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A disparidade de armas no processo penal

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07/07/2013 às 08:41
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Ao Ministério Público, foi atribuída a função de acusar e fiscalizar a lei. Seus membros possuem prerrogativas que se igualam às do julgador e prejudicam a paridade das armas no processo penal. A defesa continua a ser a parte mais fraca.

Com a iniciativa de introduzir um sistema acusatório no ordenamento jurídico brasileiro, surge a relevância da atuação das partes no processo penal. Foi atribuído o poder de acusar ao Ministério Público, e ainda a possibilidade do contraditório e da ampla defesa ao acusado, visando evitar decisões arbitrárias. Salienta-se que, o fundamento da admissão desse sistema, é além de assegurar a imparcialidade do juiz, oportunizar as partes um tratamento igualitário, que também chamado pela doutrina de paridade de armas.

A paridade de armas dentro do processo penal consiste na igualdade de oportunidades que deve ser garantida a ambas as partes. Tendo em vista que a atuação das partes está relacionada ao interesse final que elas têm no processo, deve haver isonomia na relação processual, pois benefícios, diferenciações e privilégios podem acarretar na suspeita de imparcialidade do juiz.

A igualdade de oportunidade ou paridade de armas entre as partes deve ser consolidada em todos os atos processuais. No entanto, a observância dessa isonomia deve ser feita, além dos campos teóricos, de teses e defesas, mas também nas salas de audiências, onde acontece o enfrentamento pessoal do caso penal entre acusação e acusado.

No processo penal, cabe ao juiz a função de garantidor, fazendo com que as etapas do processo sejam respeitadas, assim como que os meios utilizados pelas partes para acusar e para se defender sejam iguais. Em um sistema acusatório, a parte acusadora surge junto à ideia de que existam partes no processo, possibilitando o contraditório, para que haja lealdade processual entre acusação e defesa.

À acusação incumbe a promoção da ação penal e consecutivamente, o ônus da prova no processo, respeitados os princípios do contraditório e da ampla defesa, compete ao acusado usar todos os meios para se proteger. Para manter a ordem e a regularidade no transcorrer do processo, faz-se necessária a observância da máxima do devido processo legal assim como o direito fundamental a presunção de inocência.[1]

A existência de partes no processo, além de garantir a imparcialidade do juiz, faz com que o acusado tenha possibilidade de defesa, possua o direito de contradizer àquelas imputações que lhe foram feitas. Com isso, supera-se a ideia de um sistema inquisitivo, em que o acusado era mero objeto do processo, e não havia direito ao contraditório e à ampla defesa, assim incompatibilizando o sistema de garantias.[2] Nesse entendimento Luigi Ferrajoli doutrina que:

O ônus da prova a cargo da acusação comporta logicamente, por parte do imputado, o direito de defesa [...]. Esta última garantia é o equivalente jurídico [...] a principal condição epistemológica da prova: a falsificação da hipótese acusatória experimentada pelo poder da parte interessada em refutá-la, de modo que nenhuma prova seja adequada sem que sejam infrutíferas todas as possíveis negações e contraprovas. A defesa, que por tendência não tem espaço no processo inquisitório, forma, portanto, o mais importante instrumento de solicitação e controle do método de prova acusatório, consistente precisamente no contraditório entre hipótese de acusação e hipótese de defesa e entre as respectivas provas e contraprovas.[3]

A partir do reconhecimento da denúncia, com a citação do acusado, é dado o direito de contestar aquilo está sendo alegado e, como decorrência do direito de defesa, seguindo de um pressuposto que ele tem o direito de ser ouvido, tem a possibilidade de provar que aqueles fatos que lhe estão sendo atribuídos são inexistentes ou não ocorreram da forma descrita, utilizar todos os meios de defesa possíveis dentro de um ordenamento jurídico para poder resistir às imputações.[4]

No entanto, para essa ideia ser concretizada, é necessário garantir que ambas as partes poderão agir com as mesmas armas, assim conferindo um equilíbrio processual. Aury Lopes Jr entende que “o propósito da construção de um processo de partes é um só: reconhecer o acusado como sujeito e não como mero objeto do processo”.[5] Na mesma linha entende Luigi Ferrajoli:

