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Benefício assistencial ao deficiente: impedimentos de longo prazo?

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Analisa-se o requisito de impedimentos de longo prazo para fins de concessão do Benefício assistencial de Prestação Continuada ao deficiente, previsto na Constituição Federal e na Lei nº 8.742/93.

1. Noções Gerais

O Benefício Assistencial de Prestação Continuada (BPC), previsto na Constituição Federal e na Lei nº 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS) é um direito fundamental destinado a amparar as pessoas idosas e deficientes cujas famílias não tenham condições de lhes prover um sustento digno. Trata-se de prestação assistencial, que independe de prévia filiação ao regime de previdência ou contribuições sociais.

De acordo com a Constituição Federal, o direito ao BPC é garantido nos seguintes termos:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

(...)

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

Da leitura do dispositivo, depreende-se que a Constituição Federal estabeleceu dois requisitos para concessão do benefício assistencial mensal no valor de um salário mínimo:

1) Ser a pessoa portadora de deficiência ou idosa; e

2) Não ter condições de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

O objeto do presente estudo é o requisito da deficiência, atualmente concebido na Lei nº 8.742/93 como impedimentos de longo prazo que podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.


2. Impedimentos de longo prazo.

Trata-se de requisito alternativo em relação à idade de 65 (sessenta e cinco) anos do requerente. Isto porque o benefício pode ser concedido ao idoso ou ao deficiente, desde que preenchidos os demais requisitos (renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo, e não receber qualquer outro benefício da Seguridade Social ou de outro regime, salvo o de assistência médica e pensão especial de natureza indenizatória).

As Leis nº 12.435/2011 e 12.470/2011 alteraram a redação da LOAS no que se refere ao requisito da deficiência do postulante ao benefício, passando a exigir que os impedimentos sejam há longo prazo, o qual foi estipulado em, no mínimo, dois anos. A primeira pergunta a ser feita é se a reforma legislativa representa uma modificação de fundo no conceito de deficiente para fins de concessão do BPC, ou se apenas redacional. Considerando que a Lei nº 8.742/93 foi editada para tornar aplicável o artigo 203, V da Constituição Federal, por ter sido ele considerado de eficácia limitada pelo Supremo Tribunal Federal, conclui-se que qualquer alteração legislativa não pode infringir o núcleo essencial do artigo 203, V da CF, sob pena de ser considerando inconstitucional.

Em outras palavras, o direito ao benefício assistencial foi previsto na Constituição Federal (artigo 203, inciso V), a qual delimitou os requisitos básicos, cabendo à lei de regência, no caso, a Lei nº 8.742/93 (LOAS), apenas “esmiuçar” o comando constitucional. Por esta razão, a interpretação possível acerca da alteração trazida pelas Leis nº 12.435/2011 e 12.470/2011, que modificaram a redação do artigo 20 da LOAS apenas será a de que não houve mudança na essência dos requisitos, em especial de pessoa portadora de deficiência, sob pena de afronta à Constituição.

Além disso, por se tratar de modificação recente, os tribunais não se manifestaram sobre a nova configuração do requisito da deficiência, o que torna ainda mais importante conhecer o posicionamento acerca da matéria antes da alteração legislativa para, a partir daí, chegar-se ao conceito atual e definitivo de “pessoa portadora de deficiência”.


3. Interpretação doutrinária e jurisprudencial da redação original da Lei nº 8.742/93

Em relação ao requisito da deficiência, o texto constitucional exige que o beneficiário seja deficiente, enquanto o artigo 20 § 2º da Lei nº 8.742/93 na redação original determinava que esta pessoa fosse incapacitada para o trabalho e para a vida independente, nos seguintes termos:

Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho. (Redação anterior à alteração dada pela Lei nº 12.435/2011)

A simples leitura do dispositivo legal levaria à conclusão de que apenas as pessoas que não conseguem exercer atividades diárias como se vestir, banhar-se e alimentar-se poderiam ser destinatárias do benefício assistencial. Entretanto, esta não é a finalidade da norma constitucional, razão pela qual doutrina e jurisprudência pacificaram que a incapacidade para a vida independente deveria ter interpretação mais ampla do que a incapacidade para as atividades da vida cotidiana sem auxílio de terceiros, bastando a incapacidade para o exercício do trabalho.

A Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), a propósito, já firmou posicionamento no sentido de que, para se aferir a incapacidade para os atos da vida independente para fins de concessão do BPC, não se exige que o indivíduo seja totalmente dependente de terceiros para os atos da vida cotidiana, mas, sim, que o pretendente ao benefício tenha efetivamente comprometida sua capacidade produtiva lato sensu. Neste sentido, a TNU editou a súmula nº 29, com o seguinte teor:

Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei n. 8.742, de 1993, incapacidade para a vida independente não é só aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover ao próprio sustento.

Assim sendo, restou pacificado que a incapacidade que daria ensejo à concessão do benefício assistencial é a incapacidade laborativa, de prover o próprio sustento, e não para exercer atividades da vida cotidiana. Eis algumas ementas que demonstram este entendimento, a título exemplificativo:

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LEI Nº 8.742, DE 1993 (LOAS). REQUISITOS LEGAIS. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA OU IDOSA. COMPROVAÇÃO DA IMPOSSIBILIDADE DE PROVER A SUA PRÓPRIA MANUTENÇÃO OU TÊ-LA PROVIDA POR SUA FAMÍLIA. HIPOSSUFICIÊNCIA FINANCEIRA. RENDA PER CAPITA INFERIOR A ¼ DO SALÁRIO MÍNIMO. DEFICIÊNCIA RECONHECIDA POR LAUDO PERICIAL. BENEFÍCIO CONCEDIDO A PARTIR DA DATA DA CITAÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. HONORÁRIOS PERICIAIS. CUSTAS. ISENÇÃO. (...) 3. A incapacidade para a vida independente deve ser entendida não como falta de condições para as atividades mínimas do dia a dia, mas como a ausência de meios de subsistência, visto sob um aspecto econômico, refletindo na possibilidade de acesso a uma fonte de renda. 4. Laudo médico pericial (fls. 86/88) concluiu que, em razão das doenças, hipertensão arterial sistêmica, diabete mellitus, hipercolesterolemia e catarata, há incapacidade laborativa, "devido à extensão e gravidade das patologias por ela apresentadas e o caráter crônico e irreversível das mesmas". 5. Tendo, então, sido comprovada sua miserabilidade, por prova testemunhal (fls. 47/48), é forçoso reconhecer que tem a autora direito à concessão do benefício de assistência social, desde a data da citação, tendo em vista, a ausência do requerimento administrativo. (...)" (Tribunal Regional Federal da 1ª Região, AC - APELAÇÃO CIVEL – 200801990134355, Segunda Turma, e-DJF1 DATA:05/03/2009 PAGINA:186)[1]

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSITENCIAL. LOAS. REQUISITOS LEGAIS PREENCHIDOS. INCAPACIDADE COMPROVADA POR LAUDO PERICIAL. APELAÇÃO IMPROVIDA. 1. O artigo 203, inciso V, da Constituição Federal prevê a concessão de benefício assistencial no valor de um salário-mínimo mensal ao idoso e à pessoa portadora de deficiência que comprovem não possuir meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família. O legislador ordinário regulamentou o benefício através da Lei 8.742/93, definindo como portador de deficiência, para fins da concessão do benefício, a pessoa incapaz para a vida independente e para o trabalho, e como família incapaz de prover a manutenção aquela cuja renda familiar per capita seja inferior 1/4 do salário-mínimo. 2. Quanto à verificação da deficiência - cerne da controvérsia -, deve-se ter como incapacitado aquele impassível de prover sua subsistência sob condições normais de trabalho e que não possua condições econômicas para prover sua manutenção por outros meios (TRF 4ª Região, AC 463283, Rel. Juiz CELSO KIPPER, DJU 12/03/2003), devendo o julgador estar atento às condições individuais do autor, sejam elas pessoais ou referentes ao meio social em que se encontra inserido. 3. Hipótese em que o laudo pericial atestou que a apelada foi acometida de poliomielite aos 4 anos de idade, doença que acarretou em "sequelas comprometendo todo membro inferior esquerdo, tornando-a incapaz de realizar qualquer atividade profissional". 4. O pleito sucessivo do INSS objetivando a anulação da sentença para que a perícia seja realizada por médico especialista em psiquiatria não merece acolhimento, pois resta bastante claro, pelo que consta nos autos, que a deficiência da autora não condiz em nada com problemas mentais, vez que se trata de sequela física decorrente de poliomielite. 5. Apelação improvida.(AC 00041195220104059999, Desembargador Federal Edílson Nobre, TRF5 - Quarta Turma, DJE - Data::14/04/2011 - Página::438.)

