Resumo: O presente trabalho tem por objetivo trazer alguns apontamentos necessários para a compreensão do instituto de novação previsto na Lei 11.101/05.
Palavras-chave: Direito civil – Direito empresarial – novação.
1. A NOVAÇÃO RECUPERACIONAL.
O instituto da novação trazido no âmbito da mencionada lei é revestido de elementos distintos dos que caracterizam a tradicional novação que nos é amplamente afeta no Direito Civil. Essa assertiva tem apoio no próprio texto da lei falimentar, donde obtemos a seguinte característica do instituto da novação:
Art. 59. O plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, observado o disposto no §1º do art. 50 desta Lei.
§1º A decisão judicial que conceder a recuperação judicial constituirá título executivo judicial, nos termos do art. 584, inciso III, do caput da Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil.
§2º Contra a decisão que conceder a remuneração judicial caberá agravo, que poderá ser interposto por qualquer credor e pelo Ministério Público.
E em seguida o artigo 61, §2º da Lei em análise preleciona:
Art. 61. Proferida a decisão prevista no artigo 58 desta Lei, o devedor permanecerá em recuperação judicial até que se cumpram todas as obrigações previstas no plano que se vencerem até 2 (dois) anos depois da concessão da recuperação judicial.
§1º Durante o período estabelecido no caput deste artigo, o descumprimento de qualquer obrigação prevista no plano acarretará a convolação da recuperação em falência, nos termos do art. 73 desta Lei.
§2º Decretada a falência, os credores terão reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originalmente contratadas, deduzidos os valores eventualmente pagos e ressalvados os atos validamente praticados no âmbito da recuperação judicial.
Com efeito, pela análise conjunta dos artigos supra citados, percebemos que a novação contida na Lei 11.101/05 diferencia-se da tradicional novação apresentada no Código Civil.
Isto porque, o simples fato da decisão que decreta a quebra da empresa em recuperação, restabelecer as garantias e direitos nas condições originalmente pactuadas, sinaliza uma característica diferenciada da clássica idéia que temos da novação convencional.
Antes de aprofundarmos sobre a questão pontual da qual pretendemos tratar, façamos uma breve passagem pelos conceitos tradicionais do instituto da novação.
2. DA NOVAÇÃO INSERTA NO NOSSO CÓDIGO CIVIL.
A doutrina mais abalizada define novação como a substituição de uma obrigação por uma nova obrigação, extinguindo com o nascimento da nova obrigação, a obrigação anterior.
Concisa, clara e suficiente é a definição de Arnoldo Wald[1] que apresenta o instituto da novação nos seguintes dizeres:
A novação é a transformação de uma obrigação em outra, ou melhor, a extinção de uma obrigação mediante a constituição de uma obrigação nova que se substitui à anterior, distinguindo-se a prestação antiga da nova seja pelo valor ou natureza da prestação, seja por modificação do credor ou do devedor.
No direito romano, quando a transmissão do débito ou do crédito era difícil, a novatio exerceu importante função permitindo a cessão e a sub-rogação dos direitos obrigacionais.
2.1 ESPÉCIES DE NOVAÇÃO
Sabido isso, verifica-se que o nosso atual Código Civil elencou as hipóteses de incidência da novação no artigo 360, donde descriminou três situações diversas nos seguintes dizeres:
Art. 360. Dá-se a novação:
I - quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e substituir a anterior;
II - quando novo devedor sucede ao antigo, ficando este quite com o credor;
III - quando, em virtude de obrigação nova, outro credor é substituído ao antigo, ficando o devedor quite com este.
Verificamos assim três variantes do instituto da novação, que a doutrina distingue classicamente como novação objetiva (ou real), subjetiva (ou pessoal) e ainda a subjetiva passiva por delegação.
Na modalidade objetiva (inc. I) ocorre a forma mais simples e pura da novação, isto porque extingue-se a obrigação primitiva e nasce uma nova obrigação em substituição desta, sendo participes da nova relação os mesmos credores e devedores que outrora participaram da relação primária.