Para que a disputa se desenvolva lealmente e com paridade de armas, é necessária, por outro lado, a perfeita igualdade entre as partes: em primeiro lugar, que a defesa seja dotada das mesmas capacidades e dos mesmos poderes da acusação; em segundo lugar, que o seu papel contraditor seja admitido em todo Estado e grau de procedimento e em relação a cada ato probatório singular, das averiguações judiciárias e das perícias ao interrogatório do imputado, dos reconhecimentos aos testemunhos e às acareações.[6]

Eis que existe o princípio do contraditório para neste momento efetivar o direito do cidadão que está sendo previamente acusado, a possibilidade de ampla defesa, como afirma Aury Lopes Jr “[...] o contraditório cria condições de possibilidade para a defesa se efetivar”.[7] Por suposto, a relevância das partes possuírem as mesmas prerrogativas no momento de formular suas defesas. Como leciona Natalie Ribeiro Pletsch:

No jogo processual, as partes devem ter iguais oportunidades de apresentar suas teses, ou seja, de fazer suas jogadas. Suas atuações estão direcionadas para o resultado que pretendem obter, caracterizando-se, portanto, pela parcialidade com que são articuladas. Não estão dirigidas para um fim último que é apontado, muitas vezes, como a verdade, mas para reforçar os argumentos defendidos.[8]

Para o acusado, ter as mesmas capacidades e oportunidades que Ministério Público no Processo penal, há obrigatoriedade de uma defesa técnica, ou seja, profissional com conhecimento técnico específico. Faz-se imprescindível para que possa se falar em equilíbrio dentro do processo, que a defesa esteja em equidade com a acusação, tendo em vista a posição ministerial de órgão do Estado, defensor do povo e guardião das leis, o mínimo a garantir ao acusado é o direito a um defensor, para interpretar as obscuridades, complexidades e formalidades da lei[9], assim como prevê o artigo 261[10] do Código de Processo Penal.

A partir do artigo 5º inciso LV[11] da Constituição Federal, a garantia ao contraditório pode ser entendida também como uma garantia de participação no processo, conferindo as mesmas oportunidades de informação e a reação a ambas as partes na mesma intensidade e extensão, visando à obtenção de um processo justo e equitativo.[12]

Além de garantia para as partes processuais – sobretudo ao acusado –, poderá por meio do contraditório, o juiz conhecer melhor o caso penal. Através das argumentações, da exposição das teses, das divergências entre os argumentos expostos pelas partes, com base nos debates orais, a partir da demonstração do conjunto probatório, que o juiz pode e deve, fundamentado nesses elementos, formar seu convencimento.

Todavia, cabe salientar que além dos princípios do contraditório e da ampla defesa, o que rege as relações entre os sujeitos no processo, é – ou deveria ser – o princípio da igualdade. O princípio da igualdade foi adotado pelo Constituição Federal de 1988, visando que todos os cidadãos têm o direito a tratamento idêntico perante lei, suprimindo as diferenciações arbitrárias e as discriminações equivocadas.[13]

No mesmo sentido, Alexandre de Moraes visa que o princípio da igualdade pode ser visto sob dois planos, frente ao legislador ou ao próprio executivo, na edição de leis, atos normativos e medidas provisórias, no qual há o impedimento de criação de tratamentos desiguais e diferenciados; e em outro plano, ao intérprete/autoridade pública, no que tange à aplicação das leis e aos atos normativos de maneira igualitária, não podendo haver distinções no tocante a sexo, religião, raça, classe social e convicções filosóficas ou políticas. A finalidade de tal princípio é limitar o legislador, ao particular e também ao intérprete/autoridade pública.[14]

Dentro do processo penal, não pode haver tratamentos desiguais entre as partes por parte do Estado-juiz, provendo privilégios, benefícios ou perseguições e discriminações. O processo é estruturado para igualar as partes, no entanto pode se perceber algumas distinções a caráter das desigualdades de posições.[15] Como constata Denise Neves Abade “a consagração de um processo penal igualitário, com mesmas oportunidades para as partes e com tutela isonômica dos direitos constitucionais garante a distribuição da justiça”.[16]

Um tratamento igualitário entre as partes é tido a partir da idéia de um devido processo legal. Pressupõe-se que ao falar em um processo justo acompanha a ideia de um processo igualitário. Assim registra André Nicolitt:

Nesta esteira, quando falamos em processo justo falamos em processo igualitário, de sorte que o processo deve contar necessariamente com um juiz independente, imparcial, eqüidistante, que dará às partes as mesmas oportunidades e o mesmo tratamento.[17]

As garantias processuais são essenciais a um sistema acusatório. Se foi necessário entregar a três sujeitos distintos os poderes de acusar, julgar e defender, é justamente para se ter um processo equilibrado entre as partes, oportunizando a igualdade de tratamento, e deixando para um sujeito imparcial quanto à função de solucionar o caso concreto.

