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O depoimento pessoal e o interrogatório livre à luz da Constituição Federal

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25/03/2013 às 11:36
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4. Ônus ou dever das partes?

Estabelece o artigo 340 do CPC que é “dever das partes comparecer em juízo, respondendo ao que lhe for interrogado”. As consequênciasde seu desatendimento varia de acordo com a natureza do instituto.

No que se refere ao depoimento pessoal, prevê o Código que a parte tem o deverde comparecer  e responder às perguntas que lhe forme formuladas em juízo. Sua ausência ou silêncio, ou, até, respostas evasivas, culminarão na aplicação da “pena de confissão”, conforme determina o art.  343 do CPC.

Já em se tratando de interrogatório livre, não se aplica a pena de confissão, como bem destacam MARINONI e ARENHART[31]:

“(...) a sanção da confissão  - prevista no §1° do art. 343 do CPC - dirige-se exclusivamente à disciplina do depoimento pessoal (tratado naquele artigo) Isso deflui da óbvia constatação de que a confissão é sanção, e, como toda sanção, deve sofrer interpretação restritiva: se a menção à confissão somente existe no art. 343 e não no art. 342, é porque somente àquele caso é ela aplicável, sendo vedada sua extensão ao interrogatório livre, regulado por este último dispositivo”.

Neste sentido, é o entendimento de JOÃO BATISTA LOPES[32] que salienta:

“Nem mesmo se pode cogitar de aplicar à parte faltosa a pena de confissão, somente prevista para o depoimento pessoal a teor do art. 343, §2° do CPC. Consoante regra elementar de interpretação, as disposições dos parágrafos subordinam-se ao caput, não podendo ser transportadas para outros artigos.”

Todavia, deixando a parte de comparecer ou responder às perguntas do interrogatório informal, estasofrerá as consequênciasdo não esclarecimento dos fatos porque não se trata de dever, mas de um ônus processual.

Neste sentido JOÃO BATISTA LOPES[33] afirma que:

 “a única consequência do não comparecimento da parte ao interrogatório informal é o juiz decidir sem os esclarecimentos necessários, o que poderá prejudicar a parte omissa. Entretanto, cmo o juiz, ao julgar a lide, deve atender a todos os elementos constantes dos autos, poderá ocorrer que, mesmo desatendendo à ordem judicial de comparecimento, a parte venha a lograr decisão favorável à sua pretensão”.

MARINONI e ARENHART[34] entendem que o comparacimento da parte ao interrogatório informal é um dever e como tal, sua desobediência implica em sanções:

“ Se o interrogatório livre é posto no interesse do juiz (em melhor esclarecer-se da demanda, ou em esclarecer as partes da situação da causa), se sua determinação constitui efetivamente ordem judicial, e se não há outra sanção fixada para o não atendimento à determinação, fica evidente a incidência do art. 330 do CP, com a caracterização do delito de desobediência. O que não se pode admitir é que, em recusar a cumprir determinação judicial, permanecendo indene a qualquer sanção por essa sua conduta”.

Seguem acrescentando que:

“Com efeito, mister lembrar que ‘ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade”(art. 339, CPC), razão pela qual a renitência da parte em apresentar-se ao juiz para esclarecê-lo sobre os fatos da causa importa evidente conduta de litigância de má-fé, sujeitando-se o infrator às sanções respectivas”.

Com o devido respeito à opinião dos ilustres processualistas, entendemos que as penas por desobediência e litigância de má-fé aplicadas são no mínimo exageradas, pois, segundo eles,se aplicam penas muito mais graves ao não comparecimento ou silêncio das partes no interrogatório livre do que no depoimento pessoal.

Pensamos, ainda, que a aplicação dessas penas podem ser até inconstitucional face algumas garantias fundamentais que passaremos a analisar.

4.1. Do ponto de vista constitucional

Parece-nos que, embora o Código se utilize do termo “dever”, tratar-se, na verdade de um ônus processual das partes comparecerem para depoimento ou para o interrogatório livre, e que o seu não comparecimento acarretará a presunção de veracidade dos fatos alegados pela parte contrária ou o não esclarecimento dos fatos, o que poderá ou não prejudicar a parte ausente.

Entendemos que, assim como o réu não está obrigado a contestar a ação, as partes também não estão obrigadas a falar em juízo. A nosso ver decorre das garantias do devido processo legal  e da ampla defesa (art. 5°, LIV e LV da CF/88) o direito que a parte tem de não confessar e de não produzir provas contra si mesma.

