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Aposentadorias especiais dos segurados com deficiência.

Primeiras impressões sobre a Lei Complementar nº 142/2013

Leia nesta página:

É salutar a proibição de o segurado se beneficiar, concomitantemente, da redução do tempo de contribuição na condição de possuidor de deficiência com a redução oriunda do desempenho de atividades especiais. As aposentadorias precoces são um dos maiores problemas que assolam o RGPS.

O preceito constitucional parcialmente regulamentado pela novel lei complementar (§ 1º do artigo 201) estabelece o seguinte:

“É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar” (redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 05.07.2005).

Cabe assinalar, desde logo, que remanescem sem a devida (nova) regulação previdenciária, mediante lei complementar, as “atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física”, mencionadas no supra transcrito § 1º do art. 201 da Constituição (com a redação da EC 47/2005). À falta da lei complementar solicitada pelo constituinte derivado, e por força do art. 15 da EC nº 20/1998 (não alterado, nem revogado, pela EC 47/2005), permanecem em vigor os arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213/1991 [Lei do Plano de Benefícios da Previdência Social (LPBPS)], que tratam da aposentadoria especial no Regime Geral de Previdência Social – RGPS – e do enquadramento das atividades laborativas como especiais, por exposição a agentes nocivos físicos, químicos ou biológicos (ou a associação de tais agentes) prejudiciais à saúde ou à integridade física.

Passando ao objeto (propriamente dito) deste breve texto, tem-se que o art. 2º da Lei Complementar nº 142/2013 [1] enuncia o mesmo conceito de pessoa com deficiência contido na segunda parte do artigo 1 da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, firmada em Nova York, em 30.03.2007, aprovada pelo Congresso Nacional brasileiro – junto com o correspondente Protocolo Facultativo – por meio do Decreto Legislativo nº 186, de 09.07.2008, e promulgada pelo Decreto nº 6.949, de 25.08.2009. E não poderia ser diferente, pois se sabe que a antedita convenção foi o primeiro diploma normativo internacional de direitos humanos aprovado pelo nosso Parlamento na forma do § 3º do art. 5º da Lei Fundamental da República (incluído pela EC 45/2004), e, que, como tal, possui o status e a força de Emenda à Constituição.

O art. 3º da citada Lei Complementar 142/2013 dispõe:

Lei Complementar nº 142, de 08.05.2013

......................................................................................................................................................

Art. 3º É assegurada a concessão de aposentadoria pelo RGPS ao segurado com deficiência, observadas as seguintes condições:

I – aos 25 (vinte e cinco) anos de tempo de contribuição, se homem, e 20 (vinte) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência grave;

II – aos 29 (vinte e nove) anos de tempo de contribuição, se homem, e 24 (vinte e quatro) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência moderada;

III – aos 33 (trinta e três) anos de tempo de contribuição, se homem, e 28 (vinte e oito) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência leve; ou

IV – aos 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, independentemente do grau de deficiência, desde que cumprido tempo mínimo de contribuição de 15 (quinze) anos e comprovada a existência de deficiência durante igual período.

Parágrafo único. Regulamento do Poder Executivo definirá as deficiências grave, moderada e leve para os fins desta Lei Complementar.”

Como se vê, o caput e os incisos do art. 3º da lei complementar (LC) em questão instituem 2 (duas) espécies de aposentadorias especiais aos segurados do RGPS que sejam portadores de deficiência:

(i) aposentadoria por tempo de contribuição: esse benefício de jubilação, previsto nos incisos I, II e III da cabeça do artigo, é especial no sentido de contentar-se com tempo de contribuição menor do que o ordinariamente previsto para a obtenção desse tipo de benesse – 35 anos de tempo de contribuição, se homem, e 30 anos, se mulher (Constituição, art. 201, § 7º, inc. I). Os citados incisos I a III, corretamente, estipulam uma graduação da diminuição do tempo de contribuição (TC) necessário à concessão da aposentação especial ao segurado deficiente, de modo que a dita redução é diretamente proporcional à gravidade da deficiência, partindo de 25 anos e 20 anos de TC – para o homem e a mulher, respectivamente, portadores de deficiência grave –, aumentados em 4 anos de TC para quem tem deficiência moderada, e acrescidos de mais 4 anos, para o segurado que possui deficiência leve; e

