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Da inconstitucionalidade da súmula impeditiva de recursos:

uma análise crítica sobre parágrafo primeiro do Art. 518 do Código de Processo Civi

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4. DA SÚMULA IMPEDITIVA DE RECURSO E INADMISSIBILIDADE DA APELAÇÃO

4.1. SISTEMAS JURÍDICOS

A doutrina acolhe como principais sistemas jurídicos o common law, proveniente da tradição anglo-americana, bem como o civil law, fruto da tradição romano germânica.

O common law é adotado pelo Estados Unidos e Inglaterra, por meio do qual a tradição e os costumes regem a jurisdição daqueles Estados. Para Leal, este sistema permite a discricionariedade do juiz nos atos decisórios judiciais, podendo escolher, “por uma solitária  e privilegiada idiossincrasia, o meio de resolver os litígios por livre e inspirada interpretação da lei processual” (LEAL, 2005a, p.47). Ademais, para o mesmo autor, o devido processo legal é, para este sistema,

[...] a lei moral dos juízes ou da razão natural taumaturga e não a lei como instituição jurídico-popular em bases processuais de produção do Direito Democrático. No seu nascedouro, o due process (sic) era um direito revelado e instituído pelo monarca e devido aos pares pela judicação dos juízes e não direito fundamental (de fundamentos construídos, garantidos e constitucionalizados democraticamente e legitimadores da Jurisdição). (LEAL, 2005a, p.65)

Deste modo, neste sistema prevalece o precedente judicial, isto é, decisões já prolatadas pelos tribunais que têm nos julgamentos posteriores caráter vinculativo, devendo ser aplicado imperativamente em toda e qualquer decisão judicial onde haja semelhanças de fato e de direito.

Por sua vez, o civil law é aplicado em países como Alemanha, Itália, França, Portugal, inclusive o Brasil. Segundo Streck, citado por LEAL et al, neste sistema os textos normativos são as principais fontes do Direito, para quem,

[...] a partir do século XIX, quando a maioria dos países filiados aos sistema romano-germânico editou seus códigos e promulgou suas constituições, os juristas passaram a buscar na lei sua principal fonte de inspiração. As leis escritas passaram a ser tratadas, então de forma hierárquica, tendo no topo da pirâmide as Constituições dos países. (STRECK apud LEAL et al, 2005, p.175)

Discorrendo acerca do devido processo legal sob a ótica desse sistema, LEAL observa que

[...] no sistema de civil law em que a conduta só tem validade, eficácia e legitimidade pela dotação normativa da lei, não há querer colocar em situações antagônicas as esferas de justificação e aplicação normativa, como se aquela fosse a vontade do legislador e esta a vontade do juiz, com exclusão da articulação argumentativa das partes (indivíduos, pessoas) que se faz pela estrutura procedimental constitucionalmente processualizada concretizadora do due process. (LEAL, 2005a, p.68)

Por sua vez, o mesmo autor conclui que “o Processo é que cria e rege a dicção procedimental do direito, cabendo ao juízo ditar o direito pela escritura da lei no provimento judicial” (LEAL, 2005, p.69), ou seja, os precedentes judiciais têm apenas força persuasiva, haja vista que o julgador está adstrito à vontade da lei, sendo a jurisprudência considerada uma fonte de conhecimento e de auxílio nos seus julgamentos.

Enfim, a diferença básica entre os sistemas do common law e do civil law é que os precedentes judiciais do primeiro têm força vinculativa às lides posteriores submetidas a julgamento. Já os precedentes judiciais da segunda têm natureza persuasiva, desprovida de obrigatoriedade na sua aplicação nos casos concretos.

Contudo, o sistema adotado pelo Brasil tem sido mitigado pelo legislador, mormente com a criação da súmula vinculante pela Emenda Constitucional n. 45/2004 e regulamentada pela Lei 11.417/06, haja vista que a medida amplia a autoridade dos precedentes emanados pelo Supremo Tribunal Federal. Ademais, o legislador pátrio reformou recentemente o Código de Processo Civil por meio da Lei 11.276/06, concedendo “poderes” para o juiz de primeiro não receber o recurso de Apelação caso o seu ato decisório esteja em “consonância” com súmula (não vinculante) editada pelo STF e STJ. Ambas espécies de súmulas serão objeto de apreciação nos tópicos a seguir.

