3 O PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO DO DIREITO SOCIAL
3.1 O SIGNIFICADO DE “PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL” DENTRO DO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO
De início, importante frisar que, no atual modelo do direito contemporâneo – pós-positivismo ou neoconstitucionalismo –47, o princípio constitucional não é mais mera fonte subsidiária, mas sim o centro do sistema jurídico, possuindo inclusive força normativa48.
Com efeito, parafraseando Luís Roberto Barroso49, pode-se afirmar que princípio é o norte pelo qual deve guiar o operador do direito e, segundo o Professor Paulo Gustavo Gonet Branco, é mais do que a própria norma-regra no sentido de sua abrangência, pois permitiria a descoberta da razão de ser uma regra ou até mesmo um outro princípio menos amplo, caracterizando-se, assim, como um verdadeiro instrumento multifuncional, conforme leciona Canotilho50.
A pretexto de diferenciar princípios de regras, tem-se que os primeiros expressam valores ou finalidades a serem levados a efeito e aí difere das regras, as quais descrevem condutas a serem seguidas em determinadas situações. Desse modo, enquanto a regra opera mediante a técnica de subsunção, enquadrando o fato ao dispositivo normativo, o princípio é aplicado através do método de ponderação. Ademais, não há, no atual ordenamento jurídico, regra ou princípio absoluto, por isso a importância da ponderação de interesses.
Por fim, é relevante mencionar que os princípios e valores constitucionais, como é o caso, integram o bloco de constitucionalidade e, assim, podem ser fundamentos numa eventual ação de controle de constitucionalidade, nada
obstando, entretanto, o controle constitucional via difusa e o controle de legalidade por meio de processo subjetivo.
3.2 O PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO SOCIAL NO DIREITO COMPARADO
Neste tópico será abordado brevemente a aplicação do princípio ora em estudo nos países europeus, tais como Alemanha, Portugal e Itália, dada a influência jurídica deles em território brasileiro.
Na Itália, em 1955, o doutrinador G. Balladore Pallieri, pela primeira vez no mundo, concluiu pela existência do princípio ora em estudo. Ao tratar dos limites do legislador, o referido estudioso constata que, uma vez alcançado determinado patamar, o direito social não poderia ser diminuído e, portanto, não poderia o legislador ordinário retornar à situação anterior.51
A partir do acórdão nº 39/84, o princípio da vedação ao retrocesso ganhou notoriedade em território português e também no mundo. Nesse julgado, o Tribunal Constitucional de Portugal, face ao pedido do Presidente da República visando declarar inconstitucional lei que revogava a norma instituidora do Sistema Nacional de Saúde, acolheu o pedido inicial e, com fundamento no princípio ora estudado, declarou a inconstitucionalidade da norma revogadora. Até aí, portanto, permanecia intacto o entendimento consagrado pelo doutrinador italiano Pallieri.
Com efeito, posteriormente o Tribunal Constitucional português firmou entendimento52 e passou a exigir também que seria necessário o preenchimento dos seguintes standards (situações padrões) para a aplicação do referido princípio: i) pretendesse a norma objeto atingir o núcleo essencial de existência mínima do direito, inerente ao respeito da dignidade da pessoa humana; ii) e restassem violados o direito adquirido, o princípio da confiança e da segurança dos cidadãos em âmbito social, econômico e cultural.53
Entretanto, quanto ao segundo requisito – o núcleo essencial do direito –, é de ver-se que o mesmo já é considerado como limite a alterações pelo legislador54. Ou seja, pela natureza do núcleo essencial, não se poderia aniquilar o conteúdo nuclear do direito, não havendo que se falar em aplicação do princípio ora em estudo, haja vista a sua desnecessidade. Assim, seria inócuo exigir o cumprimento de tal requisito para a aplicação do princípio da proibição ao retrocesso social no caso em que haja violação à própria dignidade da pessoa humana, porquanto a atuação do legislador estaria vedada pelo próprio núcleo essencial do direito55. Na situação brasileira, p. ex., protege-se o núcleo essencial do direito fundamental por meio das cláusulas pétreas e do princípio da dignidade da pessoa humana.