(ii) aposentadoria (urbana) por idade: essa modalidade de aposentadoria é especial quanto ao requisito etário comumente exigido para a obtenção do benefício – 65 anos de idade, se homem, e 60 anos, de mulher (1ª parte do inc. II do § 7º do art. 201 da Constituição). Para o segurado do RGPS portador de qualquer grau de deficiência, que possua 15 anos de contribuição, e comprove a existência da deficiência pelo mesmo período, o inciso IV do artigo em comento prevê a concessão de aposentadoria com 5 anos de idade menos que a requerida para a jubilação de quem não é possuidor de deficiência.

O parágrafo único do art. 3º da Lei Complementar 142/2013 remete para o regulamento a definição das deficiências grave, moderada e leve. Parece-me que a tendência é o Poder Executivo aproveitar, sem alterações de monta (salvo as pertinentes à disciplina dos aspectos laborativo-funcionais), as definições dos graus de deficiência ora vigorantes para efeito do benefício de prestação continuada, no valor de um salário mínimo por mês, previsto na Lei Orgânica da Assistência Social – Lei nº 8.742/1993 – para a pessoa portadora de deficiência (BPC/LOAS-Deficiente).

Como cediço, a nova forma de avaliação [consentânea com a antedita convenção internacional, e efetuada com base nos princípios da Classificação Internacional de Funcionalidades, Incapacidade e Saúde – CIF, estabelecida pela Resolução da Organização Mundial da Saúde (OMS) nº 54.21, aprovada pela 54ª Assembleia Mundial da Saúde, em 22.05.2001] prevê a análise não apenas da estrutura e das funções do corpo da pessoa, mas também os seus fatores ambientais, as capacidades que ela possui, as atividades que desenvolve, e o seu potencial de interação social, atribuindo pontos a cada um desses domínios, e, ao final, qualificando a forma e a intensidade da deficiência e o grau de extensão das barreiras contextuais em deficiência (e barreira) nenhuma, leve, moderada, grave e completa.[2]

O art. 4º da LC 142/13 – que também se reporta ao regulamento – estipula que a avaliação da deficiência será médica e funcional.

O art. 5º do diploma legal em tela preconiza que o grau de deficiência será atestado por exame pericial próprio, a ser realizado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) “por meio de instrumentos desenvolvidos para esse fim”.

Em seu art. 6º, a LC 142/13 regula a forma e os meios de prova da contagem do tempo de contribuição na condição de segurado com deficiência, estabelecendo o caput do dispositivo que tal contagem “será objeto de comprovação, exclusivamente, na forma desta Lei Complementar” (sublinhei).

O § 1º desse artigo exige que a existência de deficiência em data anterior à da entrada em vigor da lei em estudo, bem assim o grau da deficiência, sejam certificadas por ocasião da primeira avaliação, e obriga a perícia médica da Autarquia Previdenciária a fixar a data provável de início da deficiência.

Também cuidando da demonstração de tempo de contribuição prestado na qualidade de segurado com deficiência antes do começo da vigência da LC 142, o § 2º do mesmo art. 6º proíbe que tal comprovação seja feita por meio de prova unicamente testemunhal – seguindo, pois, aquilo que já é uma das tradições, fundada no princípio-garantia da segurança jurídica, do Direito Previdenciário do País: a de vedar que a demonstração de tempo de serviço/contribuição seja levada a cabo apenas por prova oral,[3] assentando, ao mesmo tempo, a imprescindibilidade de início de prova material (vide o § 3º do art. 55 da LPBPS).[4]

No art. 7º, a LC 142/13 estabelece que, na hipótese de, após a filiação ao RGPS, o segurado tornar-se deficiente, ou ter aumentado o seu grau de deficiência, os parâmetros do art. 3º serão objeto de adequação proporcional, “considerando-se o número de anos em que o segurado exerceu atividade laboral sem deficiência e com deficiência, observado o grau de deficiência correspondente, [...]”.

Já no art. 8º, a Lei Complementar 142/2013 cuida da renda mensal inicial (RMI) das aposentações especiais por ela instituídas, dispondo que o salário-de-benefício (SB) será apurado nos termos do art. 29 da Lei 8.213/1991 – LPBPS.

