Resumo: O Estado Democrático de direito foi inaugurado pela Constituição de 1988, considerada o marco jurídico que rompe com os sistemas de exceção. O espírito constitucional resgatou o sistema federativo, a divisão dos poderes e o novo Estado de Direito, bem como a dignidade da pessoa humana, que concebida com um dos fundamentos da República, norteia todo o núcleo jurisdicional. Conforme a tendência contemporânea, os direitos sociais, concebidos como verdadeiros direitos fundamentais erigidos à categoria de cláusulas pétreas, distanciam-se do modelo liberal e passam a exigir do Estado medidas que os corporifiquem. Nessa esteira e considerando os novos pilares interpretativos, percebe-se que a aplicabilidade dos direitos sociais não pode ser embargada em face da reserva do possível. É neste momento que se dá importância ao ativismo judicial que, não mais se contentando com a inércia estatal, adotará os institutos da razoabilidade e da proporcionalidade para fazer cumprir os valores constitucionais.
Palavras-chave: Dignidade da Pessoa Humana. Direitos Fundamentais Sociais. Efetivação. Ativismo Judicial. AplicabilidadeImediata.
Introdução
A Constituição Federal de 1988 inaugura uma nova ordem jurídica na medida em que exalta os direitos fundamentais e cria mecanismos com o propósito de nivelar as camadas populacionais, atendendo aos anseios da comunidade. Neste diapasão, o texo constitucional inovou concebendo direitos antes ligados à economia como verdadeiros direitos fundamentais. Na realidade, o intuito constitucional foi eferecer ampla efetividade a esses direitos e promover aos cidadão, ao menos, o mínimo existencial.
Tanto é assim que o constituinte concebeu os direitos sociais como clásusulas pétreas e lhes outorgou o mesmo status dos direitos e garantias individuais previstos no artigo 5º, parágrafo1º, da CF. É bem verdade que o texto constitucional atribui valores, princípios e metas a serem perseguidos por todos. Contudo, deixou diversas lacunas, que, muitas vezes são interpretadas contrariamente ao espírito da lei maior.
Em virtude desses espaços, diversos são os óbices à efetivação dos direitos sociais. Dentre eles destaca-se a reserva do possível, realidade fática que influencia a aplicabilidade do direito. Assim, sob a argumentação de que sua concretização custa caro, o Estado permanece inerte.
Entende-se que a reserva do possível deve ser prontamente observada pelo Poder Público com o fito de conciliar os comandos constitucionais sociais com os recursos disponíveis, e pelo Poder Judiciário, órgão competente para amenizar os impactos produzidos pelo supracitado fenômeno. Pautado no Princípio da dignidade da pessoa humana e no da Proporcionalidade, serve o Judiciário de parâmetro indispensável à realização da justiça social.
Com isso, o objetivo geral do presente estudo é analisar a essência e a aplicabilidade dos direitos sociais, tomando conhecimento de suas formas de concretização e, interconectar a dignidade humana com a obrigação do Poder Público de proporcionar, pelo menos, o mínimo necessário à sobrevivência condigna.
Procuraremos responder, ao longo da leitura, diversos questionamentos, dentre eles: Qual a importância dos direitos fundamentais na ordem jurídica brasileira? Como os direitos fundamentais devem serconcebidos em face das dimensões? Qual a natureza dos direitos sociais no Estado Democrático de Direito e como eles podem ser materializados?
A justificativa do artigo deve-se a diversos fatores que impedem a aplicabilidade dos direitos sociais. A escolha do tema está profundamente embutida na própria condição do Brasil, país emergente que mesmo diante de tantas misérias, desigualdades e discriminações, permanece ausente. Dentre as diversas facetas apresentadas, sobrepõe-se a deficiência na efetivação dos direitos sociais.
Em última análise, é neste contexto que o Brasil vivencia o dilema entre a aplicabilidade dos direitos sociais e as reservas indisponíveis para tanto.
1.Os direitos fundamentais e seus aspectos históricos
Inicialmente, de forma bastante tímida, as previsões constitucionais refletiam os ideais individuais, florescendo no Egito e na Mesopotâmia. Posteriormente, surge na Grécia a concepção de assegurar a igualdade e a liberdade do homem por meio de sua introdução na vida pública. Contudo, foi em Roma que houve a implantação de um sistema cujo objetivo era a proteção dos direitos individuais em razão das arbitrariedades estatais.