Essa igualdade de oportunidades entre as partes deve ser materializada em todos os atos do processo, desde a propositura da ação até o transito em julgado da sentença penal. A igualdade de oportunidades não deve ser vista somente numa oportunidade de manifestação, mas também sob uma ótica estética das salas de audiências, onde acontecem os debates, os interrogatórios e demais momentos onde há a presença da acusação e acusado frente a frente para concretizar suas teses.

Passa-se a análise de como se dá a distribuição dos sujeitos processuais na sala de audiência, observando se há igualdade material e formal quando determinados os assentos no momento de serem ouvidas as partes.

De suma importância, se faz a observação prática da disposição dos sujeitos no momento da atuação no caso penal. Tal análise permite constatar se há no caso concreto, a garantia de igualdade entre partes no processo penal.[18]

Em regra, a distribuição dos sujeitos processuais na sala de audiência se dá da seguinte forma: o juiz ao centro da sala presidindo a audiência; o promotor de justiça a sua direita; o estenotipista em frente ao promotor; o auxiliar da justiça a sua esquerda; o defensor a frente do auxiliar, o assento do acusado não é especificamente algo definido, em regra, porém, ele é afastado dos demais sujeitos processuais.

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Há algumas disposições em lei, a respeito dos lugares que devem ser tomados na audiência. Na Constituição Federal há a determinação no artigo 125[19] de que, os Estados organizarão sua Justiça.[20] Nesse sentido segue o entendimento do Supremo Tribunal Federal:

Compete à Constituição do Estado definir as atribuições do Tribunal de Justiça, nos termos do art. 125, § 1º, da Constituição da República. Essa competência não pode ser transferida ao legislador infraconstitucional. Ação julgada procedente para excluir da norma do art. 108, VII, b, da Constituição do Ceará a expressão ‘e de quaisquer outras autoridades a estas equiparadas na forma da lei. (ADI 3.140, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 10-5-2007, Plenário, DJ de 29-6-2007.) [21]

A posição do juiz, sendo sujeito processual não interessado no processo, não entra em debate, tendo em vista que sua função deve estar numa posição diferenciada das partes, garantindo assim sua imparcialidade. Todavia, cabe salientar que mesmo devendo manter a equidistância das partes processuais, não há necessidade do juiz estar em um plano mais alto que os demais sujeitos, pois com isso, entende-se que está num plano superior, o que o afasta da realidade processual.

Todavia, pertinente se faz a questão que ganha cada vez mais espaço no ordenamento jurídico brasileiro, a posição do Ministério Público ao lado direito do juiz, especialmente quando se discute seu papel no processo penal.

O lugar que ocupa o Ministério Público na sala de audiência, é prerrogativa do órgão, disposto no artigo 41[22] inciso XI da Lei Orgânica nº8625 de 1993, assim como no artigo 18[23] da Lei Complementar nº75 de 1993, o assento à direita do juiz.

No entanto, é necessária a observância da Lei Complementar nº80 de 1994 que dispõe sobre a organização da Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e sua organização nos Estados, em seu artigo 4º §7º[24], em que assegura ao defensor público sentar-se ao mesmo plano do Ministério Público.

Da mesma forma o artigo 6º §[25] do Estatuto da OAB, disposto na Lei 8906 de 1994. O Estatuto da OAB não menciona o lugar que o advogado deve ocupar, mas se refere à inexistência de hierarquia entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público.

Ainda nesse sentido, é importante salientar o local do acusado na audiência. Não há disposição nesse sentido, e na maioria das vezes o acusado nem ao lado do defensor pode assentar-se, colocando em dúvida o caráter de igualdade no tratamento das partes e o disposto no artigo 5º inciso III[26] da Constituição, no qual refere que ninguém terá tratamento desumano ou degradante. Atentando que o acusado é a parte, o defensor engloba sua defesa, portanto o acusado deveria ter assento ao lado do defensor mesmo quando preso.

