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O princípio da vedação ao retrocesso social no ordenamento jurídico brasileiro.

Uma análise pragmática

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30/06/2013 às 13:24
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O princípio da vedação ao retrocesso social tem como conteúdo a proibição do legislador em reduzir, suprimir, diminuir, ainda que parcialmente, o direito social já materializado em âmbito legislativo e na consciência geral.

“Não negueis jamais ao Erário, à Administração, à União os seus direitos. São tão invioláveis, como quaisquer outros. Mas o direito dos mais miseráveis dos homens, o direito do mendigo, do escravo, do criminoso, não é menos sagrado, perante a justiça, que o do mais alto dos poderes. Antes, com os mais miseráveis é que a justiça deve ser mais atenta, e redobrar de escrúpulo; porque são os mais maldefendidos, os que suscitam menos interesse, e os contra cujo direito conspiram a inferioridade na condição com a míngua nos recursos.“ (BARBOZA,1999, p. 42-43.)


Resumo: Dentro do direito público, no ramo do Direito Constitucional, a presente obra tem como objetivo geral conhecer o princípio da vedação ao retrocesso social, e como metas específicas conhecer o modo pelo qual ele se manifesta em situações reais, discorrer sobre a histórica e evolução dos direitos fundamentais e estudar a normatividade e eficácia dos direitos sociais no ordenamento jurídico brasileiro. Justifica-se o trabalho por serem os direitos sociais essenciais para uma vida digna e, dessa maneira, deverão ser protegidos sob uma cláusula limitadora (no caso o princípio em estudo). Impende saber se os direitos sociais podem ser exigidos e, se afirmativo, em que medida; se o princípio em questão está implícito na Constituição e se é capaz de proteger os direitos sociais e, se afirmativo, de que forma isso seria possível. A problemática deriva da ínfima proteção social que os direitos sociais vem tendo no Brasil, mormente em razão da sua equivocada (in)aplicação pelo Poder Público. O método adotado foi a pesquisa doutrinária, legislativa e jurisprudencial. A obra é composta por quatro capítulos, no primeiro discorrer-se-á brevemente sobre a história e evolução dos direitos fundamentais, no segundo tratar-se-á dos direitos sociais no ordenamento jurídico brasileiro, no terceiro abordar-se-á o princípio da vedação ao retrocesso social e no quarto far-se-á uma análise empírica da incidência do principio em estudo.

Palavras-chave: DIREITO SOCIAL; PRINCÍPIO; RETROCESSO; NORMA CONSTITUCIONAL.

Sumário: INTRODUÇÃO. 1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. 1.1 IDADE ANTIGA (4000 A.C. ATÉ 476 D.C.) .1.2 IDADE MEDIEVAL (SÉCULO V ATÉ SÉCULO XV) . 1.3 IDADE MODERNA (SÉCULO XV AO XVIII) . 1.4 IDADE CONTEMPORÂNEA (SÉCULO XVIII ATÉ OS DIAS ATUAIS) . 2 DIREITOS SOCIAIS SOB A ÓTICA DO DIREITO BRASILEIRO . 2.1 O ESTADO SOCIAL BRASILEIRO E A TEORIA DA EFETIVIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS QUE CONSAGRAM DIREITOS FUNDAMENTAIS.2.2 A QUESTÃO DO MÍNIMO EXISTENCIAL, DO NÚCLEO ESSENCIAL E DOS DIREITOS SOCIAIS COMO DIREITOS SUBJETIVOS “PRIMA FACIE” .2.3 OS OBSTÁCULOS À CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS . 3 O PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO DO DIREITO SOCIAL .3.1 O SIGNIFICADO DE “PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL” DENTRO DO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO.3.2 O PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO SOCIAL NO DIREITO COMPARADO. 3.3 O PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO AO RETROCESSO SOCIAL NO DIREITO BRASILEIRO. 4 A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO AO RETROCESSO SOCIAL A CASOS CONCRETOS. 4.1 A EMENDA CONSTITUCIONAL 53/2006. 4.2 A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N. 2.065/DF E A MEDIDA PROVISÓRIA N. 2.216-37. 4.3 A PROPOSTA DE LEI DA MEIA-ENTRADA. CONCLUSÃO. BIBLIOGRÁFICAS. 