Saliente-se que, após a vigência das Leis nº 12.435/2011 e 12.470/2011, a jurisprudência continua considerando o requisito da deficiência como a incapacidade para o exercício de atividades laborativas, nos mesmos termos da redação original da LOAS. A manutenção deste entendimento, mesmo após a alteração legislativa, reforça o argumento de que a nova redação do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 não consistiu em alteração substancial dos requisitos para a concessão do benefício, continuando a ser considerada a deficiência sob o aspecto econômico, que incapacita o requerente a exercer atividade laborativa apta ao sustento.

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LEI Nº 8.742, DE 1993 (LOAS). REQUISITOS LEGAIS. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. COMPROVAÇÃO DA IMPOSSIBILIDADE DE PROVER A SUA PRÓPRIA MANUTENÇÃO OU TÊ-LA PROVIDA POR SUA FAMÍLIA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. HIPOSSUFICIÊNCIA FINANCEIRA. CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS. MULTA. EXCLUSÃO. 1. A Renda Mensal Vitalícia será devida ao idoso, maior de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou ao inválido que não exercer atividade remunerada, não for mantido por pessoa de quem dependa obrigatoriamente e não tiver outro meio de prover o próprio sustento, na forma do art. 20 da Lei 8.742/93. 2. Restou comprovada a situação de vulnerabilidade social da autora, que percebe renda familiar per capita inferior a ¼ do salário-mínimo, previsto na Lei 8.742/93. 3. No tocante à incapacidade, conclui o perito médico que em razão da moléstia da autora, seqüela de poliomielite, ela está incapacitada para o trabalho rural de forma total e permanente (fls. 90/91) 4. A incapacidade para a vida independente deve ser entendida não como falta de condições para as atividades mínimas do dia a dia, mas como a ausência de meios de subsistência, visto sob um aspecto econômico, refletindo na possibilidade de acesso a uma fonte de renda. (...) (REO , JUIZ FEDERAL JOSÉ HENRIQUE GUARACY REBÊLO (CONV.), TRF1 - SEGUNDA TURMA, e-DJF1 DATA:20/10/2011 PAGINA:477.)

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LEI Nº 8.742, DE 1993 (LOAS). REQUISITOS LEGAIS. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. COMPROVAÇÃO DA IMPOSSIBILIDADE DE PROVER A SUA PRÓPRIA MANUTENÇÃO OU TÊ-LA PROVIDA POR SUA FAMÍLIA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. HIPOSSUFICIÊNCIA FINANCEIRA. CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS. (...) 2. A Renda Mensal Vitalícia será devida ao idoso, maior de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou ao inválido que não exercer atividade remunerada, não for mantido por pessoa de quem dependa obrigatoriamente e não tiver outro meio de prover o próprio sustento, na forma do art. 20 da Lei 8.742/93. (..) 6. O fato da renda familiar per capita ser superior a ¼ (um quarto) do salário-mínimo não impede que outros fatores sejam considerados para a avaliação das condições de sobrevivência da parte autora e de sua família, fazendo com que a prova da miserabilidade necessária à concessão do benefício assistencial seja mais elástica. 7. A incapacidade para a vida independente deve ser entendida não como falta de condições para as atividades mínimas do dia a dia, mas como a ausência de meios de subsistência, visto sob um aspecto econômico, refletindo na possibilidade de acesso a uma fonte de renda. 8. No tocante à incapacidade, conclui o perito médico que em razão da deficiência mental, o autor é incapacitado para o trabalho, de forma total e permanente, sem possibilidade de reabilitação para qualquer atividade, necessitando de auxílio de terceira pessoa para realizar tarefas cotidianas (fls. 49/51). (...) (AC 200836010007409, JUIZ FEDERAL JOSÉ HENRIQUE GUARACY REBÊLO (CONV.), TRF1 - SEGUNDA TURMA, e-DJF1 DATA:07/10/2011 PAGINA:244.)

