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A ampliação do controle de constitucionalidade difuso na perspectiva de Ronald Dworkin.

O juiz “Hércules” em defesa de uma comunidade fundada em princípios

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5. A ampliação dos limites objetivos das decisões proferidas pelo STF, em sede de recurso extraordinário. Efeitos transcendentes aos motivos do Recurso Extraordinário – RE 197.917-SP.

O debate sobre a adoção da teoria da transcendência dos efeitos determinantes com a finalidade de impedir violação ao conteúdo das decisões do Excelso Pretório iniciou-se no julgamento da reclamação nº 1.987/DF em 01/10/2003, ajuizada pelo Governador do Distrito Federal contra decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, que teria violado entendimento fixado pelo STF na ADI nº 1662/SP sobre o pagamento de precatórios e a possibilidade de seqüestro de valores para a satisfação da dívida.

Por ocasião do julgamento da mencionada reclamação, manifestou-se o Ministro Maurício Corrêa , relator, no seguinte sentido: “os fundamentos resultantes da interpretação da Constituição devem ser observados por todos os tribunais e autoridades, contexto que contribui para a preservação e desenvolvimento da ordem constitucional”.

Quanto ao efeito vinculante das decisões proferidas pelo STF, em controle difuso, tem-se o art. 101 do Regimento Interno do STF, a declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, pronunciada por maioria qualificada, aplica-se aos novos feitos submetidos às Turmas ou ao Plenário, salvo o disposto no art. 103 .

Acrescenta-se, ainda, o art. 481 do Código de Processo Civil, com redação dada pela Lei n. 9.756/98: Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento deste ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão. 

Não parece haver dúvidas do caráter vinculante da decisão proferida pela Suprema Corte, no entanto, frisa-se indispensável entender qual a real extensão da releitura dada pelo STF aos efeitos das decisões em recurso extraordinário. Em caso, que partes do julgado devem ser dotadas de eficácia geral.

Para tanto, deve-se destacar os argumentos apresentados pelo Ministro Eros Grau na Reclamação nº4219-SP , em que a parte reclamante requer a retificação ou repetição do ato judicial impugnado com fulcro nos fundamentos adotados na ADI 2602/MG, decisão que assentou como regra a inaplicabilidade da aposentadoria compulsória aos 70 anos para notários e registradores brasileiros, após o advento de EC 20/98.

Ao proferir seu voto, o Ministro Eros Grau afirmou que as decisões de mérito proferidas pela STF nas ações apreciadas em controle concentrado apresentam conseqüências normativas que afetam a todos, produzindo uma norma de decisão .

A norma de decisão proferida consiste logicamente em todo o teor da sentença ou do acórdão, não apenas da parte dispositiva, pois, para Eros Grau, limitar a força da norma de decisão ao dispositivo do julgado seria como esvaziar seu conteúdo. Nas palavras do Ministro “julgo improcedente”ou “julgo procedente” não traduzem o conteúdo da decisão, que pormenoriza a análise da coerência ou incoerência do texto infraconstitucional impugnado frente a Constituição.  

Cabe transcrever trechos do voto de Eros Grau, expondo acerca da necessidade de se conceber eficácia vinculante aos motivos e fundamentos da decisão proferida pelo STF, in verbis:

Ao decidir definitivamente o mérito de ação direta de inconstitucionalidade e de ação declaratória de constitucionalidade, o Supremo produzirá norma de decisão, não um texto normativo. Mas essa norma será aplicada a todos, indistintamente. É a própria norma de decisão que se aplica a todos, a todos vinculando.

(...)

É a interpretação conferida pelo Supremo à Constituição – além do seu juízo de constitucionalidade sobre certo texto normativo infraconstitucional – que, nos termos do disposto no § 2º do art. 102, produz eficácia contra todos e efeito vinculante. 

Revela José Ribas Vieira e Deilton Ribeiro Brasil, ao analisar a incidência de vinculação sobre o inteiro teor da decisão proferida em sede de controle de constitucionalidade difuso, defendida por Eros Grau, que:

A decisão de mérito definida pelo Supremo Tribunal Federal em ação direta de constitucionalidade é muito mais ampla, porque envolve a interpretação da Constituição, toda ela, não de apenas um texto normativo infraconstitucional isolado. A decisão de mérito do STF não pode ser cindida, a fim de que se negue eficácia contra todos e efeitos vinculantes à interpretação que ele STF, confere ao texto da Constituição ao apreciar ações diretas de inconstitucionalidade e ações declaratórias de constitucionalidade.(VIEIRA; BRASIL, 2008, p. 06-07)

A fim de fundamentar a possibilidade de ampliação dos limites objetivos da decisão acerca da constitucionalidade de lei ou ato, proferida em recurso extraordinário, Gilmar Ferreira Mendes suscita o entendimento do Tribunal Constitucional Alemão, em que o efeito vinculante tem por objetivo outorgar maior eficácia às decisões proferidas pela Corte Constitucional, assegurando força vinculante não apenas ao dispositivo, mas também aos chamados fundamentos ou motivos determinantes. (ARRUDA, 2006, p. 85-86)

