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O sistema constitucional dos países lusófonos.

Um breve passeio no modelo jurídico-político de Angola, do Brasil, de Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, à luz das concepções de Ferdinand Lassalle, Konrad Hesse e Karl Loewenstein

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X. SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE (www.governo.st)

A moderna história constitucional das ilhas de São Tomé e Príncipe nasce em 12.7.1975, com a independência em face de Portugal, após as lutas encetadas pelo Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe (MLSTP), que resultou inicialmente na implantação de um regime político socialista e autoritário.

Somente a partir de 1990, o País ingressa no caminho do constitucionalismo democrático, como ensina José Paquete D’Alva Teixeira (2008) fruto da experiência constitucional iniciada em 1975.

Eis o preâmbulo constitucional:

Durante cinco séculos o Povo São-tomense travou contra a dominação colonial, um combate difícil e heróico, pela libertação da sua Pátria ocupada, pela conquista da Soberania e Independência Nacional, pela restauração dos seus direitos usurpados e pela reafirmação da sua dignidade humana e personalidade africana.

A 12 de Julho de 1975, sob a esclarecida direcção do Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe (MLSTP), o Povo São-tomense alcançou a sua Independência Nacional e proclamou perante a África e a Humanidade inteira a República Democrática de São Tomé e Príncipe. Essa vitória, a maior da nossa história, só foi possível graças aos sacrifícios e à determinação de valorosos e heróicos filhos de São Tomé e Príncipe que, durante séculos, sempre resistiram à presença colonial, e em 1960 se organizaram em CLSTP e mais tarde, 1972, em MLSTP, até atingir o supremo objectivo da libertação nacional.

Com a proclamação da Independência Nacional, a Assembleia Representativa do Povo São-tomense confiou ao Bureau Político do MLSTP, através do estipulado no Artigo 3.º da Lei Fundamental então aprovada, a pesada responsabilidade de, como mais alto órgão político da Nação, assumir a direcção da sociedade e do Estado em São Tomé e Príncipe, visando o nobre objectivo de garantir a independência e a unidade nacionais, mediante a construção dum Estado Democrático, segundo o programa máximo do MLSTP.

Quinze anos depois, e após análise aprofundada da experiência de exercício legítimo do poder pelo MLSTP, o Comité Central, na sua sessão de Dezembro de 1989, fiel ao dever patriótico de promover o desenvolvimento  equilibrado e harmonioso de São Tomé e Príncipe, decidiu ratificar as justas aspirações nacionais, expressas durante a Conferência Nacional, de 5 a 8 de Dezembro de 1989, no sentido da abertura do necessário espaço à participação de outras forças politicamente organizadas, com vista ao aprofundamento da democracia, em prol da modernidade em São Tomé e Príncipe.

Inspirada na necessidade histórica de se promover a participação cada vez mais ampla e responsabilizada do cidadão nos vários domínios da vida  nacional, a presente revisão ao texto constitucional, para além de consagrar o princípio de que o monopólio do poder não constitui por si só garantia suficiente de progresso, representa a vontade colectiva dos São-tomenses em darem a sua parcela de contribuição à universalidade dos direitos e liberdades fundamentais do Homem.

Nestes termos, após a aprovação pela Assembleia Popular Nacional, no uso das atribuições que lhe são conferidas ao abrigo da alínea i) do artigo 32.º, e ratificação por Referendo Popular, ao abrigo do n.º 2 do artigo 70.º, todos da Constituição vigente, promulgo a seguinte Constituição:

São Tomé e Príncipe é uma democracia incipiente. O seu IDH é 0,651; a expectativa de vida é de 66 anos; a mortalidade infantil é de 72 crianças por mil nascimentos; a taxa de alfabetização é de 85%; e a percepção da corrupção é de 2,8.

Nesse quadro, o sistema constitucional tomeense é nominal, pois se a Constituição não se apresenta como “folha de papel”, ainda não é instrumento transformador da realidade social.


