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O pluralismo jurídico e o direito de laje

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25/10/2012 às 13:21
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3. O PLURALISMO JURÍDICO E O DIREITO DE LAJE

A exata e única conceituação do que seja direito ainda está distante de ser formulada, diante das diversas correntes existentes, que apresentam para este, concepções bastante distintas.

Neste capítulo, procurar-se-á apresentar, em breves linhas, a concepção do direito adotada pela corrente denominada monismo jurídico. A seguir, enfatiza-se a crise enfrentada pelo paradigma então vigente e se passa a examinar a corrente a que se nomeia de pluralismo jurídico, para, ao final, relacioná-lo ao direito de laje.

3.1 DO MONISMO AO PLURALISMO JURÍDICO

3.1.1 O contexto do surgimento do monismo jurídico

A sociedade européia no fim do séc. XI, deixa, gradativamente, a sua estrutura feudal e agrária, em virtude do surgimento das cidades, do desenvolvimento do comércio e da indústria, e do incremento intelectual. O monismo jurídico é decorrência natural da queda do feudalismo, da criação dos Estados unitários, do florescimento do capitalismo e da ascensão da burguesia.

O período feudal era caracterizado por uma multiplicidade de centros internos de poder político, havendo, por conseguinte, uma diversidade de ordenamentos. Tratava-se de uma sociedade estamental, cujos limites de juridicidade e política eram definidos pela propriedade de terras (WOLKMER, 2001a, p. 25-37).

Nos dizeres de WOLKMER (2001a, p. 27), o sistema feudal compreendia “tanto uma descentralização administrativa, quanto uma fragmentação e pluralismo de centros de decisões”.

Tratava-se de sociedade tipicamente plural.

Os costumes, adaptáveis e fluidos por natureza, tiveram grande relevância no antigo direito europeu como um todo (sendo até hoje primordial na Inglaterra). Eram formados espontaneamente, podendo variar de local a local. Na baixa Idade Média, porém, os costumes passaram a sofrer uma série de intervenções.

Segundo narra CAENEGEM (2001, p. 50-65), no citado período, os costumes são reduzidos a termo, atividade a que se chamou de homologação[12] [13].

Percebe-se a evolução da sociedade e do direito europeu ao fim da Idade Média com a nítida tendência de busca do racionalismo – característica que irá marcar o próximo período histórico.

Segundo CAENEGEM (2001, p. 43):

No fim do século XI, a sociedade européia ocidental finalmente deixou para trás a estrutura feudal e agrária arcaica que caracterizara a alta Idade Média. [...] A economia agrícola fechada e essencialmente senhorial foi substituída por uma economia de mercado.

Não só mudanças estruturais na sociedade ocorreram. Também no âmbito da política e do direito elas podem ser verificadas.

Segundo narra FERRAZ JUNIOR (1994, p. 66-73) na era Moderna tem-se o início do pensamento sistemático racional. O jurista passa a, na busca da convivência pacífica entre os cidadãos, estabelecer leis com caráter formal e genérico.

A partir do Renascimento, ocorre um processo de dessacralização do direito, o qual passa a ser sistematizado pelo Estado. É o que leciona WOLKMER (2001a, p. 40):

na passagem da estrutura pluralista, policêntrica e complexa ‘dos senhorios de origem feudal’ para uma instância ‘territorial concentrada, unitária e exclusiva’, todo um processo de racionalização da gestão do poder, decorrente das ‘condições’ históricas materiais’ e da secularização utilitária que desloca o controle sócio-político da Igreja para autoridade laica soberana.

Assim, neste momento, se coloca o Direito como criação exclusiva do Estado. Visava-se, através da legalidade, proporcionar estabilidade e segurança jurídica, de modo a satisfazer aos anseios da nova sociedade que se formava.

A partir do século XIX, o Direito se torna escrito, sendo momento de surgimento das codificações. O Direito é considerado como “um conjunto de normas que valem por força de serem postas pela autoridade constituída e só por força de outra posição podem ser revogadas” (FERRAZ JUNIOR, 1994, p. 75).

