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A função do Direito no combate aos abusos de poder econômico

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5 O Direito Alternativo em oposição às práticas tradicionalistas

De modo final, iremos observar as teorias presentes na corrente alternativa de aplicação do Direito. Apesar de não se nomear como um juiz alternativo, Gerivaldo Neiva faz parte da Associação Juízes para a Democracia (AJD), um movimento alternativo. Então se torna necessário uma análise sobre o movimento Direito Alternativo para posteriormente seja observado alguns dos seus elementos na decisão tomada pelo magistrado.

O Direito Alternativo é uma prática jurídica que tem como alguns dos seus objetivos a mudança da ordem jurídica vigente. O texto que serviu de base para os propostos a seguir foi “O que é Direito Alternativo” (2001) de Lédio Rosa de Andrade, Desembargador no Tribunal de Justiça de Santa Catarina. O Direito Alternativo, desta forma, surgiu não como uma ideologia única. O que aconteceu na verdade foi uma unidade entre os adeptos por meio de alguns pontos em comum, “os membros do movimento uniram-se, e permanecem unidos, por objetivos comuns, passíveis de serem buscados em uma mesma prática jurídica”. (ANDRADE, 2011, p.1)

O movimento não foi criado através de um debate interno, mas através das decisões de vários juízes que ao longo do tempo ganharam notoriedade por serem escolhas que desafiavam muitas vezes o direito vigente. A repercussão fez com que eles se juntassem, mas não ocorreu por parte do movimento uma evolução de proposta. É importante notar que o movimento alternativo surgiu durante a década de 90 quando a constituição de 88 dava seus primeiros passos. Ocorreu o impeachment de Fernando Collor, a tentativa de implantação do estado neoliberal, momento de crise econômica (já aliada com a década passada) e de hiperinflação constante. Logo os pontos em comum do movimento alternativo fazem total sentido ao se observar a realidade social pela qual vivia a população brasileira através de uma análise do contexto histórico daquela década.

Os pontos em comum nessa fase eram: 1) não aceitação do sistema capitalista como modelo econômico; 2) combate ao liberalismo burguês como sistema sociopolítico: 3) combate irrestrito à miséria da grande parte da população brasileira e luta por democracia, entendida como a concretização das liberdades individuais, dos direitos sociais, bem como materialização de igualdade de oportunidades e condição digna de vida a todos; e 4) uma certa simpatia de seus membros em relação à teoria critica do Direito (ANDRADE, 2011, p.1).

A teoria mostrava-se como uma crítica unânime ao positivismo jurídico, já que uma de suas consequências para o direito era a prática por parte de muitos magistrados de uma postura conservadora (postura jurídica tecno-formal-legalista), além do apego irrestrito ao legalismo com o uso, muitas vezes, de uma interpretação dogmática (considerada como uma pseudo interpretação lógico-dedutiva). Tais elementos agregados, segundo Andrade (2011, p.1):

[...] a um discurso apregoador:

a) da neutralidade ou avaloratividade do Direito – o Direito sem vínculos com a política, com a economia, com a sociologia, com a dominação, com a miséria, com a fome e com as divisões de classe existentes na sociedade civil;

b) do formalismo jurídico ou definição anti-ideológica do Direito - base exclusiva na estrutura formal, o sistema em si, não levando em consideração seu conteúdo e, muito menos, suas consequências sociais. O Direito é tido como o conjunto de normas formalmente válidas

c) da coerência e completude do ordenamento jurídico - não reconhecimento das contradições entre normas e de lacunas no ordenamento jurídico;

d) da fonte preeminente do Direito e da interpretação mecanicista das normas jurídicas - a legislação escrita como fonte única do Direito, sendo a doutrina, a jurisprudência e o costume como fontes secundárias, subalternas à primeira - aplicação com interpretação declarativa, na qual o intérprete apenas declara o conteúdo já existente na norma. Exegese mecanicista, utilizando-se um método hermenêutico formal/lógico/técnico/dedutivo.

As críticas contra o positivismo jurídico permanecem existentes no seio do Direito Alternativo brasileiro, podendo ser determinadas em quatro pontos que são: o direito muitas vezes é retratado como imparcial, mas na realidade ele é axiológico, imparcial; o formalismo jurídico acaba por ser apenas uma forma de camuflar o conteúdo muitas vezes perverso da legislação além de sua aplicação; o direito tem a pretensão de ser completo e sem lacunas, mas o que se vê na prática são muitas lacunas e antinomias; e por fim, a exclusão da relevância de outras fontes do direito em prol do império da lei que acaba sofrendo influências da ideologia do intérprete, nesse caso as interferências da ideologia acaba por ser a favor da classe dominante.