Como bem anuncia Moraes (2005), através das teorias religiosas de que todos os homens são iguais perante a Deus sem qualquer tipo de discriminação, o Cristianismo promove os primeiros germes dos direitos fundamentais. Com o desenvolvimento das máquinas e, paralelamente, o surgimento de uma classe operária, logo foi possível perceber a insuficiência das garantias formais até então existentes. O indivíduo era considerado elemento secundário, era apenas mais uma peça a propiciar o desenvolvimento da época.
Em meio a este cenário, surge a Magna Charta Libertatum, na Inglaterra, fenômeno que influenciou sobremaneira os direitos fundamentais, instituindo o devido processo legal, a liberdade de locomoção e o acesso à justiça. O Bill of Rights, com sua política restritiva frente ao Estado, foi um instrumento considerável para a estruturação dos direitos fundamentais.
Ainda seguindo a linha de Moraes (2005), o ápice do desenvolvimento dos direitos fundamentais se deu com a Revolução Norte-Americana, quando houve a Declaração dos Direitos de Virgínia, a independência dos Estados Unidos e promulgação da Contituição Americana, tutelando a liberdade religiosa e de imprensa, além de instituir a separação dos poderes e o devido processo legal.
Também como antecedente dos direitos fundamentais pode-se elencar a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão que, enrraizada na Revolução Francesa, proclama que o homem é o fim de todas as coisas. Os socialistas, através do Manifesto Comunista, empreenderam severas críticas ao regime liberal, possibilitando o surgimento de diversos documentos, como as Encíclicas Papais, que despertaram para a realidade desumada construída sob a máxima exploração do trabalho pelo capital.
À luz dessa nova roupagem do cenário mundial, as novas concepções foram voltando-se para a figura do homem, único meio de reduzir as desigualdades produzidas pelo liberalismo. Nesse espectro, surge as constituições Mexicana e de Weimar, que apesar de concentrar um conjunto de direitos sociais do homem, não romperam integralmente com o capitalismo, visto que ainda restringiam a participação do Estado na ordem econômica e social.
Diante do ocorrido na União Soviética, conforme relata Moraes (2005), faz-se necessário realçar a Declaração dos Direitos do povo trabalhador e explorado que visava expandir o socialismo pelo mundo e exterminar qualquer forma de exploração sob os trabalhadores. Embora com ideais sólidos, a declaração Soviética não subsiste em face da Constituição de 1918, posteriormente ultrapassada pela constituição de 1936 que a supera, trazendo em seu bojo uma inovadora visão do homem sob os padrões da moderna concepção socialista soviética.
É nessa famigerada inquietação, e em meio as devastações e ruínas ocasionadas pela segunda guerra mundial, que foi redigida a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que, como o próprio nome já anuncia, declara, absolutamente, o homem como o valor supremo.
Comparato (2005) testemunha com clareza que a Declaração Universal dos Direitos do Homem foi o resultado de todas as lutas revolucionárias que se insurgiram contra o capitalismo burguês. Sob a égide dessa Carta de recomendações o mundo voltou seus olhos para o homem, apreciando sua dignidade e estabelecendo que cada um tem seu próprio valor, apesar das diferenças, que devem ser respeitadas e cultivadas em prol de um convício social saudável.
Deste modo, ir de encontro a esses preceitos é retroceder aos princípios do lucro e da exploração a todo custo, é recuar diante das inovadoras transformações que asseguram ao homem um mínimo de dignidade, é por em risco todo o Estado Democrático de direito e a existência humana.
Exatamente por seu denso histórico e imenso valor é que a conceituação do direitos fundamentais torna-se complexa com bem assevera Tupinambá Nascimento (apud MORAES, 2005, p.22) ao relatar que “não é fácil a definição de direitos humanos, concluindo que qualquer tentativa pode resultar significado insatisfatório e não traduzir para o leitor, a exatidão, a especificidade de conteúdo e a abrangência”.
Desse modo feliz é a concepção da nova hermenêutica ao apontar para um estado comprometido e limitado pela eficácia e efetividade dos direitos fundamentais. Tanto é assim que no Ordenamento Jurídico brasileiro tais direitos recebem a mais sólida rigidez ao serem consagrados, pelo art. 60, § 4º, da CF, como cláusulas pétreas, estando a salvos do poder constituinte derivado e das desventuras legislativas.
