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Imunidade de execução no Direito Internacional:

da existência de um regramento objetivo para a execução das sentenças pelas cortes domésticas

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13/09/2013 às 10:10
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4.IMUNIDADES DE EXECUÇÃO

4.1.DEFINIÇÃO E CARACTERÍSTICAS

Trata a imunidade de execução de regra negativa a partir da qual não se permite qualquer medida de apreensão ou constrição do patrimônio do Estado pela jurisdição de outro soberano. Essencialmente, as imunidades executivas conferem ao Estado detentor desta prerrogativa a proteção de seus bens face a qualquer medida constritiva pelas jurisdições estrangeiras.

Nas lições de Malcolm Shaw sobre o tema,

Deve-se distinguir a imunidade à execução da imunidade à jurisdição, principalmente porque a primeira envolve apreensão efetiva do patrimônio pertencente a um Estado estrangeiro[29].

É importante lembrar, no ponto em que estamos, que a imunidade de execução constitui categoria distinta das imunidades de jurisdição.[30] A despeito de o tema já ter sido abordado no presente trabalho, trazemos as pertinentes considerações de Guido Soares:

Nos tratados e convenções internacionais relativos às imunidades, tanto de pessoas físicas (funcionários ou outras a serviço de Estados e organizações intergovernamentais) quanto do próprio Estado, naquelas situações em que os mesmos se encontram frente a autoridades judiciárias de outros Estados, adota-se uma clara distinção entre, de um lado, o exercício dos poderes de aquelas autoridades conhecerem das pretensões das partes e julgarem sobre suas razões, e de outro, os poderes que elas têm de decretar medidas constritivas (provisórias e preliminares, de preparação ou acautelatórias, e medidas definitivas), contra as pessoas, e em especial, contra os bens de propriedade ou posse daquelas pessoas imunes; no primeiro caso, trata-se de imunidades de jurisdição (em que a inadequação de tal qualificativo quanto ao exercício do poder de ‘dizer o direito’) e, no segundo, das imunidades de execução[31].

Ademais, é cogente a observação de que, não obstante institutos distintos, a imunidade de execução é, em certa medida, vinculada à prerrogativa jurisdicional. Mesmo porque a execução terá lugar tão somente caso seja definido e legitimado, em sede judicial, o direito ou a pretensão. Obviamente, caso o direito da parte seja denegado, não haverá que se falar em fase executiva.

Seguindo esta linha de raciocínio, caso se privilegie a teoria absoluta da imunidade de jurisdição, também não haverá lugar para se perquirir de fase executiva, já que não será definido direito algum em face do ente imunizado. Nesse sentido,

A imunidade de execução, portanto, pressupõe a aplicação da teoria da imunidade temperada ou restritiva no processo de conhecimento. Logicamente, diante de um reconhecimento do caráter absoluto da imunidade de jurisdição, [...] não haveria que se falar em imunidade na fase executiva, diante da impossibilidade de se produzir o título judicial, a ser executado contra o Estado estrangeiro[32].

4.2 .DA PROIBIÇÃO DA EXECUÇÃO FORÇADA PELO ESTADO JULGADOR

A execução forçada de sentença de cortes nacionais contra Estados estrangeiros é, por certo, recurso limitado no Direito Internacional. Via de regra, como já se pôde antever, o Estado não está submetido à jurisdição de seus pares, vez que é soberano e, numa análise mais técnica, dispõe de prerrogativas imunizantes perante os seus pares. No entanto, conforme vimos, a soberania não mais é concebida de forma absoluta e, em decorrência direta, as imunidades estatais de jurisdição podem, em algumas situações, ser relativizadas.

Todavia, quando lidamos, em específico, com a execução de sentenças domésticas contra Estados estrangeiros e, vinculado a isto, imunidades executivas, a relativização não é uma expectativa certa, como por vezes se evidencia na aplicação da imunidade de jurisdição. Na realidade, como teremos a oportunidade de verificar adiante, não há uniformidade ou uma aplicação objetiva do instituto, fazendo da controvérsia e da insegurança jurídica consequências naturais da aplicação das imunidades executivas.

