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Fornecimento de fraldas geriátricas: uma interpretação à luz da dignidade da pessoa humana

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07/08/2013 às 16:37
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3 O FORNECIMENTO DE FRALDAS GERIÁTRICAS

Fralda geriátrica é um insumo de utilização íntima, para armazenar as necessidades fisiológicas não controladas pelos pacientes. Dessa forma, os idosos que tenham problemas em controlar as suas necessidades fisiológicas necessitam utilizá-las diariamente. (SOARES, 2009, p 02).

Umas das principais enfermidades é a incontinência urinária que é a perda de urina involuntária, que causa desconforto e doenças devido às bactérias nela contidas. Tem-se, também, a incontinência fecal a qual acarreta efeitos mais graves devido às bactérias e vírus que causam feridas. (SOARES, 2009, p 02).

Com esses sintomas, o paciente é, automaticamente, isolado do convívio com a sociedade, conduzindo o adoentado a uma situação depressiva, que fere os princípios constitucionais como o da dignidade da pessoa humana. (SOARES, 2009, p 07)

Ao fazer a sua defesa quando demandado, o Estado, em suas manifestações, aduz que não se trata de negar o direito com base em argumentos meramente financeiros, mas sim de prestigiar a reserva do possível, analisando a possibilidade orçamentária, e não disponibilizar um insumo que, na realidade, não é necessário, mas sim artigo supérfluo. Porém, em que pese essas alegações, deve-se dar ao paciente um tratamento digno, que seja compatível com a sua patologia e que traga conforto e segurança.

Sendo assim, os pacientes que utilizam as fraldas de pano, podem adquirir bactérias, vírus e dermatites, causando infecções oportunistas e agravo na doença pré-estabelecida, já que esse tipo de fraldas não tem a absorção adequada. Para enfatizar o que está sendo dito, recorremos ao conceito de dermatite:

Dermatose inflamatória que atinge o períneo, região glútea, abdome inferior e coxas causada pelo contato da pele com fezes e urina em um ambiente úmido, quente e fechado. [...] Prevenção: Trocas frequentes de fraldas 3/3h, Fraldas com alta capacidade de absorção: poliacrilato de sódio – geleificação, absorve líquidos em até 80x seu peso molecular. (FAGUNDES, 2007, pp 04 e 25)

Assim, ao ponderar os princípios da reserva do possível e o mínimo existencial, é primordial que o julgador profira um entendimento que contemple a dignidade da pessoa humana.

3.1 O Enquadramento (ou não) do Item como Medicamento de Saúde Básica

As fraldas geriátricas são de grande importância no tratamento dos pacientes. Conforme analisado o uso deste insumo evita o dano causado por bactérias e vírus.

O SUS não fornece este insumo nas suas listagens de medicamentos da saúde básica, mesmo sendo indispensável à saúde das pessoas, “O Sistema Único de Saúde não fornece fraldas descartáveis para as pessoas que necessitam utilizá-las.” (SOARES, 2009, p 02).

Compartilhando as palavras de Soares, esse insumo deveria ser previsto na lista de medicamentos da atenção básica de saúde, pois é um tratamento que ajuda na recuperação do paciente, de forma física e mental, garantindo, assim, a dignidade o paciente:

O fornecimento de fraldas, caso fosse realizado pelo SUS, proporcionaria bem-estar e certa autonomia no ambiente domiciliar onde as atenções centram-se no idoso e nos portadores de deficiências físicas e/ou mentais. A incontinência urinária e fecal, por ilação lógica, conduz ao isolamento social da pessoa que sofre com tais enfermidades. O isolamento conduz à depressão e ao sentimento de menos valia. É certo que existe tratamento para tais enfermidades, mas enquanto a terapêutica é desenvolvida, uma forma de minorar os efeitos psicológicos nos pacientes e familiares é o fornecimento de fraldas descartáveis. (SOARES, 2009, p 2)

Ainda, o Ministério da Saúde e demais órgãos do Poder Público estão inertes quanto a este assunto, pois não há questionamento quanto a esta adoção do insumo nas listagens da atenção básica de saúde:

Infelizmente, o pensamento acima ainda não foi encampado pelo Ministério da Saúde e pelo Chefe do Poder Executivo Federal. O Poder Legislativo também se queda inerte e não reclama a adoção de providências urgentes para salvaguardar a dignidade de inúmeros brasileiros. [...] O maior de todos os direitos dos usuários do Sistema Único de Saúde é, sem dúvida, receber um tratamento digno. A postura institucional do Ministério da Saúde e da Presidência da República, todavia, direciona-se em sentido oposto ao da preservação e prestígio do reconhecimento da dignidade da pessoa humana. Nosso sistema de saúde não é acessível ou organizado. Os cidadãos não recebem tratamento adequado e efetivo, o atendimento não é humanizado ou acolhedor. (SOARES, 2009, p 03).