4.2. SÚMULAS VINCULANTES

Inicialmente, cumpre conceituar o sentido jurídico da palavra “súmula”, segundo a qual Silva, citado por Leal et al, leciona que:

A palavra súmula vem do latim ‘summula’, e significa sumário ou restrito. No direito brasileiro, a palavra súmula pode ser empregada em dois sentidos: a) como o resumo de um julgado ou b) como uma tendência jurisprudencial adotada por um tribunal, sendo enunciada de forma legalmente definida e publicada em número de ordem. A súmula pode ser persuasiva ou vinculante. A súmula persuasiva é aquela desconstituída de força obrigatória. Já a súmula vinculante, possui força obrigatória e eficácia ‘erga omnes’. (SILVA apud LEAL et al, 2005, p.162)

Considerada como substancial inovação trazida pela Reforma do Judiciário, por meio da Emenda Constitucional n. 45/2004 e, recentemente regulamentada pela Lei 11.417/06, a súmula vinculante visa agilizar a prestação jurisdicional, imprimindo-lhe maior efetividade. Tem, pois, “objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processo sobre questão idêntica.” (art. 103-A, §1º)

Segundo a nova regra constitucional, “o Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante” (art. 103-A, caput), sendo que tal vinculação abrange tanto os órgãos do Poder Judiciário quanto à Administração Pública em toda sua extensão. Entretanto, o enunciado da súmula vinculante poderá ser editado, revisado ou cancelado mediante provocação por aqueles legitimados a propor ação direita de inconstitucionalidade, consoante disposição nos artigos 103-A, §2º da Constituição e artigo 3º da Lei 11.417/06.

Ressalta-se que as demais súmulas (já existentes) somente produzirão efeito vinculante após aprovação de dois terços dos membros do STF, conforme art. 8º da Emenda Constitucional n. 45/2004.

A súmula vinculante foi acolhida de forma positiva por muitos doutrinadores, a maioria instrumentalista, por entenderem que os processos tornar-se-ão mais céleres com a redução de recursos protelatórios (aliás, o que se pode notar é que para esta corrente todos os recursos são protelatórios), os atos decisórios se revestirão de segurança jurídica e a prestação jurisdicional será mais eficaz, justa e isonômica.

Por outro lado, os doutrinadores que defendem um processo constitucionalizado, são radicalmente contra esta súmula, haja vista a inobservância dos princípios do contraditório, ampla defesa, duplo grau de jurisdição, fundamentação das decisões e do acesso à justiça (incluída a inafastabilidade do Estado pela prestação jurisdicional).

Discorrendo sobre este tema, LEAL et al, leciona que:

Desse modo, verifica-se que sob o pretexto de agilizar a prestação jurisdicional as súmulas são elaboradas pela cúpula do Judiciário, antes mesmo da instauração do processo, fora do espaço-temporal da discursividade, sem observância da isonomia do contraditório e da ampla defesa. Essa forma de emissão das súmulas impossibilita a participação da comunidade jurídica na sua elaboração, inviabilizando a revisibilidade do ordenamento jurídico. (LEAL et al, 2005, p.184)

Citado pelos mesmo autores, Streck afirma:

É temerária a adoção do efeito vinculante no Brasil. Fazê-lo é alterar a ratio essendi de nosso sistema jurídico, que tem como paradigma a lei, consoante determina o art.5º, II, da Constituição Federal. De pronto, devemos denunciar que a vinculação da jurisprudência é uma camisa-de-força que atingirá, inexorável e impiedosamente, as instâncias inferiores do Judiciário brasileiro. É, mais do que isso [...], as súmulas vinculantes suprimem as garantias fundamentais do processo judicial – duplo grau de jurisdição. (STRECK apud LEAL et al, 2005, p.190)

