professor Emerson Garcia esclarece que “as diárias consistem em vantagem de natureza eminentemente indenizatória, destinando-se ao ressarcimento das despesas realizadas pelo membro do Ministério Público com o seu temporário deslocamento, da sede de suas atividades regulares, a serviço da Instituição. Estão previstas no art. 50, IV, da Lei nº 8.625/1993” (MINISTÉRIO PÚBLICO – Organização, Atribuições e Regime Jurídico. Emerson Garcia. 3ª edição. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p. 560). No mesmo sentido, convida-se à leitura da obra COMENTÁRIOS À LEI ORGÂNICA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, de Pedro Roberto DEcomain, 2ª edição, Belo Horizonte: Fórum, 2011 (página 676).

A Lei Complementar nº 75/1993 oferece um referencial de valor acerca das diárias, in verbis:

“Art. 227. Os membros do Ministério Público da União farão jus, ainda, às seguintes vantagens:

[...]

II - diárias, por serviço eventual fora da sede, de valor mínimo equivalente a um trinta avos dos vencimentos para atender às despesas de locomoção, alimentação e pousada”.

Muito parecida com as diárias é a verba indenizatória chamada de “indenização de transporte”, também prevista na Lei nº 8.112/1990, in verbis:

“Art. 60. Conceder-se-á indenização de transporte ao servidor que realizar despesas com a utilização de meio próprio de locomoção para a execução de serviços externos, por força das atribuições próprias do cargo, conforme se dispuser em regulamento”.

Apesar do instituto do subsídio, ainda continuam existindo as seguintes verbas, todas previstas no art. 7º da Carta Magna: a gratificação natalina (“VIII - décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria”), o adicional de férias (“XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal”), e outra mais.

Voltando à questão da substituição do agente político ou servidor público de férias ou licença médica pelo colega, convém aduzir que seria enriquecimento sem causa do Estado (Administração) o trabalho extra gratuito.

Sabiamente, o legislador previu na Lei nº 8.112/1990 o seguinte:

“Art. 73. O serviço extraordinário será remunerado com acréscimo de 50% (cinqüenta por cento) em relação à hora normal de trabalho”.

Poder-se-ia contestar o que foi dito até aqui com a alegação de que Magistrados e membros do Ministério Público são agentes políticos, e como tais, deveriam submeter-se a toda sorte de deveres e obrigações sem qualquer retribuição. Nada mais absurdo. Até os agentes políticos por excelência, ou seja, os mandatários eleitos pelo voto popular, recebem verbas indenizatórias para transporte, moradia, etc.

Inacreditavelmente, embora não haja qualquer fundamento jurídico para tanto, há quem diga ainda hoje que o Magistrado e o membro do Ministério Público não teriam nem direito às verbas dos servidores públicos nem às verbas dos mandatários eleitos (políticos de carreira). Enfim, há pessoas que insinuam uma situação na qual tanto a Magistratura quanto o Ministério Público ficariam relegados ao limbo, ou seja, literalmente no esquecimento, sem qualquer proteção jurídica para exercer as diversas atribuições extras que lhe são conferidas durante sua vida funcional.

Pretender que o Magistrado ou o membro do Ministério Público desempenhe funções além de sua atribuição normal de forma gratuita é verdadeira interpretação do Direito pelo avesso, uma completa e total subversão dos princípios e normas jurídicas. No mínimo, mereceria a pecha de “retrocesso” tal entendimento de que as atividades extraordinárias da Magistratura e do Parquet deveriam ficar sem contraprestação do Estado (Administração).

Ao contrário do que anunciam os arautos da depreciação do trabalho Judicante e de Fiscal da Lei, o próprio Conselho Nacional de Justiça e ainda o Conselho Nacional do Ministério Público já se manifestaram sobre o tema, em clara e visível defesa da coexistência do subsídio com as verbas indenizatórias.

O Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução nº 14/2006, que é transcrita parcialmente abaixo:

“Art. 4º Ficam excluídas da incidência do teto remuneratório constitucional as seguintes verbas:

I - de caráter indenizatório, previstas em lei:

a) ajuda de custo para mudança e transporte;

b) auxílio-alimentação;

c) auxílio-moradia;

d) diárias;

e) auxílio-funeral;

f) auxílio-reclusão;

g) auxílio-transporte;

h) indenização de férias não gozadas;

i) indenização de transporte;

j) licença-prêmio convertida em pecúnia;

k) outras parcelas indenizatórias previstas em lei e, para os magistrados, as previstas na Lei Orgânica da Magistratura Nacional de que trata o arrt. 93 da Constituição Federal.

II - de caráter permanente:

a) remuneração ou provento de magistrado decorrente do exercício do magistério, nos termos do art. 95, parágrafo único, inciso I, da Constituição Federal.

b) benefícios percebidos de planos de previdência instituídos por entidades fechadas, ainda que extintas.

