1.O OBJETIVO DESTE TRABALHO
O presente estudo tem a pretensão de contribuir com alternativas jurídicas consistentes para a contratação dos serviços de fiscalização e supervisão de obras públicas.
Acredita-se que a adoção generalizada da modalidade do pregão, atualmente em voga, não é a forma mais adequada para solucionar as dificuldades sistêmicas que assolam o setor. Na busca de uma solução simplista para um problema complexo, essa medida não coloca em risco apenas a qualidade na escolha do contratado, o que já seria desastroso, mas também a sobrevivência de um setor que se sustenta, essencialmente, de mão de obra qualificada.
As soluções que se apresentam a seguir não têm o objetivo de resolver o gargalo nas obras públicas. Esse é um problema muito mais político e econômico do que jurídico.
Por outro lado, quem atua no ramo tem a consciência de que os serviços de supervisão e fiscalização de obras são essenciais para garantir a qualidade e a durabilidade dos empreendimentos. Um modelo de contratação consistente, jurídica e tecnicamente, pode dar melhor tratamento à questão da celeridade nas contratações desses serviços, sem sacrificar a garantia da qualidade.
2. A CONFIGURAÇÃO DO CENÁRIO ATUAL
Desde a edição da Lei Federal nº 8.666, em 21 de junho de 1993, estava assentada a forma de contratação dos serviços de engenharia consultiva em geral. A regra única fora esculpida na combinação dos arts. 13 e 46 da referida lei, impondo-se a contratação pelo tipo técnica e preço.[1]
Com a maturação da Lei Federal nº 10.520, de 17 de julho de 2002, contudo, uma nova vertente doutrinária e jurisprudencial desperta um setor específico da engenharia consultiva.
Falamos em despertar, porque o setor de consultoria especializado em fiscalização e supervisão de obras públicas, para o cenário das licitações, estava mesmo acomodado e adormecido.Durante muito tempo, nada se viu fazer contra os editais mal elaborados para a contratação desse tipo de serviço. Como sói acontecer, o despreparo para o bom uso do tipo de licitação técnica e preço, aliado à má intenção de alguns poucos empresários, acarretou a identificação pelo Controle de diversas licitações com exacerbada subjetividade e/ou direcionamento imoral.
Não se afirma que essa deturpação sistêmica tenha ocorrido apenas no setor da engenharia consultiva. De fato, a má utilização desses modelos criou uma espécie de estigma sobre qualquer licitação que não se regule exclusivamente pelo menor preço.
1.1. Erradicação da subjetividade
A primeira ideia que surgiu para resolver esse problemaé elogiável. É um dever moral afastar a discricionariedade de todo e qualquer processo de seleção pública, mesmo para a contratação de serviços que, essencialmente, impõem certa subjetividade no julgamento.
Ocorre que a orientação firmada, aliada a um excessivo rigor por parte dos órgãos de controle, gerou um radicalismo nãosaudável. O mal da subjetividade excessiva foi erradicado por uma também excessiva objetividade.
Em síntese, resumiram-se os processos licitatórios dos tipos“melhor técnica” e “técnica e preço” a uma avaliação da capacidade técnica dos licitantes; ou seja, uma pontuação do acervo de experiência anterior das empresas e dos profissionais. Essa solução acarretou dois efeitos colaterais: (i) gerou uma reserva ainda maior de mercado às grandes empresas, que têm maior número de acervos técnicos do que as pequenas; e (ii) colocou em descrédito o critério de seleção pela técnica, levando a crer que esse tipo de avaliação poderia ser suprido integralmente na fase de habilitação da licitação.
1.2. A disseminação do pregão como instrumento moralizador e eficiente
A identificação das inconsistências da modelagem de contratação pelos tipos melhor técnica e técnica e preço surgiu em um momento peculiar da Administração Pública, o da “idolatria” da modalidade do pregão como a solução para todos os problemas das licitações públicas.
Inicialmente concebido como uma velha-nova ideia, o pregão foi elevado a instrumento de eficiência e moralização nas contratações públicas. É moralizador, porque incentiva a irrestrita competitividade, e eficiente, porque é muito mais célere do que todas as outras modalidades.
