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Quebra dos sigilos fiscal, bancário e financeiro

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28/05/2013 às 11:26
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Justa causa 

Para que possa haver, licitamente, a quebra de sigilo financeiro, é imprescindível que haja uma justa causa, pois a decretação dessa medida constitui, sem dúvidas, em verdadeiro ato de coação processual.

Para que haja justa causa a ensejar a decretação da quebra do sigilo financeiro não é necessário que haja prova da materialidade do delito, uma vez, na maioria das vezes, somente os documento enviados  pela  instituição  financeira  é  que poderão trazer os elementos de prova da materialidade aos autos do processo. O que é necessário para a configuração da justa causa é que estejam presentes reais indícios acerca materialidade e autoria do crime (BELLOQUE, 2003).

Sobre a presença desses indícios, assim explica Belloque:

Certo é que são necessários indícios que apontem a prática de uma infração penal pelo titular das informações sigilosas afetadas pela decisão. O fato incidiário, que autoriza um juízo de probabilidade ou verossimilhança, não se identifica com a mera suspeita ou com a conjectura sem apoio em elementos fáticos concretos. Estes últimos, que se afastam do campo da probabilidade, aproximando-se mais da mera possibilidade, não são suficientes à decretação da quebra de sigilo financeiro (2003, p.100). timos, que se afastam do campo da probabilidade, aproximando-se mais da mera possibilidade, npecialmente para a apuraçsentes .

Dessa foram, para que haja justa causa é necessário que haja fundados e reais indícios de ocorrência de um crime, de tal forma que a quebra de sigilo financeiro se afigure, à vista do postulado ou princípio da proporcionalidade como medida necessária à prevalência, no caso concreto, do interesse público relevante. Nesse sentido, assim já decidiu o Supremo Tribunal do Federal:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM PETIÇÃO. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO, FISCAL E TELEFÔNICO. MATÉRIAS JORNALÍSTICAS. DUPLICIDADE DA NOTÍCIA-CRIME. 2. Para autorizar-se a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico, medida excepcional, é necessário que hajam indícios suficientes da prática de um delito. A pretensão do agravante se ampara em meras matérias jornalísticas, não suficientes para caracterizar-se como indícios. O que ele pretende é a devassa da vida do Senhor Deputado Federal para fins políticos. É necessário que a acusação tenha plausibilidade e verossimilhança para ensejar a quebra dos sigilos bancários, fiscal e telefônico. 3. Declaração constante de matéria jornalística não pode ser acolhida como fundamento para a instauração de um procedimento criminal. 4. A matéria jornalística publicada foi encaminhada ao Ministério Público. A apresentação da mesma neste Tribunal tem a finalidade de causar repercussão na campanha eleitoral, o que não é admissível. Agravo provido e pedido não conhecido (STF, Pet-AgR 2805-DF, Rel. Min. Nelson Jobim, pub. in DJ de 13.11.2002).

Em sendo assim, forçoso é concluir que, para a ocorrência desses fundados indícios de materialidade e autoria do crime, é necessário que haja, ao menos, um início de investigação, seja o inquérito policial ou outra peça de informação, produzida, por exemplo, pelo MP.


Motivação da decisão judicial  

Concluindo o juiz pela viabilidade da quebra do sigilo financeiro, deverá ele fundamentar adequadamente a sua decisão (art. 93, IX, da CF/88). De forma alguma poderá tal decisão, que restringe direito fundamental, ser lacunosa. 

Assim é que, deverá o magistrado, ao decidir pela quebra do sigilo financeiro,  estabelecer o alcance da medida investigatória, isto é, deverá julgador especificar “quais pessoas serão atingidas pela quebra do sigilo, quais contas ou aplicações financeiras serão violadas, quais instituições financeiras deverão fornecer as informações e sobre qual período recairá a violação” (SILVA, 2003, p.108).

Observe-se, assim, que “só se pode considerar como legítima do ponto de vista constitucional uma decisão que possa ser submetida a alguma espécie de controle, (...) e tal controle só é possível se a decisão judicial tiver sido fundamentada” (CÂMARA, 2004, p.56).