INTRODUÇÃO

Imagine se um determinado sujeito trabalha 44 (quarenta e quatro horas) semanais; se seu filho frequenta escola pública municipal perto de onde reside; se sua mulher consegue marcar consultas e exames médicos em hospitais públicos estaduais para a mesma semana; se sua mãe é aposentada pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e recebe benefício no valor de R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais).

Agora imagine se o Prefeito Municipal decide demolir a referida escola pública; se o Governador do Estado resolve alterar o funcionamento dos hospitais públicos estaduais para que atendam apenas tratamento emergencial; se o Presidente da República sanciona uma lei que aumenta a jornada de trabalho semanal para 50 horas e outra que tributa os benefícios de aposentadoria do RGPS, mesmo os anteriormente concedidos.

Em uma análise sumária, é óbvio que tais fatos criam um estado de insegurança jurídica e desconfiança do indivíduo perante o Poder Público. Além disso, é possível afirmar que eles violariam quase todos os princípios e objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, indo, ainda, de encontro com a finalidade maior do Estado, o bem comum.

Daí, o importante papel desta obra.

O princípio da vedação ao retrocesso social, como será visto no decorrer da presente monografia, funciona como um limite à reforma, através do qual visa proteger os indivíduos contra a superveniência de lei que pretenda atingir, negativamente, o direito social já conquistado em sede material legislativa, de modo a vedar a propositura de normas tendentes a suprimir tal direito social.

Nesse sentido, SARLET, 2006, p. 434-436, ensina que este princípio tem como base a dignidade da pessoa humana, o princípio da confiança e da segurança jurídica, o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais, o Estado Social, como responsável pela prestação dos direitos sociais, entre outros fundamentos axiológicos a fundamentar o princípio.

A presente obra tem como área de pesquisa o Direito Público e encontra-se no ramo do Direito Constitucional. A respeito da temática, apesar do princípio objeto da presente obra ser também aplicável no direito ambiental e político, neste trabalho será analisado apenas a influência do referido princípio dentro do âmbito do direito social, conforme explicita o título deste trabalho: O princípio da vedação ao retrocesso social: uma análise pragmática.

Delimita-se o tema na importância do aludido princípio para a proteção dos direitos sociais. Tal princípio será analisado de maneira prática e empírica, mais próxima da realidade, abordando-se assuntos ligados ao tema dentro do contexto do cotidiano brasileiro.

O tema tratado, inevitavelmente, envolve questões jurídicas relativas à aplicabilidade e eficácia das normas constitucionais que versem sobre direitos sociais, à normatividade dos princípios, às Políticas Públicas, ao neoconstitucionalismo e, portanto, inafastavelmente, à técnica de ponderação.

Quanto à problemática, é de ver que no Brasil a não observância, seja pelo Legislador, Administrador ou Julgador, da eficácia das normas constitucionais atinentes a direitos sociais gera, por conseguinte, vida indigna, injustiça e desigualdade social. Assim, e conforme será visto neste trabalho, torna-se necessário o manejo do princípio ora abordado.

O objetivo geral da presente obra é conhecer o princípio em estudo, considerando-se a normatividade e eficácia dos direitos sociais. No tocante aos objetivos específicos, tem-se: i) discorrer sobre a histórica e evolução dos direitos fundamentais, identificando períodos em que houve retrocesso; ii) conhecer a normatividade e eficácia dos direitos sociais no ordenamento jurídico brasileiro; iii) apreciar a forma de manifestação e incidência do princípio em situações pragmáticas; iv) sugerir medida a ser adotada pelo operador do direito com a finalidade de alcançar maior proteção e amparo jurídicos das normas que estipulem direitos sociais.