III - de caráter eventual ou temporário:

a) auxílio pré-escolar;

b) benefícios de plano de assistência médico-social;

c) devolução de valores tributários elou contribuições previdenciárias indevidarnente recolhidos;

d) gratificação do magistrado pelo exercício da função eleitoral, prevista nos art. l0e 2O da Lei no 8.350, de 28 de dezembro de 1991, na redação dada pela Lei no 11.143, de 26 de julho de 2005;

e) gratificação de magistério por hora-aula proferida no âmbito do Poder Público;

f) bolsa de estudo que tenha caráter remuneratório.

IV – abono de permanência em serviço, no mesmo valor da contribuição previdenciária, conforme previsto no art. 40, § 19, da Constituição Federal, incluído pela Emenda Constitucional nº 41, de 31 de dezembro de 2003.

Parágrafo único. É vedada, no cotejo com o teto remuneratório, a exclusão de verbas que não estejam arroladas nos incisos e alíneas deste artigo”.

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O Conselho Nacional do Ministério Público também editou norma específica sobre a questão remuneratória, ou seja, a Resolução nº 09/2006, in verbis:

“Art. 4º Estão compreendidas no subsídio de que trata o artigo anterior e são por esse extintas todas as parcelas do regime remuneratório anterior, exceto as decorrentes de:

I – diferença de entrância ou substituição ou exercício cumulativo de atribuições;

II – gratificação pelo exercício da função de Procurador-Geral, Vice-Procurador-Geral ou equivalente e Corregedor-Geral, quando não houver a fixação de subsídio próprio para as referidas funções;

III – gratificação pelo exercício de função de direção, chefia ou assessoramento nos gabinetes do Procurador-Geral, Vice Procurador-Geral ou equivalente, Corregedor-Geral ou em outros órgãos do respectivo Ministério Público, do Conselho Nacional do Ministério Público e do Conselho Nacional de Justiça, na forma prevista no inciso V do art. 37 da Constituição Federal;

IV – exercício em local de difícil provimento;

V – incorporação de vantagens pessoais decorrentes de exercício de função de direção, chefia ou assessoramento e da aplicação do parágrafo único do art. 232 da Lei Complementar 75 de 1993, ou equivalente nos Estados, aos que preencheram os seus requisitos até a publicação da Emenda Constitucional nº 20, em 16 de dezembro de 1998;

VI – direção de escola do Ministério Público.

VII -gratificação pelo exercício de função em conselhos ou em órgãos colegiados externos cuja participação do membro do Ministério Público decorra de lei;

Parágrafo único. A soma das verbas previstas neste artigo com o subsídio mensal não poderá exceder o teto remuneratório constitucional”.

Ainda na mesma Resolução nº 09/2006 do CNMP, consta o que se segue:

“Art. 6º Estão sujeitas ao teto constitucional todas as parcelas remuneratórias, inclusive as vantagens pessoais, exceto as seguintes verbas:

I – de caráter indenizatório:

a) ajuda de custo para mudança e transporte;

b) auxílio-alimentação;

c) auxílio-moradia;

d) diárias;

e) auxílio-funeral;

f) indenização de férias não gozadas;

g) indenização de transporte;

h) licença-prêmio convertida em pecúnia;

i) outras parcelas indenizatórias previstas em lei.

II – de caráter permanente:

a)benefícios percebidos de planos de previdência instituídos por entidades fechadas, ainda que extintas;

b) benefícios percebidos do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS em decorrência de recolhimento de contribuição previdenciária oriunda de rendimentos de atividade exclusivamente privada.

III – de caráter eventual ou temporário:

a) auxílio pré-escolar;

b) benefícios de plano de assistência médico-social;

c) bolsa de estudo que tenha caráter remuneratório.

d) devolução de valores tributários e/ou contribuições previdenciárias indevidamente recolhidas.

Parágrafo único. É vedada, no cotejo com o teto remuneratório, a exclusão de parcelas que não estejam arroladas nos incisos e alíneas deste artigo”.

Verdade seja dita, a dicotomia consistente na coexistência das verbas remuneratórias com as verbas indenizatórias tem sido alvo de um tipo dissimulado de tabu, como se os Magistrados e os membros do Ministério Público não merecessem uma remuneração diferenciada em função das altas responsabilidades e cobranças que recaem sobre os mesmos.

Seria uma grave omissão encerrar o presente trabalho sem mencionar as peculiaridades das profissões de Julgador (Magistrado) e de acusador e fiscal da lei (membro do Ministério Público).

A Constituição Federal de 1988 determina expressamente:

“Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas.