Em outras linhas, Machado assevera que:

A súmula vinculante, além não gerar efeito imediato na contenção de recursos, irá impedir a evolução jurisprudencial; a criação de novas teses ensejadoras da obtenção de uma justiça mais atualizada; o estímulo aos juízes e tribunais de graus inferiores à sua produção intelectual; o livre convencimento dos juízes na apreciação individual dos pleitos. Criar-se-á o que já foi chamado de “computador de toga”, em que se despreza a evolução do conhecimento humano. (MACHADO, 2006, p.12)

Não obstante, tendo em vista não ser o objetivo do presente estudo, qual seja, se a súmula vinculante possui ou não guarida constitucional, as ponderações feitas até aqui a seu respeito são suficientes para uma análise mais detalhada do que vem a ser “súmula impeditiva de recurso”.

4.3. SÚMULA IMPEDITIVA DE RECURSO (ART. 518, §1º, CPC)

4.3.1. INTRÓITO

O Poder Judiciário Brasileiro tem encontrado inúmeras dificuldades de operacionalização dos processos judiciais, dificuldades estas que vão desde a quantidade de juízes e serventuários ora completamente inferior à demanda existente até a confusão normativa inclusa no próprio Código de Processo Civil, considerado por alguns doutrinadores como uma “colcha de retalhos”, fruto do processo legislativo equivocado do Estado que se mostra distante do diálogo com a população e, quanto menos, com especialistas em Direito Processual e Constitucional.

Diante do clamor social, das pressões dos meios de comunicação e até mesmo de muitos juristas, inúmeras alterações têm sido feitas no Código de Processo Civil com o principal escopo de reduzir a morosidade na prestação jurisdicional e proporcionar maior efetividade na solução dos litígios. Muitas dessas inovações foram acolhidas com louvor, mas outras trouxeram perplexidade e retrocesso ao Estado Democrático de Direito, como foi com a criação da súmula impeditiva de recurso.

Sem embargo, Dias alega que o problema é estrutural, sendo equivocada a onda reformista e, principalmente, o “ataque” aos recursos:

Vê-se que o recurso foi colocado pelo Estado reformista como vilão da demora e da ineficiência da jurisdição, o que não é verdade, pois inexistem estatísticas que assim o possam qualificar.

[...]

De qualquer forma, como estamos tentando demonstrar neste segmento, não se conseguirá celeridade no processo e eficiência e racionalidade da função jurisdicional, enquanto as comarcas e órgãos jurisdicionais do Estado Brasileiro não estiverem dotados de número satisfatório de juízes para atendimento à demanda judicial, suficientemente providos de pessoal qualificado e treinado tecnicamente, com recursos materiais plenamente adequados, o que não acontece na grande maioria das vezes, como atestam os noticiários da imprensa nacional. (DIAS, 2007, p.222 e 223)

Nesse sentido, é preciso refletir sob todos os aspectos legais possíveis acerca da ausência de respaldo constitucional desta novidade legal, haja vista que, a princípio, não trará a tão almejada celeridade no processo, cuja conseqüência imediata não é outra senão o tolhimento da garantia do jurisdicionado a um devido processo previsto na Constituição.

4.3.2.DO NÃO RECEBIMENTO DO RECURSO DE APELAÇÃO PELO JUIZ MEDIANTE APLICAÇÃO DE SÚMULA EDITADA PELO STJ OU STF

Dentre as significativas alterações trazidas recentemente para o para o ordenamento jurídico brasileiro, a Lei nº 11.276 de 7 de fevereiro de 2006, precedida pelo Projeto de Lei nº 4.724/2004 de autoria do Poder Executivo e relatoria do Deputado Inaldo Leitão, acrescentou o parágrafo primeiro no artigo 518 do Código de Processo Civil nos seguintes termos:

Art. 518 Interposta a apelação, o juiz, declarando os efeitos em que a recebe, mandará dar vista ao apelado para responder.

§ 1º O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal;

[...].