Sigilo da decretação da quebra do sigilo financeiro

Entende Juliana Belloque que, no procedimento em que se adota a medida da quebra do sigilo financeiro,

deve ser assegurado o exercício da ampla defesa, o que impede, em absoluto, a extensão dos efeitos do sigilo dos autos ao investigado e a seu defensor, já que a informação sobre o resultado da quebra do sigilo financeiro, com o acesso de todos os documentos anexados, é requisito indispensável à elaboração da estratégia defensiva (2003, p.103-104).

Para essa autora, a restrição à publicidade da persecução penal em que houve a quebra do sigilo é devida, em atendimento ao disposto no art.5º, LX, da CF/88, porém “é inaceitável que uma norma elaborada para a tutela dos direitos da parte envolvida no processo seja utilizada para prejudicá-la, impossibilitando a sua defesa” (2003, p.104). A nosso sentir, esse entendimento se releva absolutamente equivocado, eis que na fase pré-processual não há falar-se em contraditório e ampla defesa, pela própria natureza da investigação14.

Consoante argumenta Paulo Rangel,

O sigilo imposto no curso de uma investigação policial alcança, inclusive, o advogado, pois entendemos que a Lei nº 8.906/94, em seu art. 7º, III e XIV, não permite sua intromissão durante a fase investigatória que está sendo feita sob sigilo, já que, do contrário, a inquisitoriedade do inquérito ficaria prejudicada, bem como a própria investigação (2007, p.87).

Observe-se, assim, que a exceção ao sigilo do inquérito policial compromete a eficácia da investigação, mormente nos casos de investigação envolvendo organizações criminosas, ou mesmo a associações ou quadrilhas ou quadrilhas que apresentam algumas características da criminalidade organizada (utilização de recursos tecnológicos avançados, corrupção de agentes do Estado etc.).

Atente, nesse ensejo, que o inciso LV do art. 5º da CF/88 garante o contraditório e a ampla defesa aos acusados em geral.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (grifo nosso).

Ora, em se tratando de fase pré-processual não há acusado, mas sim investigado, sendo, portanto, tais enquadramentos jurídicos absolutamente distintos.

Nesse sentido, decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

EMENTA: CRIMINAL. RMS. SONEGAÇÃO FISCAL. PROCEDIMENTO CAUTELAR DISTRIBUÍDOS POR DEPENDÊNCIA EM AUTOS DE INQUÉRITO POLICIAL CONDUZIDOS SOBRE SIGILO DECRETADO JUDICIALMENTE     ACESSO     IRRESTRITO     DE        ADVOGADO.    NÃO CONFIGURAÇÃO DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. PREPONDERÂNCIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O PRIVADO.RECURSO DESPROVIDO.

Não é direito líquido e certo do advogado o acesso irrestrito a autos de inquérito policial que esteja sendo conduzido sob sigilo, se o segredo das informações é imprescindível para as investigações. O princípio da ampla defesa não se aplica ao inquérito policial, que é mero procedimento administrativo de investigação inquisitorial. Sendo o sigilo imprescindível para o desenrolar das investigações, configura-se a prevalência do interesse público sobre o privado. Recurso desprovido (grifo nosso). (STJ, RMS 17691-SC, Rel. Min. Gilson Dipp, pub. in DJ de 14.03/2005).


ATRIBUIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Muito se tem discutido sobre a legitimidade de o Ministério Público poder requisitar informações protegidas pelo sigilo financeiro diretamente às instituições financeiras.

Os adeptos da tese segundo o qual o ordenamento conferiu ao MP esse poder sustentam, em síntese, que

tendo recebidos para receber diretamente os dados relativos aos extratos bancários por parte do Banco Central (art. 4º da Lei n. 4728/65); tendo poderes investigatórios determinados pelas Leis Orgânicas Nacionais do MP (Lei Complementar n. 40/81 e a sua e a sua revogadora Lei n. 8.625/93 – art. 26); como também pela Constituição Federal (art. 129, VI), que as recepcionou; tendo recebido também poderes da própria Constituição Federal para receber estes dados diretamente das CPIs (art. 58); e ainda tendo recebido do legislador, no âmbito do Ministério público da União esta incumbência perfeitamente descrita  (lei n. 7.492/86 – art. 29), não pode restar qualquer dúvida de que possa fazê-lo diretamente, sem necessidade de autorização judicial (MENDRONI, 2002, p.103).