Com relação à hipótese, é relevante este estudo para saber se os direitos sociais podem ser exigidos e, se afirmativo, em que medida; se o princípio em questão é implícito ao texto constitucional e se é capaz de proteger os direitos sociais e, se afirmativo, de que forma isso seria possível.

O presente trabalho justifica-se pelo fato de os direitos sociais serem fundamentais para uma vida digna, principalmente quando se trata de país que possui extrema pobreza e o salário mínimo não é capaz de atender todas as necessidades humanas, dependendo o indivíduo, na maioria das vezes, de ser assistido pelo Poder Público.

Tem-se como método adotado a pesquisa bibliográfica dos fundamentos epistemológicos, pesquisa de legislação e coleta de decisões judiciais.

No primeiro capítulo, tecer-se-á maiores considerações a respeito da história e evolução dos direitos fundamentais, aferindo-se a limitação do poder nas ordens constituintes e verificando quando houve retrocesso em termos de direitos humanos. No segundo, discorrer-se-á sobre os direitos sociais e sua eficácia no ordenamento jurídico brasileiro. No terceiro, tratar-se-á do tema central desta monografia, o princípio da proibição ao retrocesso social propriamente dito. No quarto, em análise pragmática, abordar-se-á a aplicabilidade do princípio, isto é, verificar-se-á a sua incidência em situações reais e as medidas judiciais cabíveis contra a sua violação. Por último, nas considerações finais, será feita um breve elucidação acerca da obra e será proposta uma forma ampliativa de abordagem na aplicação do princípio.


1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

1.1 IDADE ANTIGA (4000 A.C. ATÉ 476 D.C.)

Não obstante tratar-se de período em que os direitos fundamentais eram menosprezados e sequer pode-se afirmar que existiam, a doutrina aduz que houve surgimento do constitucionalismo nesta época (ainda que de maneira tímida), uma vez que se limitou o poder político em Atenas e na sociedade hebraica.1 O constitucionalismo significa a limitação do poder e supremacia da lei, com a finalidade de garantir o direito ao indivíduo, segundo PADILHA, 2012, p. 1-2.2

Com relação aos direitos tidos naquele tempo, é possível destacar os seguintes: i) o princípio da pena (“lei de talião”) estabelecia que aquele que causasse um efeito maléfico a outro teria contra si uma consequência drástica3, exemplificando de acordo com o código hamurabiano, cortar-se-ia a mão de quem fizesse uma equivocada operação médica que levasse a morte de outrem;4 ii) inexistência de igualdade formal e de irretroatividade da lei penal; iii) havia escravos, que eram tratados como coisas, não eram protegidos pela lei e suas condições humanas eram uma das mais insuportáveis de todo o mundo antigo5.

1.2 IDADE MEDIEVAL (SÉCULO V ATÉ SÉCULO XV)

Neste período, o direito canônico exerceu grande influência no mundo jurídico. Ele representava um elevado poder pertencente à Igreja Católica na Idade Média. Esse poder recebia o nome de inquisição, que consistia num tribunal especial para julgamento dos hereges (grupo de pessoas que apresentavam comportamento desviado do catolicismo tradicional ou praticantes de atos nos quais a superstição reinava, considerados como bruxaria ou feitiçaria).

Ressalta-se que nem sempre o condenado pelo tribunal canônico era bruxo ou feiticeiro. O poder que a Igreja possuía era muito mais abrangente, era o meio para fazer o que se pretendia, bastasse que fosse por ela chancelado. É que a própria inquisição servia para outras justificativas além da bruxaria e feitiçaria, ao exemplo da famosa Joana D'Arc, que foi uma heroína francesa da Guerra de Cem Anos condenada a pena morte em uma fogueira, por um Tribunal Santo Ofício da Inquisição (nome completo da inquisição), pelo cometimento de heresia e feitiçaria, quando o motivo era outro, a saber, uma resposta dos ingleses que perderam a guerra. Dessa forma, além de não haver observância aos princípios fundamentais da pessoa humana, tais como o direito ao contraditório, à ampla defesa e ao devido processo legal, havia arbitrariedade e desvio de poder por parte do tribunal canônico.