Segundo consta nos motivos do projeto, em síntese, o objetivo maior é o de imprimir celeridade aos processos judiciais em busca da efetividade dos provimentos, embasado no inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição da República, segundo o qual preceitua que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade da sua tramitação.”

Para o relator do projeto, Deputado Inaldo Leitão:

[...] o não recebimento da apelação contra sentença em consonância com súmula dos Tribunais Superiores representa, a nosso sentir, uma medida condizente com a adoção da súmula vinculante. Ou seja, se optamos pela súmula vinculante, não há sentido de permitir o processamento de recurso contrário ao entendimento fixado por aquela.

[...]

Ainda que assim não o fosse, tal conduta do magistrado apenas anteciparia o provimento que fatalmente viria a ser tomado pelo relator do recurso, o qual, com base no art. 557 do CPC já está autorizado a negar seguimento a recurso em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do STF ou de Tribunal Superior. (BRASIL, 2004, Projeto de Lei nº 4.724/04).

Comentando acerca da exposição de motivos do projeto, Theodoro Júnior observa que este ato legislativo

[...] justificou como uma adequação salutar que contribuirá para a redução do número excessivo de impugnações sem possibilidade de êxito. Trata-se de figura que tornou conhecida como “súmula impeditiva” e que guarda uma certa simetria coma orientação da “súmula vinculante”, preconizada pela Emenda Constitucional nº 45, de 08.12.2004.  (THEODORO JR., 2006, p.11)

Inobstante os fundamentos acima, o certo é que as súmulas já editadas pelo STJ e STF começaram a ser aplicadas pelos juízes de direito, antes mesmo da regulamentação da súmula vinculante. De forma diferente não ocorreria, visto que o parágrafo primeiro do artigo 518 do CPC faz menção expressa apenas do termo “súmula”, o que faz qualquer jurista concluir que se trata mesmo das súmulas já editadas pelo STJ e STF e daquelas futuras que porventura virão a existir. Ademais, o artigo 103-A da Constituição determina que somente poderão ter efeito vinculante as súmulas aprovadas pelo STF, inexistindo qualquer menção quanto às súmulas do STJ. Assim, diferentemente do equivocado parecer do relator do projeto, a súmula mencionada não possui caráter vinculante, sendo de origem e características diversas daquela criada pela Emenda Constitucional n. 45/04 e regulamentada através da Lei 11.417/06.

Esta súmula foi batizada pelos processualistas de “súmula impeditiva de recurso”, haja vista que o juiz não receberá o recurso de Apelação caso a sentença por ele prolatada esteja em consonância com súmula editada pelo STJ ou STF, o que, por certo, a torna mais arbitrária e perniciosa que a súmula vinculante. 

A estrutura de ambas é diferente. A súmula impeditiva (ou simplesmente súmula) é desprovida de “freios e contrapesos”, ou seja, não dispõe de controle de edição, revisão ou cancelamento, cabendo ressaltar que não são suficientemente legais as eventuais disposições previstas nos regulamentos internos nos STF ou STJ. De forma diversa e mais lógica, os atos de edição, revisão ou cancelamento da súmula vinculante têm previsão expressa tanto na Constituição da República quanto em Lei Federal. Para isso, deve ser aprovada por nada menos que dois terços dos integrantes do STF e somente produzirá efeitos após sua publicação na imprensa oficial (art.103-A). Enfim, inexistem critérios legais que legitimam todo o “poderio” conferido às súmulas do STJ e STF através do parágrafo primeiro do artigo 518 do CPC, que, a propósito, se tornaram iguais ou superiores às vinculantes.