A sala de audiência é onde se desenvolvem os atos processuais, e onde visualmente se observa como são tratadas as partes processuais que configuram a relação jurídica. Eis a importância de preservar o tratamento igualitário das partes.

Verifica-se a presença de uma hierarquia de planos na sala de audiência em desfavor a defesa. De um lado, permanece o julgador e Ministério Público; em outro plano fixa a defesa; e ainda se caracteriza a presença do acusado do banco dos réus.[27]

Nesse sentido constatam Rubens R.R. Casara e Maria Lucia Karam:

Esta estrutura cênica, manifestamente inadequada ao modelo republicano e aos princípios garantidores expressos nas declarações universais de direitos e na Constituição Federal brasileira, nitidamente revela a estrutura patriarcal e a ideologia de casta, que, entranhadas na autoritária história do Estado brasileiro, favorecem o surgimentos de violências simbólicas e tratamentos privilegiados, que acabam por não ser sentidos, nem percebidos como tal.[28]

Com o sistema acusatório, foi suprimida ao juiz a função de acusar, então não se identifica o motivo pelo qual a acusação persiste ao lado do julgador, colocando-os num mesmo patamar imperativo, afastando a defesa das mesmas prerrogativas. Num Estado Democrático de Direitos, no qual possui preceitos como a cidadania, a dignidade da pessoa humana e a igualdade, esta longínqua a concepção de equiparar seus cidadãos de maneira igual e conjeturando ainda o caráter inquisitivo presente nos julgamentos, expostos nas salas de audiências.

No entanto, cabe salientar que há entendimento diferenciado, visualizando sob outra ótica a disposição cênica da sala de audiência. Como constata Lenio Luiz Streck:

Desse modo, o argumento de que o Ministério Público e a defesa devem sentar juntos, porque o lugar ocupado pelo Ministério Público fere a democracia, a concepção cênica e a isonomia, isso tudo além de incrementar uma certa “promiscuidade” (sic), deve ser hermeneuticamente irrigado, em primeiro lugar, a partir do perfil jurídico-constitucional assumido, na atualidade, pelo Ministério Público.[29]

Sendo assim, o que deve ser refletido é o que embasa um Estado Democrático de Direitos. Manter a garantia de preservação do Ministério Público, em seu status de defensor da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, conferindo-lhe o mesmo tratamento dado ao julgador, ou manter o respeito aos direitos individuais e fundamentais de cada cidadão que contribui efetivamente com a formação da sociedade, logo para formação do Estado.

Nesse sentido Gilberto Correia:

Este tratamento psicologicamente agressivo, indigno, discriminatório, sem base legal e até mesmo contrário aos direitos fundamentais consagrados na Constituição da República, atribuído a um cidadão que a mesma constituição ordena que seja considerado inocente até condenação judicial definitiva num processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas; só perdura e é cultivado nas nossas salas de audiências porque as nossas instâncias de justiça amiúde se baseiam-se num pressuposto inquisitorial, centrado na autoincriminação do Réu [sic].[30]

A aproximação entre os sujeitos na sala de audiência, por muitas vezes, possibilita uma maior comunicação entre o Ministério Público e o julgador que não deveria existir. Como examinam Rubens R.R. Casara e Maria Lucia Karam:

A disposição cênica das salas de audiências ou de sessões é uma forma de comunicação, que é recebida, consciente e, por vezes, inconscientemente, pelas partes, pelo juiz e pelo conjunto da sociedade. A proximidade física de uma das partes com o juiz, ambos presentando o Estado, gera a impressão de promiscuidade funcional, de contaminação da imparcialidade, o que, não raro, se confirma por conversas ao pé-de-ouvido (os famosos “embargos auriculares”) entre o acusador e o juiz. E essa impressão, que acaba se tornando realidade, não se limita ao imaginário popular.[31]

Tornando assim, até mesmo para os que estão presenciando a audiência e muitas vezes ao acusado, a dificuldade de diferenciar o juiz e a acusação, colocando em dúvida o caráter de imparcialidade do julgador. Para os leigos, não há diferenciação entre o Estado-administrativo e o Estado-juiz, entende-se que há uma força dupla do Estado que está contestando o acusado.

