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Lei do RDC: a nova lei de licitações

09/02/2013 às 14:01
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O presságio do fim da Lei de Licitações pode virar realidade, e a transição entre os dois regimes pode acontecer de maneira segura, com o máximo de eficiência e o mínimo de riscos.

Como resultado da conversão em Lei da MP n° 527/2011, foi editada a Lei n° 12.462/2011, que Instituiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC.

O RDC surgiu da experiência bem sucedida da adoção de alguns procedimentos já inseridos nas práticas de contratação pública, procedimentos estes que tornaram mais eficientes o processo de aquisição de produtos e serviços por parte do Poder Público, trazendo, inclusive, experiências já em bom funcionamento no pregão eletrônico da Lei n° 10.520/2002. 

A necessidade de modernização das regras de contratação pública já era mais do que iminente no nosso ordenamento. O contexto no qual surgiu a Lei de Licitações, em 1993, ou seja, há 20 anos, incluía a comoção social que o país vivia à época. As denúncias de irregularidades então veiculadas na mídia refletiram na opinião pública, de modo que a sociedade exigiu uma postura moralizadora das contratações feitas pelo Poder Público.

Como país legalista-analítico que somos, onde muitas das respostas à sociedade se dão com a edição de leis, foi criada a extensa e formalista Lei de Licitações (Lei n° 8.666/93).

Alguns até dizem que certos dispositivos da referida lei tiveram influência de grupos econômicos interessados na forma como seriam reguladas as contratações públicas.

Verdade ou não, a situação fez surgir a Lei Geral de Licitações, que vem servindo de norma para as contratações públicas até hoje e que, mal ou bem, serve de base para garantir a solenidade, a publicidade e a busca pela justeza nas decisões que permeiam os gastos do Poder Público com a aquisição de produtos e serviços.  

Ocorre que, como todo inovador e grande ato normativo, a Lei de Licitações demorou a maturar. Seu texto foi interpretado por inúmeros doutrinadores, inúmeras cortes de julgamento e diversas vezes pelo próprio Governo - através de Decretos, Portarias, Instruções Normativas, etc. O Tribunal de Contas da União (TCU) passou por diversas fases até chegar a um grau de eficiência tal nos seus julgamentos, de forma a possibilitar que o aplicador dessa lei pudesse encontrar todas as respostas que precisasse para realizar um procedimento de contratação da melhor forma possível.

Dessa maneira, como se aprimoraram as interpretações da Lei n° 8.666/93, também ficaram em evidência as suas deficiências. Várias delas foram corrigidas com alterações à própria lei e outras com edição de regulamentos pelo Poder Executivo. Mas nem todas as inadequações procedimentais são passíveis de correção com esses “tampões”. É por isso que o Poder Público às vezes precisa se valer de leis realmente inovadoras para a modernização de procedimentos, sob pena de comprometer a eficiência e, com isso, até mesmo o crescimento do país.

Nesse contexto, surgiram o pregão, o pregão eletrônico e, agora, o RDC.

Para ser muito superficial - até porque o aprofundamento dessa questão é desnecessário -, toda grande mudança legislativa exige um processo de negociação às vezes muito caro ao Governo e, principalmente, à própria nação.

Infelizmente, o choque de interesses entre segmentos empresariais, políticos e sociais  exige cautela no processo de implementação das mudanças. Às vezes, os idealizadores de grandes idéias que poderiam gerar eficiência e benefícios ao país têm que dar verdadeiros dribles nos setores empresariais para conseguirem implementar medidas benéficas a todos.

Talvez isso tenha contribuído para que o processo de consolidação do pregão/ pregão eletrônico tenha sido paulatino. Tudo se deu de maneira crescente, de forma a neutralizar (ou pelo menos minimizar) as influências de setores privados interessados em impedir a implantação destes necessários instrumentos à eficiência nas compras públicas.     