Relativamente ao coeficiente da RMI, o art. 8º, inc. I, da LC em apreço diz que, para a aposentadoria (por tempo de contribuição) prevista nos incisos I a III do art. 3º, a renda mensal inicial será de 100% (cem por cento) do valor do SB; noutras palavras, o benefício (a rigor, a sua RMI) será integral. No que concerne à jubilação – por idade – do inciso IV do art. 3º, o art. 8º, inc. II, da LC 142 repete a regra da aposentadoria urbana por idade comum (art. 50 da Lei 8.213/91): o coeficiente da RMI será de “70% (setenta por cento) mais 1% (um por cento) do salário de benefício por grupo de 12 (doze) contribuições mensais até o máximo de 30% (trinta por cento), no caso de aposentadoria por idade” – LC 142/13, art. 8º, II.

A seu turno, o art. 9º da sobredita Lei Complementar 142/2013 estabelece:

Lei Complementar nº 142/2013

....................................................................................................................................................

Art. 9º Aplicam-se à pessoa com deficiência de que trata esta Lei Complementar:

I – o fator previdenciário nas aposentadorias, se resultar em renda mensal de valor mais elevado;

II – a contagem recíproca do tempo de contribuição na condição de segurado com deficiência relativo à filiação ao RGPS, ao regime próprio de previdência do servidor público ou a regime de previdência militar, devendo os regimes compensar-se financeiramente;

III – as regras de pagamento e de recolhimento das contribuições previdenciárias contidas na Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991;

IV – as demais normas relativas aos benefícios do RGPS;

V – a percepção de qualquer outra espécie de aposentadoria estabelecida na Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, que lhe seja mais vantajosa do que as opções apresentadas nesta Lei Complementar.”

Dignos de nota são os incisos I e V.

O primeiro (LC 142/13, art. 9º, inc. I) inova ao estipular que na aposentadoria especial por tempo de contribuição do segurado com deficiência o fator previdenciário só incidirá se for favorável ao aposentado – diversamente do que sucede no regramento geral –; vale dizer: se for prejudicial ao segurado, o dito fator não será aplicado no cálculo do valor da benesse. Como se sabe, na disciplina geral da Lei 9.876/1999, o fator previdenciário só pode deixar de ser aplicado na aposentadoria por idade concedida aos segurados sujeitos ao seu regime.

No caso do referido inciso I do art. 9º da LC 124, tem-se medida que, à toda evidência, está de acordo com a garantia constitucional da igualdade, pois embora trate desigualmente dois sujeitos de direito (o segurado com e o segurado sem deficiência), o faz com fulcro em motivo razoável de discrímen – a existência da deficiência e as dificuldades socioeconômicas que esse fato traz para o seu portador. No entanto, cabe, desde já, assinalar que deve ser prontamente rechaçada eventual tentativa dos segurados/aposentados não-deficientes de se verem livres da aplicação do fator previdenciário nas suas aposentadorias por tempo de contribuição: deveras, não se trata de indevida exclusão de benefício (a caracterizar uma hipotética e inexistente omissão parcial do legislador), nem houve ab-rogação da Lei do Fator Previdenciário – a qual, reitere-se, continua aplicável às aposentadorias por tempo de contribuição deferidas aos segurados que não possuam deficiência.

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O último inciso do art. 9º garante ao segurado portador de deficiência que fizer jus a mais de uma espécie de aposentadoria a fruição do benefício do RGPS que lhe foi mais vantajoso (elevando ao nível de regra legal o já antigo Enunciado nº 5 do Conselho de Recursos da Previdência Social – CRPS), observada a inacumulabilidade de mais de uma aposentação – assegurada, esta última, pela remissão às demais normas da LPBPS, contida no inc. IV do mesmo art. 9º.

Preceito de grande relevância é o art. 10 da mulcititada Lei Complementar, o qual prescreve: “A redução do tempo de contribuição prevista nesta Lei Complementar não poderá ser acumulada, no tocante ao mesmo período contributivo, com a redução assegurada aos casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física“.

Com efeito, a proibição de o segurado se beneficiar, concomitantemente, da redução do tempo de contribuição (TC) prevista na LC 142 – ou seja, o prestado na condição de possuidor de deficiência –, com a redução oriunda do desempenho de atividades especiais é salutar, eis que, sabidamente, as aposentadorias precoces são um dos maiores problemas que assolam o RGPS [e também os Regimes Próprios de Previdência Social dos servidores públicos (RPPS’s)], e que podem colocar em risco a própria viabilidade do sistema.