Assim, argumentam, como, v.g., Rogério de Paiva Navarro e Márcio Mafra Leal (BELLOQUE, 2003, p.138), que a Lei Complementar nº 75/1993 (que regulamentou as atribuições constitucionais do Ministério Público da União) conferiu a esta instituição, dentre outros, o poder de quebrar o sigilo financeiro diretamente, prescindindo-se, portanto, de autorização judicial. A propósito, vejamos o que estabelece os incisos IV, V e VIII, que, segundo eles, fundamentam essa intelecção:

Art. 8º Para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público da União poderá, nos procedimentos de sua competência:

IV - requisitar informações e documentos a entidades privadas;

V - realizar inspeções e diligências investigatórias;

VIII - ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de caráter público ou relativo a serviço de relevância pública;

§ 1º O membro do Ministério Público será civil e criminalmente responsável pelo uso indevido das informações e documentos que requisitar; a ação penal, na hipótese, poderá ser proposta também pelo ofendido, subsidiariamente, na forma da lei processual penal.

§ 2º Nenhuma autoridade poderá opor ao Ministério Público, sob qualquer pretexto, a exceção de sigilo, sem prejuízo da subsistência do caráter sigiloso da informação, do registro, do dado ou do documento que lhe seja fornecido.

Também é apontada, por essa doutrina, a Lei 8.625/93 (que instituiu a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) como outro diploma legal que conferira essa possibilidade ao MP. Com efeito, assim estabelece o art. 26, II e seu §2º, desta Lei, in verbis:

Art. 26. No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá:

II - requisitar informações e documentos a entidades privadas, para instruir procedimentos ou processo em que oficie.

§ 2º O membro do Ministério Público será responsável pelo uso indevido das informações e documentos que requisitar, inclusive nas hipóteses legais de sigilo.

É utilizado, outrossim, o art. 29, da Lei 7.492/86 (que define os crimes contra o sistema financeiro nacional, e dá outras providências), que dispõe:

Art. 29. O órgão do Ministério Público Federal, sempre que julgar necessário, poderá requisitar, a qualquer autoridade, informação, documento ou diligência, relativa à prova dos crimes previstos nesta lei.

Parágrafo único O sigilo dos serviços e operações financeiras não pode ser invocado como óbice ao atendimento da requisição prevista no caput deste artigo.

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Há, inclusive, disposição nesse sentido no Projeto de Lei 3.731/97 (que dispõe sobre as organizações criminosas, os meios de obtenção da prova e o procedimento criminal):

Art. 19. A autoridade policial ou o Ministério Público, no curso da investigação criminal ou da ação penal, poderão requisitar, de forma fundamentada, o fornecimento de dados cadastrais, registros, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras, telefônicas, de provedores de internet, eleitorais ou comerciais, ressalvados os protegidos por sigilo constitucional.

Parágrafo único. No caso de recusa por parte do detentor da informação requisitada, o juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou representação da autoridade policial, expedirá mandado de busca e apreensão.

O que se verifica, contudo, é que, muito acertadamente, essa sustentação tem sido rechaçada por boa parte da doutrina e jurisprudência.

Conforme atenta Juliana Belloque, o princípio da reserva da jurisdição abrange “não só as situações em que a restrição de direito público subjetivo esteja expressamente vinculada à prévia atuação jurisdicional, como também daquelas em que resulta grave colisão do sistema constitucional de direitos fundamentais” (grifo nosso). (2003, p.140). 

Assim é que, conforme já explicado, por se tratar a quebra de sigilo financeiro de uma restrição aos direitos fundamentais à intimidade, à vida privada etc., cabe ao Judiciário, e não MP, a decretação de tal medida (a respeito do requisito da competência exclusiva do Poder Judiciário para a decretação da quebra do sigilo financeiro, ver o tópico 6.3.2.1, a que remetemos o leitor).