O pregão foi crescendo devagar, inicialmente abrangendo poucas contratações, e hoje se agigantou de tal forma que é responsável por enorme fatia dos gastos públicos com contratação de serviços e, sobretudo, compras de produtos.  

Através desse processo gradual de ajustes, o pregão foi crescendo, engrandecendo sua margem de aplicabilidade, de forma que se tornou o mais utilizado mecanismo de contratação da União. 

Na nossa visão, diversos “feudos” acostumados a sempre ganharem licitações, hoje estão parcialmente desarticulados e, com a ampla publicidade e democratização proporcionada principalmente pelo pregão na modalidade eletrônica, as compras públicas se tornaram muito menos custosas, haja vista a possibilidade de participação de empresas de todo o Brasil nos procedimentos.

Assim, o pregão surgiu, se consolidou e tornou muito mais eficientes as compras de produtos e contratação de serviços comuns em relação à época imediatamente anterior à sua existência, quando as contratações eram regidas pela Lei de Licitações. E, devido ao seu caráter preferencial, esvaziou bastante a utilidade do diploma geral.

No entanto, mesmo com o advento da Lei do Pregão, a Lei n° 8.666/93 ainda permaneceu aplicável às obras de engenharia - outro tipo de contratação que representa gastos de enorme monta para o Poder Executivo. Inclusive, o Decreto 5.450/2005 é expresso em vedar a contratação de obras de engenharia por meio do pregão.

Então, como escapar das amarras da Lei de Licitações, de forma a possibilitar maior competitividade e tornar mais eficiente a contratação de obras públicas no país? Eis que surge o RDC.   

De forma também paulatina, o RDC está crescendo e ganhando corpo na administração pública.

Segundo a Lei n° 12.462/2011, o RDC seria aplicável exclusivamente às licitações e contratos necessários à realização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, da Copa das Confederações da Federação Internacional de Futebol Associação (Fifa 2013) e da Copa do Mundo (Fifa 2014).

É importante destacar o cuidado com que o Governo editou a MP n° 527/2011, convertida na Lei n° 12.462/2011. Como dito, ele instituiu o RDC em caráter temporário e exclusivamente para esses três eventos acima enumerados.

Então, de forma cautelosa, inicialmente pela necessidade de viabilizar esses grandiosos e iminentes eventos, foi possível abrir a porta para o que poderá ser, na nossa visão, a nova Lei de Licitações.  

É evidente que o Poder Público não pode ficar refém das amarras da já ultrapassada Lei n° 8.666/93 se quiser gastar com eficiência. E, resolvida a questão da contratação dos bens e serviços comuns através do pregão, só faltava resolver a questão das obras de engenharia. Mas o problema das obras não é tão simples assim de ser resolvido, e por envolver contratos de valor muito expressivo, o processo tem que ser feito com segurança. Talvez por isso que o RDC, talvez para não inovar de forma muito radical, nasceu em caráter excepcional e temporário, apenas no intuito de abrir os caminhos das contratações de obras à eficiência exigida pela sociedade.

Como já era de se esperar, também paulatinamente o RDC está sendo ampliado, como foi através da Lei n° 12.688/2012 (que incluiu as obras do Programa de Aceleração do Crescimento - PAC - no RDC), da Lei n° 12.745/2012 (que incluiu também no RDC as obras e serviços de engenharia do Sistema Único de Saúde - SUS) e, mais recentemente, da Lei n° 12.722/2012 (que incluiu o § 3° no art. 1° da Lei do RDC, para abrir a possibilidade dos sistemas públicos de ensino utilizarem o referido regime).  

Estes recentes incrementos à Lei do RDC demonstram a enorme habilidade do Governo em fazer valer este regime para as suas principais fontes de gastos e impor soluções até então inviáveis com a Lei de Licitações.    