Esse cenário, motivado principalmente pelo atributo da celeridade, influenciou bastante a doutrina e a jurisprudência para que rapidamente se buscassemsoluções para a ampliação da aplicabilidade daquela modalidade, destinada exclusivamente para contratação de bens e serviços comuns, para quase todos os tipos de serviços de interesse da Administração Pública.
A resposta foi rápida e bastante óbvia: se a limitação para adoção do pregão é a qualificação “comum” para os bens e serviços, bastava-lhes “interpretar” que, a partir de agora, quase tudo é comum.
3. APLICAÇÃO DO PREGÃO AOS SERVIÇOS DE SUPERVISÃO E FISCALIZAÇÃO DE OBRAS - A INTENÇÃO POR DETRÁS DA TEORIA
Foi justamente no sentido de corrigir impropriedades encontradas em processos licitatórios do tipo técnica e preço que surgiu um interesse político, e até mesmo ético, de aplicar a modalidade pregão para os serviços de supervisão e fiscalização de obras públicas.
A fundamentação jurídica para tanto não foi nenhuma surpresa: “se é possível licitar serviços comuns de engenharia por pregão, é cabível a modalidade para serviços de supervisão e fiscalização de obras, desde que sejam comuns”.
Provavelmente, será muito difícil encontrar quem defenda, por princípio, que esses serviços possam ser considerados “comuns”, qualquer que seja a acepção dada à palavra.[2]A fiscalização e a supervisão de uma obra exigem da empresa ou profissional responsável uma qualificação técnica tão elevada quanto a dos executores do empreendimento.
Isso ocorre, especialmente,em obras licitadas e contratadas pelo regime de preço global ou empreitada integral, onde o executor tem maior liberdade na formulação de sua proposta e pode, em regra, propor alternativas de execução. É função do supervisor da obra analisar todas as alternativas e soluções propostas, assegurando à Administração a qualidade e durabilidade da obra executada.Mais ainda, é exigido dessas empresas o domínio de todas as metodologias, para diferentes especialidades da engenharia, a fim de que possam supervisionar com qualidade os serviços executados pelo empreiteiro.
Não é, portanto, uma tarefa reduzida à aplicação de manuais ou normas técnicas. Exige experiência e maturidade profissional em pé de igualdade com o executor das obras, para discussões de nível técnico que assegurem a Administração no processo decisório inerente à gestão do empreendimento.
A questão é que, de uma análise sistêmica dos editais de licitação para serviços de supervisão e fiscalização de obras, do tipo técnica e preço, as mesmas incoerências anteriormente destacadas foram identificadas: (i) direcionamento das exigências técnicas; (ii) subjetividade incompatível com a licitação pública; (iii) redução da avaliação da proposta técnica à uma pontuação dos documentos de qualificação técnica; e (iv) não raro, má-qualidade na prestação dos serviços.
Diante desse cenário, passou-se a entender que a solução para tais impropriedades seria eliminar o aspecto técnico da licitação, reduzindo a seleção das empresas e dos profissionais de supervisão e fiscalização à disputa de preços. A melhor forma encontrada para tanto foi a adoção da modalidade do pregão.
A conclusão de quem adota essa corrente não é de todo condenável: ora, se os editais são direcionados, se a avaliação técnica não possui nenhum diferencial em relação à fase de habilitação e, ainda, não representa nenhum ganho de qualidade efetiva, a solução é contratar a empresa que apresentar o menor preço.
O que nos leva a insistir em posicionamento divergente, contudo, é o fato de que essa corrente não soluciona o maior problema que enfrentamos nas contratações públicas ligadas às obras e serviços de engenharia. Com a adoção do pregão, pouco se soluciona a questão do direcionamento da licitação e da má utilização da técnica e preço, e nada é feito em relação à qualidade dos serviços contratados.
4. OPOSIÇÕES À APLICAÇÃO DA MODALIDADE PREGÃO AOS SERVIÇOS DE SUPERVISÃO E FISCALIZAÇÃO DE OBRAS
São dois os principais fundamentos que se opõem à corrente que defende a adoção da modalidade pregão para os serviços de supervisão e fiscalização de obras.
O primeiro, mencionado acima, é quanto ao fato de que essa solução não resolve o principal problema identificado nas licitações para esses serviços: a qualidade na execução. Esse problema somente pode ser resolvido na medida em que exista um empenho efetivo na seleção de profissionais e empresas qualificadas e comprometidas.