Com base em uma análise valorada, entende-se que os direitos fundamentais representam os princípios ideológicos do Estado Brsileiro, são mandados de otimização que norteiam toda a estrutura judicante. A sua dimensão não se exaure, propagam-se e renovam-se a cada dia acompanhando aos anseios da sociedade e, por isso, sua vigência não se vincula apenas àquilo que está sacramentado nas leis.
Trata-se de situações jurídicas sem os quais o homem não convive. Constituem-se na condição de existência e legitimidade do ordenamento jurídico na medida em que visam a conjugação de ideiais de justiça e isonomia com o fito de reduzir todas as formas de desigualdade, principalmente, as humanas.
2.Crítica à teoria das gerações dos direitos fundamentais
Os direitos fundamentais, desde a sua congração nas primeiras constituições, sofreram intensas mudanças determinadas pelo conteúdo histórico em que se desenvolveram. Conforme alude Sarlet (2006), é nesse cenário que surge a tríade das gerações. Como se bem sabe, os direitos fundamentais são herdeiros do regime liberal, mecanismo de defesa do homem em face do intervencionismo estatal. Assim, diz-se que os direitos de primeira geração são de cunho negativo. Com o caminhar da sociedade os impactos gerados pela Revolução Industrial revelam que os direitos civis e políticos não eram suficientes para tutelar as desigualdades impostas, necessitando do Estado para nivelar e promover a justiça social. “Não se cuida mais, portanto, de liberdade de e perante o estado, e sim na liberdade por intermédio do estado” (SARLET, 2006, p.57).
É nesta perpesctiva que direitos sociais como saúde, moradia, previdência, educação, trabalho e assistência, tornaram-se imposições concretistas dirigidas ao Estado. Seguindo a lógica evolutiva, os direitos de terceira dimensão são os direitos de fraternidade e solidariedade, cujo diferencial reside no coletivo, no núcleo familiar. Sarlet (2006) pontifica que os direitos fraternos e solidários foram postulados como resposta às atrocidades cometidas ao longo da história, donde percebeu-se a necessidade de proteger não somente o indivíduo, mas concomitantemente, a autodeterminação dos povos, o meio ambiente, a paz, bem como a qualidade de vida de forma globalizada.
Sustentados pelo constitucionalista cearense Bonavides (2004), os direitos de quarta dimensão inclinam-se para a consecução de uma sociedade mais justa composta pelo pluralismo e por direitos à informação e à democracia direta. Sobre esta famosa tríade das gerações, oportunas são as críticas proferidas por Lima (2003, online) em seu artigo, no qual analisa a teoria das gerações (ou mesmo dimensões) dos direitos fundamentais, e que servirá de base aos enunciados posteriores.
O jurista Karel Vasak foi quem pela primeira vez proferiu a expressão “geração dos direitos do homem” ao referir-se à evolução dos direitos humanos com base nos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade defendidos na Revolução Francesa. De acordo com ele, a primeira geração contemplava os direitos civis e políticos. A segunda geração abrangia os direitos sociais baseados na igualdade e, por fim, a terceira geração representava os direitos fraternos e solidários.
Contudo, conforme Lima (2003, online), a teoria inicial das gerações, carregada de intensos valores políticos e históricos, não se sustenta diante de uma profunda análise crítica. Ocorre que a expressão “geração de direitos” tem sido censurada pela doutrina pois seu significado pode transmitir o entendimento de que uma geração sucede à outra, e assim, extintos estariam os direitos de liberdades em face do surgimento dos direitos sociais. Do mesmo modo, a expressão pode conduzir à ideia de que uma geração só pode ser reconhecida diante da suficiente solidez da anterior, acarretando demasiado prejuízo aos países subdesenvolvidos, que ficariam represados em virtude de nem ao menos alcançarem os direitos individuais.
Sob este enfoque entende-se que a teoria contribui para a hierarquização das gerações, realçando os direitos de primeira geração e alijando a implementação dos direitos sociais bem como dos direitos de solidariedade e fraternidade. Ainda, com veemência, aduz Lima (2003, online) que esta teoria peca quanto a veracidade histórica, desmistificando a tese de que os direitos fundamentais seguiram sequenciadamente a trilogia francesa (liberdade, igualdade e fraternidade).