Por este motivo, ainda vige a regra geral de que sentenças de cortes domésticas não podem ser forçosamente executadas a Estados estrangeiros. Neste sentido,

[...] no domínio da análise prática do assunto em pauta é sabido que o Estado estrangeiro propende a executar, sem criar problemas, a sentença condenatória proferida no processo de conhecimento. Quando isso, entretanto, não acontece, a execução não pode materializar-se forçadamente [...]. Aí estaríamos agredindo, de modo frontal, norma escrita, norma convencional que nos obriga, concomitantemente lançando o país em ilícito internacional[33].

Portanto, executar sentença de jurisdição interna de maneira forçada contra estado estrangeiro implica em ilícito internacional, a menos que o Estado consinta (ou, em melhores termos, renuncie expressamente à sua imunidade de execução).

Não se pode esquecer, contudo, de analisar o tema sob um olhar contemporâneo do Direito internacional e, portanto, preocupado essencialmente com as garantias e direitos do Homem. Por isso, ainda que a regra geral seja a proibição da execução forçada das sentenças contra estados estrangeiros, devem ser criados outros mecanismos que possam assegurar os direitos dos particulares. De fato, “caso se queira, em particular, preservar o princípio de interdição da execução forçada, é indispensável que se assegure em contrapartida uma proteção ainda mais eficaz dos particulares [...]” (Tradução nossa)[34].

Resta saber como se dará esta proteção. Certamente, a maior proteção do Estado (por meio das imunidades de jurisdição e de execução) não é compatível com uma maior proteção do indivíduo. Vale dizer, a concessão de maiores garantias aos interesses dos indivíduos se associa, invariavelmente, a uma maior relativização dos institutos da imunidade jurisdicional e executiva. Anteriormente, foi possível se fazer breves esclarecimentos a respeito da relativização da imunidade de jurisdição. Portanto, cabe indagar, neste momento, se a imunidade de execução é relativizada, seja em sede de doutrina ou de jurisprudência internacional, e, caso o seja, como isto se desenvolve.

4.3. TRATAMENTO DOUTRINÁRIO E DO RECENTE[35] MOVIMENTO DE RELATIVIZAÇÃO DA IMUNIDADE DE EXECUÇÃO: CONTRADIÇÕES

Até bem pouco tempo, a imunidade de execução era assimilada tão somente em sua concepção absoluta. A par do processo observado em relação às imunidades jurisdicionais, imperava a ideia jusinternacionalista de que um Estado não poderia, em nenhuma hipótese, ser submetido a medidas constritivas levadas a efeito por cortes nacionais de seus pares. Obviamente, este cenário decorre naturalmente de um contexto em que, igualmente, o instituto da soberania era absoluto e inquestionável.

A única exceção à aplicação de medidas constritivas pelas cortes nacionais que se vislumbrava no período era justamente aquela que resguardava a soberania e, consequentemente, a imunidade executiva sob o controle dos Estados soberanos, a saber: através do consentimento. Termos em que a execução das sentenças, seja ela definitiva ou provisória, requereria, portanto e em conformidade com o entendimento de Wagner Giglio, “[...] a renúncia expressa do ente de direito público externo. Inexistente a renúncia, restaria ao vencedor apenas a via diplomática para obter a satisfação dos direitos que lhe foram reconhecidos[36]”.

Invariavelmente, como se percebe, as controvérsias internacionais a respeito das imunidades de execução eram solucionadas em sede diplomática, de modo que não raras foram as vezes em que o político sobrepôs-se ao jurídico.

É necessário notar que, assim como a imunidade executiva, a jurisdicional também foi concebida, a priori, de forma absoluta e inquestionável. Entretanto e este é um ponto central do debate que se instaura, o processo evolutivo observado pela imunidade de jurisdição, seja em sede de doutrina ou de jurisprudência, é essencialmente distinto daquele assumido pela prerrogativa de execução. E, invariavelmente, esta diferença de tratamento e evolução entre os dois institutos traz repercussões importantes para a aplicação da Justiça (entendida, aqui, simploriamente como possibilidade de acesso do indivíduo aos direitos fundamentais), como será melhor delineado adiante. Reitera-se:

A doutrina, a legislação e a jurisprudência têm tratado a questão da imunidade estatal de execução de maneira diferenciada, quase como um regime à parte daquele relativo à imunidade no processo de conhecimento. Isso porque, tradicionalmente, o exercício de jurisdição nacional em processo de execução envolvendo um ente estatal estrangeiro sempre foi visto com muito mais timidez e cautela pelos foros locais que em processo cognitivo correspondente. Com efeito, procedimentos de caráter executório tendem a interferir de modo muito mais sensível nos negócios do Estado estrangeiro, eis que dizem respeito a medidas de constrangimento que atingem a propriedade do Estado, aumentando o risco de ameaça à soberania estatal e de instabilidade nas relações entre os Estados. Por essa razão, mesmo com o surgimento e a adoção da doutrina da imunidade de jurisdição relativa dos Estados, muitos países continuaram a guiar-se pela doutrina de imunidade estatal absoluta em se tratando de execução, só admitindo o exercício de sua jurisdição nacional em face de renúncia à imunidade de execução pelo seu titular[37].