Há, destarte, a consagração do pensamento de que somente o Direito Positivo é verdadeiramente Direito. Tal mudança de paradigma se dá objetivando atender às necessidades burguesas, que objetivava maior segurança jurídica, para fins de viabilizar a circulação de riquezas e a promoção da igualdade (naquela oportunidade meramente formal).

Nos dizeres de WOLKMER (2000a, p. 67):

A representação dogmática do positivismo jurídico que se manifesta através de um rigoroso formalismo normativista com pretensões de ‘ciência’ torna-se o autêntico produto de uma sociedade burguesa solidamente edificada no progresso industrial, técnico e científico. Esse formalismo legal esconde as origens sociais e econômicas da estrutura de poder, harmonizando as relações entre capital e trabalho, e eternizando através das regras de controle, a cultura liberal-individualista dominante.

Verifica-se a concepção do Direito como o conjunto de “regras dadas (pelo Estado, protetor e repressor)” (FERRAZ JUNIOR, 1994, p. 83) que acaba por promover o individualismo dominante.

Neste momento, tem-se a constituição de uma legalidade dogmática com rígidas pretensões de ciência e a concepção de que o Direito advém apenas do Estado.

3.1.2 Uma análise do monismo à luz da teoria Kelseniana

Tome-se como exemplo de representante da corrente do monismo jurídico, o austríaco Hans Kelsen, que procede à equiparação entre o direito e a norma, considerando apenas norma a estabelecida pelo Estado.

O positivismo kelseniano objetiva atribuir pureza à ciência do direito, afastando do âmbito deste qualquer valor ou comunicação com outras áreas científicas, como a sociologia, a psicologia etc.

Kelsen pretendia demonstrar que a ciência do Direito, para ser pura, deveria estar desvinculada de valores e de questões da seara política. Tanto que, a todo momento, sustenta que não se pode justificar o direito pela moral.

Kelsen (2009, p. 04) sustenta que o ato praticado pelo indivíduo somente passará a ser jurídico acaso haja uma norma que a ele empreste o sentido objetivo. Ou seja, é a norma posta pelo Estado que irá atribuir ao fato uma significação jurídica, posto que “a norma funciona como um esquema de interpretação”.

Para Kelsen (2009, p. 05),

O Direito [...] é uma ordem normativa da conduta humana, ou seja, um sistema de normas que regulam o comportamento humano. Com o termo “norma” se quer significar que algo deve ser ou acontecer, especialmente que um homem se deve conduzir de determinada maneira.

Destarte, o Direito é equiparado ao sistema de normas que regulam as condutas humanas, impondo-se aos indivíduos como devem se comportar.

Contribuição kelseniana de grande relevo é a idéia de ordenamento jurídico, como um conjunto hierarquizado de normas jurídicas estruturadas na forma de uma pirâmide abstrata, pontuada e dominada pela norma fundamental e pela Constituição do Estado, que subordinam as normas jurídicas hierarquicamente inferiores.

Ou seja, as normas que estão na base da pirâmide encontram seu fundamento de validade nas hierarquicamente superiores exaradas pelo Estado e estas, na denominada norma fundamental.

Frise-se que para os monistas, as normas jurídicas são apenas as exaradas pelo Estado, seja pelo legislativo (normas gerais), seja pelo judiciário (normas individuais).

CAIRO JUNIOR (2001, p. 13) enfatiza que

A escola do monismo jurídico reconhece a existência de normas paraestatais, todavia as mesmas só recebem o cunho de coercitibilidade com ratificação do Estado através de um ato formal – a lei – que o admite expressamente, ou seja, se não houver um pronunciamento favorável por parte do Estado, não haverá falar-se em norma jurídica.

Esta concepção tradicional do sistema jurídico desconsidera a diversidade histórica e social, podendo-se afirmar que se trata de uma visão extremamente limitada.

Daí o advento de sua crise.

3.1.3 A crise do monismo e a corrente do pluralismo jurídico

Como visto alhures, o monismo jurídico é decorrência das modificações sociais ocorridas na passagem do feudalismo ao capitalismo, período em que, em nome da segurança jurídica e do individualismo, consolida-se o que WOLKMER (2001b, p. 15) denomina de “normativismo estatal positivista”.