Na Reclamação 2.363-PA , Gilmar Mendes, mais uma vez, sai em defesa da transcendência dos motivos determinantes do julgado, conforme trechos do seu voto:

(...) a aplicação dos fundamentos determinantes de um ‘leading case’ em hipóteses semelhantes tem-se verificado, entre nós, até mesmo no controle de constitucionalidade das leis municipais. Em um levantamento precário, pude constatar que muitos juízes desta Corte têm, constantemente, aplicado em caso de declaração de inconstitucionalidade o precedente fixado a situações idênticas reproduzidas em leis de outros municípios. Tendo em vista o disposto no ‘caput’ e § 1º-A do artigo 557 do Código de Processo Civil, que reza sobre a possibilidade de o relator julgar monocraticamente recurso interposto contra decisão que esteja em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, os membros desta Corte vêm aplicando tese fixada em precedentes onde se discutiu a inconstitucionalidade de lei, em sede de controle difuso, emanada por ente federativo diverso daquele prolator da lei objeto do recurso extraordinário sob exame.

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As reclamações suscitadas defenderam a transcendência dos motivos determinantes de decisões proferidas em controle concentrado, que já apresenta efeito erga omnes por natureza.

Outros precedentes reafirmaram a idéia de aplicação do efeito transcendente dos fundamentos determinantes das decisões com eficácia vinculante, passando-se a discutir o cabimento de reclamação constitucional que tenha como parâmetro decisão proferida em sede de controle difuso e incidental, como é o caso da Reclamação 4.335-5-AC, Rel. Min. Gilmar Mendes, em que fora deferida liminar para assegurar a prevalência do entendimento do STF no HC 82.959-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, quando declarada a inconstitucionalidade do dispositivo da Lei dos Crimes Hediondos sobre a vedação da progressão de regime (Lei nº 8.072/90, art. 2º, § 1º).


6. Conclusão

A questão está longe de ser pacificada no Tribunal, principalmente acerca da pertinência da transcendência dos efeitos vinculantes dos fundamentos de julgamentos do controle difuso ou concreto, já sendo possível encontrar entendimentos em sentido contrário na própria Corte, como é o exemplo do Agravo Regimental na reclamação nº 5.389/PA, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, pelo que deve merecer ainda um tratamento mais adequado pelo Plenário da Corte. 

Ainda, por meio da ADIn n. º 3445-DF, o STF determinou a extensão dos motivos determinantes contidos no Recurso Extraordinário n.º197.917-SP  contra ato normativo do Tribunal Superior Eleitoral, que reduziu o número de vereadores de todo o país.

Importante registrar que o RE n.º197.917-SP não teve a chancela do Senado, por se considerar ausente a necessidade de efeitos transcendentes, sendo posteriormente conferido tal efeito para manter a Resolução do TSE que apresentava o mesmo fundamento jurídico.

Ao se estender a vinculação da decisão proferida pela Suprema Corte ao texto completo do julgado, tem-se possibilidade de afronta a normas infraconstitucionais processuais e constitucionais.

O Código de Processo Civil estabeleceu a regra geral de respeito aos limites objetivos da coisa julgada nos processos de controle de constitucionalidade, na via difusa. As decisões proferidas em recurso extraordinário devem fixar os limites objetivos da coisa julgada para a lide em julgamento, não se prevendo a extensão das razões da decisão para outros processos.

Mesmo em tema de controle de constitucionalidade concentrado não existe a previsão legal para extensão pretendida pelo Supremo Tribunal Federal, conforme se infere dos dispositivos da Lei nº 9.868/99, que versa acerca do processo e julgamento das ações diretas, tampouco a previsão no regimento interno do Supremo Tribunal Federal. 

Evidencia-se o conflito entre as decisões recentes do STF, que fixam a extensão das razões de decidir do recurso extraordinário para além do julgado, adotando-se a tese de transcendência dos motivos determinantes, com as normas do processo civil, tidas como constitucionalmente adequadas e aceitas pela CF/88.

Retorna-se ao dilema de que a supremacia da Constituição e sua força normativa não autorizam o exercício irrestrito e discricionário das competências da Suprema Corte no exercício de sua jurisdição constitucional, cabendo indagar-se sobre mecanismo de self-restraint ou autocontenção do STF, na medida em que passa a criar parâmetros não instituídos pelo constituinte originário. 

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Sobre a autora
Dirlene Gregório Pires da Silva

Procuradora Federal - Advocacia Geral da União. Chefe de Divisão da Coordenação Geral de Representação Judicial da Superintendência Nacional de Previdência Complementar. Especialista em Direito Público pela Universidade de Brasília.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Dirlene Gregório Pires. A ampliação do controle de constitucionalidade difuso na perspectiva de Ronald Dworkin.: O juiz “Hércules” em defesa de uma comunidade fundada em princípios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3461, 22 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23271. Acesso em: 16 abr. 2024.

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