Em recente artigo, Wambier afirma que “com este dispositivo, transforma a lei ordinária, pura e simplesmente, todas as súmulas do STJ e do STF em ‘vinculantes’ [...].” (WAMBIER, 2006, p.55) Mesmo apresentando posição favorável à súmula vinculante, a jurista critica o dispositivo introduzido no artigo 518 do CPC, não por entender que é manifestamente inconstitucional a súmula impeditiva, ao que parece, mas por conferir a toda e qualquer súmula do STF e até do STJ situação idêntica à súmula vinculante onde, para produzir este efeito “vinculante”, deverá seguir as disposições legais outrora aduzidas. Ademais, segundo o entendimento da mesma jurista:

Vê-se, pois, que para que se possa tomar a iniciativa de dar início a um procedimento que venha a desembocar na súmula vinculante, é necessário o preenchimento de diversos requisitos, como, por exemplo, a existência de reiteradas decisões sobre o assunto; haver controvérsia atual entre órgãos do próprio Judiciário e/ou entre o Judiciário e a Administração;  que se trate de tema constitucional cuja discussão seja capaz de gerar grave insegurança jurídica e notável multiplicação de processos. (WAMBIER, 2006, p.56)

Wambier afirma que situações complexas existirão na prática com a novidade legal,

[...] todavia, nada justifica que a lei ordinária crie situação que equivale a tornar vinculante todas as súmulas do STJ e do STF. A inexorabilidade do trânsito em julgado de sentença proferida de acordo com súmula é conseqüência que não pode ser extraída do art. 518, sob pena, como várias vezes se disse, de se dever considerar o artigo de lei grosseiramente inconstitucional. (WAMBIER, 2006, p.57)

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Nesse sentido, o não recebimento do recurso de Apelação pelo juiz que, amparado em súmula do STJ ou STF, impede a sua devolução ao tribunal, representa medida por deveras arbitrária e dissonante com os dispositivos legais, mormente a Constituição da República.

Em linha oposta, Nery Júnior já afirmava antes das alterações no CPC:

O Código de Processo Civil não faz restrições ao cabimento da apelação, pois se admite esse recurso contra toda e qualquer sentença, sem nenhuma limitação. Poderia, entretanto, fazê-lo, conforme deflui do que vimos expondo até aqui. Assim, se em eventual reforma do processo civil criarem-se obstáculos ao cabimento da apelação, restringindo-a, não se estará violando o princípio do duplo grau de jurisdição. (NERY JR., 2000, p.42)

Por sua vez, Theodoro Júnior entende que a súmula impeditiva de recurso é lícita e válida, para quem acredita que a sua aplicação trará celeridade e economia processual nas lides, para quem:

O raciocínio determinante da reforma foi no sentido de que se se admite que uma súmula vincule juízes e tribunais, impedindo-os de julgamento que a contrarie; válido é, também, impedir a parte de recorrer contra sentença proferida em consonância com o assentado em jurisprudência sumulada pelo dois mais altos tribunais do país. Nos dois casos está em jogo o mesmo valor, qual seja, o prestígio da Súmula do STJ e do STF pela ordem jurídica.

[...]

No mais, recorre-se ainda a um argumento de economia processual: se cabe ao STF e ao STJ a função uniformizadora da interpretação da lei federal, respectivamente, no âmbito da ordem constitucional e infraconstitucional, apresentar-se-ia como perda de tempo e gasto processual sujeitar-se a recurso uma sentença que, afinal, viria a prevalecer quando a apelação chegasse à instância superior. (THEODORO JR., 2006, p.11)

Com todo o respeito que é devido à doutrina instrumentalista, mister aduzir que o propalado “prestígio a súmula do STJ ou STF” nada mais representa senão legitimar, pelas vias transversas, a “função legisladora do judiciário” com edição de súmulas tanto impeditivas quanto vinculantes, pela Alta Corte do Judiciário brasileiro.

De forma incisiva, Leal expõe sua opinião quanto súmula impeditiva:

Entretanto, o mais despótico nessa lei é o que contém o §1º do art. 518. Aqui o juiz tem figura de factótum, uma vez que, de modo holístico, ab-ovo (sic) e leviatanicamente, diz que a sentença é cópia fiel (plágio) de súmula do STJ ou STF e, por isso, adquire foros de uma estranha “pré-coisa” julgada. Transita em julgado sem decurso de tempo. (LEAL, 2007, p.264)

Não obstante, o texto do parágrafo primeiro do art. 518 não esclarece quanto à obrigatoriedade ou não do juiz aplicar a súmula ao caso concreto, fazendo com que ele receba ou deixe de receber o recurso de Apelação.