Desse modo, não há previsão legal, nem portarias do Ministério da Saúde, que digam que as fraldas geriátricas podem ser consideradas insumos indispensáveis para a garantia da vida humana.

Diante dessas imprecisões, ressalta-se que também o Poder Judiciário não é unido em suas decisões, quando se posiciona em relação à inserção do insumo nas listas da atenção básica à saúde, pois não há consenso em relação ao fato de fraldas geriátricas serem, ou não, consideradas como indispensável à saúde.

3.2. Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e demais Estados

O Tribunal de justiça do Rio Grande do Sul tem avaliado o caso concreto de maneira a aplicar diretamente os princípios fundamentais. O Agravo de Instrumento n° 70053736534, 3° Câmara Cível, embora este insumo estudado não se encontre previsto nas listagens administrativas e em Lei específica, o Direito Constitucional à Saúde supre esta lacuna. Vejamos o entendimento do Desembargador Eduardo Delgado em seu voto:

Nesse contexto, a ausência de previsão administrativa não tem o condão de revogar norma constitucional de incidência imediata, na esteira da orientação desta Egrégia Corte. Senão vejamos: Primeiro: irrelevante a ausência de previsão do item postulado (fraldas descartáveis) pela ANVISA como afeto à saúde, pois atos normativos não se sobrepõem à norma constitucional; Segundo: O direito à saúde engloba o dever do Estado de fornecimento de fraldas descartáveis, quando necessária à manutenção da saúde do cidadão; Terceiro: Trata-se de efetivação da garantia da dignidade da pessoa humana, no caso o acesso a uma condição de vida razoável - seja na esfera da vida prática, seja no âmbito psicológico. (Delgado, 2013, p 7).

Ainda, temos mais específica análise do Desembargador Roque Joaquim Volkweiss no AI nº 70019171065, analisando a necessidade terapêutica do uso do insumo, que, se não utilizado, poderá causar risco de complicações dermatológicas, vejamos:

[...] Diversamente do quer fazer crer o recorrente, a utilização de fraldas está ligada à saúde da parte autora, porquanto a ausência implica em complicações dermatológicas. Assim, o uso contínuo de fraldas descartáveis é a forma de prevenir problemas de saúde do agravado, dos quais poderiam advir maior onerosidade para o erário. Ademais, não há falar em uso das antigas fraldas de pano que são higienicamente menos seguras, podendo aumentar a probabilidade de implicações dermatológicas, o que ensejaria possíveis prejuízos aos seus familiares e daqueles que convivem nesse ambiente sem os cuidados preventivos necessários à saúde. De outro lado, descabe alegar luxo no caso de deferir a mencionada pretensão, mas, sim, assegurar o direito à dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º, III, da Constituição Federal. As seqüelas decorrentes do quadro de acidente vascular cerebral já trazem evidente sofrimento à autora, quiçá falar na exposição, perante os seus familiares e outros, a situações vexatórias pela não utilização de fraldas descartáveis, o que claramente fere a dignidade do ser humano. Ademais, o direito alegado, também, encontra amparo no art. 196 da CF, que dispõe que a saúde é dever do Estado e Município, porquanto o fornecimento do referido produto, também, é necessário para assegurar a manutenção da saúde do agravado, por tornar possível uma higiene adequada. (VOLKWEISS, 2007 p. 3)

Continuando a análise, instala-se o conflito, com pensamento em sentido oposto da desembargadora Maria Isabel de Azevedo Souza, da 22° Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que no Agravo de Instrumento n° 70053250619 entende que as fraldas geriátricas não estão compreendidas no Direito à Saúde:

DIREITO À SAÚDE. FRALDAS DESCARTÁVEIS. CONVERSÃO EM AGRAVO RETIDO. LIMINAR CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. 1. Não é de ser convertido em retido o agravo de instrumento se o recurso exige provimento judicial de urgência. 2. A vedação legal de concessão de tutela antecipada contra o Poder Público deve ser interpretada restritivamente. Precedentes do STJ. 3. A assistência terapêutica, no âmbito do SUS, compreende a dispensação de medicamentos e a realização de procedimentos em regime domiciliar, ambulatorial e hospitalar, adotados em protocolos e diretrizes terapêuticas, avaliados quanto à sua eficácia, segurança, efetividade e custo-efetividade. Lei n.º 12.401/2011. 4. Não está compreendido no direito à saúde, no âmbito do SUS, o fornecimento de fraldas geriátricas. Jurisprudência da 22ª Câmara Cível. Recurso provido. (Agravo de Instrumento Nº 70053250619, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Isabel de Azevedo Souza, Julgado em 19/03/2013)

3.3 Perspectivas na Jurisprudência Nacional

Conforme já se viu por meio da amostragem de jurisprudência do Tribunal do Rio Grande do sul, há divergência entre os julgadores, que apresentam interpretações diferenciadas, como visto nos julgados acima.

Assim, diante desse conflito, as partes, quando prejudicadas, têm levado os seus processos aos Tribunais Superiores a fim de, além de reverterem a decisão que lhes é desfavorável, obter uma resposta mais homogênea sobre o caso.

Porém, em que pese à importância do tema, não há, de fato, uma resposta sólida também nessa esfera, a exemplo do que ocorreu no AgRg no REsp 1231484. Observa-se que não está ocorrendo análise de mérito, se as fraldas são ou não direito da saúde básica, já que se trataria de matéria passível de Recurso Extraordinário, de competência do Supremo Tribunal Federal:

ADMINISTRATIVO. DIREITO A SAÚDE. FRALDAS GERIÁTRICAS. FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA. PRETENSÃO DE REEXAME DE PROVAS. 1. Embora tenha o recurso como fundamento as alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional e alegue violação do art. 2º da Lei n. 8.080/90, a recorrente traz argumentos de ordem eminentemente constitucional. Inviável o exame do pleito da recorrente, sob pena de se analisar matéria cuja competência está afeta à Excelsa Corte, ex vi do art. 102 da Constituição Federal. 2. Não há que se considerar notória a divergência jurisprudencial, uma vez que o caso dos autos pleiteia dos entes federativos o fornecimento de fraldas geriátricas, enquanto que os arestos paradigmas tratam de fornecimento de medicamentos. Ausência de similitude fática. 3. Modificar o entendimento do acórdão, a fim de equiparar a necessidade das fraldas geriátricas a medicamentos tutelados pelo Estado, demandaria reexaminar as premissas fáticas estabelecidas pelo acórdão recorrido. Incidência da Súmula 7/STJ. Agravo regimental improvido.

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O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, também tem negado enfrentar o caso. Todavia, para alento daqueles que anseiam pela definição da matéria, o Ministro Marco Aurélio, ao se pronunciar no AgRg no RE n° 668.724, sinaliza que este assunto merece apreciação pela Suprema Corte:

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Presidente peço vênia para divergir. Tem-se, no processo nº 2 da lista, que é o Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 668.724 – e o extraordinário foi admitido na origem –, o seguinte questionamento: saber se a mercadoria "fraldas descartáveis" está no âmbito do direito à saúde considerado o fornecimento de medicação pelo Estado. É um tema que deve ser delimitado sob o ângulo constitucional, presente a obrigação de o Estado fornecer – como disse – medicamento.    

Assim, em que pese o referido Ministro ter sido voto vencido, abre-se, no âmbito do Supremo, um indício de que o tema deverá receber o tratamento adequado para solucionar o conflito das jurisprudências.


4 .CONCLUSÃO

Como percebemos, este trabalho pode ser de grande importância para a sociedade, já que o tema é de relevante valor social, devido à grande demanda no judiciário, em busca de solução ao conflito que o fornecimento de fraldas traz ao sistema.

