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A inconstitucionalidade do porte de droga para consumo pessoal. Tese humanista ou principiológica

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16/12/2012 às 13:33
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4) Argumentos favoráveis à inconstitucionalidade do crime do artigo 28 (porte de droga para consumo pessoal). Tese humanista ou principiológica. Defesa do princípio da dignidade da pessoa humana

Portanto, à guisa de conclusão, opinamos pela inconstitucionalidade do crime de porte de droga para consumo pessoal (art. 28 da Lei 11.343/06), fundamentando nosso posicionamento na Tese Humanista ou Principiológica, no sentido de que, criminalizar tal conduta é desrespeitar o direito à liberdade de escolha. A pessoa humana tem o direito de fazer o que quiser de sua vida, bem como de sua integridade física e moral, desde que, tal escolha não viole ou coloque em ameaça de violação o bem jurídico pertencente a terceiros. Não desrespeitando a esfera de liberdade de terceiros, a conduta do indivíduo deve ser vista e classificada como um irrelevante penal e, por conseguinte, ficar de fora da competência do Direito Penal.

O drama das drogas possui raízes tão profundas e complexas, que se mostra cruel a postura adotada pela sociedade de julgar e estigmatizar o dependente químico e o usuário. Verifica-se, ademais, que a maior parte das legislações humanas não tem regulamentado adequadamente o comportamento do farmacodependente.

A legislação brasileira, infelizmente, ainda rotula de criminosa aquela pessoa sofredora que quedou, inadvertidamente, nas malhas do vício. Ao doente deve-se oferecer o adequado tratamento. Tratamento é procedimento que deve ser oferecido a quem dele necessita e não imposto como pena ou castigo.

Como sancionar com pena aquele que já se encontra assinalado pela pena do estigma da indiferença e do abandono pelos familiares, amigos e pessoas queridas? Como castigar aquele que, todos os dias, vive o castigo de viver uma vida de dor e sofrimento? Que já se sente castigado, a cada instante, por ter que conviver e encarar a si mesmo e, ao fazê-lo, ver uma pessoa derrotada, humilhada, doente e sem qualquer perspectiva de melhora? Como castigar aquele que já é um castigo a si mesmo? Como punir aquele que já é uma punição para si mesmo? Esse é o lado cruel da lei e talvez seja essa faceta obscura e macabra da norma que tenha levado um Jean Cruet a escrever uma obra com o título “A Vida do Direito e a Inutilidade das Leis”, que traz como frase-chave a seguinte locução: “Vê-se todos os dias a sociedade reformar a lei; nunca se viu a lei reformar a sociedade”.

As pessoas tendem a se comportar da forma com que são tratadas. Se as tratamos com amor, carinho e respeito, as pessoas se comportarão como pessoas dignas, como valores preciosos que são. Todavia, se tratarmos as pessoas com desprezo e indiferença, dessa forma é que se comportarão para com seus semelhantes e para com aqueles que lhes dão referido tratamento.

Se tratarmos o dependente químico e o usuário de drogas como lixo, como se fossem o esgoto da humanidade, estaremos condenando-os aos caminhos sem volta da criminalidade, além de os sentenciando à morte. É por essa razão que se faz tão necessária e urgente a humanização do tratamento a ser dispensado a estes nossos irmãos tão sofredores.


5) ANTEPROJETO DO NOVO CÓDIGO PENAL. DESCRIMINALIZAÇÃO DO PORTE DE DROGA PARA CONSUMO PESSOAL

Atentos à realidade do usuário e do dependente e buscando compatibilizar-se com as legislações penais mais à frente do que a brasileira, na temática das drogas, a Comissão de Juristas composta pelo Senado Federal, visando a elaboração de um Novo Código Penal, com o escopo de atualizar a legislação penal, elaborada na década de 40 (1940), optou por descriminalizar a conduta de portar droga para consumo pessoal, atualmente disciplinada e classificada pelo art. 28 da Lei 11.343/06 como crime, prevendo sanções à referida conduta.

Na Exposição de Motivos da Parte Especial do Novo Código Penal, acerca da questão das drogas, assim faz constar o jurista Técio Lins e Silva, verbis:

TÍTULO VII

DOS CRIMES CONTRA A SAÚDE PÚBLICA

Capítulo I

Drogas

Técio Lins e Silva

Com a Nova República, em 1985, nasceu a proposta para uma nova política de drogas no Brasil, aprovada pelo CONFEN - Conselho Federal de Entorpecentes, do Ministério da Justiça. Desde então, a história dessa legislação especial tem sido marcada pela atenuação aos usuários. O acerto da retirada dos vegetais do chá Hoasca (ayahuasca, daime, cipó, mariri, yagé ou kamarampi) da relação de substâncias proibidas, editadas pelo Ministério da Saúde, por exemplo, está comprovado na prática. Nesses quase 30 anos de sua liberação, não existe registro de abuso dessas substâncias ou sua utilização fora do uso ritual. Essa postura liberal do CONFEN não causou nenhum problema epidemiológico ou de abuso. A vigente Lei 11.343/2006, já não encarcera quem lida com drogas proibidas para o consumo pessoal; há medidas educativas para o usuário, sem prisão. A Comissão optou pela tendência mundial mais à frente da nossa lei, descriminalizando o uso próprio e propondo, tal como em outras legislações modernas, uma certa quantidade de droga para a indicação do uso próprio, a ser estabelecida pela autoridade administrativa competente. É, no entanto, reprimido o uso ostensivo de droga se em locais públicos nas imediações de escolas ou outros locais de concentração de crianças e ou adolescentes, ou na presença destes. Em relação ao tráfico de drogas e seu financiamento, a proposta é rigorosa, podendo as penas chegarem a mais de 21 anos.

Portanto, tendo em vista que a “vigente Lei 11.343/2006, já não encarcera quem lida com drogas proibidas para o consumo pessoal; há medidas educativas para o usuário, sem prisão”, a “Comissão optou pela tendência mundial mais à frente da nossa lei, descriminalizando o uso próprio e propondo, tal como em outras legislações modernas, uma certa quantidade de droga para a indicação do uso próprio, a ser estabelecida pela autoridade administrativa competente” (Técio Lins e Silva in Exposição de Motivos do Novo Código Penal – Parte Especial).

O dispositivo que descriminaliza o porte de droga para consumo pessoal, no Anteprojeto, é o inciso I, do § 2º do art. 212, assim redigido:

Exclusão do crime

§ 2º Não há crime se o agente:

I – adquire, guarda, tem em depósito, transporta ou traz consigo drogas para consumo pessoal; (grifos acrescidos)

Portanto, a tendência é a abolição do crime de portar droga para consumo pessoal, por meio de sua exclusão da legislação penal brasileira, o que efetivamente ocorrerá, caso o Anteprojeto do Novo Código Penal seja aprovado e referido dispositivo legal não seja vetado.


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Notas

[1]Texto publicado sábado, dia 14 de janeiro de 2012 – Notícias – Fonte: http://www.conjur.com.br/2012-jan-14/usuario-drogas-nao-punido-prejudicar-defensoria.

[2] Seção IV

DO SENADO FEDERAL

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;

[3]L 6.368/76. Art. 16. Adquirir, guardar ou trazer consigo, para o uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de (vinte) a  50 (cinqüenta) dias-multa.

[4]CP. Lei penal no tempo

Art. 2º - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.

Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.

[5]CF/88. Art. 5º (...)

XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;

[6] Fonte: http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20070223065435464, acessado em 23.02.2007.

[7] QUEIROZ, Paulo; et alii. Comentários críticos à Lei de Drogas. 3.ed. completamente revista e ampliada. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010, p. 78.

[8] QUEIROZ, Paulo. Op. cit., p. 44.

[9] Op. cit., p. 44-45.

[10] Op. cit., p. 43.

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Sobre o autor
Rodrigo Mendes Delgado

Advogado. Escritor. Palestrante. Parecerista. Pós-Graduado (título de Especialista) em Ciências Criminais pela UNAMA – Universidade do Amazonas/AM. Ex-presidente da Comissão e Ética e Disciplina da 68ª subseção da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo por dois triênios consecutivos. Membro relator do Vigésimo Primeiro Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP pelo 3º triênio consecutivo. Autor dos livros: O valor do dano moral – como chegar até ele. 3.ed. Leme: Editora JH Mizuno, 2011; Lei de drogas comentada artigo por artigo: porte e tráfico. 3.ed. rev., atual. e ampl. Curitiba: Editora Belton, 2015; Soluções práticas de direito civil comentadas – casos concretos. Leme: Editora Cronus, 2013 (em coautoria com Heloiza Beth Macedo Delgado). Personal (Life) & Professional Coach certificado pela SOCIEDADE BRASILEIRA DE COACHING – SBCOACHING entidade licenciada pela BEHAVIORAL COACHING INSTITUTE e reconhecida pelo INTERNACIONAL COACHING COUNCIL (ICC). Carnegiano pela Dale Carnegie Training Brasil. Trainer Certificado pela DALE CARNEGIE UNIVERSITY, EUA, tendo se submetido às certificações Core Competence e Endorsement, 2014. (Contatos profissionais: Cel./WhatsApp +55 018 9.9103-5120; www.linkedin/in/mdadvocacia; [email protected])

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DELGADO, Rodrigo Mendes. A inconstitucionalidade do porte de droga para consumo pessoal. Tese humanista ou principiológica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3455, 16 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23224. Acesso em: 23 abr. 2024.

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