Com o advento da Magna Carta Libertatum, em 1215, o poder do Monarca João Sem Terra, quem assinou a referida norma para manter-se no poder, foi limitado por imposição dos Barões que o ameaçavam retirar do trono. Além disso, inovou-se no mundo jurídico a favor do indivíduo, estabelecendo-se alguns direitos fundamentais de relevante conteúdo, a exemplo do direito do devido processo legal, do princípio da proporcionalidade e da individualização da pena, como se pode verificar da transcrição dos artigos desta lei, in verbis:

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[…] Artigo 25 – Um possuidor de bens livres não poderá ser condenado a penas pecuniárias por faltas leves, mas pelas graves, e, não obstante isso, a multa guardará proporção com o delito, sem que, em nenhum caso, o prive dos meios de subsistência. Esta disposição é aplicável, por completo, aos mercadores, aos quais se reservará alguma parte de seus bens para continuar seu comércio.

Artigo 26 – Do mesmo modo um aldeão ou qualquer vassalo nosso não poderá ser condenado a pena pecuniária senão debaixo de idênticas condições, quer dizer, que se lhe não poderá privar dos instrumentos necessários a seu trabalho. Não se imporá nenhuma multa se o delito não estiver comprovado com prévio juramento de doze vizinhos honrados e cuja boa reputação seja notória. [...]6

Com isso, tem-se o início do movimento do constitucionalismo na Idade Média, pois, por meio da Carta Magna de João Sem Terra, houve limitação do poder do rei e previsão de direitos fundamentais, o que significa o constitucionalismo.

1.3 IDADE MODERNA (SÉCULO XV AO XVIII)

O constitucionalismo clássico ou liberal surgiu após a Revolução Francesa, de 1789, quando a França, valendo-se da máxima “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, expressou seus princípios os quais eram pautados em um sociedade política justa, onde o Estado respeitava a liberdade individual do ser humano, consolidando-os em sua Constituição de 1791, data considerada como o segundo marco formal do constitucionalismo clássico ou liberal.7 O primeiro marco do constitucionalismo teria acontecido através do advento da Constituição norte-americana de 1787 (LENZA, 2010, p. 52). Ademais, tem-se que o constitucionalismo, em solo norte-americano, teria surgido também através dos pactos de colonização e, em seguida, pela Declaration Of Rights do Estado de Virgínia de 1776.

Em termos de progressividade dos direitos humanos, foram postas à época ideias como a irretroatividade da lei penal e a proteção do indivíduo perante a autoridade, todas com o objetivo de fortalecer o direito individual, para que o indivíduo não mais sofresse o arbitrário poder da autoridade que, à sua vontade, podia quase tudo naquele tempo.

Contribuiu para a o avanço dos direitos humanos o Iluminismo, movimento cultural duma elite intelectual do século XVIII na Europa que procurou mobilizar o poder da razão com a finalidade de reformar a sociedade e o conhecimento prévio.8 Para fins deste estudo, pode-se destacar a obra Dos Delitos e das Penas, por Cesare Beccaria, que, aos 25 anos, escreveu a obra que mudaria o mundo. O jovem criticou as penas cruéis e defendia que as penas deveriam ser proporcionais aos delitos, de forma que a finalidade da pena seria a proteção da sociedade e não o desagravo da sociedade para com o criminoso, a pena deveria servir também para desencorajar outros a cometerem delitos.

Devido à afloração do Iluminismo, a França, por meio de sua Assembleia Constituinte, em 1789, consolidou os direitos fundamentais e promulgou a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, preâmbulo da Constituição Francesa de 1791.