§ 1º A fixação dos padrões de vencimento e dos demais componentes do sistema remuneratório observará:

I - a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos componentes de cada carreira;

II - os requisitos para a investidura;

III - as peculiaridades dos cargos”.

A grande maioria da população ignora que passam pelas mãos de Magistrados e membros do Ministério Público os destinos de muitas vidas humanas, não apenas no âmbito criminal, mas também nas áreas comercial, cível, de família e sucessões, etc.

A natureza da Magistratura é de guardiã da Constituição Federal de 1988. O Ministério Público defende a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis[1].

O grau de responsabilidade de tais carreiras jurídicas é intuitivo, pois pode-se perceber o rigor da fiscalização sobre tais profissionais pela realização de correições tanto pelos Tribunais e Procuradorias-Gerais quanto pelo CNJ e pelo CNMP.

 A complexidade de tais cargos é tamanha que muitos concursos públicos para provimentos de vagas não conseguem preencher os cargos vagos, pois embora exista muita procura por tais profissões, o grau de dificuldade dos concursos públicos respectivos é de tal nível de complexidade que raramente preenchem-se todas as vagas.

No caso dos requisitos para investidura, exige-se no mínimo três anos de atividade jurídica, além da várias outras exigências.

Destacam-se entre as peculiaridades dos cargos em comento as seguintes vedações: Aos juízes é proibido: (1) exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério; (2) receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo; (3) dedicar-se à atividade político-partidária; (4) receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; (5) exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração. Que outro cargo, exceto o de Magistrado e o de membro do Ministério Público, sofre tantas proibições?

Atualmente os subsídios da Magistratura e do Ministério Público estão seriamente defasados por conta da corrosão dos mesmos pela inflação. Nos últimos 6 (seis) anos a perdas inflacionárias têm sido de grande monta, sem que tenha ocorrido qualquer reposição da inflação.

A grave situação atual foi prevista pelo insuperável Hugo Nigro Mazzilli, verbo ad verbum:

"Para reduzir os vencimentos ou subsídios de agentes ou servidores públicos, o governante não precisa diminuí-los nominalmente: basta que fique breve espaço de tempo sem conceder-lhes a atualização monetária...

[...]

É indigno da jurisprudência de nosso País o raciocínio de que este tamponamento remuneratório não viola a garantia constitucional da irredutibilidade de vencimentos ou subsídios. De nada vale a garantia da irredutibilidade de vencimentos ou subsídios sem sua real correspondência com a efetiva desvalorização da moeda. Na verdade, em país como o nosso, em que não raro a inflação, dezenas de anos a fio, vem corroendo sistematicamente o poder aquisitivo da moeda, ter vencimentos ou subsídios nominalmente irredutíveis é o mesmo que consagrar a tese de que o governante pode, mais que reduzir, até mesmo aniquilar a remuneração de seus servidores, submetendo toda uma categoria funcional, às vezes, até mesmo agentes políticos que, em tese, teriam o dever de controlar a máquina estatal e os governantes....

[...]

Aqui reside uma das deformações mais graves de todo o sistema. Apesar de todas as garantias de iniciativa de lei, independência e autonomia, conferidas ao Judiciário e ao Ministério Público, o Poder Executivo simplesmente tem podido subjugar essas instituições, quer não lhes concedendo suplementações ou atualizações orçamentárias, quer lhes negando a necessária reposição remuneratória decorrente da desvalorização da moeda, quer jogando com parcela da imprensa e do congresso nacional para desqualificar a remuneração dos magistrados perante a opinião pública..." (REGIME JURÍDICO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. 6ª edição. São Paulo : Saraiva, 2007. págs. 268-269).

Evitando alongar-se na abordagem de tema tão relevante para o Estado Democrático de Direito no nosso Brasil, convém lembrar que o cerne do raciocínio explicado pelo mestre Hugo Nigro Mazzilli não é novo além dos umbrais da Ciência do Direito. Basta citar como exemplo a lição abaixo transcrita, ipsis litteris:

“Os animais, que têm instinto mas não o poder de pensar, também procuram dominar uns aos outros fisicamente. O homem com o seu senso superior de intuição e a sua mais poderosa arma, o pensamento, não devora os seus semelhantes fisicamente. Sente mais prazer em devorá-los financeiramente” (NAPOLEON HILL – “A LEI DO TRIUNFO”, 28ª edição. Editora José Olympio, 2006, pág. 81).

A inspiração para criação da remuneração por subsídios foi idealista e até mesmo utópica, senão vejamos, verbo ad verbum:

“Com o intuito de tornar mais visível de controlável a remuneração de certos cargos, impedindo que fosse constituída por distintas parcelas que se agregassem de maneira a elevar-lhes o montante, a Constituição criou uma modalidade retributiva denominada subsídio” (CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO. Celso Antônio Bandeira de Mello, 28ª edição, São Paulo: Malheiros Editores, 2011.  p. 272)..