4.2. Dever de colaboração

É certo que não só as partes, mas todos os sujeitos do processo devem colaborar com o Judiciário para que o processo atinja o seu objetivo. Desta forma, os deveres prescritos no art. 14 do CPC são consectários do princípio da boa-fé objetiva que impõe a todos que participam do processo, inclusive ao juiz, uma conduta pautada na lealdade, o que, a nosso ver, não obriga, necessariamente, a parte a comparecer para depor.

A ausência da parte prejudica ela mesma, uma vez que o próprio sistema prevê a confissão como mecanismo hábil a suprir sua omissão. Por isso, pensamos que sua omissão não prejudica o processo, que tem outros meios de obter o mesmo resultado que obteria com o seu depoimento.

A falta do depoimento da parte, em nosso sentir, não implica em demora ou procrastinação do processo, tampouco, significa o mesmo que proferir falsas declarações. Por isso, entendemos que o interesse individual da parte em não se prejudicar com suas próprias declarações não conflitam com dever de colaboração que tem os sujeitos do processo.

4.3. Dever de dizer a verdade

Parece-nos que o art. 14, I do Código impõe às partes o dever de dizer a verdade, o que não implica em dever de comparecer e responder às perguntas, como dissemos acima.

Todavia, entendemos que o referido dispositivo vincula as manifestações da parte, não só em depoimento ou interrogatório, mas em todas as suas manifestações no processo, v.g., na petição inicial, contestação, etc.

Importante distinguir o direito ao silêncio do direito de mentir. Uma coisa não implica a outra. Entendemos que a parte tem o direito de não se manifestar acerca de certos fatos, o que não quer dizer, absolutamente, que em nome do direito à ampla defesa, possa ela mentir acerca deles.

Neste caso, a conduta da parte esbarra no preceito do art. 14, I, CPC que a obriga “expor os fatos em juízo conforme a verdade”. Portanto, quando a parte mentir em depoimento ou interrogatório aplica-se, a nosso ver, as sanções previstas para litigância de má-fé (arts. 17 e 18 do CPC).


5. Confissão ficta

O art. 343, §1°, CPC dispõe que “a parte será intimada pessoalmente, constando do mandado que se presumirão confessados os fatos contra ela alegados, caso não compareça ou, comparecendo, se recuse a depor”. No caso do não comparecimento da parte na audiência, aplica-se a mesma pena, conforme estabelece o § 2º: “se a parte intimada não comparecer, ou comparecendo, se recusar a depor, o juiz Ihe aplicará a pena de confissão”.Não se aplica a pena, todavia, caso não conste do mandado de intimação a referida advertência.[35]

No que diz respeito à confissão, importante estabelecer que tanto, a provocada como a ficta não são absolutas, devendo o juiz levar em consideração todo o conjunto probatório.

Neste sentido, ensinam MARINONI e ARENHART[36]:

O que não se admite é a contradição da ficção - obra de imposição arbitrária do legislador, tomada de forma genérica e abstrata - com a prova dos autos. A homogeneidade da lógica e o ideal de justiça ordenam ao juiz que se sirva da regra aqui exposta, mas não se escravize a ela, porquanto comando distante do caso concreto e dos matizes ali revelados."

A respeito, oportunas as lições de JOÃO BATISTA LOPES[37]:

“Com efeito, não prevalece no direito moderno a máxima “a confissão é a rainha das provas”. Em primeiro lugar, porque a confissão, em rigor técnico, sequer pode ser considerada meio de prova, uma vez que o fato confessado dispensa produção de prova. Em segundo lugar, porque o juiz deve decidir a lide de acordo com o conjunto dos autos, que, em muitos casos, poderá não se harmonizar com a confissão”.

Destarte, a ocorrência de qualquer das hipótese do art. 343 do CPC implicará na imposição da pena de confissão[38], mas não poderá prevalecer sobre o conjunto probatório dos autos.


6. Aspectos constitucionais

Além das questões constitucionais relativas ao dever de depor e às sanções a ele relacionadas, há outras que, a nosso ver, merecem alguns comentários, tais como a pertinência de prévia indicação dos fatos que serão objeto de questionamento, a necessidade de contraditório na utilização de notas e escritos e a efetiva participação do advogado no depoimento e interrogatório.

6.1. Prévia indicação dos fatos

Entendemos que a prévia indicação dos fatos que serão objeto de indagações às partes prestigiam o princípio do contraditório e da ampla defesa, pois dará à parte depoente condições de se preparar, no sentido de colher todas as informações necessárias, a elucidar os fatos.