Não traduzindo puramente a verdade histórica, afirma-se que sempre o Estado liberal atuou negativamente, quando na verdade o mesmo, muitas vezes, agia positivamente na defesa dos ideais burgueses. Ademais, vale mencionar que os direitos sociais, no plano internacional, foram criados antes dos individuais, já que o caos deixado pela primeira guerra mundial primava pela proteção do direito dos trabalhadores, o que se efetivou com a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), fundada antes da Organizaçõe das Nações Unidas (ONU).
No Brasil, na Era Vargas, época de exceção democrática, houve preponderância dos direitos sociais se comparados aos direitos de reunião, de imprensa ou associação no Estado Novo. Este é o mesmo caso da China e da Cuba que, ao vivenciarem o comunismo autoritário, optaram por implementar primeiramente os direitos sociais. Outro engano crucial desta teoria é classificar todos os direitos de primeira geração como negativos, e os de segunda geração, absolutamente prestacionais. Neste contexto, relata Lima (2003, p.9,online):
Por isso, é fundamental que se afaste essa equivocada dicotomia de que os direitos de liberdade são negativos, não onerosos, e que os direitos sociais são direitos a prestações, onerosos. Essa falsa divisão afeta diretamente a teoria da aplicabilidade das normas constitucionais, contribuindo para reforçar a odiosa tese de que os direitos sociais são meras normas programáticas [...].
Desmistificando essa teoria, é necessário que se analise o direito de propriedade. O mesmo possui características negativas, já que o Estado deve respeitá-lo e se abaster de confiscar. Contudo, a garantia do direito de propriedade não se satisfaz apenas com medidas absenteístas, pois a sua tutela requer investimentos em segurança pública, elaboração de normas que regulem seu livre exercício, bem como a instituição de meios que reprimam os eventuais violadores. Neste caso, a inercia estatal consistiria em grave violação ao direito de propriedade.
Do mesmo modo ocorre com o direito á saúde, com o direito de greve e de sindicalização e com os diversos direitos sociais que não demandam apenas medidas positivas por parte do Estado. Ao revés, várias são as medidas negativas que asseguram esses direitos, como o respeito à greve, quando deve o Estado atuar de forma inerte.
Fato é que todos os direitos se complementam e equivalem-se em essência. Por isso é que os direitos fundamentais são indivisíveis, superando a concepção de que são divididos em gerações. Exigem tratamento isonômico em razão de não haver hierarquia, mas tão somente paridade. Dessa maneira, é muito difícil desvincular o direito à vida do direito à saúde, o direito de voto ao direito à informação e assim sucessivamente.
Diante de todas essas críticas proferidas, a expressão dimensão é a mais adequada para expressar toda a conjuntura dos direitos fundamentais. Na realidade, o ideal é que todos os direitos sejam analisados em múltiplas dimensões, já que não se sucedem, apenas complementam-se.
Neste espectro passa-se a examinar o direito à saúde. Inicialmente o direito à saúde possuía âmbito estritamente individualista, cabendo ao Estado tutear apenas a vida do homem contra as adversidades cotidianas. Em um segundo momento deve o Estado expandir e socializar a saúde, oferecendo instrumentos que garantam uma vida mais saudável. A terceira dimensão rompe as fronteiras nacionais e obriga os Estados a ajudaram-se mutuamente. Indo mais além, a quarta dimensão prima pela implementação de um Sistema Único de Saúde capaz de elevar a expectativa de vida.
Esta mesma análise pode ser feita com todos os direitos fundamentais, visto que os mesmo devem ser visto em uma seara multidimensional, desfazendo a ideia de que os direitos sociais são apenas normas programas destituídas de exigibilidade e condicionadas à vontade do legislador e do administrador público.
3 A Efetivação dos Direitos Sociais e seus Óbices
Sabe-se que com o surgimento da nova hermenêutica constitucional, é ultrapassada a tese que considera que apenas os direitos individuais possuem status constitucional. Como bem se sabe, os direitos sociais elencados no art. 6º do texto constitucional, possuem a finalidade de diminuir as disparidades sociais e promover a dignidade da pessoa humana, logo, seria demasiado prejuízo que fossem relegados à mera categoria de normas programas.
Neste sentido, assevera Bonavides (2004) que a defesa dos direitos sociais eleva-se a extrema dimensão, já que sua preservação e concretude contribuem diretamente para a saúde do Ordenamento Jurídico. Assim, diante da relevância jurídica que compõem os direitos sociais, faz-se legítima a sua inserção no âmbito das cláusulas pétreas.
