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Desaposentação: a (ir)reversibilidade do ato concessório da aposentadoria

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6     A (DES) NECESSIDADE DA DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS COMO CONDIÇÃO PARA A DESAPOSENTAÇÃO

Uma vez admitida a desaposentação, surge a questão sobre a necessidade ou não da devolução dos valores recebidos como requisito do instituto. Assim, tem-se as seguintes correntes possíveis acerca do tema:

6.1 Desnecessidade da devolução

Castro e Lazzari[32] entendem que não deve haver a restituição do recebido, já que o benefício foi concedido dentro da legalidade. Ainda, ressaltam que o período de manutenção do “novo” benefício será compensado com a menor expectativa de vida do segurado. Tais autores expõem o seu pensamento:

É defensável a tese de que não há necessidade da devolução dessas parcelas [recebidas em virtude da aposentadoria], pois, não havendo irregularidades na concessão do benefício recebido, não há o que ser restituído. Como paradigma podemos considerar a reversão, prevista na Lei n. 8.112/90, que não prevê a devolução dos proventos recebidos.

No mesmo sentido, Imbrahim[33] entende desnecessária a devolução, contanto que ambos os regimes (original e instituidor) adotem um regime de repartição simples. O mencionado autor assim se manifesta:

A desaposentação não prejudica o equilíbrio atuarial do sistema, pois as cotizações posteriores à aquisição do benefício são atuarialmente imprevistas, não sendo levadas em consideração para a fixação dos requisitos de elegibilidade do benefício. Se o segurado continua vertendo contribuições após a obtenção do benefício, não há igualmente vedação atuarial à sua revisão, obedecendo-se assim as premissas jurídicas e atuariais a que se deve submeter a hermenêutica previdenciária.

Esta corrente, que é a mais favorável ao segurado e é a que prevalece com força no âmbito do egrégio Superior Tribunal de Justiça. Nessa acepção:

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA NO REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL.DIREITO DE RENÚNCIA. CABIMENTO. POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE CERTIDÃO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO PARA NOVA APOSENTADORIA EM REGIME DIVERSO. EFEITOS EX NUNC. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES. CONTAGEM RECÍPROCA. COMPENSAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO DA AUTARQUIA.

(...)

4. OSuperior Tribunal de Justiça já decidiu que o ato de renunciar ao benefício tem efeitos ex nunc e não envolve a obrigação de devolução das parcelas recebidas, pois, enquanto aposentado, o segurado fez jus aos proventos.

(…).[34]

Deste modo, tem-se da manifestação do STJ que a aposentadoria previdenciária sujeita-se à renúncia, permitindo a contagem do tempo de serviço para a aposentação. Entende a corrente que não há justificativa para a restituição dos valores já alcançados pelo ato concessório da aposentadoria, já que os regimes previdenciários públicos em nosso país adotam o regime financeiro de repartição simples, não havendo qualquer relação direta entre o benefício e a cotização individual. Por fim, não há de se entender como cumulação de benefícios, já que um começará apenas quando finalizado o outro.

A viabilidade atuarial do instituto resta justificada, porquanto o beneficiário continua trabalhando e contribuindo, sendo esta nova cotização excedente atuarialmente imprevista, que pode ser utilizada para o cálculo de nova aposentadoria mais vantajosa.

6.2 Necessidade da devolução integral

Esta corrente reconhece o direito à desaposentação, contanto que o segurado devolva integralmente os valores recebidos da aposentadoria que almeja ver cancelada, a fim de que uma nova seja calculada.

Com este entendimento, cita-se o seguinte precedente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO. DESAPOSENTAÇÃO. APROVEITAMENTO DO TEMPO DE SERVIÇO. REGIME GERAL. POSSIBILIDADE. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS A TÍTULO DE PROVENTOS.IMPRESCINDIBILIDADE.

É possível a renúncia do segurado à aposentadoria por tempo de serviço titularizada para a efeito de aproveitamento, no próprio RGPS em futuro jubilamento, do tempo de serviço em que esteve exercendo atividade vinculada ao regime geral, concomitantemente à percepção dos proventos, desde que os valores recebidos da Autarquia Previdenciária a título de amparo sejam integralmente restituídos, seja para retornar-se ao status quo ante, seja para evitar-se o locupletamento ilícito.[35]

Adepto desta corrente restritiva, Duarte[36] relata que:

O mais justo é conferir efeito ex tunc à desaposentação e fazer retornar o status quo ante, devendo o segurado restituir o recebido do órgão gestor durante todo o período que esteve beneficiado. Este novo ato que será deflagrado pela nova manifestação de vontade do segurado deve ter por conseqüência a eliminação de todo e qualquer ato que o primeiro ato possa ter causado para a parte contrária no caso o INSS.

Na realidade, a devolução integral tornaria inviável o instituto da desaposentação, pois o segurado raramente teria a totalidade do dinheiro disponível para restituir.