Nota-se portanto, que na novação real tem se como elemento caracterizador além da nova obrigação constituída, a manutenção das mesma partes que estavam relacionadas na obrigação extinta.
Situação diferenciada ocorre nos incisos II e III do artigo em análise, que caracteriza a modalidade subjetiva do instituto da novação, porquanto apesar do elemento nuclear do referido instituto ser o mesmo da modalidade real, verificamos que diversas são as partes que pactuam a nova obrigação.
Arnoldo Wald[2] explica que a “novação é subjetiva quando o antigo devedor é substituído por um devedor novo, ficando exonerado da responsabilidade o antigo, ou quando o credor primitivo é substituído por outro, extinguindo-se a dívida do devedor para com o primeiro e mantendo-se para com um novo credor”.
Quanto à modalidade subjetiva passiva por delegação, nada mais é que um ônus atribuído pelo devedor a um terceiro, estando o ultimo em pleno acordo e com o animus novandi, dando desta maneira plenitude a novação, contando ainda com a aquiescência do credor para o alcance pleno do referido instituto.
2.2 REQUISITOS PARA NOVAÇÃO
Para que ocorra a novação, faz-se necessária a reunião de alguns elementos, dos quais sem a presença destes, impossível é incidência do instituto em análise, sendo os seguintes elementos:
2.2.1 presença de uma dívida anterior
Como já explicitamos, o núcleo da novação é a contração de uma nova obrigação com o objetivo de extinguir a obrigação primitiva. Assim, inexiste novação sem que anteriormente exista uma obrigação vencida, e portanto exigível.
Destarte, inaceitável seria imaginar a possibilidade de aplicação da novação quanto a uma obrigação nula, inexistente ou extinta, pois a novação apenas dá fim a uma obrigação legalmente exigível, ou seja, aquela que obedece todos os requisitos da legislação civil, bem como está de acordo com os princípios da moralidade e da boa fé.
Entrementes, no caso da novação ser anulável (ou seja, revestida de um vício sanável a qualquer tempo), é possível sustentarmos a possibilidade de novarmos à divida primitiva, eis que o vício da obrigação originária pode ser reconhecido e sanado na obrigação constituída em segundo plano.
2.2.2 uma nova obrigação em substituição de outra
A constituição de uma nova obrigação é o ponto nuclear do instituto da novação. A partir daí, como restou explicitado no ponto “2” do presente trabalho, temos modalidades de aperfeiçoamento do instituto em análise.
Orbita em torno do núcleo chave da novação, a possibilidade de seu aperfeiçoamento se dá tanto pela pactuação da nova obrigação entre os mesmos participes da obrigação primária (novação objetiva), quanto pela pactuação do credor com terceiro estranho a primeira relação (novação subjetiva)
Tanto é assim, que o artigo 366 do Código Civil é catedrático ao afirmar a extinção dos efeitos das obrigações advindas da locação, especialmente no que toca as obrigações derivativas do contrato de fiança, dispondo da seguinte forma quanto a extinção desta:
Art. 366. Importa exoneração do fiador a novação feita sem seu consenso com o devedor principal.
Daí podemos concluir que para o Código Civil, os efeitos da novação são plenos, não atingindo quem não se obrigou, ou mesmo se co-obrigou na segunda relação jurídica estabelecida para forma a nova obrigação.
2.2.3 da necessária intenção de novar (animus novandi)
A intenção de novar nada mais é que o requisito subjetivo do ato praticado. Com efeito, sem a expressa vontade das partes em novar, impossível é considerarmos eventual ato praticado como novação.