Considerando ser obrigatória a aplicação da súmula, o princípio da independência e imparcialidade do juiz estarão violados, haja vista que ele estará impedido de julgar conforme suas impressões e convicções colhidas durante o curso processual, gerando uma forma de “hierarquia” que inexiste nos sistema processual brasileiro. Nesse sentido, Costa, citado por LEAL et al, assevera que:

Não há imparcialidade sem independência e não se pode conceber um Judiciário hierarquizado como um exército [...]. Contra a idéia da vinculação a enunciados jurisprudenciais, argumenta-se que implica uma inadmissível concentração de poder na cúpula do Judiciário, em detrimento da independência de jurisdição, um dos esteios do Estado Constitucional de Direito. (COSTA apud LEAL et al, 2005, p.191)

Por outro lado, sendo facultativa a aplicação, há o risco do juiz “desviar” de alguma forma as suas conclusões para sentenciar no sentido idêntico à súmula supostamente correlata com o caso. Este tipo de arbitrariedade é plenamente possível com o aumento de poderes nas mãos do juiz. O sentimento de “poder” sem limites (leia-se: impeditivo de recursos) abre espaço para a discricionariedade, o que é proibido pela legislação pátria, como também para o abuso, podendo causar insegurança jurídica nas relações jurisdicionais e possibilidade de decisões injustas, incorretas ou ilegais.

Nesse sentido, observa Leal:

O aumento dos poderes dos juízes, com preterição de defesa plena e dos juízos de direito para que se exercite o contraditório como direito fundamental de argumentação jurídica, desfigura o pensar discursivo de uma sociedade que se pretenda democrática e condena ao horror alguns poucos decisores que ainda preservam sua fidelidade ao saber científico-jurídico. (LEAL, 2007, p.253/254)

Desta forma, ambas concepções convergem para a mesma conclusão: a inconstitucionalidade da lei que instituiu a súmula impeditiva de recurso.

Igualmente, Vieira assevera que, de toda forma,

[...] deve-se temer pelo risco de prolação de sentenças e de trancamentos de apelações, em sugestão de suficiência do dispositivo sumulado, ao largo do exame da fundamentação, não só fática, mas até mesmo jurídica, quando da intercorrência de regra legal de autônoma aplicação, servindo a tese de direito não afastada pela súmula. (VIERA, 2006, p.59)

Cabe ressaltar que, com a aplicação da súmula pelo juiz, o jurisdicionado não está desamparado pela lei, haja vista que a decisão é interlocutória e posterior à sentença, ou seja, cabe Agravo de Instrumento para “destrancar” o recurso de Apelação.

Considerando que parágrafo primeiro do artigo 518 do CPC fosse incontroverso quanto a sua constitucionalidade (o que é impossível, conforme se demostrará no tópico seguinte), ainda assim seria ambígua tal situação eis que, apresentando o agravante todos os fundamentos pelos quais deseja que o seu recurso deve ser acolhido, gastará maior tempo, pois, ao invés de um recurso (como era antes da Lei 11.276/06), agora vão existir no mínimo três: Apelação, Agravo de Instrumento e Agravo Interno (no caso de decisão monocrática do Agravo de Instrumento). Portanto, sendo provido o segundo ou o terceiro mencionado recurso, o primeiro é destrancado e todo o trâmite recursal recomeça até o seu julgamento. Não sendo provido tais recursos, o recorrente poderá ainda discutir a constitucionalidade tanto do ato decisório, quanto da súmula perante o Supremo Tribunal Federal.

Enfim, mesmo que os argumentos favoráveis sejam num primeiro momento convincentes, não há como vislumbrar uma lógica e, quanto menos, segurança jurídica com a busca pela “celeridade” no processo com a adoção da súmula impeditiva de recurso. Em verdade, criou-se mais um “retalho” que entra no sistema processual brasileiro para prejudicar o jurisdicionado, além de confundir todos os operadores do direito, não proporcionando benefício algum para a sociedade.