Confira-se o que determina os quatro primeiros artigos desse texto, in verbis:

Art.1º. Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum. Art. 2º. A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade a segurança e a resistência à opressão. Art. 3º. O princípio de toda a soberania reside, essencialmente, na nação. Nenhuma operação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente. Art. 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei. [...]9

Mister destacar que ideia sobressalente transmitidas pelas Constituições da época era a de Estado Liberal, o qual tinha como fundamento, em síntese, a liberdade individual e o direito à propriedade privada.

1.4 IDADE CONTEMPORÂNEA (SÉCULO XVIII ATÉ OS DIAS ATUAIS)

Após a independência do Brasil, em 1822, é outorgada a Constituição de 1824, segundo a qual o país teria quatro Poderes, quais sejam: o Executivo, o Legislativo, o Judiciário e o chamado Poder Moderador. Esse último era exercido pelo imperador e seu papel no Estado era deveras conferir ao país uma monarquia constitucional. Frisa-se que nesta época, em termos de direitos fundamentais, o Brasil comparado ao mundo não evolui, já que ainda previa penas cruéis e até 1888 (quando do advento da Lei Áurea que aboliu a escravidão) havia escravos10. Além disso, como noticia Rodrigo Padilha ao citar Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino, a Constituição de 1824 deveria ser chamada de nominativa, em razão das previsões constitucionais não se traduzirem nas práticas adotadas na realidade.

Em 1891, com a República Velha, três direitos fundamentais podem ser destacados, a saber, a constitucionalização do Habeas Corpus, o princípio da individualização da pena e o fim da pena de morte para civil. No que se refere ao habeas corpus, salienta-se que a teoria brasileira do referido writ permitiu a tutela de demais direitos à liberdade, mas, tal prática perdurou até a Emenda Constitucional de 1926 quando se restringiu o cabimento do mandamus ao direito de ir e vir.11

Para o presente estudo, é importante destacar que, após a Primeira Guerra Mundial, sobrevieram, na ordem mundial, Constituições elaboradas com vistas a estabelecer uma democracia social, abrangendo dispositivos legais sobre família, ordem econômica e social, educação e cultura, assim como a função social da propriedade. Como direitos de segunda geração,12 esses dispositivos estariam, portanto, ligados a um Estado ativo com relação aos indivíduos que o integram, isto é, incumbiria ao Poder Público obrigações de dar e de fazer, prestações positivas, ao contrário do que era previsto pelos direitos de primeira dimensão (liberdade), que exigia do Estado um não-fazer, prestações negativas.13 De fato, a Constituição Mexicana, de 1917, e a Constituição de Weimar, de 1919, foram as primeiras dessa espécie – que instituía verdadeiros Estados Sociais – e incentivaram, de certa forma, outros Estados a prever tais direitos. Daí, o marco do constitucionalismo moderno ou social.

Retornando o foco do estudo ao Brasil, não obstante tratar-se de um governo instaurado por golpe com a ajuda de militares,14 a Constituição de 1934, embora tenha sido eficaz por apenas um ano, quando foi suspensa pela lei de segurança nacional e revogada pela Constituição de 1937, seguiu o modelo da Constituição de Weimar e da Constituição Mexicana, uma vez que estipulou um capítulo específico para os direitos sociais (Ordem Econômica e Social, Título IV, artigos 115 a 140) e para os direitos individuais.15 Como assinala o Professor Rodrigo Padilha (2012), o caráter social dessa Constituição deve-se à presença de socialistas na constituinte, uns na qualidade de representantes de classe e outros eleitos pelo Partido Socialista de São Paulo, o que foi uma novidade à época.