Incumbe esclarecer que não há nenhuma diferença entre os direitos individuais e os direitos sociais, bem como não há nenhuma linha hierárquica ou nível de escalonamentos que os distingam. Ambos se complementam para assegurar a dignidade humana. Em lapidar definição pronuncia Bonavides (2004, p.643):
Demais, uma linha de eticidade vincula os direitos sociais ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, o qual lhe serve de regra hermenêutica! Urge, por conseguinte, interpretar tais direitos de um modo que se lhes reconheça o mesmo quadro de proteção e garantia aberto pelo constituinte em favor do conteúdo material do § 4° do art. 60, ao qual eles pertencem pela universalidade mesma da expressão direitos e garantias individuais.
Vislumbra-se, portanto, que as garantias sociais são parte do todo que compõem a expressão garantias individuais, devendo ser reconhecidas como cláusulas pétreas, com toda a proteção que a elas é inerente.
Outro aspecto relevante sobre os direitos sociais merece destaque. O art. 5º, § 1º, da Constituição de 1988 reza que: “As normas definidoras de direitos e garantias individuais tem aplicabilidade imediata”. Resta verificar se os direitos sociais são abrangidos pela expressão “direitos e garantias individuais”. Para tanto, é cabível que se trate da aplicabilidade das normas constitucionais.
Em época de exceção militar, em que se vivia o ápice da ditadura militar no Brasil, José Afonso da Silva (apud LIMA, 2004, online), desenvolveu uma teoria que tratava da aplicabilidade das normas constitucionais. Estas foram classificadas quanto à sua eficácia em plena, contida e limitada. Seriam normas de eficácia plena aquelas que produzem seus efeitos plenamente sem necessitar de regulamentação. Quanto às normas de eficácia contida entende-se que são as normas que produzem todos os seus efeitos momentaneamente, mas que, posteriormente, podem ser restringidas pelo legislador. Por fim as normas de eficácia limitada são “aquelas através das quais o legislador constituinte traça esquemas gerais de estruturação e atribuições de órgãos, entidades ou institutos, para que o legislador ordinário os estruture em definitivo, mediante lei”.
Esta teoria, para o tempo em que foi instituída, é bastante louvável e constitui intenso avanço constitucional. No entanto, diante dos progressos conquistados pelo homem, e na medida em que não canaliza meios para combater a omissão do Estado, torna-se insuficiente, pois concebe as normas de eficácia limitada como simples instrumento legislativo, somente produzindo efeitos na medida em que leis nelas previstas forem editadas.
Na intenção de superar tal teoria, contemporaneamente, busca-se dar máxima eficácia às normas constitucionais, sendo incontestável que, diante da omissão estatal e da reserva do possível, pode o titular do direito violado se socorrer do Poder Judiciário. Nesta seara nota-se que as normas de eficácia limitada adquirem novo status de aplicabilidade, ou seja, de normas programas passam, agora, a ser materialmente cumpridas, sendo direcionadas não apenas ao legislador, mas também ao Judiciário. Conforme pondera Lima (2004, online) “O Judiciário será uma espécie de catalisador da vontade constitucional, antecipando-se ao legislador e ao administrador na busca da concretização máxima dos objetivos traçados na Constituição Federal”.
Em uma avaliação sistemática e teleológica, é possível estabelecer que não é o fim da constituição excluir do âmbito de proteção do art. 5º, § 1º os direitos sociais, políticos e de nacionalidade. Analisando os pilares, a estrutura e o espírito constitucional, é possível extrair que a Constituição vigente não faz diferença alguma entre os direitos individuais e sociais.
Deste modo, à luz de Sarlet (2006), entende-se que a expressão prevista no texto constitucional teve apenas o intuito de enaltecer e fortalecer a dimensão dos direitos fundamentais. Em linhas gerais, a melhor forma de conceber o mandamento constitucional é considerá-lo em sua esfera principiológica, que impõe aos poderes estatais a obrigação de dar máxima eficácia aos direitos fundamentais.
Contudo, esta máxima eficácia dos direitos fundamentais, notadamente quanto aos direitos sociais, deve ser analisada sobre o prisma da reserva do possível. Os direitos sociais, como todo direito fundamental de cunho prestacional, exigem do Estado medidas efetivas para a sua implementação. Nesta seara o mundo fático é primordial, já que a obrigação prevista na norma depende de uma atuação do Estado a fim de modificar a situação jurídica.