As lições de Leandro Moll são extremamente pertinentes e aduzem a principal razão para a diferença de tratamento entre imunidade de jurisdição e de execução. De fato, a possibilidade de constranger o patrimônio público de um Estado afeta muito mais profundamente a sua soberania e autonomia que o simples fato de figurar como parte perante cortes nacionais de um estado estrangeiro. Ainda que não se concorde com isto, é natural que um raciocínio de maior cautela seja estabelecido para uma possível relativização do instituto da imunidade de execução como a que se vinha observando em nível cognitivo.

Nesta esteira de ideias, interessante notar a realidade observada nas Cortes Europeias acerca do tema:

No decorrer do século XX, muitos estados europeus mudaram de um conceito absoluto de imunidade jurisdicional para um conceito restritivo. Com relação a limitar uma ampla imunidade de execução,contudo, uma abordagem mais hesitante prevaleceu na jurisprudência da maioria dos países europeus. Tradicionalmente, parece que, ao contrário dos conceitos “restritivos” ou “relativos” voltados à imunidade de jurisdição, a imunidade de execução era considerada absoluta. Esse fato pode ter levado à sua caracterização como ‘o último bastião das imunidades de estado’. [...] A principal razão para esta diferença entre a imunidade absoluta e a relativa é geralmente detectada no caráter mais invasivo das medidas de execução em comparação ao mero poder jurisdicional. Assim, uma visão mais cautelosa reflete-se também em várias tentativas de codificação nacionais e internacionais. [Tradução nossa].[38]

De fato, permitir que um Estado estrangeiro julgue os atos de seus pares possui uma repercussão bem menor que a concessão para o mesmo Estado executar a sentença por ele proferida. A soberania nacional vê na relativização da Imunidade de Execução uma ameaça muito mais perigosa que na amenização dos critérios de Jurisdição.

Todo o cenário exposto aponta para uma direção preocupante. Em discussões sobre o tema, a tendência observada dos debates é que se valorize mais a soberania estatal em detrimento de uma relativização da Imunidade de Execução[39].

Entretanto, entender desta maneira ensejaria a permissão de algumas situações em que, pode-se dizer, haveria injustiça (entendida sumariamente, reitera-se, como acesso ao Poder Judiciário para pleitear direitos).

Esclarece-se a melhor intento. As imunidades de jurisdição e execução constituem ainda elementos importantes das relações entre Estados. Não obstante a isto, novos sujeitos foram admitidos como construtores e destinatários do Direito Internacional. Sujeitos estes tão diversos daqueles considerados pela doutrina clássica (Estados) que se fez cogente uma modificação dos valores e cláusulas pétreas então vigentes.

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Ao surgimento de novos atores da cena internacional (notadamente os indivíduos e as Organizações Internacionais) não se acompanhou, porém, uma modificação substancial que os tornasse plenamente aptos a pleitear tanto os seus direitos em foros competentes (relativização da Imunidade de Jurisdição) como também a terem a possibilidade de obter uma pretensão jurisdicional efetiva (relativização da Imunidade de Execução). A evolução e adequação do Direito Internacional abstiveram-se, em princípio, em torno da relativização da Imunidade de Jurisdição. Já a execução, em âmbito internacional, não teve a mesma sorte[40].

Não há que se olvidar que, distintamente da Imunidade de Jurisdição, a Imunidade de Execução repousa, ainda, sobre um terreno ainda movediço[41], carente de maiores reflexões que o aproximem dos valores estruturantes das Relações Internacionais hodiernas.