Como leciona Natalie Ribeiro Pletsch:

Topograficamente, o Ministério Público, na sala de audiências ou de sessão nos Tribunais, está à direita do julgador, ocupando uma “posição cênica”. [...] Além disso, o acusado e as testemunhas que desconhecem a estrutura e o funcionamento do Poder Judiciário são incapazes de distinguir o órgão julgador do órgão acusador. [...] Se há dúvidas sobre o distanciamento do Ministério Público e do magistrado, é certo o distanciamento de ambos e do defensor, o único a estar próximo do acusado.[32]

No mesmo entendimento, André Nicollit:

A estrutura das audiências, com o contorno dado pelas indigitadas leis, além de violar a isonomia retira do juiz a aparência de imparcialidade. Nas audiências, que são públicas, o acusado, seus parentes, as pessoas que assistem ao ato não dão credibilidade à imparcialidade da Justiça quando vêem o órgão que deduz a pretensão punitiva Estatal (aos olhos do leigo, o órgão que acusa) em uma posição de proximidade com o juiz.[33]

Não só a doutrina brasileira questiona, mas também há decisões judiciais nesse sentido. Exemplificativamente pode-se mencionar o caso, considerando ofício da Defensoria Pública da União, encaminhado à Egrégia Corregedoria Regional do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, o Juiz Federal, Ali Mazloum, da 7ª Vara Federal Criminal da 1ª Subseção Judiciária do Estado de São Paulo, baseado no princípio processual constitucional da isonomia ou paridade de armas entre as partes, assim como a equidistância e imparcialidade necessária do juiz, tenta aproximar a sala de audiência ao mais perto de uma isonomia processual.

Resolve o juiz, portanto, determinar a adequação da sala de audiências, promovendo a retirada do tablado sob a mesa e assento reservados ao juiz federal, de modo que todos os presentes fiquem no mesmo plano; providenciar lugar na sala de audiências ao digno representante do Ministério Público Federal, imediatamente do lado direito do juiz, no primeiro assento, seguindo-se do mesmo lado com os assentos dos dignos Defensores Públicos Federais, advogados constituídos, dativos e “ad “hoc”.[34]

O Ministério Público Federal impetrou mandado de segurança preventivo contra essa decisão administrativa. O pleito liminar foi deferido pela Desembargadora Federal Cecília Marcondes para restabelecer o assento do Ministério Público Federal ao lado direito do magistrado da 7ª Vara Federal, sob o argumento de que como defensor da ordem jurídica, o Ministério Público não deve ser considerado parte no processo, portanto, deve ser seguido o disposto na lei quanto a sua posição na sala.[35]

Há necessidade de readequação no momento de distribuir os sujeitos processuais, tendo em vista o regime democrático adotado pelo Estado, para o uso da máxima do devido processo legal, que abrange o contraditório, ampla defesa e a igualdade entre as partes dentro do processo penal. Como constata Gilberto Correia:

[...] tais práticas devem ser QUESTIONADAS, DISCUTIDAS, IMPUGNADAS e ABOLIDAS, a bem da construção de um verdadeiro e genuíno ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO e de um não menos autêntico processo penal de estrutura mista [...].[36] [grifo no original]

Demonstrado que o Ministério Público só ocupa sua posição geográfica na sala de audiência, tendo em vista seu caráter de defensor do regime jurídico, devendo, portanto, ser estabelecido um critério adequado para disposição cênica da atuação do Ministério Público, pois essa duplicidade de funções e a desordem de lugares, parte contra o princípio isonômico regente do Estado Democrático de Direitos.

Mais uma vez se demonstra a incompatibilidade no exercício das funções do Ministério Público, se é parte no processo, seu lugar não é ao lado do juiz e se é custus legis no processo, não há como atuar como parte. Retirar o assento à direita do magistrado, não significa diminuir a importância constitucional remetida ao órgão, mas sim, garante sua impessoalidade e reforça as garantias constitucionais e o preceito de igualdade estabelecido na carta magna.[37]

A igualdade de oportunidades na atuação das partes no processo penal é também nomeada de paridade de armas, que consiste no direito os quais as partes possuem de utilizar os mesmos meios para acusar e para se defender, mantendo assim um equilíbrio processual, dispondo de um tratamento igualitário.[38]

Em respeito à máxima do devido processo legal, foi contemplada a defesa com o contraditório. O contraditório resumidamente, nada mais é que, a garantia de participação das partes no processo. Para efetivar o contraditório o acusado pode-se utilizar de todos os meios de defesa. Admitindo assim o juiz, que diferentes versões sejam narradas no transcorrer do processo.