Tal modelo, por ser embasado apenas na igualdade formal e por dar ênfase ao individualismo, acaba sendo injusto e ineficaz, resultando da desigualdade material e exclusão de várias camadas, que não fazem parte do que se costuma denominar de classe dominante.

Como enfatiza BONAVIDES (p. 197) “temos uma sociedade extremamente carente de estrutura de sobrevivência, à qual é imposta uma regulação que tem como princípio a igualdade de tratamento”.

Soma-se a esta desigualdade social a crise do capitalismo monopolista, resultado do processo de globalização mundial, dos quais decorre o desejo de uma nova ordem. Configura-se, assim, séria crise do paradigma da legalidade estatal moderna, que não consegue responder às demandas e aos anseios da sociedade.

Em reposta a esta crise, verifica-se o advento de corrente filosófica, jurídica e sociológica[14] que nega o Estado como única e exclusiva fonte do Direito. Segundo esta corrente, o Estado persiste sendo fonte criadora do Direito, mas não é a única, haja vista que existem outras fontes legitimadoras.

Como ressalta LUMIA (2003, 93), “o fato de o ordenamento jurídico ser constituído de um conjunto de normas cuja validade provém de uma única norma fundamental não obsta a existência de uma pluralidade de ordenamentos jurídicos”, porquanto unidade não significa unicidade.

Trata-se do pluralismo, para o qual, o Direito não é restrito à lei posta pelo Estado.

3.2 PLURALISMO

3.2.1 O direito extra-estatal

Como visto, o paradigma tradicional que considera o Estado como o único criador das normas jurídicas está em crise.

Como observa CAIRO JUNIOR (2001, 11):

Efetivamente, é difícil sustentar uma posição simplista segundo a qual o Estado é o único ditador de normas de conduta. A sociedade e seus grupos também são fonte criadora de normas, principalmente quando o Estado se mostra insuficiente ou ausente para cumprir com as obrigações decorrentes do pacto social.

O pluralismo jurídico opõe-se ao monismo, na medida em que aponta para uma perspectiva plural, múltipla, que reconhece a existência de elementos heterogêneos e a diversidade nos campos sociais e tendo em vista que considera que além do Estado, há outros sujeitos/ instituições que criam o Direito.

A pluralidade de ordenamento jurídico não decorre, necessariamente, de uma multiplicidade de Estados, mas também de uma pluralidade de ordenamentos criados por instituições que se colocam acima – no caso do direito internacional – ou ao lado do Estado – que é o que releva ao presente estudo, em que se propõe o estudo do direito de laje nas favelas brasileiras.

CAMPILONGO (2000, p. 119) assevera que a criação das normas jurídicas não mais tem procedência unitária estatal, embasada nas ficções do príncipe e da soberania popular. Ao lado da legislação estatal, a sociedade passa a produzir novos meios de obtenção de consenso.

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Segundo WOLKMER (2000a, p. 119-120), em um espaço público descentralizado, cujo traço característico é a pluralidade, a juridicidade surge de processos sociais auto-reguláveis, decorrentes de grupos, comunidades locais, associações, que privilegia determinado grupo comunitário, buscando defender os seus interesses.

Para SANTOS (2000, p. 151), o poder circula em diversas esferas da sociedade sendo enfatizado que a despeito de existirem outros planos, merecem ser destacados como espaços paralelos de produção de normas, o contexto doméstico (patriarcado), o contexto da produção (exploração), o contexto da cidadania (dominação) e o contexto mundial (relações de troca desigual). Ao primeiro corresponderia o direito doméstico; ao segundo, o direito de produção; ao terceiro, o direito territorial e o último corresponde ao direito sistêmico.

Nos dizeres do autor português (2000, p. 151),

Cada contexto é um espaço e uma rede de relações dotadas de uma marca específica de intersubjetividade que lhes é conferida pelas características dos vários elementos que o constituem. Esses elementos são: a unidade da prática social, a forma institucional, o mecanismo do poder, a forma de direito e o modo de racionalidade.

Diante da pluralidade de esferas de poder, reconhecem-se as diferentes instâncias de juridicidade, alheias ao Estado.

