1-BREVES ESCLARECIMENTOS.
Não temos a intenção de inovar no trato do assunto, afinal a novidade tem sido exaustivamente explicada por especialistas, e demasiadamente debatida pelas partes interessadas: patrões e empregados.
As curtas considerações sobre a “PEC das domésticas” nascem da inquietude provocada após assistirmos ao programa Canal Livre da TV Bandeirantes[1], no último dia 07/04/2013, que proporcionou um debate entre a presidente do Sindicato dos Empregadores Domésticos do Estado de São Paulo, a senhora Margareth Carbinato, e uma trabalhadora doméstica.
2 - O TRABALHO DOMÉSTICO NO BRASIL.
O trabalho doméstico não é novo em nosso Brasil, pelo contrário. Para alguns, trata-se de um resquício do período escravocrata, sendo que no Brasil o trabalho era preponderantemente realizado por mulheres negras e índias. Foi com o final da escravidão que o trabalho tornou-se assalariado, muito embora essas funções continuassem a ser desempenhadas por mulheres negras e índias, que passaram a ser indevidamente remuneradas[2]. O histórico de desvalorização, não reconhecimento de direitos de discriminação é dominado por todos. Depois de tempos, algumas funções de trabalho doméstico passaram a ser exercidas também por homens, a exemplo dos serviços de jardinagem, motorista, portaria, etc.
Pode-se dizer que o trabalho doméstico, no Brasil, é de baixo custo se comparado com os custos de outros países. Dito trabalho passou a ser previsto na Constituição de 1988 na forma de Parágrafo único do artigo 7º, que dispunha: “São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV, bem como a sua integração à previdência social.” Ou seja, reconheceu ao trabalhador(a) doméstico o direito ao salário mínimo irredutível, 13º salário, descanso semanal remunerado, férias anuais, licença-gestante e paternidade, aposentadoria.
A CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), segundo o seu artigo 7º, “a”, não se aplica ao trabalhador doméstico exceto quando houver determinação expressa de incidência de suas normas sobre a atividade. A disciplina específica fica a cargo da Lei nº 5.859/70. Em resumo: o trabalho doméstico é disciplinado quase que exclusivamente pelo contrato (acordo entre as partes, decorrente do registro em carteira de trabalho) e balizado superiormente pela Constituição Federal, que sofreu emenda em relação ao tema.
3 - A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº. 72: A PEC DAS DOMÉSTICAS.
E Emenda Constitucional (veja: alteração no texto básico que dita todo o Direito nacional e que estrutura funções e órgãos públicos, estabelece e garante direitos individuais e limita a atuação do Estado) avançou mais um pouco em termos de garantias para o trabalhador doméstico, que fica agora equiparado em direitos básicos ao trabalhador comum regido integralmente pela CLT. Agora, não há trabalhadores mais importantes que outros.
Segundo a atual redação do Parágrafo único, do artigo 7º da CF/1988, “São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social.” . Destacam-se no elenco de direitos a jornada de oito horas diárias e a máxima de quarenta e quatro semanais, o adicional de hora-extra de, no mínimo 50%, o reconhecimento de força às convenções coletivas de trabalho (acordos celebrados entre sindicatos de patrões e empregados), a proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa, o seguro desemprego e o fundo de garantia.
Em resumo: haverá inegável e direto aumento dos custos para o patrão, e aumento da arrecadação tributária para o Estado.
No entanto, aumento adicional somente ocorrerá em caso de prestação de horas extraordinárias ou quando o trabalhador ficar à disposição do empregador, que no caso é a família para a qual se presta serviços. Por este motivo, consideramos sugestivo e intrigante o título do artigo publicado na Folha de São Paulo por nosso mestre e Professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, o Dr. Otávio Pinto e Silva, que expressou suas opiniões sob a chamada “O fim do ‘servicinho’” [3]. A que se refere o termo “servicinho”? A um trabalho supostamente de menor relevância ou àqueles pedidos feitos durante o descanso do trabalhador?
Tendo em vista o objetivo e o ânimo das nossas “considerações”, tomamos o termo como sendo aqueles pedidos feitos após o fim do expediente doméstico. Por isso chamaram a nossa atenção as orientações prestadas pelo sindicato dos empregadores quanto ao controle da jornada do empregado (de limpeza, jardinagem, motorista, de cuidados com idosos). A regulamentação, por ora, continua a cargo da Lei nº 5.859/70, devendo ser consideradas as peculiaridades do caso concreto.
Sobre o controle de jornada, uma importante observação: a Justiça do Trabalho não vem reconhecendo o controle de jornada (cartão de ponto) que contenha anotações uniformes. É o chamado “ponto britânico”. Aí a necessidade de cautela do empregador em fazer com que o empregado doméstico preencha de forma fiel e verdadeira o início, as pausas e o fim da jornada. Do contrário o ponto, que seja prévia e antecipadamente preenchido para a posterior assinatura do empregado, poderá configurar prova contra o empregador. A apresentação de cartão “britânico” poderá configurar elemento de prestação de horas extraordinárias, porque ninguém consegue iniciar e finalizar seus trabalhos diários, todos os dias, exatamente no mesmo horário.
E sobre a substituição de empregados domésticos por estrangeiros, pessoas jurídicas ou empreendedores individuais, apontamos três peculiaridades legais: i) a legislação trabalhista aplica-se aos estrangeiros que estejam trabalhando para brasileiros no Brasil. Citamos o exemplo dos bolivianos flagrados em condições indignas pelo Ministério do Trabalho em oficinas de confecções famosas; ii) a CLT, em seu artigo 9º, determina que “Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.”. Também prevê, em seu artigo 3º, “Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.”; iii) o trabalho doméstico é pessoal, realizado por pessoa. Se o empregador resolver contratar como “PJ” alguém que, diariamente, prestará serviços de forma pessoal e direta, sob subordinação direta e dependendo de salário, essa pessoa não será “PJ” ou empreendedor individual, mas será empregado para todos os efeitos.
4 - CONCLUSÃO.
Após as observações supracitadas, concluímos afirmando que: a) as orientações, divulgadas no programa Canal Livrem, do sindicato dos empregadores domésticos precisam ser recebidas com reservas. A formação de controles uniformes de ponto (horário britânico) e/ou outra tentativa de burlar a legislação mediante a contratação de estrangeiros, de “PJ” ou de empreendedores individuais poderão ser tomadas como provas de transgressão da legislação trabalhista. Estas provas serão determinantes para a condenação do empregador no pagamento de diferenças salariais e tributos adicionais.
Notas
[1]Disponível em http://canallivre.band.uol.com.br/videos.asp?id=14396814, acessado em 10/04/2013.
[2] Disponível em http://www.mte.gov.br/discriminacao/LivretoPlanseq_trabalhodomesticocidadao.pdf, acessado em 10/04/2013.
[3] Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/100859-o-fim-do-quotservicinhoquot.shtml, acessado em 10/04/2013.