O objetivo de existência do contraditório e da ampla defesa, sintaticamente se resume na garantia de igualdade nos atos das partes, na garantia que as partes utilizem os mesmos instrumentos, dando a elas as mesmas oportunidades de informação e reação, para conformar a decisão judicial.

No entanto, é pertinente a reflexão de como as partes no processo penal, serão mantidas pela isonomia, se de um lado está o Ministério Público, a instituição essencial ao funcionamento da justiça, órgão do Estado, com prerrogativas e garantias que efetivamente são previstas em lei e na Constituição Federal de 1988; e de outro lado está o acusado, sujeitos de direitos.

Nesse sentido Francesco Carnelutti:

A disparidade, em lugar da paridade, entre acusador e o defensor está, ademais, escrita na designação do primeiro deles, que continua a chamar-se Ministério Público. Prescindindo do caráter genérico desse nome, que não expressa em absoluto a função acusatória, já que o ministério público exerce também o juiz, não há outra razão, que não seja a histórica, para atribuir um ofício público ao acusador e não ao defensor.[39]

Ainda importante resguardar que se tal órgão foi inserido na ordem jurídica, deveria ser introduzido no mesmo patamar, um regime de defesa ao acusado, assim seria garantido o efetivo equilíbrio das partes no processo; pois se o Ministério Público é o fiscal da lei, a defesa também caráter fiscalizador. Como averigua Maria Lucia Karam:

O réu e seu advogado ou defensor também têm de fiscalizar, controlar, requerer, exigir que a lei seja cumprida. Cumprir a lei não é somente zelar para que crimes não sejam praticados ou não fiquem impunes. Aliás, a grande maioria dos crimes necessariamente deve ficar impune para a própria sustentação do sistema penal, que funciona com base na seletividade e na exemplaridade, encontrando sua real eficácia exatamente na excepcionalidade de sua atuação.

O papel de fiscal da aplicação da lei, refere-se a todos sujeitos processuais. Todos devem zelar pelo exercício regular do direito e buscar o cumprimento das garantias fundamentais para se ter um devido processo legal.

Houve uma evolução no ordenamento jurídico brasileiro, ao introduzir o sistema acusatório através da Constituição Federal de 1988. Atribuir a três sujeitos distintos as funções de acusar, julgar e defender, em regra, garantem-se o contraditório, a ampla defesa, a imparcialidade do julgador e faz com que o acusado assuma o caráter de sujeito no processo, o que o sistema inquisitório não permitia.

Todavia, foi atribuída a função de acusar e fiscalizar a lei ao Ministério Público, um órgão do Estado, que possui caráter institucional e prerrogativas que se igualam as do julgador. A defesa, apesar de ter adquirido um papel no processo penal, continua por ser a parte mais fraca do processo. Quando foi introduzido no sistema penal brasileiro, uma instituição com a magnitude do Ministério Público, se o intuito era dar tratamento igualitário ao acusado e à acusação, foi esquecido de fortificar a defesa.

Ainda mais frustrante é pensar na parte contrária. Tanto a acusação, como a defesa, quando a doutrina e a legislação se referem à defesa fazem referência ao defensor, e não à real parte do processo que é o acusado. O acusado é membro de uma sociedade desigual, tratado de maneira miserável no processo, que tem por muitas vezes supridos seus direitos e garantias quando age em desconformidade com o padrão social.

O Ministério Público assumindo sua postura de parte, o juiz exercendo sua função de garantidor, a defesa atingindo o mesmo patamar da consagrada instituição do Ministério Público, o réu ser reconhecido no processo e ser tratado como sujeito de direitos, a partir daí, poderá se falar em paridade de armas e devido processo legal.

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Sobre a autora
Mayara Peres Pereira

Advogada no escritório Peres Pereira Advogados (www.perespereiraadvogados.com.br) | Especialista em Direito Processual Civil pelo Centro Universitário Ritter dos Reis| Especialista em Direito Tributário pelo Centro Universitário Ritter dos Reis

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Mayara Peres. A disparidade de armas no processo penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3658, 7 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24843. Acesso em: 2 nov. 2024.

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