Por sua vez, o Tribunal Federal Constitucional Alemão confirmou a tese de que a base de sustentação do princípio da vedação ao retrocesso social seria o direito de propriedade tido nesse país. Desse modo, o direito de propriedade, além de tutelar direito individual, teria também como fim a proteção dos direitos prestacionais.56
Outrossim, a fim de aplicar o princípio da proibição ao retrocesso em solo alemão, deveria preencher-se os seguintes requisitos: i) o direito social deveria corresponder a uma contraprestação relevante e não poderia estar embasada somente em prestação unilateral do Estado; ii) tratar-se de natureza jurídica patrimonial própria e exclusiva, a qual só poderia ser disponibilizada essencialmente por parte de seu titular; iii) a prestação dever-se-ia à garantia da existência mínima do seu titular (considerando-se que na Alemanha a propriedade privada da pessoa normalmente é capaz de proteger as condições necessárias a uma vida autônoma e responsável, ou seja, a maior parte dos indivíduos, em solo germânico, conseguiria a segurança existencial mediante o uso da sua propriedade privada e não por meio da posição jurídica que dependeria da prestação estatal).57
Veja-se que a forma de aplicação do princípio em território alemão difere e muito daquelas expostas nos dois outros países europeus. A singularidade do princípio na Alemanha se justifica pela existência de outros métodos de proteção contra o retrocesso no direito alemão, sobretudo em razão do nível de proteção social lá ser muito elevado em relação ao direito pátrio, de acordo com ensinamento do ilustre doutrinador Ingo Sarlet.58
Assim, em consideração a ser feita a respeito do direito alienígena em relação ao direito pátrio, constata-se que, dentre as soluções práticas expostas no tópico anterior, a tese aplicável que mais se aproxima da que é empregada no direito pátrio é aquela tida em Portugal e na Itália, descartando-se de plano a forma de aplicação do princípio da vedação ao retrocesso tida na Alemanha, porquanto se demonstra insuficiente considerando as peculiaridades do ordenamento jurídico vigente nesse país.59
3.3 O PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO AO RETROCESSO SOCIAL NO DIREITO BRASILEIRO
A respeito da terminologia adotada, tem-se a existência de várias que expressam o mesmo significado, isto é, são expressões sinônimas, a saber: princípio do não retrocesso social; princípio da proibição da evolução reacionária; princípio do efeito cliquet; princípio da não reversibilidade; princípio da vedação da contrarrevolução social. Em opinião particular deste autor, conforme será exposto a seguir, a nomenclatura mais adequada a ser adotada seria “princípio da vedação (ou proibição) à estagnação social.
Este princípio é protegido pela constituição de forma implícita ou expressa? Pois bem, não obstante a doutrina ser unânime em afirmar que se cuida de princípio constitucional implícito, propõe-se verificar se há alguma norma constitucional que faça previsão expressa do princípio da proibição ao retrocesso.
Deveras a Constituição da República Federativa do Brasil, no Título I (Dos Princípios Fundamentais), no art. 3º, II, estatui que o Estado Brasileiro tem como objetivo o desenvolvimento nacional. Já que a Constituição atual classifica-se como analítica e principiológica60, seria pouca perspectiva interpretar que tal norma tivesse caráter apenas programático. Assim, é de ser reconhecida a natureza de princípio na norma aludida. Dessa forma, o princípio da proibição ao retrocesso deveria ser chamado de “princípio da vedação à estagnação social” e, desse modo, teria aplicação mais abrangente, consistindo em um verdadeiro “plus” em relação àquele, pois, além de impedir a retrocessão, obstaria ainda a inércia do Poder Público em avançar em termos de direitos fundamentais61.