O pregão, nesse aspecto, é um fator de enfraquecimento da Administração para esse tipo de seleção.
O segundo aspecto é quanto ao cabimento jurídico dessa extensão do pregão aos serviços em exame, na medida em que a Lei de Licitações expressamente qualifica a supervisão e a fiscalização de obras como serviços técnicos profissionais especializados e, ainda, impõe o tipo de licitação técnica e preço para sua contratação, o que é incompatível com a modalidade do pregão.
1.3. Quanto ao cabimento jurídico
Não pretendemos nos opor à corrente contrária com argumentos de limitação do poder de interpretação das normas jurídicas. No Direito, é cabível a interpretação das normas jurídicas dentro de diversas perspectivas – política, moral, descritiva, histórica, etc.
Tais perspectivas não conflitam com o Estado Democrático, na medida em que, nas lições de Ronald Dworkin, o Direito quase sempre terá respostas corretas para os fatos jurídicos existentes, dos mais simples aos mais complexos, desde que: (i) admita-se que exista mais de uma resposta factível; e (ii) a resposta correta seja aquela que mais atrai o consenso.
A questão cerne que nos provoca, com o máximo respeito aos que entendem de forma diversa, é que, sob a égide da legislação vigente, a extensão da modalidade pregão para os serviços de engenharia consultiva não é factível. Essa interpretação não é cabível, porque afronta o texto legal de tal modo que chega a afastá-lo do mundo jurídico.
Nesse sentido, sim, é inadequada a interpretação da regra jurídica assentada, pois inexiste poder para o jurista afastar a vigência de lei, salvo por intermédio do poder legiferante, atribuído exclusivamente ao Poder Legislativo.[3]
4.1.1. A definição de serviço comum
A norma definiu o que deve ser entendido por “bens e serviços comuns”. São comuns os objetos “cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado”.[4]
A definição se apresenta com extrema infelicidade, pois a existência de especificação usual não representa nenhuma característica que diferencie determinado serviço comum, de um que não o seja. Uma interpretação literal do dispositivo induz à aplicação da modalidade de forma desvinculada da sua finalidade.
Pode-se chegar à conclusão bastante simplória, por exemplo, de que todo e qualquer serviço que seja descritível com objetividade pode ser licitado por pregão, independentemente de sua complexidade – o que não é correto.
Inegavelmente, o objetivo maior do pregão é dar celeridade às aquisições públicas. Para isso, é indispensável que se abdique da complexidade procedimental, em prol da maior agilidade. Justamente por essa razão o pregão foi concebido para contratações mais simples, onde é possível afastar procedimentos mais complexos de análise do produto/serviço e do fornecedor.
Nesse sentido, citamos o seguinte escólio do Ministro Benjamin Zymler:
o objetivo da norma foi tornar viável um procedimento licitatório mais simples, para bens e serviços razoavelmente padronizados, no qual fosse possível à Administração negociar o preço com o fornecedor sem comprometimento da viabilidade da proposta. No pregão a aferição da qualidade do licitante só é procedida no final do certame e apenas em relação à proposta vencedora. O pressuposto é de que os serviços são menos especializados, razão pela qual a fase de habilitação é relativamente simples. De outra forma, a Administração poderia se ver forçada a, freqüentemente, desclassificar a proposta de menor preço, se não confirmada a capacidade técnica do fornecedor.[5]
Esse conceito demonstra a men legis[6] adotada na concepção do pregão – objeto indispensável para a interpretação das normas jurídicas.
Também é incabível a afirmação de que a expressão “serviço comum” não está relacionada à complexidade, mas sim à rotina de contratação. Quando se abdica da avaliação técnica criteriosa do licitante, essa conduta está ligada à qualidade técnica do serviço, e não à constância com que esse serviço é licitado.
Aliás, se assim o fosse, não existiria mais nenhum serviço “não comum” no mundo jurídico. Mesmo os mais complexos serviços técnicos especializados deixariam de ser assim considerados, abrindo-se mão da avaliação técnica criteriosa do executor, a partir do momento em que a Administração Pública passasse a contratá-los com certa frequência.
