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A inconstitucionalidade da citação por hora certa no processo penal por violação aos princípios do contraditório e da presunção de inocência.

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26/04/2013 às 15:30

Resumo:


  • A citação por hora certa no processo penal brasileiro, introduzida pela Lei nº 11.719/08, permite a continuidade do processo mesmo sem a certeza de que o réu tenha conhecimento da acusação, o que levanta questões sobre a constitucionalidade desse procedimento.

  • Princípios como o contraditório, a ampla defesa e a presunção de inocência podem ser comprometidos pela citação por hora certa, já que o réu pode ser julgado e condenado sem a garantia de uma defesa efetiva.

  • A hermenêutica salvacionista, que busca interpretar a citação por hora certa em harmonia com o sistema acusatório e as garantias constitucionais, pode ser uma alternativa para compatibilizar o art. 362 do CPP com a Constituição, evitando a declaração de inconstitucionalidade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3. Considerações finais: a hermenêutica salvacionista como única possibilidade de compatibilizar o art. 362 do CPP com a Constituição.

A única hipótese que vislumbramos para evitar a declaração da inconstitucionalidade seria a sua aplicação em harmonia com a sistemática já adotada pelo processo penal anteriormente.

A citação por hora certa enquadra-se, como visto, na modalidade de citação ficta, juntamente com a citação por edital, na qual se presume que o réu tomou conhecimento dos termos da ação, mesmo diante da impossibilidade de determinar sua localização. Antes da mudança trazida pela Lei 17.719/08, a citação por edital era a única forma de citação ficta utilizada no processo penal.

Diferente do que ocorre no processo civil, a citação por edital não possui os mesmos efeitos das demais citações, uma vez que a possibilidade de condenação criminal sem que o acusado venha sequer a tomar conhecimento do processo é excessivamente grave. Se ocorrer efetivamente a citação por edital e o réu não comparecer em juízo, nem constituir o advogado, o processo deverá ser suspenso, nos termos do artigo 366:

Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312.

Destarte, a redação desse artigo encontrou uma solução que preserva o direito de defesa do réu, visto que o Processo não continuará sem sua presença, e ao mesmo tempo, ao sustar o curso do prazo prescricional, impede que o acusado que ardilosamente tenha evitado a citação seja beneficiado. Essa regra foi fruto da reforma do Código de Processo Penal trazida com a Lei 9271/96, que após fortes críticas doutrinárias limitou a aplicação da citação por edital, já que, antes, apesar de abranger apenas situações pontuais, produzia efeitos semelhantes às demais citações, permitindo que o processo chegasse ao transito em julgado.

A introdução da citação por hora-certa nos procedimentos penais sem que fossem tomados os devidos cuidados na regulamentação de sua aplicação representou, sob nosso ponto de vista, um retrocesso. Por ser uma espécie de citação ficta, o instituto de citação por hora certa tolera a possibilidade de um indivíduo responder a um processo criminal sem sequer saber de sua existência, produzindo mais uma hipótese de presunção contra o réu. Tal situação, dentro do atual ordenamento constitucional brasileiro, que presa pelo direito à ampla defesa e pela presunção de inocência do réu, é incoerente, para dizer o mínimo.

Como a citação por hora certa corresponde a uma modalidade de citação ficta como a citação por edital, o coeso seria considerar que a aplicação do artigo 366 abrangesse ambas as espécies. Dessa forma, a citação por hora-certa só teria o condão de ensejar a suspensão do processo até que o acusado fosse localizado ou se apresentasse, solução que, de certo modo, foi compreendida pelo STJ como a que, nesses moldes, não geraria maiores prejuízos ao réu.


Referências:

·  FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal.  3ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

·  LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

·  SILVA, Ivan Luís Marques. Parecer na Comissão de Direito Criminal da Ordem dos Advogados do Brasil-Secção São Paulo. Disponível em: http://www2.oabsp.org.br/asp/comissoes/direito_criminal/ trabalhos/citacao.pdf. Acesso em 26 out. 2012.

· SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RHC nº 31.421/SP. Quinta Turma. Relatora Ministra Laurita Vaz. Julgamento em 08/05/2012. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em 05/02/2013

·  SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Agravo nº 808.375/RS. Ministro Marco Aurélio. Julgado em 18 de outubro de 2010. DJe-207 DIVULG 27/10/2010 PUBLIC 28/10/2010. Disponível em: WWW.stf.jus.br. Acesso em: 05 fev 2013.


Notas

[1] LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 185.

[2] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal.  3ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 564.

[3] SILVA, Ivan Luís Marques. Parecer na Comissão de Direito Criminal da Ordem dos Advogados do Brasil-Secção São Paulo. Disponível em: http://www2.oabsp.org.br/asp/comissoes/direito_criminal/ trabalhos/citacao.pdf. Acesso em 26 out. 2012.

[4] LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 179.

[5] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Agravo nº 808.375/RS. Ministro Marco Aurélio. Julgado em 18 de outubro de 2010. DJe-207 DIVULG 27/10/2010 PUBLIC 28/10/2010. Disponível em: WWW.stf.jus.br. Acesso em: 05 fev 2013.

[6] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RHC nº 31.421/SP. Quinta Turma. Relatora Ministra Laurita Vaz. Julgamento em 08/05/2012. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em 05/02/2013.

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Sobre o autor
André Carneiro Leão

É Mestre em Direito Penal pela Universidade Federal de Pernambuco-UFPE. Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal. É Professor da Faculdade Damas de Instrução Cristã. Professor convidado do Instituto de Magistrados de Pernambuco-IMP. É Defensor Público Federal. Titular do 9ª Ofício Criminal da DPU/PE. Ex-chefe da Defensoria Pública da União em Pernambuco. Vice-Diretor da Escola Superior da Defensoria Pública da União (ESDPU). Coordenador Estadual do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais-IBCCRIM. Foi professor universitário de Direito Penal e Processual Penal da Faculdade de Direito de Olinda (AESO/BARROS MELO). Foi professor de cursos para concursos. Foi Professor e Coordenador da disciplina Direito Previdenciário da Escola Superior da Advocacia de Pernambuco (ESA/PE). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco-UFPE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEÃO, André Carneiro. A inconstitucionalidade da citação por hora certa no processo penal por violação aos princípios do contraditório e da presunção de inocência.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3586, 26 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24301. Acesso em: 22 dez. 2024.

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