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A extensão dos direitos da pessoa com deficiência aos transplantados

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4. A EXTENSÃO DE DIREITOS DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA AO TRANSPLANTADO

A partir desse ponto apresentaremos um exemplo de legislação municipal voltada ao transplantado e um projeto de lei estadual que visa incluir os transplantados na legislação estadual de proteção a pessoa com deficiências, com vistas a reinserir os transplantados na sociedade por meio de ações afirmativas do Estado.

Em seguida serão consolidados os direitos da pessoa com deficiência suscetíveis de extensão aos transplantados.

4.1 Lei Municipal e Projeto de Lei Voltados ao Transplantado

Ainda é muito incipiente a existência de legislação que estenda aos transplantados direitos já garantidos a pessoa com deficiência no país. Contudo existem algumas leis municipais que garantem aos transplantados direitos que lhes proporcionem melhoria na qualidade de vida, reinclusão social e ao mercado de trabalho e principalmente respeito a sua dignidade humana no período pós-transplante.

Em que pese grande parte das autoridades executivas e legislativas desse país, ainda não terem se preocupado com essa parcela da sociedade é fundamental destacar iniciativas como a Lei nº 10.888/95 do Município de Juiz de Fora que implanta Programa Municipal de Apoio e Assistência às pessoas submetidas a transplante de qualquer natureza.

Dessa lei destacam-se os objetivos de:

"promover políticas de auxílio para o bom desenvolvimento físico, psíquico e social das pessoas submetidas a transplante, no período pós-operatório"; "promover a orientação e conscientização da sociedade, através da realização de palestras educativas, simpósios, divulgação na mídia, boletins informativos e outras publicações, no sentido de demonstrar que a realização de transplante não interfere na qualidade de vida nem na capacidade produtiva da pessoa transplantada"; e principalmente "implementar medidas que favoreçam a inclusão social e a inserção das pessoas que tiverem sido submetidas a transplante de qualquer natureza, no mercado de trabalho". (grifo nosso)

Outra iniciativa de destaque nacional é o Projeto de Lei 811/2009, de iniciativa do Deputado Estadual de São Paulo, Fernando Capez, que visa incluir os transplantados na Lei Estadual 12.907/2008, que consolida a legislação relativa à pessoa portadora de deficiência.

Para Capez (2009) os transplantados, muitas vezes, sofrem as mesmas limitações dos portadores de deficiência, merecendo o mesmo amparo do ordenamento jurídico. Esse projeto visa estender aos transplantados diversos direitos, como por exemplo, acesso específico aos serviços de saúde, reabilitação, inclusão social, locomoção e acesso aos bens e serviços públicos, dentre outros. "Com a ampliação dos direitos dessas pessoas, espera-se que eles tenham uma qualidade de vida melhor".

4.2 Relação de Direitos Extensíveis aos Transplantados

Em que pese a inexistência de previsão constitucional e legislação específica que ampare os direitos dos transplantados em nível nacional é perfeitamente possível a utilização da hermenêutica jurídica com o objetivo de interpretação da Constituição Federal e da Legislação Infraconstitucional buscando o "espírito da lei", ou seja, com vistas as finalidades para quais foram criadas.

Nesse contexto a Constituição Federal de 1988, tida a "Constituição Cidadã", cujo fundamento central é pautado na dignidade da pessoa humana, em nenhum dispositivo proíbe a possibilidade extensão de direitos da pessoa com deficiência aos transplantados.

Há que se observar que todos os dispositivos constitucionais supracitados de inclusão social da pessoa com deficiência foram conquistados ao longo da história, depois de muito sofrimento e luta, até serem positivados na Constituição Federal com a finalidade sublime de incluir "todas" as pessoas na sociedade Brasileira sem qualquer forma de discriminação.

Com relação aos Benefícios Previdenciários as doenças renais crônicas, dependendo de seu estágio, conforme artigo 151 da Lei 8.213/91, regulamentada pelo Decreto 3.048/99, podem dar direito ao recebimento de benefícios previdenciários independente de carência, como a concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez ao segurado que após filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social for acomodado de nefropatia grave.