Um ponto fundamental é a conclusão por parte dos alternativos sobre:

1) ser o Direito uma ciência contaminada pela ideologia (como todas); 2) existir, em seu seio, inúmeros espaços de não Direito; e 3) ser a interpretação jurídica um exercício de valores. O ato de julgar é uma atitude política (ANDRADE, 2011, p.3).

As sentenças inicialmente abordadas por alguns magistrados se dividiam em duas categorias: a primeira era tomada como base a Constituição Federal diferentemente da ideologia predominante. As decisões eram proferidas com um aspecto social, dando a resposta a favor das partes menos favorecidas economicamente; A segunda postura é a adoção de conceitos Jusnaturalistas, no qual a Justiça deve prevalecer perante o Direito positivado.

Os juízes alternativos por fim se rebelam contra a ideologia jurídica predominante, baseada no positivismo. Os magistrados decidem então pela utilização de outro método hermenêutico na resolução de seus casos. O modelo adotado é predominantemente teleológico, mas também algumas vezes sociológico e histórico. Ainda assim o Direito Alternativo não possuía uma teoria jurídica estruturada. 

No início, o movimento se configurava pelo embate com os juristas dogmáticos e também pela crítica ao sistema jurídico tradicionalmente estabelecido. Posteriormente foi possível a criação de algumas teorias por meio dos integrantes, além de explicações sobre o conteúdo do movimento e sua prática. Surgem os primeiros conceitos como o do Jusnaturalismo de Caminhada e o de jurista orgânico, como sendo:

[...] aquele jurista comprometido com a mudança social, que faz de seu labor uma luta constante em prol de transformações estruturais no seio da sociedade, buscando alterar as relações de poder nela existentes, com o escopo de combater a miséria, promover a liberdade e a igualdade material, fortalecendo uma possível democracia real (ANDRADE, 2011, p.4).

O movimento tem a pretensão de destruir mitos e dogmas sustentados pela ideologia dominante, mas não tem a pretensão de transformar a sociedade por meio do Direito, ou seja, para mudanças efetivas na sociedade é necessário que ocorreram mudanças não somente na esfera jurídica. Fazem-se necessárias também mudanças mais profundas nas esferas culturais, sociais e econômicas da sociedade. Na perspectiva do alternativos o Direito é somente um dos instrumentos para se alcançar tal fato.

Assim, desejam assumir seu papel orgânico na prática da alternatividade jurídica, pois entendem ser possível uma atividade progressista na juridicidade, e que é necessária sua união às demais força de esquerda existentes (ANDRADE, 2011, p. 4).

O curioso é que apesar do surgimento de diversas teorias a respeito do Direito Alternativo como: o Pluralismo Jurídico de Wolkmer; o Direito Insurgente de Miguel Pressburger; e o Direito Achado na Rua de José Geraldo de Souza Filho que demonstram um processo de fortalecimento teórico da corrente alternativa do direito, ainda assim observa-se a carência de uma identidade ideológica ao Direito Alternativo como um todo.

Por fim, é importante realçar as três maneiras nas quais o movimento alternativo foi dividido: Positivismo de Combate, que tenta suprimir o fato de que muitas das leis que dão algum direito às classes populares acabam por não serem efetivadas. “Pode parecer paradoxal, mas uma das principais práticas alternativas é a luta pelo cumprimento da lei” (ANDRADE, 2011, p.5); Uso Alternativo do Direito que se caracteriza pela atuação no direito positivado com o uso de interpretações com objetivo de ajudar as classes desfavorecidas. Os juízes alternativos fundamentam decisões favoráveis para as classes menos abastadas. “[...] O processo hermenêutico pelo qual o interprete dá à norma legal um sentido diferente daquele pretendido pelo legislador de direita ou pela classe dominante” (ANDRADE, 2011, p.5); e o próprio Direito Alternativo em sentido estrito, como uma prática baseada no pluralismo jurídico. O direito que é achado na rua sem o status de lei compete com o direito legislado vigente. Vale a ressalva que “só é legítimo o Direito da rua que visa efetuar conquistas democráticas, para edificar uma sociedade mais igualitária e, consequentemente mais justa” (ANDRADE, 2011, p.5).

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Pois bem ao examinar o Direito Alternativo é possível perceber seu foco como movimento de oposição ao direito vigente, com o objetivo de combater as injustiças presente muitas vezes nas decisões dos tribunais. Os magistrados que operam o Direito Alternativo possuem uma sensibilidade direcionada aos menos favorecidos, uma vez que pautam suas decisões no contexto da realidade social brasileira, favorecendo as vítimas das desigualdades do sistema capitalista. Acabam por não se submeterem às práticas adotadas por muitos juízes tradicionais que favorecem apenas a classe dominante.