Atendendo a esses valores sociais, no estudo da dignidade da pessoa humana, contemplamos que este fundamento universal é um pilar para os demais princípios, devido ao seu grande peso axiológico.

Dessa maneira, entendemos que comprovada a importância deste fundamento, eventuais lacunas existentes na Constituição podem ser supridas com sua aplicação direta. Assim, para que se atinja ao fim maior da dignidade, deve-se verificar a existência de um princípio fundamental explícito capaz de suprir a ausência legal. Em não existindo, a dignidade deve ser invocada diretamente.

Além disso, no conflito da aplicação das normas ou dúvidas quanto à sua abrangência, deve-se interpretar o caso concreto de forma a buscar a solução que melhor homenageie a dignidade humana.

Como foi constatado, o Direito à Saúde, incumbe solidariedade à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal, a prestação do serviço à saúde. Para tanto, foi organizado por intermédio da Lei n° 8.080/90, com a criação do Sistema Único de Saúde, que com suas diretrizes disponibiliza as obrigações dos entes.

Mesmo com essas organizações e diretrizes, percebe-se que muitas lacunas ainda existem, como a composição das Relações de Medicamentos, que não incluem o insumo na atenção básica à saúde, pela alegação da indisponibilidade orçamentária.

Desta manifestação, estudou-se e pode-se concluir que a dotação orçamentária é passível de complementação, o que deve ser feito, dando preferência à concretude do direito à saúde, quando este está em conflito. Importante que seja realizada a ponderação, dando um peso maior ao direito à saúde, ao conceito de mínimo existencial, principalmente, à dignidade da pessoa humana.

Além disso, em que pese à previsão de dispensação de fraldas geriátricas no programa da Farmácia Popular, as restrições da Portaria n° 971/2012, dificultam a aquisição do insumo, já que limitam a idade do idoso a receber o insumo, bem como, a quantidade que poderá ser comprada por mês.

Importante ressaltar que o insumo estudado é de grande importância para a saúde dos pacientes, já que sua utilização garante uma segurança contra as infecções, dermatites e demais problemas causados pelo contato da urina e das fezes. Sua estrutura terapêutica é própria para este fim, já que sua grande absorção garante que as necessidades fisiológicas não fiquem em contato direto com a pele.

Assim, mesmo tendo esta grande importância no tratamento do paciente, o SUS não disponibiliza este insumo, nem ao menos inclui nas suas relações de medicamentos e insumos indispensáveis à saúde básica, o que gera grande discussão jurisprudencial.

O Tribunal de Justiça Rio Grande do Sul não é pacífico nesse entendimento, pois algumas câmaras entendem que este insumo é um artigo de mero luxo e conforto, alegando também a sua ausência de previsão legal. De outra banda, câmaras, em sua maioria, entendem que este insumo é de grande importância para garantir a dignidade da pessoa humana, durante o tratamento médico.

Assim, com as alegações que não há texto legal específico que destine o fornecimento de fraldas geriátricas, devemos aplicar a eficácia direta do fundamento da dignidade da pessoa, preenchendo as lacunas existentes garantindo aos cidadãos a segurança do mínimo existencial e a concretude do Direito à Saúde.

Em que pese a divergência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, o Superior Tribunal de Justiça se recusa a analisar o mérito, alegando que o tema é matéria constitucional, devendo ser apreciado pelo Supremo Tribunal Federal.

Entretanto, também o Supremo Tribunal Federal tem sido resistente em apreciar o tema, o que não possibilita a resolução dos conflitos existentes na jurisprudência, trazendo um prejuízo aos que necessitam deste insumo, e anseiam por ver a solução em busca de segurança e da aplicabilidade da dignidade da pessoa humana. 

Porém, como já abordado, o Ministro Marco Aurélio, percebeu a necessidade de apreciação do tema, com o fim de uniformizar a jurisprudência e trazer uma melhor definição ao conflito, para que a população prejudicada tenha uma segurança jurídica e veja o seu direito à saúde e à dignidade da pessoa humana juridicamente protegidos.

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Sobre o autor
Isac da Rosa Alves

Estudante na Faculdade Anhanguera Pelotas/RS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Isac Rosa. Fornecimento de fraldas geriátricas: uma interpretação à luz da dignidade da pessoa humana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3689, 7 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25096. Acesso em: 14 nov. 2024.

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