Além de tal previsão, há que se destacar outra forma expressa do princípio da vedação ao retrocesso social na Constituição Brasileira, inaugurada pela Emenda Constitucional nº 71, de 2012, refere-se especificamente ao art. 216-A, §1º, XII, da CRFB. Sem embargos, a elevação de investimentos na cultura não seria, por si só, capaz de demonstrar todo o sentido do princípio da vedação ao retrocesso ou à estagnação social, porque, como foi possível verificar no primeiro capítulo desta obra, é possível haver mais gasto e menos efetivação de direitos fundamentais por meio da prática do fisiologismo.
Frisa-se ainda que o Pacto São José da Costa Rica, de 22 de novembro de 1969, tratado internacional que passou a produzir efeitos a partir da publicação do Decreto Presidencial nº 678, de 6 de novembro de 1992, previu, no art. 26 do Anexo, também, de modo expresso, o princípio da vedação à estagnação social. Confira-se, in verbis:
[...]Capítulo III – DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS, E CULTURAIS
Artigo 26
Desenvolvimento progressivo
Os Estados-Partes comprometem-se a adotar providências, tanto no âmbito interno como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Procolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados.[...] (grifou-se)
Pois bem, agora impõe saber se o princípio em estudo é necessário para a proteção dos direitos sociais, se não há outro limite à reforma, no ordenamento jurídico brasileiro, capaz de tutelar os direitos sociais como faz o princípio em abordagem.
É sabido que atualmente há diversos mecanismos e formas jurídicas para vedar a prática atos legislativos comissivos ou omissivos tendentes a diminuir, não efetivar, extirpar, ou violar, de qualquer maneira, os direitos fundamentais. Passa-se a relembrar algumas dessas formas restritivas para saber se a existência do princípio da vedação ao retrocesso é suficiente e necessária, isto é, se nenhum outro instituto jurídico seria capaz de tutelar tal direito dentro do ordenamento jurídico pátrio.
Exemplificativamente, pode-se destacar: i) proteção do núcleo essencial (mínimo existencial) do direito fundamental; ii) limites materiais previstos no art. 60, §4, da CRFB (as chamadas cláusulas pétreas); iii) limites formais; iv) limites circunstanciais (art. 60, §1º, CRFB); vedação à dupla reforma, que consiste numa fraude à Constituição (p. ex. EC que vise extirpar o conteúdo normativa do art. 60, §4º, da CRFB); iv) princípio da segurança jurídica, da confiança, da boa-fé, da dignidade da pessoa humana, da máxima efetividade dos direitos fundamentais; vi) teoria dos poderes implícitos; vii) o princípio da supremacia constitucional, como corolário ao fato de que a Constituição é norma cuja hierarquia encontra-se no ápice no sistema normativo, constituindo verdadeira norma parâmetro, à qual todas as outras normas devem respeito; viii) o princípio da irredutibilidade de salário e de vencimento (art. 7º, VI, e art. 37, XV).
Assim, não há, de fato, um mecanismo capaz de proteger o direito previsto como faz o princípio ora estudado, razão pela qual é necessária a presença e aplicação deste importante princípio no ordenamento jurídico brasileiro.62
Pode-se indagar qual seria o fundamento jurídico a embasar o princípio da vedação ao retrocesso social. É de ver-se que a doutrina majoritária, seguindo ensinamentos do Professor gaúcho Ingo Sarlet (2006, p. 434-436), entende que o princípio da proibição ao retrocesso social tem como base os princípios do Estado Democrático e Social de Direito, da dignidade da pessoa humana, da máxima efetividade das normas constitucionais (art. 5º, §1º, da CRFB) – que também é princípio hermenêutico –, da segurança jurídica, da proteção da confiança e da boa-fé63. Em suma, teria o princípio em análise alicerce maior na própria fundamentabilidade dos direitos constitucionais, isto é, a dignidade da pessoa humana (art. 3º, III, da CRFB) donde deriva quase todos os outros princípios supracitados. Nesse sentido, argumenta Sarlet, in verbis:
Com efeito, a dignidade não restará suficientemente respeitada e protegida em todo o lugar onde as pessoas estejam sendo atingidas por um tal nível de instabilidade jurídica que não estejam mais em condições de, com um mínimo de segurança e tranqüilidade, confiar nas instituições sociais e estatais (incluindo o Direito) e numa certa estabilidade das suas próprias posições jurídicas. Dito de outro modo, a plena e descontrolada disponibilização dos direitos e dos projetos de vida pessoais por parte da ordem jurídica acabaria por transformar os mesmos (e, portanto, os seus titulares e autores) em simples instrumento da vontade estatal, sendo, portanto, manifestamente incompatível mesmo com uma visão estritamente kantiana da dignidade.64
Também é cabível verificar a incidência do princípio na jurisprudência pátria. De fato, a Suprema Corte Brasileira, quando teve o STF oportunidade para se manifestar e, assim, criar um julgado histórico, não conheceu da ADI 2.06565. Não obstante, três manifestações relevantes do STF que merecem atenção para se ter ideia de como esse órgão julgador vem decidindo acerca do princípio da proibição ao retrocesso. Apesar de trata-se os dois últimos julgados da aplicação do princípio da vedação ao retrocesso político, nota-se que a dinâmica e aplicabilidade é a mesma aplicável à proteção dos direitos sociais, razão pela qual serão também objetos de análise.