Destarte, um aspecto relevante quanto à efetividade dos direitos sociais reside na disponibilidade de recursos materiais, ou seja, para assegurar a eficácia do direito previsto na norma, deve o Estado estar em posse de recursos e poder deles dispor. É inegável a importância econômica para a aplicabilidade dos direitos sociais, já que demandam gastos vultosos. Contudo, faz-se necessário elucidar a reserva do possível sob a inexistência total de recursos e a inexistência desses recursos em razão de serem destinados a outros fins.
Seguindo a linha de Olsen (2012), a Constituição trouxe expressamente em seu bojo a destinação certa de alguns recursos auferidos pelo Estado, visando, precipuamente, o direcionamento destes à implementação de determinadas políticas públicas capazes de assegurar a efetivação de alguns direitos sociais. Ademais, menciona, ainda, que há outros institutos que estabelecem finalidade restrita aos recursos arrecadados, como por exemplo, o Fundo de Combate e erradicação da pobreza, que vincula sua dotação orçamentária a programas relacionados à redução das desigualdades sociais.
Vale lembrar que todos os direitos, sejam sociais ou individuais, demandam gastos públicos para serem efetivados. Assim, deve o Estado traçar metas para proporcionar o livre exercício desses direitos. É o que aduz Canotilho (apud SARLET, 2006, p.302): “Ao legislador compete, dentro das reservas orçamentais, dos planos econômicos e financeiros, das condições sociais do país, garantir as prestações integradoras dos direitos sociais, econômicos e culturais”.
É importante esclarecer que a constituição, ao eleger alguns direitos como fundamentais, os colocou como regras, restando à reserva do possível um papel secundário. Desta feita, ao verificar, no caso concreto, que um direito será restringido em face da reserva do possível, é primordial que se observe os parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade. Para Olsen (2012, p. 213): “[...] os direitos a prestação estão sujeitos à reserva do possível no sentido daquilo que o indivíduo pode razoavelmente esperar da sociedade [...]”.
Deduz-se que a reserva do possível não é absoluta, de modo que pondera de um lado a proibição do exagero em realizar de forma irrestrita todos os direitos fundamentais e, de outra banda, a alegativa utilizada pelos poderes públicos de que não há nada a se fazer diante da ausência de recursos.
Certo é que deve haver uma conciliação entre o que dispõem os direitos fundamentais sociais e a dotação orçamentária destinada a outros bens tutelados pelo direito. Necessário se faz ponderar o fundamento de direito contido na norma e a disponibilidade de caixa à disposição do poder estatal.
Diante de todos os impedimentos que cercam a efetivação dos direitos sociais merece destaque, como outrora já mencionado, a parcialidade dos administradores públicos em utilizar a reserva do possível como meio de o Estado se exonerar de suas obrigações constitucionalmente postas. Verificando-se, muitas vezes, a inércia estatal, faz-se necessário que as novas interpretações se voltem para preencher essas lacunas com o objetivo de efetivar tais direitos. É inevitável, portanto, a atuação judiciária. Salutar são os ensinamentos de Sampaio Júnior (2008, p.99):
Não há como pensar em um país que tenha positivado os direitos humanos, estabelecidos na Declaração Universal dos Direitos do Homem, trazendo-os agora como fundamentais, sem que se perquira sobre a imanente atuação do Poder Judiciário em todas as suas arenas, inclusive políticas, tudo com o escopo de tutelar os direitos e assegurar aos cidadãos uma efetiva democracia. [...].
Atualmente, com as mudanças de posições que regem a estrutura nacional, o Poder Judiciário é o órgão legítimo para atuar em defesa do bem-estar social. A judicialização deve ser compreendida como uma missão atribuída ao Judiciário com o fito de assegurar a aplicabilidade das normas constitucionais.
Realça-se ainda, que no Brasil há inúmeros aspectos para que haja a concretização do controle jurisdicional, tais como a separação harmônica dos poderes, o regime democrático, as disparidades sociais e o uso da máquina a favor de interesses pessoais.
Por todo o exposto, é necessário que exista uma conjuntura política, econômica e social sólida e um Judiciário preparado para fazer cumprir a Constituição, resguardando os direitos fundamentais e colmatando as lacunas provenientes do legislativo e do Executivo.