A nosso ver, a medida poderá evitar que o depoente de boa-fé incorra em erros ou imprecisões que possam denotar uma falsa tentativa de alterar a verdade dos fatos. Também, dará elementos para a parte se manifestar contrária à produção da prova oral, informando previamente ao juízo, por exemplo, que não tem conhecimento dos fatos ou que não está obrigada a depor sobre aqueles fatos determinados (art. 347 do CPC). Ou ainda, que são impertinentes ou irrelevantes à causa de forma que a realização do depoimento nessas hipóteses implicará em prolongamento inútil do processo.

O Código de Processo Civil português tem previsão expressa neste sentido, conforme dispõe o art. 552, n.2: “ Quando o depoimento seja requerido por alguma das partes, devem indicar-se logo, de forma discriminada, os factos sobre que há-de recair”.

Essa medida, além de obedecer ao contraditório e à ampla defesa, prestigia o princípio da efetividade, evitando audiências inúteis. Isso porque na prática poucos depoimentos levam à confissão do depoente, que obedecendo ao instinto natural de defesa, acaba omitindo os fatos que possam lhe prejudicar.

6.2. Necessidade de contraditório na utilização de notas e escritos

Crucial nos parece que se dê oportunidade à parte contrária de tomar ciência do conteúdo das notas e escritos dos quais o depoente pretende se utilizar no depoimento (art. 346 do CPC) para que se certifique a parte contrária de que não se tratam de verdadeiros depoimentos previamente preparados.

6.3. Participação do advogado no interrogatório

No depoimento pessoal há participação da parte contrária, que, através de seu advogado, formulará perguntas ao juiz que fará a inquirição do depoente[39].Já o interrogatório, é feito pelo juiz que formulará as perguntas à parte. Neste caso, não há participação dos advogados no que se refere à inquirição das partes propriamente dita.

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Todavia, julgamos indispensável a presença dos advogadosde ambas as partes, ainda que se trate de interrogatório de apenas uma delas, e sua participação, não com perguntas, mas como objetivo de fiscalizar se estão sendo observadas as garantias fundamentais, podendo se manifestar quando entender necessário, sob pena de nulidade do ato (art. 133 CF).


7.  Conclusões

Concluímos com esse breve ensaio a respeito dos aspectos constitucionais do depoimento pessoal e do interrogatório informal da parte, que são eles ônus processuais dos quais devem se desincumbir as partes com intuito de não sofrerem as consequências de sua omissão.

No caso do depoimento pessoal, a parte evita a confissão ficta, que poderá ou não, de acordo com as demais provas produzidas no processo, ter o efeito de fazer com que os fatos alegados pela parte contrária sejam tidos como verdadeiros. Já no interrogatório informal, a parte poderá evitar o julgamento da ação sem que seja beneficiada pelos esclarecimentos acerca dos fatos sob os quais o juiz ainda não se convenceu.

Concluímos que somente essas são as consequênciasque podem ser sofridas pelas partes em face se sua ausência ou silêncio no depoimento pessoal ou no interrogatório, não se aplicando as penas previstas para o crime de desobediência ou litigância de má-fé.

Chegamos à conclusão de que o silêncio da parte é direito decorrente das garantias do devido processo e da ampla defesa e que não implica no descumprimento do dever de colaboração, tampouco do dever de dizer a verdade já que se omitir não é mesmo que mentir.

Ademais, o próprio sistema prevê alternativas para suprir a ausência ou silêncio das partes, sem prejudicar o julgamento do mérito, objetivo do processo.Dessa forma, entendemos que o direito da parte de evitar a confissão e não se prejudicar com suas próprias declarações, além de estar garantido pela Constituição, não conflitam com dever de colaboração que tem os sujeitos do processo.

Por fim, entendemos que a sistemáticados institutos em análisepodem ser aprimorados, à luz da Constituição Federal,(a) tornando-se obrigatória a prévia indicação dos fatos que serão objeto de questionamento, como no direito português, (b) observando o contraditório quando o depoente pretender se utilizar de notas e escritos e (c) garantido a participação dos advogados das partes, mesmo que apenas uma delas seja intimada a depor,  no interrogatório informal.


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Sobre a autora
Mônica Monteiro Porto

Mestranda em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PORTO, Mônica Monteiro. O depoimento pessoal e o interrogatório livre à luz da Constituição Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3554, 25 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23987. Acesso em: 26 abr. 2024.

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