3.2.2 Princípios estruturais

WOLKMER (2000a, p. 174-183) elenca como princípios valorativos do pluralismo a autonomia, a descentralização, a participação, o localismo, a diversidade e a tolerância Neste trabalho, prefere-se, porém, denominá-los de princípios estruturais, por se entender que não expressam valores, mas são elementos da própria essência desta corrente.

A autonomia diz respeito aos poderes e à liberdade de articulação e mobilização que os movimentos coletivos ou as associações detêm. “A ‘autonomia’ se manifesta não só diante do poder do Estado mas no próprio interior dos vários interesses particulares, setoriais e coletivos”. (WOLKMER, 2000a, p. 175)

A autonomia é, portanto, princípio informador do pluralismo relacionado ao poder que emana das instituições independentes do poder governamental.

Por descentralização entende-se o deslocamento do poder político-administrativo para outras esferas, visando a redistribuição de competências e fortalecimento das identidades locais. O exercício do poder é distinto do que ocorre no monismo – poder de forma unitária. No pluralismo, o poder é exercido de forma fragmentada, descentralizada.

Por sua vez, o localismo tem por objetivo favorecer as condições que permitam a produção direta, fortalecimento regional das ações coletivas. (WOLKMER, 2000a, p. 175-176). Trata-se, assim, da autonomia conferida ao poder local, descentralizado.

A diversidade é pertinente ao respeito à diferença. “O sistema pluralista provoca a difusão, cria uma normalidade estruturada na proliferação das diferenças, dos dissensos e dos confrontos”. (WOLKMER, 2000a, p. 176)

O pluralismo está relacionado à “multiplicidade dos possíveis” e as desigualdades sociais verificadas são reflexos da própria diversidade.

Diretamente relacionada à diversidade, tem-se a tolerância, pelo qual enfatiza-se o respeito à diferença, à autodeterminação que o indivíduo possui. Nos dizeres de WOLKMER (2000a, p. 177) a tolerância implica “o bom-senso e a pré-disposição de aceitar uma vida social materializada pela diversidade de crenças e pelo dissenso de manifestações coletivas”, tratando-se da maior virtude do pluralismo democrático.

É de se enfatizar, finalmente, que o pluralismo jurídico não corresponde ao uso alternativo do Direito, mas a um processo de construção de outras formas jurídicas, possibilitando que o Direito seja identificado com setores majoritários da sociedade. (WOLKMER, 2000b, p. 21)

3.2.3 O respeito à diversidade e a inserção social dos grupos excluídos

O pluralismo jurídico opõe-se ao monismo, considerando a historicidade e os fatores sociais como conformadores do campo jurídico. Voltado para a fluidez da sociedade atual, visa a proporcionar condições de igualdade e de inserção dos excluídos pelo Direito estatal.

Neste sentido, o pluralismo é comumente vislumbrado como um meio de afastar o direito das classes dominantes, tratando-se de projeto emancipador e de respeito à diversidade, apto a propiciar a democracia.

WOLKMER (2010, p. 41) aduz que numa sociedade formada de comunidades e culturas diversas, a democracia propiciada pelo pluralismo expressa o reconhecimento da diferença, dos valores coletivos pertinentes a cada grupo e a cada comunidade.  

Os sujeitos passam de meros expectadores a conformadores da ordem jurídica, promovendo a sua inclusão no meio social

Dalaneze (2010, p. 79) assevera que

O pluralismo [...] permite regulações alternativas, a utilização do informal ao lado do formal, o reconhecimento de outras racionalidades, e não somente a científica, uma lógica que englobe flexibilidade, admissão do risco e da complexidade. [...] Nesse sentido, o pluralismo jurídico pode ser porta-voz de denúncias, contestações, rupturas e implementações de novos direitos. O pluralismos jurídico reconhece a complexidade, fruto de vários sistemas jurídicos concomitantes, cada um com sua própria racionalidade; por isso, é preciso admitir a idéia de convivência com crises, riscos e rupturas, pois a simples admissão dessas cirscunstâncias e também a existência de outras fontes de produção de normas jurídicas já permitem que o direito se aproxime dos grupos sociais e inicie, de forma participativa e socializada, a composição dos conflitos. Eis aí o fundamento de sua legitimidade. (sem grifos no original)

Como visto, a evolução do capitalismo repercutiu diretamente no contexto social e econômico das sociedades, de modo a evidenciar as desigualdades entre os indivíduos e a resultar na exclusão de determinadas camadas sociais. Como conseqüência, tem-se a criação de diversos centros de conformação do Direito, visando à redução das ditas desigualdades, propiciando a inserção dos excluídos e o seu acesso à democracia.