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Em relação ao grau de incapacidade para fins de concessão do benefício, a incapacidade para a vida independente não precisa ser total, podendo o BPC ser concedido quando é constatada pela perícia médica a incapacidade parcial, principalmente se considerarmos a condição social, cultural e intelectual da pessoa. A incapacidade parcial (conceito médico) que, aliada a outros fatores, impossibilita a inserção no mercado de trabalho também preenche o requisito para concessão do benefício assistencial. A jurisprudência também acolhe este entendimento:

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES EM APELAÇÃO CÍVEL. AMPARO SOCIAL. ART. 203, V da CF/88 E LEI Nº 8.742/93. IMPLEMENTO DOS REQUISITOS PARA CONCESSÃO. BENEFÍCIO DEVIDO. 1- A circunstância de o laudo pericial haver concluído pela incapacidade permanente porém parcial da autora para o trabalho não obstaculiza a concessão do amparo social quando existirem nos autos elementos que autorizem a conclusão de que a enfermidade mental, associada às precárias condições de instrução, cultura e formação profissional da autora, impossibilita a obtenção de recursos para sua subsistência, consistindo, na prática, em causa invalidante para o trabalho. Precedentes deste Tribunal. 2- Manutenção do acórdão turmário que, diante do implemento dos requisitos do art. 20 da Lei nº 8.742/93 (LOAS), reconheceu o direito ao benefício assistencial. 3- Embargos infringentes aos quais se nega provimento.(EIAC 20070599000037801, Desembargador Federal Marcelo Navarro, TRF5 - Pleno, DJE - Data::13/06/2011 - Página::117.)

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 20 DA LEI Nº 8.742/93 (LOAS) C/C ART. 34 DA LEI Nº 10.741/03 (ESTATUTO DO IDOSO). CONSTATAÇÃO DE INCAPACIDADE LABORAL. CONDIÇÕES PESSOAIS DESFAVORÁVEIS. ESTADO DE MISERABILIDADE. ESTUDO SOCIAL. RENDA FAMILIAR PER CAPITA INFERIOR A ¼ DO SALÁRIO MÍNIMO. COMPROVAÇÃO. CONSECTÁRIOS. TUTELA ESPECÍFICA. ARTIGO 461 DO CPC. OBRIGAÇÃO DE FAZER. IMPLANTAÇÃO IMEDIATA DO BENEFÍCIO. DEFERIMENTO. 1. Se a parte autora comprovar a sua deficiência, bem como a sua condição de miserabilidade, faz jus à concessão do benefício assistencial, nos termos previstos nos art. 20 da Lei nº 8.742/93. 2. Caso em que embora o laudo pericial conclua pela incapacidade parcial e permanente, considerando-se a patologia apresentada pela parte autora, além das condições pessoais desfavoráveis, notadamente a pouca escolaridade e sua idade, afigura-se correta ao presente caso a concessão do amparo assistencial. (...)3. A comprovação da situação econômica do requerente e sua real necessidade não se restringe à hipótese do artigo 20, § 3º, da Lei 8.742/93, que exige renda mensal familiar per capita não superior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo, pois a condição de miserabilidade poderá ser verificada por outros meios de prova. Precedentes do STJ. 4. Aplicação por analogia do disposto no artigo 34, § único da Lei nº 10.741/03 (Estatuto do Idoso), permitindo que a verba de natureza de caráter assistencial ou previdenciário, percebidos por idoso ou deficiente, sejam desconsiderados para fins de renda per capita. Precedente desta Corte. 5. Reforma da sentença para concessão do benefício assistencial de prestação continuada, a contar da data da perícia médica em juízo (09/10/2008), com o pagamento das parcelas em atraso. (...) 10. Deferida tutela específica da obrigação de fazer prevista no artigo 461 do Código de Processo Civil, para a imediata implantação do benefício previdenciário nos parâmetros definidos no acórdão, em consonância com o entendimento consolidado pela Colenda 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região no julgamento proferido na Questão de Ordem na Apelação Cível nº 2002.71.00.050349-7. 11. Inexistência de ofensa aos artigos 128 e 475-O, I, do CPC e ao artigo 37 da Constituição Federal, por conta da determinação de implantação imediata do benefício com fundamento no artigo 461 e 475-I do CPC. 12. Apelação provida. Determinada a implantação do benefício. (AC 200871080029295, FERNANDO QUADROS DA SILVA, TRF4 - QUINTA TURMA, D.E. 15/03/2010.) [2]

A Turma Nacional de Uniformização, da mesma forma, e dando interpretação à Súmula 29 (“Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei n. 8.742, de 1993, incapacidade para a vida independente não é só aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover ao próprio sustento”), uniformizou o entendimento no sentido de que a incapacidade parcial que impossibilite a inserção no mercado de trabalho dá ensejo à concessão do benefício assistencial.