XI. TIMOR-LESTE (www.timor-leste.gov.tl)

O caçula dos Estados soberanos lusófonos é o Timor-Leste, que obteve sua independência de Portugal em 28.11.1975, mas foi logo ocupado pelas forças da Indonésia e somente em 20.5.2002 teve reconhecida sua soberania política, após novas lutas de independência e a intervenção da comunidade internacional, mormente da ONU.

Na análise que procedeu ao texto constitucional do Timor Leste, Jorge Bacelar Gouveia (2008) explica as estruturas e as fontes do sistema timorense, enquadrando nos contemporâneos paradigmas constitucionais, e que a principal inspiração foi o texto constitucional português.

Eis o preâmbulo da Constituição de 22.3.2002:

A independência de Timor-Leste, proclamada pela Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (FRETILIN) em 28 de Novembro de 1975, vê-se internacionalmente reconhecida a 20 de Maio de 2002, uma vez concretizada a libertação do povo timorense da colonização e da ocupação ilegal da Pátria Maubere por potências estrangeiras.

A elaboração e adopção da Constituição da República Democrática de Timor-Leste culmina a secular resistência do povo timorense, intensificada com a invasão de 7 de Dezembro de 1975.

A luta travada contra o inimigo, inicialmente sob a liderança da FRETILIN, deu lugar a formas mais abrangentes de participação política, com a criação sucessiva do Conselho Nacional de Resistência Maubere (CNRM), em 1987, e do Conselho Nacional de Resistência Timorense (CNRT), em 1998.

A Resistência desdobrou-se em três frentes.

A frente armada foi protagonizada pelas gloriosas Forças Armadas de Libertação Nacional de Timor-Leste (FALINTIL), cuja gesta histórica cabe exaltar.

A acção da frente clandestina, astutamente desencadeada em território hostil, envolveu o sacrifício de milhares de vidas de mulheres e homens, em especial jovens, que lutaram com abnegação em prol da liberdade e independência.

A frente diplomática, conjugadamente desenvolvida em todo o Mundo, permitiu abrir caminho para a libertação definitiva.

Na sua vertente cultural e humana, a Igreja Católica em Timor-Leste sempre soube assumir com dignidade o sofrimento de todo o Povo, colocando-se ao seu lado na defesa dos seus mais elementares direitos.

Esta Constituição representa, finalmente, uma sentida homenagem a todos os mártires da Pátria.

Assim, os Deputados da Assembleia Constituinte, legítimos representantes do Povo eleitos a 30 de Agosto de 2001, alicerçados ainda no acto referendário de 30 de Agosto de 1999, que, concretizado sob os auspícios da Organização das Nações Unidas, confirmou a vontade autodeterminada de independência;

Plenamente conscientes da necessidade de se erigir uma cultura democrática e institucional própria de um Estado de Direito onde o respeito pela Constituição, pelas leis e pelas instituições democraticamente eleitas sejam a sua base inquestionável;Interpretando o profundo sentimento, as aspirações e a fé em Deus do povo de Timor-Leste;

Reafirmam solenemente a sua determinação em combater todas as formas de tirania, opressão, dominação e segregação social, cultural ou religiosa, defender a independência nacional, respeitar e garantir os direitos humanos e os direitos fundamentais do cidadão, assegurar o princípio da separação de poderes na organização do Estado e estabelecer as regras essenciais da democracia pluralista, tendo em vista a construção de um país justo e próspero e o desenvolvimento de uma sociedade solidária e fraterna.

A Assembleia Constituinte, reunida na sessão plenária de 22 de Março de 2002, aprova e decreta a seguinte Constituição da República Democrática de Timor-Leste:

O Timor-Leste engatinha no caminho da democracia. O seu IDH é 0,489; a expectativa de vida é de 61 anos; a mortalidade infantil é de 67 crianças por mil nascimentos; a taxa de alfabetização é de 50%; e a percepção da corrupção é de 2,2.

Ante essa paisagem, e tendo em vista o caráter político imaturo do Timor-Leste, é de fácil percepção a natureza nominal do seu sistema constitucional.