6.3 Devolução parcial  

Esta corrente, adotada por Cunha Filho[37], também admite o direito à desaposentação, porém condiciona-o à devolução dos valores necessários à manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial, ou seja, deve ser analisada a perspectiva de vida do segurado, bem como o tempo de contribuição e o período previsto de recebimento da aposentaria a ser coberta pelo regime para o qual o segurado migrará. A restituição, neste sentido, deve abranger o indispensável para que não haja prejuízo entre os regimes. Por fim, justifica sua posição com as seguintes palavras:

O disciplinamento da devolução de valores à seguridade deve ter como parâmetro o montante da prestação já recebido e o importe a ser compensando ao regime previdenciário que irá receber o segurado, compensação que dependerá da expectativa remanescente da projeção de reajustamento do benefício.

Conforme lembra Castro e Lazzari[38], o Princípio do Equilíbrio Financeiro e Atuarial é de suma importância para o sistema previdenciário, já que assegura aos trabalhadores e inativos a cobertura dos riscos sociais que atingem a capacidade laborativa. Por certo, decorre daí a durabilidade e estabilidade do sistema, evitando sua quebra econômica, o que acarretaria grandes prejuízos aos cidadãos e à economia do país. Mas, cabe lembrar que, ainda que haja o aumento do valor do benefício, conserva-se o equilíbrio atuarial do sistema, já que a “nova” aposentadoria irá ser paga por um período menor, ante a redução na expectativa de vida do segurado.


7    REGIMES PREVIDENCIÁRIOS SOBRE OS QUAIS SE OPERA A DESAPOSENTAÇÃO

Caso desaposentação se opere no mesmo regime, o segurado aposentado permanece trabalhando e recolhendo as contribuições previdenciárias neste regime; já na desaposentação envolvendo dois regimes públicos ou público e privado, o segurado aposentado por um regime prossegue trabalhando e vertendo as suas contribuições previdenciárias, mas em outro regime previdenciário, e a este último vincula suas novas cotizações. É o caso, por exemplo, do segurado aposentado pelo RGPS que passa a exercer atividade vinculada a um RPPS, ou vice-versa.

Consoante pondera Ibrahim[39], o instituto da desaposentação, por conseguinte, se opera dentro de um mesmo regime ou com migração entre regimes, sendo a situação mais comum quando o segurado aposentado pelo RGPS ingressa em cargo público, vinculado ao RPPS, ou mesmo quando, ainda vinculado ao RGPS, continua em atividade laborativa por vários anos e mantém a contribuição prevista em lei.

Na ocorrência de modificação do regime previdenciário, a contagem recíproca entre os regimes distintos é garantida pela CRFB/88, que, em seu art. 201, §9º, dispõe:

Art. 201

§9º- Para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na Administração Pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos regimes de Previdência Social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei.[40]

No mesmo raciocínio, Ibrahim[41] leciona a respeito do segurado que almeja ingressar em novo regime de previdência:

(...) também não há impedimento atuarial para o mesmo, pois o RGPS irá deixar de efetuar os pagamentos ao segurado, vertendo os recursos acumulados ao regime próprio, mediante compensação financeira. Aqui também inexiste prejuízo ao RGPS, pois ainda que o segurado tenha recebido algumas parcelas do benefício, tal fato não terá impacto prejudicial, porque o montante acumulado será utilizado em período temporal menor, já que a expectativa de vida, obviamente, reduz-se com o tempo.

Neste aspecto, tem-se que a desaposentação, operada dentro do mesmo regime previdenciário, trata-se de um recálculo do valor da prestação em virtude das novas contribuições do segurado. Assim, não há razão para que sejam restituídos os valores já percebidos.

No entanto, tratando-se da desaposentação que almeja mudar o regime previdenciário, poderia se falar em restituição de valores percebidos, uma vez que o segurado abandona o regime, porém leva suas reservas acumuladas para regime diverso. Em uma primeira análise, o regime originário sustentaria os gastos, o que causaria prejuízos aos demais beneficiários. Contudo, esta não é conclusão correta sobre o instituto, uma vez que, primeiramente, deve-se analisar o regime financeiro do sistema previdenciário originário do segurado.

Caso o regime se mantenha por meio do sistema de capitalização individual, o abatimento é apropriado, porque em tal sistema o benefício é conferido por meio do acúmulo de capitais em conta individual, sendo calculado conforme o montante e o período de contribuição.Apenas nesta conjuntura pode-se entender correta a afirmação de Novaes[42], ao defender que “a desaposentação implica necessariamente na devolução dos valores recebidos da Previdência Social, que retornam aos seus cofres. Ao contrário, tipifica enriquecimento ilícito e prejuízo para o universo previdenciário (...).”

Logo, a suposta vantagem indevida, tendo em vista a não devolução dos valores percebidos, apenas poderia incidir em sistemas de capitalização, já que neste há a devida correspondência entre prestação e benefício recebido pelo segurado.