É preciso estar atento, entretanto, que não é qualquer caso de incapacidade parcial que autoriza a concessão do BPC. Para fins de benefício assistencial, a incapacidade parcial deve estar aliada à impossibilidade de inserção do mercado de trabalho devido à idade, grau de instrução e tipo de doença. No caso de incapacidade parcial em que haja possibilidade de reabilitação para o trabalho, o requisito da deficiência não estará preenchido, o que acarretará no indeferimento do benefício.

Não sendo constatada incapacidade para o exercício de atividade laborativa, o benefício não é devido, por estar ausente um dos requisitos essenciais.

Em suma, restou pacificado na jurisprudência que a condição de deficiente para efeito de concessão de benefício assistencial é verificada quando apurada incapacidade para o trabalho e para a vida independente. Assim sendo, a incapacidade que dá ensejo à concessão do benefício é a referente ao exercício de atividade laborativa, e pode ser parcial, desde que considerado o contexto em que o requerente está inserido e a impossibilidade de exercer o trabalho.


4. Redação do artigo 20 dada pelas Leis nº 12.435/2011 e 12.470/2011.

Aparentemente, a nova redação do artigo 20 da LOAS dada pelas Leis nº 12.435/2011 e 12.470/2011 passou a considerar a deficiência não como incapacidade, mas impedimentos de longo prazo. Inicialmente, a Lei nº 12.435/2011, a fim de regulamentar o que seriam pessoas portadoras de deficiência trouxe o seguinte texto:

§ 2o  Para efeito de concessão deste benefício, considera-se: (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

I - pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas; (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

Logo depois, foi promulgada a Leis nº 12.470/2011, de 31 de agosto de 2011, a qual conferiu nova redação ao artigo 20 da LOAS:

§ 2º  Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.     (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)

§ 10.  Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2º deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.      (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)

A redação anterior às leis em comento considerava pessoa portadora de deficiência a incapacitada para a vida independente e para o trabalho, tendo a jurisprudência, conforme visto acima, pacificado que esta incapacidade é para o exercício de atividade laborativa, que impedisse o requerente de prover o próprio sustento.

A redação atual, por seu turno, considera portadora de deficiência a pessoa que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas. A norma está em consonância com o disposto no artigo 1º da Convenção de Nova Iorque sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada no Brasil de acordo com o procedimento previsto no artigo 5º § 3º da Constituição Federal (rito semelhante ao de Emenda à Constituição) por meio do Decreto Legislativo nº 186/2008, e promulgado através do Decreto nº 6.949/2009. A referida Convenção dispõe que:

O propósito da presente Convenção é o de promover, proteger e assegurar o desfrute pleno e eqüitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por parte de todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua inerente dignidade.

Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.

Tanto a Constituição Federal (artigo 203, inciso V) quanto a Convenção de Nova Iorque falam em proteção à pessoa deficiente, e não em incapacidade, como na previsão anterior da Lei nº 8.742/93. Nesse ponto, a redação atual inovou para ampliar a possibilidade de concessão do benefício, ao especificar que o impedimento pode ser de várias ordens e obstrua a participação na sociedade e com as demais pessoas. Trata-se de conceito que considera a pessoa em sua totalidade, na perspectiva multidimensional.

Logo em seguida, o § 10 do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 define impedimentos de longo prazo aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. A fixação de um prazo mínimo de incapacidade causou estranheza, uma vez que a Constituição Federal e a Convenção de Nova Iorque (repita-se: cujo status é de Emenda à Constituição, por ter sido aprovada nos termos do artigo 5º § 3º, CF) não estabelecem prazos mínimos para a pessoa ser considerada deficiente.

De fato, se a assistência social é segmento da Seguridade Social destinada a amparar as pessoas necessitadas a fim de garantir-lhes uma vida minimamente digna, não faz sentido impor à pessoa esperar dois anos para que possa fazer jus ao BPC. Considerando-se a razão da norma e a ausência de fixação de prazo mínimo para que a pessoa seja considerada deficiente, a constitucionalidade desta nova redação deve ser questionada, por ter extrapolado o dispositivo constitucional.