Vale ressaltar que o RDC, diferente do pregão, exclui a aplicação da Lei de Licitações. Assim dispõe o § 2°, do art. 1° da referida norma:

§ 2º  A opção pelo RDC deverá constar de forma expressa do instrumento convocatório e resultará no afastamento das normas contidas na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, exceto nos casos expressamente previstos nesta Lei.

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Por isso, para um bom entendedor, há um presságio que anuncia a inevitável morte da Lei n° 8.666/1993.

Mas, afinal, em que o RDC inova ao ponto de ser a “menina dos olhos” da administração pública?

Em resumo, o regime traz inovações importantes, tais como: a fase recursal única, a inversão de fases (que pode reduzir o tempo médio de licitação de uma obra de 200 para cerca de 30 dias), a possibilidade da proposta fechada (não divulgação do orçamento) e da remuneração variável (que valoriza o contratado que vai além do que foi pedido, configurando um verdadeiro contrato de eficiência e visando a economia de recursos).

No entanto, a grande inovação do RDC é o surgimento da figura da contratação integrada. Tal modalidade de contratação visa suprir uma inegável deficiência do Poder Público: a dificuldade de encontrar, nos seus quadros, técnicos capazes de elaborar um projeto básico suficiente a gerar um bom projeto executivo.

Grande parte das majorações financeiras dos contratos de obras decorrem de alteração do projeto básico, que muitas vezes não é concebido de maneira correta. E essas majorações dão ensejo a prejuízos que surgem não só da falta de capacidade do técnico que elaborou o projeto básico, como até mesmo de uma eventual má-fé (fraude) deste que, visando celebrar futuros aditivos de valor, já elabora um projeto básico viciado, subestimado, de forma a negociar posteriormente com as empresas aditivos difíceis de fiscalizar.  

Sabedor dessas dificuldades, o Governo inseriu a possibilidade de contratação integrada na Lei do RDC. Nesse modelo, a empresa fica responsável pela elaboração do projeto básico e, por isso, está proibida de requerer aditivos para ajustar erros deste projeto, quando da fase de execução.

Por esta razão, a contratação integrada talvez tenha sido a grande idéia do Poder Público para se ver livre dos prejuízos causados pela elaboração de projetos básicos deficitários ou viciados, transferindo às empresas o ônus de zelar pelo bom planejamento da obra.

E a “cereja do bolo” do RDC é justamente conjugar a contratação integrada com a possibilidade de comissionar a empresa por ser mais eficiente do que a administração exigiu que ela fosse. É por isso que o art. 4°, IV da Lei do RDC criou a figura da remuneração variável, em absoluta consonância com os postulados da eficiência.

Hoje, em órgãos como o DNIT (que é o maior licitante de obras de infraestrutura de estradas da União), já há dezenas de licitações pelo RDC em curso e, desde outubro de 2012 (mês de edição da Lei n° 12.722/2012), as Universidades Federais do país começaram a se mobilizar para capacitar comissões de licitação para a realização de contratações pelo regime da Lei n° 12.462/2011.

Por fim, é evidente que o RDC, por ser novo, ainda não tem menções na doutrina e jurisprudência (nem do Poder Judiciário e nem do TCU), mas isso não impede que o Poder Executivo Federal faça uso maciço dos seus ditames, logicamente, com o obrigatório e essencial assessoramento jurídico de Membros concursados da Advocacia-Geral da União, de forma a validar os procedimentos e assegurar a correta aplicação deste novel diploma.

Assim, o presságio do fim da Lei de Licitações pode virar realidade, e a transição entre os dois regimes pode acontecer de maneira segura, de forma a proporcionar justamente o que o RDC pretende implementar no Brasil: o máximo de eficiência com o máximo de lisura e o mínimo de riscos para a sociedade.               

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Sobre o autor
Rômulo Gabriel M. Lunelli

Procurador Federal. Especialista em Direito do Estado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LUNELLI, Rômulo Gabriel M.. Lei do RDC: a nova lei de licitações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3510, 9 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23697. Acesso em: 2 nov. 2024.

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