Vale pela ocasião, lembrar que o extinto Segundo Tribunal da Alçada Civil do Estado de São Paulo era catedrático ao afirmar que “ausente o animus novandi, não se configura a novação, porque não desaparece a obrigação original. O ânimo de novar verifica-se na declaração das partes, ou resulta de modo inequívoco de obrigações incompatíveis (2° TACivSP, décima Câmara, AP. 604309-0/4, rel. Juiz Soares Levada, v.u. j. 31.1.2001)”[3]
Em idêntico sentido é a orientação traçada pelo Superior Tribunal de Justiça, vejamos:
“Direito civil. Exoneração da fiança. Novação objetiva. Requisito do ‘animus novandi’. Apuração. Reexame de prova. Impossibilidade. 1. A novação subjetiva, prevista no Código Civil, art. 999, inc. II, tem como um de seus requisitos a intenção ou ânimo da obrigação locatícia no fato do locador receber notas promissórias de terceiro para pagamento ou garantia do contato de locação se faz imprescindível o reexame das provas dos autos, o que não é cabível ante o óbice da Súmula 07/STJ. 2. Tendo o tribunal recorrido afastado tal requisito e mantido o contrato original, mantém-se a responsabilidade dos fiadores abatidas as prestações já pagas. 3. Recurso não conhecido” (5ª. T., REsp 90731/DF, Rel. Min. Edson Vidigal, j. 23-9-1997)
Por derradeiro, cumpre ainda dizer que a incidência do instituto em comento, nunca se dá de forma posta pela lei. O instituto da novação é instrumento pertencente ao Direito Privado, estando intimamente relacionado com a vontade das partes, não havendo prescrição legal de sua utilização, como maneira de corrigir ou substituir obrigações.
2.2.4 efeitos da novação.
O principal efeito da novação certamente é a extinção do crédito primitivo, evoluindo-se a uma obrigação secundária autônoma.
Além disso, cabe ainda considerar que com relações as garantias estabelecidas na obrigação primária, caso nada diga quanto as mesmas na nova obrigação constituída, operará a extinção desta em virtude do silêncio das partes pactuantes.
Como adiante veremos, essa é apenas uma das diversas problemáticas que iremos enfrentar no tocante a novação prevista na Lei 11.101/05, eis que como demonstraremos a novação prevista neste instrumento normativo é revestida de características diferenciadas na novação até agora analisada.
3.DA NOVAÇÃO PREVISTA NA LEI 11.101/05
A Legislação Recuperacional e Falimentar atual dispões da seguinte maneira quanto a incidência do instituto da novação:
Art. 59. O plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, observado o disposto no §1º do art. 50 desta Lei.
§1º A decisão judicial que conceder a recuperação judicial constituirá título executivo judicial, nos termos do art. 584, inciso III, do caput da Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil.
§2º Contra a decisão que conceder a remuneração judicial caberá agravo, que poderá ser interposto por qualquer credor e pelo Ministério Público.
E em seguida o artigo 61, §2º da Lei em análise preleciona:
Art. 61. Proferida a decisão prevista no artigo 58 desta Lei, o devedor permanecerá em recuperação judicial até que se cumpram todas as obrigações previstas no plano que se vencerem até 2 (dois) anos depois da concessão da recuperação judicial.
§1º Durante o período estabelecido no caput deste artigo, o descumprimento de qualquer obrigação prevista no plano acarretará a convolação da recuperação em falência, nos termos do art. 73 desta Lei.
§2º Decretada a falência, os credores terão reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originalmente contratadas, deduzidos os valores eventualmente pagos e ressalvados os atos validamente praticados no âmbito da recuperação judicial.
Notamos com a atenta leitura dos artigos acima citados, que existe uma “flexibilização da novação” para o alcance final pretendido pela Lei 11.101/05. Isto porque “Decretada a falência, os credores terão reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originalmente contratadas”.
A retomada ao status quo ante da novatio ocorrida, sinaliza uma operação diferenciada da tradicional. Observa-se que a novação da Lei 11.101/05 pode alcançar a plenitude de seus efeitos (como em regra ocorre na novação proposta no Código Civil), como também seus efeitos podem cessar com a convolação da recuperação judicial em falência, retrotraindo seus efeitos até alcançar a forma primitiva das obrigações novadas.