Justamente por a Constituição Federal não exigir que a deficiência seja permanente e irreversível, a TNU já havia pacificado o entendimento de que era possível a concessão do BPC em casos de incapacidade temporária:

PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. súmula TNU n° 29. incapacidade temporária. Lei n° 8.742/93, art. 20. 1. Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei n° 8.742/93, incapacidade para a vida independente não é só aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover ao próprio sustento. Súmula nº 29 desta Turma Nacional de Uniformização. 2. O art. 20 da Lei n° 8.742/93 não impõe que somente a incapacidade permanente, mas não a temporária, permitiria a concessão do benefício assistencial, não cabendo ao intérprete restringir onde a lei não o faz, mormente quando em prejuízo do necessitado do benefício e na contramão da sua ratio essendi, que visa a assegurar o mínimo existencial e de dignidade da pessoa. 3. Esta Eg. TNU também já assentou que “a transitoriedade da incapacidade não é óbice à concessão do benefício assistencial, visto que o critério de definitividade da incapacidade não está previsto no aludido diploma legal. Ao revés, o artigo 21 da referida lei corrobora o caráter temporário do benefício em questão, ao estatuir que o benefício ‘deve ser revisto a cada 2 (dois) anos para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem’” (PEDILEF n° 200770500108659 – rel. Juiz Federal OTÁVIO HENRIQUE MARTINS PORT - DJ de 11/03/2010). 4. Recurso conhecido e parcialmente provido. Processo devolvido à Turma de origem para a adequação do julgado. (PEDIDO 200770530028472, JUIZ FEDERAL MANOEL ROLIM CAMPBELL PENNA, DOU 08/02/2011 SEÇÃO 1.)

O benefício assistencial foi previsto pelo constituinte para socorrer aos idosos e deficientes em condição de miserabilidade, que a família não possui condições de prover o sustento de forma digna. Por se tratar de requisitos passíveis de modificação, a concessão e manutenção do BPC obedece à cláusula rebus sic stantibus, podendo ser cancelado quando um dos requisitos não mais estiverem presentes. Não é por outro motivo que o artigo 21 da LOAS prevê a possibilidade de o INSS rever a presença dos requisitos a cada dois anos:

Art. 21. O benefício de prestação continuada deve ser revisto a cada 2 (dois) anos para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem.

A possibilidade de revisão das condições, ou seja, a verificação de que os requisitos ainda estão presentes, não pode ser confundido com a necessidade de impedimentos por longo prazo (02 anos), uma vez que a revisão está relacionada à autotutela da Administração Pública, enquanto a deficiência é um dos requisitos constitucionais para concessão do BPC.

Assim, o § 10 do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 é de constitucionalidade duvidável, pois a exigência de deficiência por um prazo mínimo de 02 anos não consta na Constituição Federal, nem na Convenção de Nova Iorque sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada no Brasil de acordo com o procedimento previsto no artigo 5º § 3º da Constituição Federal (rito semelhante ao de Emenda à Constituição) por meio do Decreto Legislativo nº 186/2008, e promulgado através do Decreto nº 6.949/2009. Tal exigência não guarda correlação com a razão do ser do instituto do benefício assistencial, além de afrontar os princípios da igualdade, proporcionalidade e dignidade da pessoa humana.

Por ser um dispositivo ainda muito recente, será preciso aguardar como a doutrina e a jurisprudência vão se firmar. Entretanto, nos autos do processo nº 0502284-55.2011.4.05.8311, da 30ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Pernambuco, no bojo da sentença de procedência acerca de benefício assistencial ao deficiente, foi declarada incidentalmente a inconstitucionalidade do artigo 20, § 10 da Lei nº 8.742/93, afastando-se a exigência de que o impedimento de longo prazo fosse de 02 (dois) anos. Eis alguns trechos da decisão:

Nesse passo, cumpre lembrar que a inconstitucionalidade pode ocorrer não apenas quando a lei ofende diretamente à norma constitucional, como, também, quando importa em modificação indireta que, por exemplo, restrinja direitos ou garantias individuais.

(...)