Não obstante, Ibrahim[43] anota que há regimes previdenciários públicos em nosso país adotam o regime financeiro de repartição simples, razão pela qual não se explica o abatimento, pois o benefício não tem sequer relação direta com a cotização individual, uma vez que a manutenção do sistema justifica-se por meio do pacto intergeracional, ou seja, os indivíduos ativos sustentam os benefícios dos que se encontram inativos.

Conclui-se, portanto, que a desaposentação é viável não só no RGPS e no RPPS, mas também entre ambos (migração), uma vez que o servidor aposentado pode demandar a reversão do seu benefício, objetivando a aquisição de seu tempo de contribuição, já que não há qualquer vedação ao segurado jubilado (compulsoriamente ou voluntariamente) continuar realizando atividade remunerada.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tem-se que a desaposentação mostra-se amoldada com o primado do trabalho, presente na ordem constitucional brasileira, sendo viável sempre que beneficiar o segurado, independentemente do regime previdenciário originário e instituidor.

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Analisou-se que a preocupação com o instituto não se restringe à legalidade da conduta, mas também à sua legitimidade, ou seja, além da visão positivista, direcionada à lei, deve-se atentar às questões sociais.

Sobre este ponto (moralidade), a desaposentação encontra-se plenamente justificada, porquanto não há sentido em a Administração Pública conservar o status de aposentado do segurado contra a sua vontade.

Trata-se, na verdade, de uma opção do segurado em desfazer seu ato concessório da aposentadoria, almejando um benefício maior, no mesmo ou em regime previdenciário diverso. O Direito Previdenciário, neste aspecto, deve ser aplicado de maneira adequada, visando a real finalidade de suas normas: atender as perspectivas e anseios da sociedade.

A questão da imutabilidade do ato jurídico perfeito resta superada, uma vez que esta segurança constitucional confere segurança jurídica ao segurado, contra os desmandos do Estado. Assim, a prerrogativa do segurado não pode ser oposta em seu desfavor.

No âmbito judicial, todos os Tribunais Regionais Federais, como também o Superior Tribunal de Justiça, têm o firme entendimento no sentido de que a desaposentação é um direito do segurado, de natureza patrimonial, disponível, que pode ser exercido no mesmo ou em outro regime previdenciário, havendo pequena divergência de entendimento no que se refere, tão somente, à necessidade ou desnecessidade da devolução dos valores recebidos. Especificamente sobre o quesito da devolução dos valores recebidos, apenas o Superior Tribunal de Justiça firmou jurisprudência favorável ao segurado, entendendo pela desnecessidade absoluta da devolução dos valores recebidos da aposentadoria renunciada, independentemente do regime previdenciário.

Confirmou-se, por conseguinte, que a desaposentação não ocasiona qualquer lesão ao equilíbrio atuarial do sistema, uma vez que as contribuições futuras à aposentadoria também eram imprevisíveis, ressaltando-se o fato de que, após a desaposentação, o novo regime previdenciário arcará com um lapso de tempo inferior, tendo em vista a menor expectativa de vida do segurado.

Pelo exposto, inegável o direito do segurado em renunciar sua aposentadoria, almejando melhor condição social, porquanto evidenciado que o instituto, ainda que não esteja previsto legalmente, é constitucional, na medida que não há qualquer restrição  explícita  sobre o tema, aguardando-se, tão somente, o julgamento definitivo do recurso extraordinário 381367/RS, interposto no Supremo Tribunal Federal, que deverá, conclusivamente, decidir quanto à constitucionalidade ou inconstitucionalidade do referido instituto.

O presente artigo concluiu, deste modo, que a desaposentação é juridicamente possível e almeja obter um benefício mais vantajoso ao segurado. A respeito das hipóteses levantadas, restou demonstrado que inexiste lei que regulamente a desaposentação no país, que constitui um direito patrimonial do aposentado segurado, sendo, portanto, passível de renúncia. Verificou-se, ainda, a desnecessidade da devolução dos valores recebidos, quando da concessão da “nova” aposentadoria, independentemente do regime instituidor e do regime para o qual o segurado irá se migrar. 

Deste modo, inegável a necessidade de se assegurar esse direito aos aposentados, constatando-se que a doutrina e a jurisprudência predominante reconhecem a possibilidade da renúncia ao gozo do benefício da aposentadoria.

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Sobre os autores
Jaqueline Menon

Acadêmica do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí do 8º período – UNIVALI, Itajaí, Santa Catarina

Rodrigo de Carvalho

Advogado. Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI. Professor de graduação e pós-graduação nas disciplinas de direito previdenciário e direito tributário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENON, Jaqueline ; CARVALHO, Rodrigo. Desaposentação: a (ir)reversibilidade do ato concessório da aposentadoria. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3552, 23 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24034. Acesso em: 27 abr. 2024.

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