Deve-se observar, ainda, que a Educação e a Saúde é, pela primeira vez, prevista como obrigação do Estado, in verbis:

[…] Art 10 - Compete concorrentemente à União e aos Estados:

I - velar na guarda da Constituição e das leis;

II - cuidar da saúde e assistência públicas;

Art 149 - A educação é direito de todos e deve ser ministrada, pela família e pelos Poderes Públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros e a estrangeiros domiciliados no País, de modo que possibilite eficientes fatores da vida moral e econômica da Nação, e desenvolva num espírito brasileiro a consciência da solidariedade humana.[...]16

Entretanto, sob a égide da outorgada Constituição de 193717, que ficou conhecida como “A Polaca”, os direitos foram restringidos e a organização do estado modificou-se para possibilitar o autoritário poder do Presidente da República. Segundo o Professor Rodrigo Padilha (2012), in verbis:

[…] Nesta Carta, foram previstas regras como: a) forma de Estado Federal, mas todo poder foi transferido para o governo central, especificamente para o Presidente da República (federalismo nominal); b) manteve a tripartição dos poderes só esteticamente, pois o Executivo ampliou muito suas funções, e o legislativo e o Judiciário tiveram suas funções extremamente reduzidas; c) os direitos e garantias foram restringidos, não havia sequer princípio da legalidade, mandado de segurança e ação popular, que foram retirados do texto constitucional; d) previa pena de morte para crimes políticos; 3) autorizava a censura prévia da imprensa e demais formas de comunicação; f) a lei declarada inconstitucional pelo judiciário poderia ser revista pelo legislativo. [...]

Em síntese, objetivando a redemocratização do País e repudiando a o regime totalitário que vigia desde 1930, é promulgada a Constituição de 1946 que retomou as previsões da Constituição de 1934, (LENZA, 2010, p. 108-109). No mesmo sentido: PADILHA, 2012, p. 20 e 21.

Nesse ínterim, a história se repete no que se refere a direitos fundamentais. Durante 1964 e 1986, o Brasil é assolado mais uma vez por um golpe de poder (ante o outro da Era Vargas), através do qual os militares, que se valeram de Atos Institucionais, tomaram o poder de João Goulart e, em seguida, de Jânio Quadros (presidente interino), sob premissa de que, se não intervissem, o Estado Brasileiro seria transformado em um país socialista, como Cuba. O país não evolui no sentido de direitos fundamentais, ao contrário, por estar num regime totalitário e antidemocrático, retrocede devido aos efeitos direitos e indiretos causados por tal regime.

A Constituição de 1967 foi outorgada e, conforme lições do Professor Rodrigo Padilha (2012), possuía as seguintes características, in verbis:

[…] a) tinha na segurança nacional grande fonte de preocupação; b) apesar de manter o federalismo, ela o enfraqueceu, centralizando os poderes políticos, na União, especialmente nas mãos do Presidente da República, com iniciativa de lei em qualquer área; c) manteve a tripartição dos poderes, porém houve fortalecimento do Executivo e esvaziamento do Legislativo; d) redução dos direitos individuais. [...]

Por fim, tem-se que a Constituição de 1988, denominada Constituição Cidadã, na tentativa de romper a dolorosa história da nação brasileira (ditaduras, corrupção, miséria etc), não veio para apenas fazer previsões sem efeitos práticos, mas sim para mudar para melhor a situação de toda a sociedade brasileira, mormente em termos de igualdade social, criando bases sólidas, para promover os direitos do cidadão, bem como lhes cedendo poderes para fiscalizar a ordem pública . Ademais, ao contrário das outras Constituições, a Carta Magna Cidadã é caracterizada hoje, quanto à sua correspondência com a realidade, como normativa e não meramente nominativa (PADILHA, 2012).18

Nesse sentido, o discurso proferido pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da Assembleia Constituinte de 1988, Ulysses Guimarães, na sessão de promulgação da atual Constituição, em 5 de outubro de 1988, in verbis:

[…] Num país de 30.401.000 analfabetos, afrontosos 25% da população, cabe advertir: a cidadania começa com o alfabeto. [...]

O inimigo mortal do homem é a miséria. O estado de direito, consectário da igualdade, não pode conviver com estado de miséria. Mais miserável do que os miseráveis é a sociedade que não acaba com a miséria.[...]

A vida pública brasileira será também fiscalizada pelos cidadãos. Do Presidente da República ao Prefeito, do Senador ao Vereador.