Diante desse quadro normativo, e do conteúdo axiológico derivado dos arts. 1º, inc. III, e 203, inc. V, da CR, não é de se presumir que o legislador constituinte derivado, por meio da aprovação da Convenção sobre Direito das Pessoas com Deficiência, mais precisamente no art. 1º, 2ª parte, haja pretendido restringir a concessão da prestação continuada apenas àqueles cujo impedimento superem um determinado lapso temporal (rectius: mais de dois anos), mediante normatização que se mostra muito mais restritiva do que aquela que vigorava anteriormente, ou seja, o enunciado do art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, antes do advento das Leis nºs 12.435/2011 e 12.470/2011.

Após discorrer acerca do princípio constitucional da proibição de retrocesso quanto aos direitos fundamentais, da proporcionalidade e da igualdade material, o magistrado conclui pela incompatibilidade do dispositivo com a ordem constitucional, declarando de forma incidental a inconstitucionalidade e afastando sua aplicação ao caso concreto:

Cumpre, portanto, declarar incidentalmente a inconstitucionalidade e a consequente nulidade do § 10º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93, para afastar como requisito à caracterização do impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o prazo mínimo de dois (02) anos.

Os argumentos utilizados para a declaração incidental de inconstitucionalidade não merecem reparos, devendo o requisito de impedimentos por prazo mínimo de dois anos ser desconsiderado para fins de concessão do benefício assistencial.


5.  Conclusão

Buscou-se no presente trabalho fazer uma análise acerca do requisito de impedimentos de longo prazo para fins de concessão do Benefício assistencial de Prestação Continuada ao deficiente, previsto no artigo 203, inciso V da Constituição Federal, e no artigo 20 da Lei nº 8.742/93.

Com as alterações trazidas pelas Leis nº 12.435/2011 e 12.470/2011, o conceito de deficiência foi alargado para considerar não apenas a incapacidade para o trabalho, mas, sob uma perspectiva multidimensional, considerar os impedimentos de natureza mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Entretanto, a inclusão do requisito de ser o referido impedimento de longo prazo (leia-se: dois anos), não está em conformidade com a Constituição Federal e com a Convenção de Nova Iorque sobre pessoas com deficiência, razão pela qual tal exigência deve ser afastada quando da análise do caso concreto.


BIBLIOGRAFIA

CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 13 rev. e atual. conforme legislação em vigor até janeiro de 2011. São Paulo: Conceito Editorial, 2011, 1066p.

DIAS, Eduardo Rocha; MACÊDO, José Leandro Monteiro de. Curso de Direito Previdenciário. São Paulo: Método, 2008, p. 39.

DUARTE, Marina Vasques. Direito Previdenciário. 3. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2004.

GONÇALES, Odonel Urbano. O BPC e o decreto nº 6.214, de 26.09.2007. Revista IOB Trabalhista e previdenciária, Porto Alegre , v. 19, n. 223, jan. 2008, p. 7-13.

JACOB, Luciane. Benefício de Prestação Continuada e as exigências dos §§ 2º e 3º do art. 20 da lei orgânica da assistência social. Síntese Trabalhista, Porto Alegre, v. 17 n. 198, dez. 2005. p. 35- 48.

MARTINS, Sergio Pinto. Direito da seguridade social. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2002.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3 ed., 16ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2008.

OLIVEIRA, Aristeu de. Manual prático da previdência social. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2000.


Notas

[1] No mesmo sentido: AC 476720094013306, DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO DE ASSIS BETTI, TRF1 - SEGUNDA TURMA, e-DJF1 DATA:30/06/2011 PAGINA:331

[2] No mesmo sentido: Processo 200735007092902. Recurso contra sentença cível. Relatora Maria Divina Vitória. Sigla do órgão TRGO. Órgão julgador 1ª Turma Recursal – GO. Fonte DJGO 19/09/2007.

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Sobre a autora
Maíra de Carvalho Pereira Mesquita

Defensora Pública Federal, titular do 2º Ofício Previdenciário da DPU em Recife. Graduou-se em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), possui duas especializações e atualmente cursa mestrado em Direito na UFPE. Professora da Pós Graduação da Faculdade Joaquim Nabuco do módulo de Direito Previdenciário e de diversos cursos jurídicos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MESQUITA, Maíra Carvalho Pereira. Benefício assistencial ao deficiente: impedimentos de longo prazo?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3627, 6 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24641. Acesso em: 21 nov. 2024.

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