Projetos de engenharia, por exemplo, poderiam passar a ser licitados por pregão, na medida em que é bastante frequente a sua contratação pela Administração Pública. A jurisprudência, no entanto, é firme na inaplicabilidade dessa modalidade para a licitação de tais serviços de engenharia.[7]
Por essa razão, parece-nos que a definição de serviço comum estáintimamente ligada à complexidade do serviço objeto da contratação.
4.1.2. Qualificação legal dos serviços como de natureza técnica profissional especializada
No nosso entendimento, não existe espaço para entender que serviços de supervisão e fiscalização de obras são serviços comuns. A Lei nº 8.666/1993 traz definição expressa de que tais serviços são de natureza técnica profissional especializada:
Art. 13. Para os fins desta Lei, consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os trabalhos relativos a:
I - estudos técnicos, planejamentos e projetos básicos ou executivos;
II - pareceres, perícias e avaliações em geral;
III - assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias;
IV - fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços;[8]
Ora, por certo que serviços técnicos especializados, por sua própria definição, não poderiam ser considerados comuns.
Em distinção conceitual, Hely Lopes Meirelles asseriu que serviços técnicos especializados
[...] são prestados por quem, além da habilitação técnica e profissional – exigida para os serviços técnicos profissionais em geral – aprofundou-se nos estudos, no exercício da profissão, na pesquisa científica, ou através de cursos de pós-graduação ou de estágios de aperfeiçoamento.[9]
Na mesma linha de raciocínio, em definição de singular objetividade e clareza, Marçal Justen Filho expõe:
A especialização significa a capacitação para exercício de uma atividade com habilidades que não estão disponíveis para qualquer profissional. A especialização indica uma capacitação maior que a usual e comum e produzida pelo domínio de uma área restrita, com habilidades que ultrapassam o conhecimento da média dos profissionais necessários ao desenvolvimento da atividade em questão. O especialista é aquele prestador de serviço técnico profissional que dispõe de uma capacitação diferenciada, permitindo-lhe solucionar problemas e dificuldades complexas.[10]
Desse modo, e em linha de coerência com o exposto, não há como entender que serviços dessa natureza sejam considerados comuns. Se a lei definiu que se tratam de serviços técnicos profissionais especializados, não há margem para interpretação contrária.
4.1.3. Tipo de licitação, definido por lei, incompatível com a modalidade pregão
Outro aspecto legal que evidencia a inaplicabilidade da modalidade pregão para a contratação dos serviços de supervisão e fiscalização de obras é a obrigatoriedade de adoção do tipo técnica e preço, estabelecida no art. 46 da Lei nº 8.666/1993. Esse tipo de licitação é incompatível com a modalidade pregão, o que afasta sua aplicabilidade.
A interpretação conjunta desse dispositivo com o art. 13 da Lei nº 8.666/1993, portanto, não apenas afasta o cabimento da modalidade pregão para os serviços de engenharia consultiva, na medida em que os define como não comuns.
Nem mesmo há que se aventar a possibilidade de derrogação por lei posterior, tendo em vista que o escopo da Lei nº 10.520/2002 não adentrou na especificidade dos serviços de engenharia consultiva, ao passo que a Lei nº 8.666/1993 o fez, tornando-se lei especial. Nesse caso, somente caberia derrogação expressa, e não presumida.
1.4. Inviabilidade técnica da modalidade
Sob o aspecto técnico, as oposições não se restringem à modalidade pregão, mas ao critério de seleção do executor dos serviços exclusivamente voltado ao menor preço.
A licitação direcionada ao menor preço, mesmo que haja robustez nas exigências de habilitação técnica dos licitantes, não assegura para a Administração a contratação dos melhores profissionais ou empresas – condição essencial para o sucesso quando se trata de engenharia consultiva.
Notem que o argumento aqui posto não pretende se reduzir à interpretação literal ou restrita da lei, mas se expande para as razões técnicas que demonstram a inviabilidade do critério do menor preço para contratações de serviços de consultoria em engenharia. Por que a lei opta pelo tipo técnica e preço para tais serviços? Essa não é uma pergunta que se responde com silogismos.