A moral é o cerne da Pátria.

A corrupção é o cupim da República. República suja pela corrupção impune, tomba nas mãos de demagogos, que, a pretexto de salvá-la, a tiranizam.

Não roubar, não deixar roubar, pôr na cadeia quem roube, eis o primeiro mandamento da moral pública.

[…]

Termino com as palavras com que comecei esta fala: a Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação vai mudar.

A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à mudança.

Que a promulgação seja nosso grito: – Mudar para vencer!

Muda, Brasil!19

Contudo, o Brasil ainda enfrenta atualmente muitos problemas atinentes aos direitos fundamentais, principalmente os relacionados aos direitos sociais, pois, como se verá no capítulo a seguir, tais direitos, sob a ótica do direito brasileiro, ainda geram dúvidas quanto a sua aplicabilidade e efetivação. Nesse contexto, conforme será visto a seguir, é de ressaltar-se que, embora previstos, tais direitos ainda são, de fato, violados ou ignorados e, na falta de uma adequada ponderação de normatividade, afastados.

Com efeito, seja pela falta de perspectiva do Legislador em estabelecer Políticas Públicas, seja pelo Administrador em deixar de possibilitar a concretização dos direitos fundamentais ou até mesmo de impor rigor na fiscalização e investigação do investimento e despesas públicas, constata-se que, embora o Brasil seja um país rico, não vem cumprindo o dever prestacional (educação, saúde etc) de forma satisfatória, o que demonstra ineficiência estatal.20

Não obstante, de modo a irradiar os direitos fundamentais, ou melhor, fazer valê-los, a Constitucional de 1988 permitiu trazer à tona um movimento que foi considerado noutros países após a Segunda Guerra Mundial, mas só teve incidência no Brasil a partir da Constituição Cidadã, através da qual passou a estabelecer uma nova era constitucional, o neoconstitucionalismo, o qual é resumido por Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártines Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco, da seguinte forma: “mais Constituição do que lei; mais juízes que legisladores (judicialização); mais princípios do que regras; mais ponderação do que subsunção; e mais concretização do que interpretação”. É bem verdade que o neoconstitucionalismo, tema em voga, permite ao intérprete do direito ponderar os valores constitucionais tidos na relação jurídica do caso concreto, a fim de conceder uma adequada consagração de direitos humanos. Desse modo, tal ponderação deve ser sempre enfrentada por cada jurista, seja pela constitucionalização das questões, devido ao neoconstitucionalismo, seja pela sensibilidade e importância de tais direitos.21

Por fim, cabe discorrer brevemente acerca de Políticas Públicas no Brasil, em especial a questão do assistencialismo às pessoas pobres, no caso o programa social Bolsa Família. Na realidade, o Bolsa Família seria uma utopia do governo, apresentando-se apenas para fins políticos, já que valores ínfimos de R$ 58,00 (cinquenta e oito reais) – art. 2º, §2º da Lei nº 10.836/2005 – jamais poderiam servir ao combate à pobreza. Alias, a questão de não se exigir nenhuma contraprestação real do assistido (manter o filho estudando regularmente já é uma obrigação descrita no art. 6º da LDB e no art. 227 da CRFB/88) induz que se trata, em verdade, de uma esmola. O Estados Unidos da Américas, a partir a crise de 2008, vem passando por uma série de problemas, dentre os quais se inclui o combate à pobreza, mas, de forma totalmente diversa, o Presidente dessa nação, Barack Obama, anunciou a criação de novos postos de trabalho para a erradicação da pobreza,22 o que se demonstra uma ação efetiva e justa, que valoriza o trabalho.

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Sobre o autor
Luiz Carlos da Silva Junior

Formando de Direito em 2013.1 pela Universidade Candido Mendes.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA JUNIOR, Luiz Carlos. O princípio da vedação ao retrocesso social no ordenamento jurídico brasileiro.: Uma análise pragmática. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3651, 30 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24832. Acesso em: 19 abr. 2024.

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