Nesse sentido a luz da Constituição Brasileira, seria prudente a extensão desses Benefícios Previdenciários ao transplantado de rim, segurado do Regime Geral de Previdência Social, que após o transplante ficasse incapacitado para o trabalho.

Portanto, após toda fundamentação jurídica apresentada até o momento apresentamos abaixo a relação de direitos que entendemos possíveis de extensão aos transplantados:

Tabela 2: Relação de Direitos da Pessoa com Deficiência possíveis de extensão ao Transplantado.

RELAÇÃO DE DIREITOS DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA POSSÍVEIS DE EXTENSÃO AO TRANSPLANTADO

Legislação

Direito

Quem tem Direito e Características

Lei 8.213/91

Cotas de vagas em empresas privadas

Qualquer empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% a 5% dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas.

CF, art. 37, VIII

Lei 8.112/90

Reserva de vagas em Concursos Públicos

Direito de se inscrever em concurso público para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que são portadoras, e para tais pessoas reservadas um percentual das vagas oferecidas no concurso.

Lei 8.213/91

Habilitação e Reabilitação

Processo orientado a possibilitar que a pessoa portadora de deficiência, a partir da identificação de suas potencialidades laborativas, adquira o nível suficiente de desenvolvimento profissional para ingresso e reingresso no mercado de trabalho e participar da vida comunitária.

Lei 8.213/91, art. 42

Dec. 3.048/99

Aposentadoria por invalidez

Será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz para o trabalho e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência.

CF, art 40, §1, I

Lei 8.112/90

Aposentadoria por Invalidez Permanente do Servidor Público

Servidor Público Federal aposentado por invalidez permanente, decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional, doenças graves, contagiosas ou incuráveis, com proventos integrais. Os Servidores Estaduais e Municipais são regidos por legislação específica que seguem as mesmas regras da Lei Federal.

Lei 8.213/91, art. 59

Dec. 3.048/99

Auxílio-doença

Concedido para os segurados que apresentarem incapacidade temporária para o trabalho ou para a sua atividade habitual, por mais de 15 dias consecutivos, em virtude de alguma enfermidade recuperável.

Lei 8.742/93 -LOAS

Benefício de Prestação Continuada

Consiste no pagamento de 01 (um) salário mínimo mensal às pessoas portadoras de deficiência e ao idoso que comprove não possuir meios de prover a sua manutenção ou de tê-la provida pela sua família. Deve comprovar renda familiar mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo.

Lei 8.899/94, Dec. 3.691/00

Passe Livre interestadual

Garante a gratuidade no transporte de pessoas portadoras de deficiência, comprovadamente carentes, no sistema de transporte coletivo interestadual.

CF, art.197 e 198

Lei 8.080/90

Portaria Fed. 55/99

Tratamento fora do domicílio

Tem como finalidade atingir o objetivo constitucional de levar assistência médico-hospitalar a todos os cidadãos, em especial aqueles que dependem exclusivamente da rede pública de saúde.

Lei 4.380/64

Lei 11.977/09

Sistema Financeiro de Habitação – Direito à Quitação do Financiamento Imobiliário

Aquele que apresentar invalidez total e permanente, causada por acidente ou doença, poderá se beneficiar da apólice de seguro contratada, desde que esteja inapto para o trabalho e que a doença determinante da incapacidade tenha sido adquirida após a assinatura do contrato de compra do imóvel, oportunidade em que lhe será quitado o valor correspondente ao que se comprometeu a pagar por meio do financiamento ou, então, até o limite contratado com o seguro.

Lei 8.036/90

Saque do FGTS

O trabalhador ou qualquer de seus dependentes devidamente inscritos na Previdência Social poderá movimentar sua conta vinculada no FGTS, quando o trabalhador ou qualquer de seus dependentes estiver em estágio terminal, em razão de doença grave, nos termos do regulamento.

Lei 7.713/88

Lei 11.052/04

Isenção do Imposto de Renda - nos proventos de aposentadoria, reforma ou pensão.

Isenção do pagamento IRPF proventos de aposentadoria, reforma ou pensão motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de neoplasia maligna, nefropatia grave, entre outros, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma, salvo a pensão.