O fato é que, neste segmento, é essencial para o sucesso que o executor tenha o poder de fazer ingerências de caráter técnico nas soluções que venham a ser adotadas. Não basta garantir que este seja capaz de reproduzir manuais e normas técnicas, mas é necessário avaliar a qualificação do executor para contribuir com o desenvolvimento dos serviços, definir rumos, propor alternativas.
Nos serviços de supervisão e fiscalização, por exemplo, o executor tem de avaliar propostas de alterações de projetos, propor soluções alternativas e até mesmo elaborar projetos complementares, caso necessário. Esse não é um trabalho reprodutor de manuais, limitado a estes, mas baseado em norma técnicas.
Por essa razão, a avaliação técnica das propostas é essencial para garantir uma boa contratação.
Em setembro de 2011, a InternationalFederation of Consulting Engineers – FIDIC[11] lançou estudo específico a respeito da forma de seleção mais adequada para contratação de serviços de consultoria em engenharia.[12]
No mencionado estudo – paradigma mundial do setor – foram apontadas diversas desvantagens na adoção da contratação de serviços de consultoria exclusivamente pelo critério de preço.Os argumentos gerais apresentados pela FIDIC como desvantagens do modelo são que:
a) os resultados obtidos em estudos independentes comprovam que os resultados auferidos com base nesse tipo de contratação tendem a ser bastante inferiores;
b) na maioria das vezes, o menor valor não representará o melhor executor para o serviço nem satisfará o projeto plenamente; e
c) o critério de preços desencoraja consultores de maior qualificação, com diferentes experiências e conhecimentos aprofundados.
A conclusão geral do estudo é de ser considerada em destaque:
PIPs (SELECTION PRATICES INCORPORATING PRICE) might save money at the beginning but will, without doubt, affect the design’s quality and the overall time and cost of construction and/or operation of the project. The initial cost of the design is outweighed by the final project performance that results from good design solutions.[13]
Ou seja, não apenas se apontou que a contratação de serviços de consultoria pelo critério de preço poderá representar um custo bem maior no futuro, com maus resultados, como se defendeu que a despesa maior inicial com uma boa contratação significará uma economia no final do empreendimento.
Tal conclusão não nos parece distante da realidade vivenciada pela Administração Pública brasileira nos últimos anos. Muitos empreendimentos têm saído pelo dobro do custo inicial em decorrência de falhas de projeto, falhas na supervisão das obras, etc. Um exemplo disso são as obras de transposição do rio São Francisco, que, por problemas de projetos e supervisão, tiveram diversas paralisações e, em grande parte, tiveram que ser relicitadas pelo Governo Federal.[14]
Dentre os aspectos específicos que a FIDIC aponta como desvantagem para o resultado da contratação pelo critério de preço, vale destacar os seguintes:
a) valor reduzido representa uma reengenharia na execução dos serviços. Uma contratação de qualidade necessita de tempo adequado, o que certamente é sacrificado quando a empresa tem que reduzir seus custos significativamente;
b) valor reduzido representa utilização de profissionais de menor qualidade – a consultoria é basicamente representada por mão de obra. Há somente umamaneirade reduzir preços nesse tipo de serviço: diminuiros valores pagos aos trabalhadores. Profissionais de alta qualificação não aceitam trabalhar por baixos salários;
c) o critério de menor preço afeta o desenvolvimento do País e do setor – as contratações pela disputa de preços forçam as empresas a enxugar seus custos, o que significa menor investimento em capacitação, pesquisas, novas tecnologias, etc. Ao longo prazo, as empresas do setor se tornam obsoletas e o mercado fica inapto a corresponder ao desenvolvimento do País;
d) o domínio das melhores técnicas de mercado resulta em maior economia para o Contratante. A adoção de novas tecnologias e de técnicas mais apuradas, muitas vezes, representa maior economia para o momento da construção do empreendimento;e
e) projeto incompleto e inadequado e falhas na documentação são os maiores contribuintes para derrapagens de tempo. Além disso, a adoção de consultores menos qualificados representará a falta de experiência e know-how para lidar com os problemas que surgirão a partir do desenho inadequado.
Nesse sentido, parece-nos que a interpretação de que as licitações de consultoria de engenharia determinam o exame técnico das propostas não apenas se configura como a mais aderente à literalidade da lei, mas também à realidade dos fatos que a norma regula. Não se trata de tecnicismo puro.