XII. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os países lusófonos, à exceção de Portugal e do Brasil, encontram-se no processo de amadurecimento constitucional e solidificação de suas instituições políticas e sociais.

Se os regimes democráticos estão cada vez mais enraizados na realidade dos aludidos Estados lusófonos, com as referidas exceções, é preciso concretizar radicalmente os direitos sociais fundamentais, mormente aqueles vocacionados para a proteção da vida e da liberdade do indivíduo (de todos os indivíduos) e tenham como finalidade a emancipação da pessoa humana.

Com efeito, todo ser humano deve receber um tratamento digno e igual, ou seja, deve ser tratado com respeito, consideração e justiça, de modo a que todos e cada um possam buscar e realizar a felicidade, razão de ser de nossa própria existência.

Finalizo evocando o arauto do mito lusófono, o bardo Luís Vaz de Camões, no clássico e eterno épico de Portugal e de todos os filhos da epopéia lusitana “Os Lusíadas” (Canto Primeiro, estrofes 68, 105 e 106):

As bombas vêm de fogo, e juntamente

As panelas sulfúreas, tão danosas;

Porém aos de Vulcano não consente

Que dem fogo às bombardas temerosas;

Porque o generoso ânimo e valente,

Entre gentes tão poucas e medrosas,

Não mostra quanto pode; e com razão:

Que é fraqueza entre ovelhas ser leão.

[...]

O recado que trazem é de amigos,

Mas debaixo o veneno vem coberto,

Que os pensamentos eram de inimigos,

Segundo foi o engano descoberto.

Oh! Grandes e gravíssimos perigos,

Oh! Caminho de vida nunca certo,

Que aonde a gente põe sua esperança

Tenha a vida tão pouca segurança.

No mar tanta tormenta e tanto dano,

Tantas vezes a morte apercebida;

Na terra tanta guerra, tanto engano,

Tanta necessidade avorrecida!

Onde pode acolher-se um fraco humano,

Onde terá segura a curta vida,

Que não se arme e se indigne o Céu sereno

Contra um bicho da terra tão pequeno?


XIII. REFERÊNCIAS

ALVES JR., Luís Carlos Martins. O Supremo Tribunal Federal nas Constituições Brasileiras. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança n. 3.557, Plenário, Relator Ministro Hahnemann Guimarães, julgado em 7.11.1956.

FAORO, Raymundo. Os donos do poder – formação do patronato político brasileiro. Rio de Janeiro: Globo, 3ª ed., 2001.

FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala – introdução à história da sociedade patriarcal no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 45ª ed., 2001.

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GOUVEIA, Jorge Bacelar. A Novíssima Constituição de Timor-Leste; in As Constituições dos Países de Língua Portuguesa Comentadas. Brasília: Senado Federal, 2008.

GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo: Malheiros, 4ª ed., 2006.

HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 26ª ed., 1995.

KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

LASSALLE, Ferdinan. A Essência da Constituição. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 6ª ed., 2001.

LEITÃO DA GRAÇA, José André. A Constituição Cabo-verdiana de 1991 revista pela Lei Constitucional n. 1/V/99; in As Constituições dos Países de Língua Portuguesa  Comentadas.  Brasília: Senado Federal, 2008.

LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Barcelona: Editorial Ariel, 1965.

MIRANDA, Jorge Miranda. Manual de direito constitucional, tomo I. Coimbra: Coimbra, 6ª ed., 1997.

MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica.  São Paulo: Martins Fontes, 2ª ed., 2007.

NUNES JÚNIOR, José Miguel. Comentário Jurídico da Constituição de 1990, da República de Moçambique; in As Constituições dos Países de Língua Portuguesa Comentadas. Brasília: Senado Federal, 2008.

RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro – a formação e o sentido do Brasil São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

SCHMITT, Carl. O Guardião da Constituição. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

SILVA, Antonio Duarte. O Constitucionalismo da Guiné-Bissau; in As Constituições dos Países de Língua Portuguesa Comentadas.  Brasília: Senado Federal, 2008.