Entretanto, a despeito de todo o discurso feito até aqui, a doutrina e a jurisprudência vêm se posicionando de uma maneira mais reflexiva quanto a uma possível relativização do instituto da imunidade de execução. E, ainda, é evidente que já houve oportunidades em que a comunidade internacional se manifestou em prol de uma relativização do instituto da imunidade executiva em situações pontuais, expressamente previstas, como foi o caso da Convenção Europeia sobre Imunidade do Estado e seus Bens (1972), anteriormente destacada neste trabalho. Contudo, é extremamente recente (e sobre isso debruça-se este modesto estudo) o debate em torno de uma possível sistematização objetiva dos critérios por que se pautará a relativização da imunidade executiva.

Deste cenário não há conclusão outra a não ser a de que:

A imunidade de execução é matéria controvertida no âmbito do direito internacional. Por um lado, admitem-se abrandamentos à imunidade no processo executivo, diante da existência de bens excepcionados de tal prerrogativa; por outro, há entendimentos que se mantêm fiéis à teoria absoluta da imunidade de execução, com o fito de se evitar desgastes nos relacionamentos internacionais e em observância às normas de direito consuetudinário e das Convenções de Viena sobre Relações Diplomáticas e Relações Consulares, respectivamente de 1961 e 1963[42].

Demonstrada as enormes controvérsias que rondam as discussões acerca da aplicação das imunidades de execução no Direito Internacional, é salutar e de bom tom que se especifique algumas conclusões de suma importância deste que, certamente, é um dos principais tópicos deste estudo. Assim sendo, é necessário frisar que as dificuldades existentes na aplicação do referido instituto não se resumem apenas à uma ‘escolha’ de qual teoria deve viger a aplicação das imunidades executivas; absoluta ou relativa. Em verdade, as dificuldades vão além.

Ainda que se opte por uma teoria relativa das imunidades de execução, como demonstram os últimos julgados das cortes internas, não há sistematização objetiva dos critérios ou das situações em que medidas de constrição poderão ser invocadas pelos tribunais domésticos. Donde se conclui que, ainda que se conceda uma prestação jurisdicional ao Estado ou até mesmo ao indivíduo (ou seja, valorize-se a teoria relativa das imunidades de jurisdição e de execução), ainda impera a insegurança jurídica na maneira como e nas situações em que a imunidade de execução será relativizada.

Como intentou se demonstrar, a aplicação das imunidades de execução ainda é algo limitado e carente de maiores discussões. A falta de sistematização em seu tratamento acarreta, não raras vezes, algumas discrepâncias e contradições. Ademais, um litígio internacional que deveria ser resolvido em sede de tratados, convenções ou diplomas normativos, ultrapassa os limites do jurídico e se resolve através de decisões políticas. De fato, a delicadeza do estudo em apreço é evidente e, apenas como fato ilustrativo, tem-se que

[...] os Estados Unidos, a Grécia, a Itália e a Espanha admitem ou impõem uma consulta do Judiciário ao Executivo, responsável pela política internacional, para saber das consequências da execução nas relações entre o Estado envolvido.[43]

Por fim, cumpre dizer que, talvez, seja este o tópico de maior expressão e vinculação ao objeto deste estudo. No entanto, ainda pretendemos apontar alguns traços gerais sobre como o instituto das imunidades executivas vem sendo aplicado. Quais são os critérios utilizados para a sua relativização, as situações de maior tipicidade para que as corte nacionais autorizem a execução de medidas constritivas e os temas mais polêmicos em torno das imunidades executivas são os nossos próximos passos.

4.4. DA INADEQUAÇÃO DO CRITÉRIO ATOS DE GESTÃO v. ATOS DE IMPÉRIO E DA DIFICULDADE DE ESTABELECIMENTO DE ALGUM PARÂMETRO

Diversamente do que ocorre com as imunidades jurisdicionais, não é possível aplicar semelhante critério de distinção (atos de império vs atos de gestão) para se concluir por aqueles atos sobre os quais poderia a execução interna de outro Estado incidir.

Conforme as ideias trabalhadas no tópico anterior, doutrina e a jurisprudência não são uníssonas quanto à aplicação das imunidades executivas e, não raro, observam-se casos em que parte das opiniões converge no sentido de permitir a execução de uma dada sentença advinda da jurisdição interna de outro Estado, enquanto as demais relutam em reconhecer a sua aplicabilidade.

Importante salientar, a Imunidade de Execução está a léguas de contar com a pacificação de critérios doutrinários e jurisprudenciais que fundam a análise dos casos de Imunidade de Jurisdição[44]. Donde se extraí que não se pode analisar a aplicação das imunidades de execução com fulcro nos critérios utilizados para a relativização da imunidade jurisdicional.

