O pulmão do Parlamento brasileiro, após o sopro vital inalado do povo nas ruas, ao invés de respirar democraticamente, parece dar novos sinais de asfixia representativa. Se a rejeição da PEC da Impunidade simbolizava ares de esperança de uma vida legislativa ventilada pela pulsação legítima da sociedade, deliberações que ora entram na ordem do dia ferem de morte o corpo social manifestante.
Foram sepultados juntos com a PEC textos substitutivos intermediários - que, na prática, proibiam a investigação sem proibir -, acenando-se para a população que ao Ministério Público está entregue a função geral de investigação criminal.
Apesar daquela reivindicação popular obedecida, já corre no Congresso Nacional outro projeto que, a pretexto de discipliná-la, proíbe mais uma vez a investigação pelo MP (PL n° 5.837/2013). Porém, é falacioso argumentar que a investigação penal pelo Ministério Público não encontra – mesmo hoje - desejável regramento, insinuando-se, pois, perigo inexistente, já que o poder institucional está submetido à Constituição, às garantias fundamentais e ao Código de Processo Penal.
De outro lado, tomaram fôlego, no Poder Legislativo, medidas de contra-ataque ao Ministério Público e ao Poder Judiciário. As PECs ns° 75/2011 e 89/2003 revogam a garantia da vitaliciedade de promotores e juízes. A PEC n° 33/2011 submete decisões do STF ao crivo do Congresso Nacional. A PEC n° 277/2013 procura alterar a composição do Conselho Nacional do MP, órgão nacional de correição do MP, para vê-lo integrado também por delegados de polícia, dentre outras.
É como se tampassem a ferida para o paciente não mais ver, e o sangue agora escorresse letalmente sem o sofrimento popular. O risco, portanto, não é o Ministério Público promover investigações criminais; o verdadeiro perigo para a democracia reside no não-reconhecimento, por parte de um Poder do Estado, da autoridade e legitimidade de outro Poder do Estado (ou Instituição), bem como na desconfiguração total dos desenhos institucionais elaborados pelo Constituinte originário.
Configura grave patologia o colapso da harmonia entre as Autoridades, cuja existência é normalmente pressuposta quando se fazem enunciados jurídicos internos dentro do sistema. A vitaliciedade de juízes e promotores não é um status ou privilégio; é uma garantia instrumental ao dever de independência funcional que pertence, em última análise, ao cidadão. Sem independência - e com interferências externas -, o juiz e o promotor não podem cumprir o seu papel. Sem independência, o promotor não pode investigar. Se o Poder Legislativo pode sustar atos do Poder Judiciário, não é mais o juiz que julga. Se, no desenho constitucional, cabe ao Ministério Público controlar a Polícia, a Polícia não pode ser corregedoria do Ministério Público... A extinção da independência funcional junto com aquela forma dissonante de correição externa significa proibir o Ministério Público de investigar, ou seja, fazer justamente aquilo que o povo soberanamente recusou.
Isto é: PEC 75 + PEC 277 = PEC 37. Portanto, os novos ares de esperança representativa não deveriam se transformar em vontade legislativa de vingança, cuja infecção da ferida o povo ajudou a estancar.