3.3 Pluralismo jurídico e direito de laje

As favelas são uma realidade das cidades brasileiras, sendo também, o retrato da marginalidade.

Os seus habitantes, visando a proporcionar melhores condições de vida, o desenvolvimento de sua comunidade e a promover a paz, acabam por instituir associações que atuam paralelamente ao Estado, estabelecendo normas e criando mecanismos de ordem de convivência social.

Examinando o contexto das favelas brasileiras, especificamente, Pasárgada, no Rio de Janeiro, SANTOS (1988, p. 14) chega a afirmar que “a associação de moradores transformou-se, assim, gradualmente num fórum jurídico, à volta do qual se foi desenvolvendo uma prática e um discurso jurídicos – o direito de Pasárgada”.

Continua o autor português destacando que:

O Direito de Pasárgada é um direito paralelo não oficial, cobrindo uma interacção jurídica muito intensa à margem do sistema jurídico estatal (o direito do asfalto, como lhe chamam os moradores das favelas, por ser direito que vigora apenas nas zonas urbanizadas e, portanto, com pavimentos asfaltados (1988, 14).

Destarte, é comumente criada uma ordem jurídica paralela à estatal.

A título de exemplo, cite-se a situação verificada na favela Rio das Pedras, no Rio de Janeiro: como alternativa a ausência de previsão no ordenamento oficial das compra e vendas de lajes, a Associação da Favela Rio das Pedras, no Rio de Janeiro criou um Cartório interno em que são registrados estes negócios jurídicos firmados entre os moradores locais.

É o que informa CORREA (2008, p. 1010) no trecho abaixo transcrito:

Outra peculiaridade encontrada em Rio das Pedras é que a administração das demandas resultantes de tipos de moradia é feita pela Associação de Moradores, onde ocorre o registro de seus nomes, endereços e das "propriedades" que possuem. Na medida em que as aquisições imobiliárias são registradas, constituem “propriedades” de seus "donos". No modelo estatal, quando o registro oficial da escritura de compra e venda é levado ao Registro Geral de Imóveis (RGI), configura a aquisição do direito de propriedade e sua conseqüente transferência. De maneira análoga, em Rio das Pedras existe uma espécie de "cartório" que faz o registro dos contratos de compra e venda de terrenos de superfície e de lajes.

Essa modalidade de registro de aquisição de propriedade é completamente legitimada na comunidade. [...]

As funções da Associação de Moradores de Rio das Pedras não se limitam apenas a reconhecer as "aquisições" de terrenos e de lajes, mas ela também assume papel judicializador (sic) nos conflitos que decorrem dessas aquisições. [...]

Como dito alhures, a compra e venda da laje é corriqueiramente firmada pelos moradores das favelas nacionais como uma opção de acesso ao espaço urbano e à moradia, consagrada constitucionalmente como um direito fundamental.

A despeito de sua relevância social (e mesmo sendo um importante instrumento de acesso à moradia), o legislador nacional permanece silente, inexistindo no direito positivo estatal qualquer norma para a sua regulamentação.

Diante deste silêncio estatal, os moradores das favelas, como se verifica no exemplo acima transcrito, acabam por criar normas próprias, a serem aplicadas pelo seu grupo social, de forma a prestigiar a sua autonomia e a sua inclusão social.

Trata-se, assim, de uma alternativa ao normativismo oficial e à inércia do Estado de inserir tal realidade social no “direito do asfalto”.

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Sobre a autora
Fernanda Machado Amarante

Mestranda em Direito pela Universidade Federal da Bahia - UFBA; Especialista em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMARANTE, Fernanda Machado. O pluralismo jurídico e o direito de laje. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3403, 25 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22888. Acesso em: 16 abr. 2024.

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