Boa parte da doutrina especializada no tema, tem tratado a novação trazida na Lei 11.101/05 como um instituto novo e até mesmo para alguns, trata-se de instituto autônomo da novação prevista no Código Civil.
Entrementes, não nos parece em nada ser nova a modalidade de novação contida na legislação especial, porquanto Pontes de Miranda[4] já lecionava sobre o tema, elucidando a questão com os seguintes dizeres:
“5. NOVAÇÃO RESOLUTIVA CONDICIONADA. – A novação pode ser sob condição resolutiva? Preliminarmente, observe-se que se não pergunta se pode ser novada a prior obligatio sob condição resolutiva; a resolutividade, de que se cogita, é o do efeito jurídico novatio (cf. VILLAUMEZ, De Novatione obligationum, 18 s.; R. Römer, Die bedingte Novation, 333 s.). A prior obligatio extingue-se, mas outra se estabelece por efeito da novação resolutiva condicionada. A L. 44, § 2, D., de obligationibus ET actionibus, 44, 7, foi invocada em contrário a isso, porque seria inserção posterior de condição; mas não é isso o que se enuncia. Não se trata de ressurgimento da dívida extinta, mas de nova obligatio em dois tempos, a obligatio que existe até à resolução e a obligatio que se implante com essa, irradiada do negócio jurídico novativo. Não há identidade entre a prior obligatio e essa nova obligatio, ainda após a resolução.
Não é possível construir-se diferentemente.
A construção de C. DEMOLOMBE (Cours de Code Napoléon, 28, 180), AUBRY e RAU (Cours de Droit civil français, IV, 350) e outros era diferente; resolúvel seria a extinção da prior obligatio. Daí haver a prior obligatio, a nova obligatio e, depois, em virtude da resolução da novação (resolução da extinção da prior obligatio!), mais uma vez a prior obligatio. Isso permitiria renascimento, ressurreição de vínculo, o que repugna aos princípios.”
Destas lições extraímos, que nada mais é a modalidade de novação encarta na Lei 11.101/05, que uma espécie de novação condicional ou resolutiva.
Ensina o citado Mestre, que nesta modalidade de novação, a obrigação primitiva encontra-se completamente extinta, o que se condiciona a uma resolutividade são efeitos da nova obrigação constituída, daí a razão que ele classifica como uma novação “a dois tempos”.
O que ocorre então é que os efeitos que revestem a segunda obrigação, podem ser idênticos ao da obrigação originária, o que não significa dizer que a obrigação primitiva foi reanimada no mundo jurídico.
Esse parece ser o melhor posicionamento para classificar a novação trazida na Lei 11.101/05.
Adotando esta linha de raciocínio, verificamos que esta modalidade de novação apesar de ter características diferenciadas da novação do Código Civil (tendo em vista a sua plena eficácia condicionada a um evento, ou seja, ao cumprimento do plano de recuperação judicial), trata-se do mesmo instituto, moldado as necessidades da legislação especial.
Não nos parece que a novação da Lei 11.101/05 ignora a extinção da obrigação primitiva, reativando-a caso a recuperação judicial vier a ser convolada em falência.
Posicionamento igual ao nosso é o lecionado pelo Ilustre Jurista Fábio Ulhoa Coelho[5], que diz:
“As novações, alterações e renegociações realizadas no âmbito da recuperação judicial são sempre condicionais. Quer dizer, valem e são eficazes unicamente na hipótese de o plano de recuperação ser implementado e ter sucesso. Caso se verifique a convolação da recuperação judicial em falência, os credores retornam, com todos os seus direitos, ao status quo ante. A substituição de garantia no exemplo acima cogitado se desfaz e o credor será pago, no processo falimentar como se não tivesse havido nenhum plano de recuperação da devedora.”
Destas palavras verificamos que o citado Jurista, compreende da mesma maneira que a por nós exposta, que a novação da Lei 11.101/05 é condicional, estando fadada ao sucesso da recuperação judicial para operar seus efeitos plenos.