Em complemento à possibilidade de renúncia à imunidade de execução, os pontos gerais mais importantes se orientam em torno da abertura de certos tipos de propriedade estatal, não servindo à finalidades públicas, para medidas de constrição. Todavia, contrariamente aos requisitos da imunidade jurisdicional, o critério distintivo não é a natureza do ato em discussão, mas sim a finalidade da propriedade a ser sujeita a medidas de constrição. [Tradução nossa].[45]

Seguindo a mesma linha de pensamento, sustenta Celso Albuquerque Mello[46] que “a imunidade de execução é mais absoluta que a imunidade de jurisdição, em virtude do caráter de inviolabilidade atribuído aos bens da Missão, não subsistindo, no caso, a distinção entre atos de império e atos de gestão”. Aduzindo argumentos no mesmo sentido, alguns julgados internacionais[47] também se manifestaram no sentido de corroborar a ideia de que o critério acta jure imperii v. acta jure gestionis, pacificamente utilizado para se determinar a relativização das imunidades jurisdicionais, não pode ser levado a efeito para se decidir quais são os casos em que se deve permitir a execução de medidas de constrição por cortes domésticas. Nesse sentido,

[...] no Condor andFilvem Case, a Corte Constitucional Italiana claramente rejeitou tal aproximação, defendendo que ‘a imunidade dos Estados estrangeiros contra medidas provisórias e executivas do Estado acreditado não se trata de uma simples extensão da imunidade jurisdicional’. [Tradução nossa].[48]

A despeito da inadequação do critério acta jure imperii v. actajure gestionis para se decidir acerca da incidência das imunidades executivas, doutrina e jurisprudência apontam alguns critérios e exceções à aplicação do instituto.

4.5 .PRINCIPAIS EXCEÇÕES À IMUNIDADE DE EXECUÇÃO

4.5.1 .Da renúncia à imunidade de execução

Certamente, a renúncia é classicamente a grande exceção à aplicação do instituto da imunidade de execução. A partir dela, o Estado manifesta o seu consentimento para sofrer medidas de constrição a partir de decisões proferidas por cortes domésticas de outros países. A renúncia sempre foi reconhecida como um fator que afasta a proteção ensejada pelas imunidades; até mesmo no período em que vigia uma concepção absoluta do instituto.

Esta exceção à imunidade executiva é inclusive reconhecida em países defensores de uma concepção absoluta da imunidade. A título de exemplo, o novo código de processo civil russo prevê que ‘o arresto de propriedades de Estados estrangeiros localizadas em território da Federação Russa e outras medidas de constrição como a penhora contra a propriedade estrangeira para a execução da decisão da corte devem ser levadas a efeito tão somente a partir do consentimento das autoridades competentes do respectivo Estado, salvo se estes atos sejam previstos por um tratado internacional da Federação Russa ou por uma lei federal’. [tradução nossa].[49]

Embora seja uma exceção clássica, a renúncia à imunidade executiva encontra-se positivada e consolidada na Convenção da ONU sobre Imunidade do Estado e seus Bens (2004), a partir o que se depreende dos artigos 18 e 19 do referido diploma.

A renúncia à imunidade de execução deve ser feita pela autoridade competente do Estado de maneira expressa, “o que significa que um tratadointernacional, um acordo de arbitragem, um contrato escrito, uma declaração perante a corte ou um comunicado escrito após assumida uma disputa entre duas partes, é indispensável”[50]. É importante ressaltar, ainda, que a renúncia à imunidade de jurisdição não implica a renúncia à imunidade executiva, como regra geral. Nestes temos, as cortes domésticas não podem executar suas sentenças sem uma renúncia expressa e específica à imunidade executiva por parte do Estado estrangeiro[51].

Obviamente, a interpretação que as cortes nacionais fazem da renúncia é restritiva. Por lidar tão diretamente com a soberania e as relações diplomáticas entre os Estados, possíveis renúncias às imunidades são, via de regra, interpretadas restritivamente.

4.5.2        Earmarked property – da execução contra propriedade reservada para satisfação de créditos

Trata a presente exceção de propriedades reservadas pelos Estados para a satisfação de créditos devidos a terceiros. O termo earmarking“indica que o Estado criou e identificou fundos apropriados para satisfazer suas obrigações” (tradução nossa).[52]Isto é, todos aqueles bens que o Estado destinou para o pagamento de obrigações já contraídas não podem se abrigar sobre o manto da imunidade de execução.