Ao julgar um caso sob sua jurisdição um juiz alternativo acabar por ter um olhar diverso das decisões tradicionais. Tal juiz observa o outro lado da “história”, observa a realidade na sua concretude, acaba por ter uma responsabilidade social. Procura nas entrelinhas processuais o real motivo de tal demanda. Foge das interpretações pré-concebidas e luta por uma interpretação que venha a realizar a justiça de forma efetiva, levando para as classes menos favorecidas a concretização dos princípios constitucionais garantidos.

O juiz Gerivaldo Neiva ao emitir decisão favorável ao autor do processo demonstrou novamente porque é um juiz com práticas alternativas. Analisou o caso de um indivíduo aposentado, viúvo que enfrentou uma poderosa companhia de água por causa de um abuso de poder por parte desta (uma fatura de água totalmente desproporcional, em relação às demais faturas). Ao dar ganho de causa para o autor, torna-se perceptível o uso de duas das três atividades prático- teóricas do Direito Alternativo.

A primeira é o Positivismo de Combate pelo fato do juiz ter efetivado com sua decisão uso de direitos já garantidos para o autor do processo. Foi argumentado pelo juiz a favor de sua escolha o desrespeito ao Código de Defesa do Consumidor e ao Código Civil por parte da Empresa Baiana de Águas e Saneamento S/A, alegando abuso de poder por parte da instituição supracitada.

A segunda prática é a do uso Alternativo do Direito. O juiz Gerivaldo Neiva utilizou caminhos hermenêuticos diferentes dos adotados pelos juízes conservadores. Contrariou uma decisão semelhante do STJ, em prol do autor, a partir de normas já legitimadas utilizando-se para isso uma interpretação extensiva da adotada tradicionalmente. Em tal interpretação foi argumentado pelo juiz à inconstitucionalidade da lei por desrespeito ao principio da Dignidade da Pessoa Humana, do contraditório e da ampla defesa, do devido processo legal, do princípio da proporcionalidade, pelo fato da imprescindibilidade da água potável para uma vida digna.


6 Conclusão

Finalmente, concluímos que a decisão observada à luz da teoria de Dworkin de fato encontrou uma saída alternativa com a utilização do próprio positivismo. O juiz real procurou observar as particularidades das partes envolvidas e assim conseguiu propor uma forma de consecução da equidade e da justiça por meio do texto legal. Para alguns contra-positivistas, isso somente é possível se houver uma renovação, uma desdogmatização, como é o caso de Lyra Filho ou então se houver um total combate a legislação vigente, na carnavalização de Warat. A corrente do Direito Alternativo mostra que é possível sim, aliar positivismo com o objetivo de proporcionar justiça aos desamparados.

Basta apenas que os juízes tenham um real compromisso com a sociedade e não somente com as classes abastadas, o que se observa em reiteradas decisões de cunho tradicionalista. O artigo procurou mostra isso. Que diferentes teorias, que expõem aparentemente uma rivalidade ideológica, podem ser utilizadas objetivamente para que se obtenha uma sociedade mais justa, igualitária, procurando por fim as imensas desigualdades sociais que afligem nosso país.


Referências

DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

FILHO, Roberto Lyra. Para um Direito Sem Dogmas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1980.

WARAT, Luis Alberto. Literasofia; A Ciência Jurídica e Seus Dois Maridos. In:______. Territórios Desconhecidos: a procura surrealista pelos lugares do abandono do sentido e da reconstrução da subjetividade. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2000. p.19-26, p.61-186.

ANDRADE, Lédio Rosa de. O que é Direito Alternativo?. Florianópolis: Editora Habitus, 2011. Disponível em: < http://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=3&cad=rja&ved=0CC8QFjAC&url=http%3A%2F%2Fsociologial.dominiotemporario.com%2Fdoc%2Fo_q_e_direito_alternativo.doc&ei=_ImiUO6IN4j68gSQsIH4BQ&usg=AFQjCNEk5XMVDZKZkK8l79A5AcBi1dLneQ&sig2=ogGpy413tjQBY68Up543UQ >. Acesso em: 12 novembro 2012.

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Sobre os autores
Ítalo Diego Borges de Resende

Acadêmico de Direito da Universidade Federal do Piaui.

Michel Aquino dos Santos

Acadêmico de Direito da Universidade Federal do Piauí.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RESENDE, Ítalo Diego Borges ; SANTOS, Michel Aquino. A função do Direito no combate aos abusos de poder econômico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3424, 15 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23018. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Artigo solicitado pela Profª Drª Maria Sueli Rodrigues Sousa, Professora-adjunta do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Piauí, como avaliação da disciplina Teoria Geral do Direito.

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