Resolvida a questão da natureza jurídica da novação da Lei 11.101/05, situação que nos resta analisar é no tocante aos efeitos decorrentes desta, notadamente no que tange as garantidores das obrigações primárias, e a situação destes quando convolada a recuperação judicial em falência, o que faremos adiante.
4. QUESTÕES CONTROVERTIDAS QUANTO AOS EFEITOS PRODUZIDOS PELA NOVAÇÃO NA ATUAL LEGISLAÇÃO RECUPERACIONAL
4.1O retorno aos status quo ante das obrigações e a ofensa ao ato jurídico perfeito.
Uma das questões relevantes que se coloca quando a recuperação judicial se convola em falência, e quando restabelecidas as obrigações nos termos que eram primitivamente, é o fato deste retrocesso não ferir atos jurídicos reputados como perfeitos durante o período que a situação de recuperação judicial autorizava e reconhecia-os como válidos e essenciais ao processo recuperatório.
Analisando o tema Eduardo S. Minhoz[6] traz as seguintes perspectivas:
“Depreende-se, portanto, que a restauração das relações jurídicas inicialmente novadas, a depender do meio de recuperação empregado, pode não ocorrer de forma plena ou integral, ou pode simplesmente não ocorrer. A interpretação da passagem final do §2° do art. 61 – preservação dos atos validamente praticados no âmbito da recuperação – leva a concluir que a restauração dos direitos iniciais pode simplesmente deixar de ocorrer se tal situação for incompatível com a preservação desses atos. Em outras palavras, no caso de eventual conflito entre a restituição das partes ao status quo ante e a preservação de atos praticados durante o curós da recuperação, prevalecem estes últimos; essa solução é a única compatível com a proteção dos direitos de terceiros, cujas esferas jurídicas podem ser afetadas pelos atos praticados no curso da recuperação. De fato, o plano de recuperação pode basear-se na implementação de negócios jurídicos de natureza irreversível, ou cuja reversibilidade poderia causar danos de difícil reparação às próprias parte e, sobretudo, a terceiros. Nesse caso, prevalece o negócio novado, não se havendo de cogitar da restituição das partes ao estado anterior.
Interpretar o dispositivo no sentido de que seria imperiosa a resolução do negócio jurídico novado, ainda que fossem afetados direitos de terceiros, preservando-se apenas os atos praticados até então (v.g., resolve-se a sociedade formada entre os credores, preservando-se apenas os atos por ela praticados nesse interregno), implicaria a introdução de grande incerteza e insegurança no processo de recuperação, a ponto de colocar-se em risco a viabilidade de todo o sistema concebido pela lei.”
Nessa mesma linha de raciocínio seguem os ensinamentos de Jorge Lobo[7], senão vejamos:
“Quanto às garantias reais, é mister observar: a) as que tiverem sido suprimidas e que recaíram sobre bens ainda integrantes do ativo do devedor, serão restabelecidas; b) as que oneravam bens já alienados não se recompõem, pois é imperioso respeitar os atos e negócios jurídicos válidos (arts. 61, §2º, in fine, e 74 da LRE e 6º da LICC); c) as que tiverem sido substituídas, mantendo-se o gravame sobre os bens dados em substituição.
Por fim, presumem-se válidos os atos e negócios jurídicos consumados durante o processamento da recuperação (arts. 61, §2º, in fine, e 74), quer na fase preliminar, quer na fase preparatória, quer na fase de execução.”
Diante da clareza do posicionamento da mais especializada doutrina acima mencionada, nos parece de melhor condição, que quando travado um dualismo pendular entre os interesses dos credores afetados pelo efeito do plano de recuperação e o interesse de terceiros que firmaram relações jurídicas com o devedor, posteriormente a concessão da recuperação, devem ser respeitados os negócios jurídicos firmados com os últimos sob pena de ofensa ao ato jurídico perfeito, e mesmo, ao abalo das diretrizes da Lei 11.101/05, colocando em risco sua eficácia e fadando-a ao descrédito.