Considero que a vedação da cumulação de contagem mais benéfica abrange também o tempo de serviço (TS) especial convertível em comum – o qual, como se sabe, é computado com acréscimo – desempenhado simultaneamente com o período de contribuição como portador de deficiência.

Nesse sentido, para os que eventualmente não considerem o texto do art. 10 da LC 142/13 claro o suficiente, cumpre lembrar que a necessidade de preservação do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema de previdência pública (estatal) é norma constitucional expressa – art. 201, caput, da CF/1988 –, a qual, somada ao postulado da proporcionalidade e à garantia da isonomia (conjugados, in casu, para compor uma proibição de proteção exagerada, por assim dizer), torna-se bastante para, no ponto, se afirmar que, no mínimo (e para os que venham a entender que o aludido dispositivo não agasalhou, explicitamente, a interpretação sustentada no parágrafo anterior), lex minus dixit quam voluit.

Finalmente, o art. 11 da LC em apreço estipula que a sua vigência ocorrerá depois de transcorridos 6 meses de sua publicação (que, repita-se, aconteceu em 09.05.2013). Espera-se que, nesse razoável interregno, o Poder Executivo federal edite o competente regulamento, tantas vezes demandado pela Lei Complementar 142/2013.


Notas

[1]  “Lei Complementar nº 142, de 8 de maio de 2013

[...]

Art. 2º Para o reconhecimento do direito à aposentadoria de que trata esta Lei Complementar, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.”

[2]  Sobre o tema, confira-se o art. 16 do Decreto nº 6.214, de 26.09.2007 (regulamento do BPC/LOAS).

[3]  Tal proibição remonta ao § 9º do art. 32 da Lei nº 3.807/1960 – Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) –, acrescentado pelo Decreto-lei nº 66/1966.

[4]  É sabido que, para a comprovação de qualquer espécie de tempo de serviço, o § 3º do art. 55 da Lei do Plano de Benefícios da Previdência Social exige início (razoável) de prova material e proscreve o uso de prova exclusivamente testemunhal (salvo a ocorrência de caso fortuito ou força maior, comprovada na forma do regulamento). Tal exigência não é inconstitucional, como o Supremo Tribunal Federal, inúmeras vezes, já teve o ensejo de decidir – cf., v.g., o acórdão do RE 238.446-0/SP (2ª Turma, rel. Min. Marco Aurélio, j. em 15.08.00, DJU de 29.09.2000). Anote-se que, ao julgar improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.555-4, do Distrito Federal – que questionava preceito legal que, para a concessão do benefício especial de pensão mensal vitalícia aos chamados “soldados da borracha” (art. 54 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Carta de 1988, regulado pela Lei 7.986/1989), exige início de prova material, e proíbe a prova tão somente testemunhal, o Plenário do nosso Tribunal Constitucional Federal assentou: “A vedação à utilização da prova exclusivamente testemunhal e a exigência do início de prova material para o reconhecimento judicial da situação descrita no art. 54 do ADCT e no art. 1º da Lei nº 7.986/89 não vulneram os incisos XXXV, XXXVI e LVI do art. 5º da CF. O maior relevo conferido pelo legislador ordinário ao princípio da segurança jurídica visa a um maior rigor na verificação da situação exigida para o recebimento do benefício. Precedentes da Segunda Turma do STF: [...].” (STF, ADIn 2.555-4/DF, Tribunal Pleno, rel.ª Min.ª Ellen Gracie, v.u., julgada em 03.04.2003, DJU de 02.05.2003) – resumi entre colchetes; sublinhei.

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Sobre o autor
Demian do Prado Marçal Rodrigues

Procurador Federal em Poços de Caldas (MG). Membro da Procuradoria-Geral Federal (PGF), órgão vinculado à Advocacia-Geral da União (AGU).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Demian Prado Marçal. Aposentadorias especiais dos segurados com deficiência.: Primeiras impressões sobre a Lei Complementar nº 142/2013. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3666, 15 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24945. Acesso em: 21 nov. 2024.

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