TEIXEIRA, José Paquete D’Alva. Comentário à Constituição Política Santomense; in As Constituições dos Países de Língua Portuguesa Comentadas. Brasília: Senado Federal, 2008.

VAN-DÚNEM, Fernando José de França Dias. A Constituição de Angola: uma análise histórico-jurídica; in As Constituições dos países de língua portuguesa comentadas. Brasília: Senado Federal, 2008.

VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 3ª ed., 2006.

XIV. SÍTIOS VIRTUAIS

ANGOLA (www.angola.gov.ao)

BRASIL (www.brasil.gov.br)

CABO VERDE (www.governo.cv)

COMUNIDADE LUSÓFONA (www.cplp.org)

FLEC - Frente de Libertação do Estado de Cabinda (www.cabinda.org)

GUINÉ-BISSAU (www.republica-da-guine-bissau.org)

MOÇAMBIQUE (www.portaldogoverno.gov.mz)

PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (www.un.org)

PORTUGAL (www.portugal.gov.pt)

SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE (www.governo.st)

THE ECONOMIST - Economist Intelligence Unit Democracy Index (www.economist.com)

TIMOR-LESTE (www.timor-leste.gov.tl)


SUMARY: This essay aims to analyze the constitutional systems of the Lusophone countries (Angola, Brazil, Cape Verde, East Timor, Guinea-Bissau, Mozambique, São Tomé and Príncipe and Portugal), from the categories launched by the Ferdinand Lassalle, Konrad Hesse and Karl Loewenstein, checking over the legal and political reality of the constitutional text.

KEY-WORDS: Comparative Constitutional Law – Lusophonie – Constitutional System – Angola – Brazil – Cape Verde – Guinea-Bissau – Mozambique – São Tomé and Príncipe – Portugal – East Timor – Ferdinand Lassalle – Konrad Hesse – Karl Loewenstein.

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Sobre o autor
Luís Carlos Martins Alves Jr.

LUIS CARLOS é piauiense de Campo Maior; bacharel em Direito, Universidade Federal do Piauí - UFPI; orador da Turma "Sexagenária" - Prof. Antônio Martins Filho; doutor em Direito Constitucional, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; professor de Direito Constitucional; procurador da Fazenda Nacional; e procurador-geral da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico - ANA. Exerceu as seguintes funções públicas: assessor-técnico da procuradora-geral do Estado de Minas Gerais; advogado-geral da União adjunto; assessor especial da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República; chefe-de-gabinete do ministro de Estado dos Direitos Humanos; secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; e subchefe-adjunto de Assuntos Parlamentares da Presidência da República. Na iniciativa privada foi advogado-chefe do escritório de Brasília da firma Gaia, Silva, Rolim & Associados – Advocacia e Consultoria Jurídica e consultor jurídico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. No plano acadêmico, foi professor de direito constitucional do curso de Administração Pública da Escola de Governo do Estado de Minas Gerais na Fundação João Pinheiro e dos cursos de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, da Universidade Católica de Brasília - UCB do Instituto de Ensino Superior de Brasília - IESB, do Centro Universitário de Anápolis - UNIEVANGÉLICA, do Centro Universitário de Brasília - CEUB e do Centro Universitário do Distrito Federal - UDF. É autor dos livros "O Supremo Tribunal Federal nas Constituições Brasileiras", "Memória Jurisprudencial - Ministro Evandro Lins", "Direitos Constitucionais Fundamentais", "Direito Constitucional Fazendário", "Constituição, Política & Retórica"; "Tributo, Direito & Retórica"; e "Lições de Direito Constitucional".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES JR., Luís Carlos Martins. O sistema constitucional dos países lusófonos.: Um breve passeio no modelo jurídico-político de Angola, do Brasil, de Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, à luz das concepções de Ferdinand Lassalle, Konrad Hesse e Karl Loewenstein. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3494, 24 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23514. Acesso em: 22 nov. 2024.

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