O primeiro julgado é proveniente de um RE em que se firmou a obrigação estatal de prestar educação do Poder Público Municipal para matricular crianças de até 5 anos em creches ou pré-escolas, veja-se, in verbis:
Ementa: […] A PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL COMO OBSTÁCULO CONSTITUCIONAL À FRUSTRAÇÃO E AO INADIMPLEMENTO, PELO PODER PÚBLICO, DE DIREITOS PRESTACIONAIS. - O princípio da proibição do retrocesso impede, em tema de direitos fundamentais de caráter social, que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive. - A cláusula que veda o retrocesso em matéria de direitos a prestações positivas do Estado (como o direito à educação, o direito à saúde ou o direito à segurança pública, v.g.) traduz, no processo de efetivação desses direitos fundamentais individuais ou coletivos, obstáculo a que os níveis de concretização de tais prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo Estado. Doutrina. Em conseqüência desse princípio, o Estado, após haver reconhecido os direitos prestacionais, assume o dever não só de torná-los efetivos, mas, também, se obriga, sob pena de transgressão ao texto constitucional, a preservá-los, abstendo-se de frustrar - mediante supressão total ou parcial - os direitos sociais já concretizados. […]66
No que toca ao segundo julgado, cuida-se de ADC em que se julgou constitucional a chamada Lei da Ficha Limpa, in verbis: “Afastou eventual invocação ao princípio da vedação do retrocesso, uma vez que inexistiria pressuposto indispensável à sua aplicação, qual seja, sedimentação na consciência jurídica geral a demonstrar que a presunção de inocência estender-se-ia para além da esfera criminal.” 67 (grifou-se)
O terceiro julgado cuida-se da ADI 4.543 que foi ajuizada no STF visando declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 12.034/2009, que reinstituiu o voto impresso. Ao deferir o pedido liminar, a Ministra Relatora Carmem Lúcia considerou que havia violação à cláusula pétrea relativa ao voto secreto e também ao princípio da vedação ao retrocesso político.68
Espera-se uma manifestação mais concreta do STF com relação ao princípio ora em análise através do julgamento da ADI 4.627, que foi ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade – PSOL – com vistas a declarar inconstitucional norma que estabeleceu valor indenizatório menor do que o previsto anteriormente para acidentado por veículo automotor69.
Pelo exposto, é possível verificar que o princípio da vedação ao retrocesso manifesta-se de modo a impedir o legislador de diminuir o direito social já positivado. É que a atuação do legislador em malefício dos direitos sociais reconhecidos e sedimentados na consciência jurídica geral é ato atentatório ao princípio constitucional da vedação ao retrocesso e, portanto, inconstitucional, sendo passível de controle de constitucionalidade e de legalidade.