Nesse sentido, assim se expressa o Min. do STJ Domingos Franciulli Netto:

Afora os poderes conferidos às Comissões Parlamentares de Inquérito, cabe ao Poder Judiciário ordenar a quebra do sigilo bancário, o que deverá ser determinado pelo juízo natural da causa, nesta incluída a medida cautelar, consoante observa com acuidade Jacques de Camargo Penteado, apontando valioso julgamento relatado pelo eminente Ministro Athos Carneiro, por vedar o sistema pátrio apenas emprego de meio estranho ao processo (STJ, Conflito de Competência, PI, in DJU de 5.4.1993, p. 5.803), a par da doutrina de Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido R. Dinamarco, exposta na obra “Teoria Geral do Processo”, Editora RT, 1a edição, 1974, página 274 (2007, p.20-21).

Veja como é simples o raciocínio.

Com efeito, o inciso X do 5º da CF estabeleceu, expressamente, que é inviolável o direito fundamental à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, sendo, pois, a teor do art. 60, §4º, IV, cláusula pétrea.

Assim, como todo direito fundamental, o direito à intimidade, protegido pelo sigilo financeiro, pode ser relativizado, se preenchido todos os requisitos legais (ver o tópico 6.3.2). Mas essa relativização, ou melhor, essa restrição, justamente por ser dirigida a um direito fundamental, só poderá ser exercida pelo Judiciário, em razão de competência. Isso porque a CF/88, em nenhum momento, conferiu ao Ministério Público a atribuição de quebra do sigilo financeiro de quem quer que seja. Senão, vejamos.

Dispõe o inciso VI do art. 129 da Magna Charta: 

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;

Observe-se, pelo teor deste dispositivo constitucional, que o MP poderá, sim, em certos casos, requisitar informações e documentos. Mas isso tão-somente será possível, se tais informações e documentos não estiverem revestidos de caráter sigiloso.

É que, quando o constituinte estabeleceu que o Parquet poderá requisitar informações e documentos para instruir os procedimentos administrativos de sua competência, ele quis se referir, obviamente, às informações e documentos que não sejam sigilosos, considerando-se que o direito à intimidade foi erigido como fundamental no art. 5º, X.

Também a possibilidade conferida ao MP em requisitar diligências investigatórias (art.129, VIII, da CF/88) em nada leva a interpretar que o MP tem o poder de decretar a quebra do sigilo financeiro. É claro que o MP pode requisitar a instauração de inquérito policial e outras diligências investigatórias. Entretanto, para que o MP possa obter, licitamente, os dados, documentos e informações de caráter sigiloso, é necessário, primeiro, que requeira a quebra do seu sigilo perante a Justiça.

Nesse diapasão, deve-se atentar que quem conferiu essa “atribuição” do MP em requisitar informações e documentos de caráter sigiloso foi o legislador infraconstitucional. Em nenhum momento algum a CF/88 consignou expressamente esse poder ao MP.

Sendo assim, como cediço, não cabe ao legislador infraconstitucional ampliar a atribuição do Ministério Público, que já foi devidamente traçada pela Constituição Federal.

Dessa forma, a antinomia entre a norma jurídica inserta no art. 5º, X, da CF/88 e a norma estabelecida no art. 8º, §2º, da Lei Complementar 75/93, deve ser resolvida, obviamente, com a prevalência da regra constitucional, eis que de maior hierarquia dentre todas as normas jurídicas (Hans Kelsen).

A propósito, é relevante observar, outrossim, que a Lei Complementar nº 105/2001 – portanto, posterior à LC 75/93 -, que dispõe, especificamente, sobre o sigilo das operações de instituições financeiras, “não confere atribuição ao Ministério Público para a requisição direta das informações sigilosas” (BELLOQUE, 2003, p.139). 

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Sobre o autor
Luig Almeida Mota

Procurador do Estado do Rio de Janeiro. Advogado. Ex-Procurador do Estado do Paraná. Ex-Advogado da Petrobras Distribuidora S/A. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal da Bahia. Extensão em Direito Constitucional Avançado pelo Instituto Brasiliense de Direito Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOTA, Luig Almeida. Quebra dos sigilos fiscal, bancário e financeiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3618, 28 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24547. Acesso em: 26 abr. 2024.

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