Na vida real, a prática tem sido muito diferente da abstração da norma legal. Servidores que participam de conselhos de estatais recebem JETONS[2] e ainda existem vários integrantes do Executivo quem possuem Cartões Crédito Corporativos (da Presidência da República), sendo que frequentemente verificam-se casos de acumulação de JETON com cartão de crédito corporativo. Os valores referentes aos JETONS, bem como os saques em dinheiro através dos cartões de crédito corporativos não são computados para fins de observância do teto constitucional, de modo que os beneficiários de tais meios acabam recebem muito mais do que o subsídio de um ministro do Supremo Tribunal Federal.

E o que fazer diante das incontornáveis dificuldades encontradas no caminho da Magistratura e do Ministério Público? Fica a exortação do filósofo Kant: “Aquele que anda de rastos como um verme nunca deverá queixar-se de que foi calcado aos pés” (no livro "A LUTA PELO DIREITO" de Rudolf Von Ihering). O renomado pensador prussiano Kant adverte: “Não deixeis impunemente calcar o vosso direito aos pés doutrem” (No prefácio do livro "A LUTA PELO DIREITO" de Rudolf Von Ihering).

A todos os Magistrados e membros do Ministério Público por esse imenso Brasil afora fica o registro atemporal proferido pela visionário e empreendedor cearense Edson Queiroz: “Se algum dia vocês forem surpreendidos pela injustiça ou pela ingratidão, não deixem de crer na vida, de engrandecê-la pela decência, de construí-la pelo trabalho”.

O argumento de que a remuneração da Magistratura e do Ministério Público deve ser compatível com as peculiares dificuldades encontradas no exercício de tais cargos, seria meramente retórico numa Democracia mais madura e sólida, como é o caso dos Estados Unidos da América, que mantém íntegra até hoje sua Constituição original com mais de duzentos anos, enquanto nós já passamos por várias Constituições, o que revela a instabilidade de nossa Democracia. Por isso, afigura-se interessante transcrever trecho insculpido na página da Embaixada Norte-Americana no Brasil na internet: “os juízes devem ter segurança no emprego, ou no mandato, garantida por lei, para que possam tomar decisões sem se preocuparem com pressões ou perseguições pelos que ocupam o poder. Uma sociedade civil reconhece a importância de juízes profissionais dando-lhes formação e remuneração adequadas”. Na sequência do texto, consta o motivo que justifica uma remuneração adequada para tais cargos: “Um Poder judiciário independente garante às pessoas que as decisões dos tribunais se basearão nas leis do país e na constituição, não na mudança de poder político nem nas pressões de uma maioria temporária. Dotado de independência, o sistema judiciário em uma democracia serve de salvaguarda aos direitos e liberdades pessoais”.[3]

À guisa de conclusão, pode-se afirmar que houve um óbvio exagero em relação às melhorias decorrentes da implantação do regime de subsídio, chegando-se até mesmo a ponto de pretender que o mesmo fosse a redenção do Judiciário e do Ministério Público, o que se revelou, ao longo do tempo, uma verdadeira ilusão, pois nenhuma função pública pode ser remunerada apenas mediante pagamento de uma verba única e exclusiva, desconhecendo a necessidade de pagamento das verbas indenizatórias. Enfim, toda atividade atribuída a um Magistrado ou membro do Ministério Público que não estiver originalmente prevista em sua titularidade, deverá ser devidamente indenizada, sob pena de enriquecimento sem causa do Estado (Administração).


Notas

[1] O jurista alemão Carl Schmitt pregava que o Executivo deveria ser o Guardião da Constituição, entrando assim em choque com a doutrina de Hans Kelsen, para quem o Judiciário era que deveria ser o guardião da Lei Maior. Num primeiro momento Carl Schmitt venceu, e sua teoria serviu de suporte para o Nazismo do III Reich na Segunda Guerra Mundial. Hoje, como sabemos agora, a teoria de Kelsen só veio a triunfar no pós-guerra, com o restabelecimento da democracia.

[2] Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/55493-jetons-pagos-por-estatais-chegam-a-r-12-mi-por-mes.shtml.

[3] Fonte:  http://www.embaixada-americana.org.br/democracia/judiciary.htm.

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Sobre o autor
Afonso Tavares Dantas Neto

Promotor de Justiça de Entrância Final em Juazeiro do Norte (CE), com atuação perante a Vara Única de Família e Sucessões. Especialista em Direito Público pela Faculdade Christus (Fortaleza, CE, 1999). Especialista em Direito Tributário pela UNIFOR (Fortaleza, CE, 2001).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DANTAS NETO, Afonso Tavares. Subsídio: entre o mito e a realidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3382, 4 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22751. Acesso em: 19 abr. 2024.

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