A earmarked property também encontra subsídio legal nos supracitados artigos 18 e 19 da Convenção da ONU sobre Imunidade do Estado e seus Bens. Em que pese esta exceção à imunidade executiva, cumpre ressaltar a possibilidade de cortes nacionais executarem patrimônio de contas bancárias de Embaixadas de Estados estrangeiros tão somente caso ela tenha sido aberta com o fim de satisfazer obrigações vinculadas a transações comerciais.

É que se fixou no Alcom case, trazido pela doutrina de August Reinisch:

A regra de que earmarkedfunds não aproveitam à imunidade de execução foi também confirmada pela Casa dos Lords. No Alcom case, lidou-se com contas bancárias da embaixada, as quais são normalmente destinadas para servir finalidades soberanas, abrangendo em si prerrogativas de imunidade a eventuais medidas constritivas. A Casa dos Lords considerou, contudo, que até mesmo uma conta bancária de uma embaixada, caso tenha sido ela afetada pelo Estado estrangeiro para transações comerciais, não será imune às medidas de constrição. [Tradução nossa].[53]

Por derradeiro, observa-se que,no caso daearmarked property, considera-se que o Estado deu o seu consentimento positivo para que a execução se efetive, a par do que ocorre com a renúncia. Em efeito, o fato de o Estado destinar determinada quantidade de patrimônio para satisfazer determinada dívida demonstra não só que ele possui fundos para tanto, como atesta a sua conivência com o eventual resultado da decisão proferida pelas cortes domésticas.

4.5.3 Propriedade que se destina a finalidades comerciais

Indubitavelmente, esta vem sendo, a partir do que se observa dos últimos julgados, uma das principais formas para se constatar quais são as situações em que uma corte doméstica poderá impor medidas constritivas ao patrimônio de Estados estrangeiros. Referimo-nos à possibilidade de execução das propriedades que se destinam a finalidades comerciais.

Neste tipo de exceção, diferentemente do que se pôde observar a partir da renúncia ou da earmarked property, o consentimento do Estado de nada vale. Aqui, medidas constritivas poderão ser levadas a efeito pelas cortes internas desde que se comprove que determinada propriedade do Estado a ser executado é utilizada para fins comerciais[54].

Assim como as modalidades anteriores, a possibilidade de se executar propriedades voltadas a finalidades não comerciais é legalmente prevista no artigo 19 da já mencionada Convenção da ONU sobre imunidades.

De acordo com o artigo 199(c) da Convenção da ONU, propriedade em uso ou destinada ao uso pelo Estado para finalidades comerciais, a qual seja localizada no território do Estado acreditado e que tenha vínculo com a entidade contra a qual o procedimento é direcionado, pode ser penhorada pelo Estado acreditado. [Tradução nossa].[55]

Posto isto, é cogente delinear um dos grandes desafios relativos à exceção em comento: o vislumbre do exato momento em que se deve proceder à análise da finalidade da propriedade. Isto porque muitos Estados manipulam a finalidade de determinadas propriedades constantemente, de modo que elas sempre estejam protegidas pela imunidade de execução. Nesse contexto, determinou-se que “o momento crucial para a determinação da finalidade comercial da propriedade é o período no qual o procedimento de execução é instaurado” (tradução nossa)[56].

Por fim, o artigo 21 da Convenção da ONU sobre Imunidade do Estado e seus Bens lista, interessantemente, cinco categorias de propriedades que não devem ser consideradas, em nenhuma hipótese, vinculadas a finalidades comerciais. Consequência lógica do que se afirma, estas propriedades poderão ser alvo de medidas constritivas tão somente em caso de renúncia à imunidade ou em caso de virem a se tornar earmarked property. Estrategicamente, não especificaremos em detalhes estas cinco categorias de propriedade, reservando-nos somente a citar quais são elas, a saber: a) propriedades diplomáticas, incluindo contas bancárias; b) propriedade militar; c) propriedade de bancos centrais; d) propriedade pertencente à herança cultural do estado; e) objetos destinados a exibições científicas, culturais e históricas.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAGIL, Rodrigo Rocha Feres. Imunidade de execução no Direito Internacional:: da existência de um regramento objetivo para a execução das sentenças pelas cortes domésticas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3726, 13 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25271. Acesso em: 4 nov. 2024.

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