4.2. eficácia de cláusula do plano de recuperação que estende a novação aos coobrigados, fiadores e avalistas.
Cumpre por derradeiro analisar a eficácia de cláusula contida no plano de recuperação judicial, donde obriga aos coobrigados, fiadores e avalistas a aceitarem os termos da novação proposta no plano.
Não parece ter nenhum óbice quanto a escrituração da referida cláusula em plano de recuperação judicial, entretanto, parece-nos muito interessante o posicionamento do Tribunal de Justiça Bandeirante, emanado nos autos do Agravo de Instrumento nº 580.551-4/00-0, de Relatoria do Ilustre Desembargador Pereira Calças, vejamos:
“No entanto, apesar de válida, cumpre examinar se, aprovado o plano de recuperação judicial que albergue a cláusula extensiva da novação aos coobrigados (fiadores/avalistas), tal cláusula poderá produzir efeitos, isto é, ser eficaz, em face de os credores titulares de garantias pessoais que: a) compareceram e se abstiveram de votar; b) ausentes; c) votaram contra e, inclusive, apresentaram objeção ao plano.
Relativamente aos credores presentes, mas abstinentes (não votaram) e aos ausentes da Assembléia- Geral, entendo que sua situação deve ser aferida sob as regras dos artigos 49, § 1o e 59, "caput", ambos, da Lei n° 11.101/2005, não incidindo o artigo 364 do Código Civil ("a novação extingue os acessórios e garantias da dívida, sempre que não houver estipulação em contrário"), perfilhando o posicionamento de JORGE LOBO, já mencionado neste voto, vale dizer: i) a LRF prevê que a novação atinge apenas as obrigações da sociedade empresária em recuperação, com expressa ressalva das garantias concedidas aos credores; ii) no conflito de leis, no caso, que ostentam a mesma hierarquia (Código Civil e Lei de Recuperação e Falência, leis federais ordinárias), aplica-se o critério cronológico e/ou da especialização, que, na situação em julgamento, impõem o reconhecimento da prevalência da Lei n° 11.101/2005, que é posterior ao Código Civil e é reputada como especial em confronto com a Lei civil; iii)
Ademais, a Lei de Recuperação e Falências é de ordem pública.
Nesta linha de pensamento, julgo que a novação prevista no plano de recuperação judicial em face das garantias fidejussórias não se aplica aos credores que se abstiveram de votar, nem aos credores ausentes, isto é, os que não compareceram à Assembléia-Geral.
Por fim, sob a óptica dos postulados da lógica, é intuitivo que a cláusula extensiva da novação aos coobrigados da sociedade em recuperação judicial não tem eficácia em relação aos credores que, expressamente, dela discordaram, votando contra a aprovação do plano ou, mais ainda, como a agravante, formulando objeção, atacando, direta e frontalmente a ilegalidade da cláusula em exame. Destarte, se a agravante, discordou da extensão da novação aos garantidores (coobrigados/fiadores), obviamente, tendo ela o respaldo dos artigos 49, § 1o e 59, "caput", ambos, da Lei n° 11.101/2005, a previsão do plano de recuperação é ineficaz em relação a ela, mercê do que, tem ela o direito de prosseguir ou ajuizar ação judicial (execução) contra os coobrigados ou fiadores. Outrossim, caso a garantia se consubstancie em aval, dotado de autonomia, como é de trivial sabença, "a fortiori", indiscutível o direito de a agravante executar eventuais avalistas.”
O referido voto, que na verdade se ilustra com o brilhantismo de uma aula, demonstra com objetividade que o tratamento dado aos credores ausentes e que se abstiveram de votar devem ser respeitados os limites postos no artigo 49, §1º da Lei 11.101/05, dispensando quaisquer outros comentários dada a clareza do citado ensinamento.