Lei 10.690/03

IPI - isenção na compra de veículos de passageiros

Pessoas portadoras de deficiência física, visual, mental severa ou profundas, ou autistas. O veículo pode ser adquirido diretamente pelo deficiente condutor ou através de seu representante legal.

Lei 8.383/91, art. 72

IOF - isenção nas operações de financiamento para aquisição de veículos

Portadores de deficiências físicas atestado pelo DETRAN do Estado onde residirem.

Legislação Estadual

ICMS - isenção na compra de automóveis para deficientes

Cada Estado da Federação possui sua própria legislação.

Legislação Estadual

IPVA - isenção na compra de veículos por deficientes

As disposições quanto à isenção poderão variar conforme dispuser a legislação de cada Estado.

Legislação Estadual

Passe Livre Transporte Intermunicipal

Cada Estado da Federação possui sua própria legislação e peculiaridades.

Legislação Municipal

Passe Livre Transporte coletivo urbano

Cada Município possui sua própria legislação e peculiaridades.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em que pese a omissão do Poder Público Brasileiro em relação aos brasileiros submetidos a procedimento médico de transplante. É mister ressaltar a louvável preocupação do Estado em proteger constitucionalmente a pessoa com deficiência ante o histórico de discriminação que essa parcela da sociedade tem sido submetida.

Contudo, cabe enfatizar que, com a evolução das tecnologias da ciência médica, uma nova minoria silenciosa de transplantados tem surgido, e que ainda não recebeu a devida atenção legislativa, e apresenta-se carente de ações afirmativas do Estado Brasileiro.

Como enfatizamos durante toda argumentação jurídica apresentada, a inexistência de um dispositivo constitucional específico e de uma legislação infraconstitucional protetiva para essa parcela da sociedade brasileira não pode ser interpretada no sentido de ausência de direitos, pelo contrário, deve ser vista como uma omissão legislativa do Estado.

Com relação essa lacuna jurídica entendemos que a interpretação sistêmica da Constituição Federal de 1988 sob o prisma da dignidade da pessoa humana e do princípio da igualdade possibilita a perfeita a extensão de direitos da pessoa com deficiência aos transplantados, com a finalidade principal de inclusão social e construção de uma sociedade justa e solidária.

Pudemos constatar da análise dos resultados de duas pesquisas com transplantados que o procedimento médico de transplante possibilita a recuperação da capacidade laboral da grande maioria dos pacientes. Porém a partir do transplante uma nova batalha surge, além do risco inerente da rejeição, qual seja, a necessidade de reinclusão social, em especial no mercado de trabalho.

Evidenciamos nesse sentido que, ainda, é ínfimo o número de transplantados que retornam ao desempenho de atividades laborativas, por diversos fatores como discriminação na hora da contratação; falta de programas sociais de habilitação e reabilitação; e principalmente falta de dispositivos legais que garantam a reinserção no mercado de trabalho como a reserva de vagas em concursos públicos e cotas de vagas em empresas privadas, aos moldes da pessoa com deficiência.

Portanto, ao mesmo tempo que enaltecemos o esforço do Estado Brasileiro em proteger e buscar a inclusão social da pessoa com deficiência, temos a pretensão de alertar sobre o surgimento de uma nova minoria contemporânea, fruto da evolução tecnológica, desamparada e carente, talvez, tanto quanto foi a pessoa com deficiência no decorrer da história.

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Sobre os autores
André Amaral Medeiros

Acadêmico de Direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina; Pesquisador do Grupo de Pesquisa em Direitos Fundamentais Sociais da UNOESC; Bacharel em Ciências Contábeis pela UFSM. Pós-graduando em Gestão Pública Municipal pela UFSC; Contador da Fazenda Estadual de Santa Catarina;

Rodrigo Goldschmidt

Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professor do Programa de Mestrado em Direito da Unoesc. Coordenador da Linha de Pesquisa em Direitos Fundamentais Sociais da Unoesc. Juiz do Trabalho do TRT 12/SC;

Caren Silva Machado

Especialista em Direito do Trabalho. Professora e Pesquisadora da UNOESC. Advogada;

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEDEIROS, André Amaral ; GOLDSCHMIDT, Rodrigo et al. A extensão dos direitos da pessoa com deficiência aos transplantados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3436, 27 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23103. Acesso em: 18 abr. 2024.

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