A título exemplificativo, tem-se que a Lei nº 12.732/2012 estipulou o tratamento de saúde por meio do SUS, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, para o caso de paciente portador de neoplasia maligna, entretanto, após 4 anos de cumprimento inequívoco da lei, imagine-se se o Congresso Nacional resolve, por Projeto de Lei, aumentar o prazo estabelecido pela referida lei, sob o argumento de que o Poder Executivo não mais estaria conseguindo cumprir a aludida norma, considere-se também a inexistência de crise econômica e financeira. Indaga-se: houve violação ao princípio da vedação ao retrocesso social? Óbvio que a resposta é afirmativa, pois estão presentes os seus pressupostos, quais sejam, existência de norma consolidada na consciência jurídica em geral e a sua diminuição. Caberia, portanto, a um parlamentar federal, em controle de constitucionalidade preventivo, a impetração de mandado de segurança em face da Mesa da Câmara dos Deputados e do Senado Federal pleiteando sustar o andamento da referida proposta de lei que ofende uma cláusula pétrea (direitos fundamentais, art. 60, §4, IV da CRFB) e, em consequência, o princípio da vedação ao retrocesso social, pois lhe pertence o direito subjetivo a presenciar um devido processo legislativo, conforme se manifesta a jurisprudência consolidada do STF, desde 198070.
Contudo, é relevante afirmar que este princípio não é absoluto. Isto por que o Estado não possui fontes ilimitadas. Por óbvio e como já visto, o Poder Público precisa de dinheiro para a realização de seus deveres constitucionais, em homenagem ao princípio da reserva do possível. Dessa forma, em caso de crise econômico-financeira, como a crise de 2008, haverá a possibilidade de afastar o princípio da vedação ao retrocesso através do método de ponderação.
Importante salientar ainda questão peculiar, relativa a uma Política Pública (opção) adotada pelo legislador, nesse caso, pois, não se trata de uma exceção ao princípio em estudo, como a do parágrafo anterior. De fato, a incidência do princípio da vedação ao retrocesso social não torna imodificável determinada norma, apenas obsta a diminuição do direito social. Ora, logicamente, para que seja considerada a redução do direito social, é imprescindível a ocorrência tão somente dessa minoração, sem nenhum novo ato legislativo em prol do direito social atingido. Desse modo, e a título ilustrativo, é possível que o Bolsa Família seja extinto e substituído por outro programa social, como por exemplo, um que dê emprego à pessoas desqualificadas e pobres, hipótese na qual o princípio em abordagem restará incólume.
Por fim, cabe a pergunta: este princípio é aplicável ao poder reformador originário, que é caracterizado por ilimitabilidade? O Poder Reformador Originário, a priori, é ilimitado, todavia, está, como qualquer outro poder, submetido a limitações. Tais limites são conhecidos como heterônomos, imanentes e transcendentes71. Os primeiros referem-se aos tratados e convenções internacionalmente relativos aos direitos humanos que, uma vez incorporados no sistema normativo interno e na consciência jurídica geral (e assim se comprometendo o Estado ao seu fiel cumprimento), não poderia a nova ordem jurídica revogar o conjunto mínimo de tais direitos72. Os segundos relacionam-se com o núcleo essencial do direito e, portanto, caso a norma constitucional originária viesse a atingir o cerne do direito fundamental previsto na Constituição anterior, estaria pechada de ilegitimidade, isto mesmo, pois, como expõe Luís Roberto Barroso (2009, p. 113-116) e Gilmar Mendes (2011, p.133), não há que se falar em controle judicial, e sim em exame de legitimidade, porque não haveria Constituição nem norma de caráter constitucional que pudesse servir de parâmetro. Por último, os limites transcendentes, os quais interessam ao presente trabalho, estão ligados ao direito natural e baseados em valores éticos e de conhecimento geral. Com efeito, conforme leciona o Professor Rodrigo Padilha (2012, p. 55-56), está inserido nesse último rol de limitação à reforma originária pelo poder constituinte o princípio da vedação ao retrocesso, proibindo-se o legislador constituinte originário de aniquilar, suprimir ou esvaziar o direito social já consolidado no mundo jurídico.