4.3.3. A INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 518, §1º, CPC

Tendo em vista todo o estudo feito nos tópicos anteriores, urge concluir que o parágrafo primeiro do artigo 518, implementado no Código de Processo Civil através da Lei nº 11.276/06, não recebe guarida constitucional, por apresentar-se oposto à democracia, aos princípios e garantias fundamentais do cidadão, aos dispositivos atinentes ao processo legislativo e à estrutura do Poder Judiciário, preceitos estes previstos na Constituição da República e ínsitos ao Estado Democrático de Direito.

Segundo a doutrina de Moraes, a Constituição da República é a “[...] lei fundamental e suprema de um Estado, que contém normas referentes à estruturação do Estado, à formação dos poderes públicos, forma de governo e aquisição do poder de governar, distribuição de competências, direitos, garantias e deveres dos cidadãos” (MORAES, 2004, p.38), sendo, pois, a base que confere validade ao sistema normativo positivado no Brasil.

Nesse sentido, Lima e Silva leciona que “a norma constitucional possui posição hierárquica superior a todas as outras normas existentes no Direito positivo brasileiro, visto que constitui fundamento de validade daquelas, como também lhes regula a produção e limita a atuação dos poderes públicos.” (LIMA E SILVA, 2001, p.41)

Deste modo, todo dispositivo legal criado de forma contrária aos dispositivos da Constituição é inválido, o que impede a sua aplicação no Direito.

O país atualmente padece com o desequilíbrio entre as funções precípuas dos três Poderes, a começar pelo Legislativo, que inobserva o processo democrático ao criar leis a “passos lentos”, desprovidas de qualidade e sem a necessária consulta aos setores especializados, quanto menos, ao povo. O Executivo, por sua vez, tem atuado ilimitadamente em conluio com este último para “legislar” por meio das Medidas “nada” Provisórias. O Judiciário segue o mesmo caminho por meio do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, órgãos editores de súmulas, sendo o primeiro responsável exclusivo pela aprovação, revisão ou cancelamento da súmula vinculante.

Concebida recentemente, a súmula impeditiva de recurso apresenta-se mais perniciosa e absurda que a vinculante, tendo em vista que o seu poder extorsivo de direitos é maior e mais amplo, ressaltando que inexiste controle legal para tanto. Assim, Baracho assevera que “a lei instituidora de uma forma de processo não pode privar o indivíduo de razoável oportunidade de fazer valer seu direito, sob pena de ser acoimada de inconstitucional.” (BARACHO, 1999, p.89)

Neste diapasão, os fundamentos pelos quais comprovam a inconstitucionalidade desta súmula impeditiva serão apresentados a seguir de forma concatenada, sendo, em verdade, uma conclusão lógica de todo o estudo realizado no presente trabalho.

Em primeiro lugar, a súmula impeditiva de recurso fere o artigo 5º, caput e incisos XXXV, LIV e LV, que dispõem acerca de princípios atinentes ao Direito Processual, quais sejam, a isonomia (igualdade processual – simétrica paridade), a inafastabilidade do controle jurisdicional, o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa e o direito ao recurso, sendo estes “direitos e garantias fundamentais” do cidadão, conforme dispõe o Título II da Constituição da República.

Isto porque, segundo a doutrina do Direito Processual Constitucional, a função jurisdicional ou jurisdição é atividade monopolística estatal prestada pelos órgãos previstos na Constituição da República, a fim de solucionar as controvérsias existentes entre a sociedade mediante a aplicação do ordenamento jurídico de forma isenta e impositiva. Esta atividade somente poderá ser realizada mediante um processo, a ser realizado por procedimento em contraditório e em simétrica paridade entre as partes, segundo uma estrutura normativa previamente estabelecida que prevê “[...] uma seqüência de normas, atos e posições subjetivas que se desenvolvem em uma dinâmica bastante específica [...]” (GONÇALVES, 1992, p.102), com vistas à preparação do ato imperativo final: o provimento jurisdicional. Este ato final é proferido por um agente público julgador devidamente investido no cargo.

A atividade processual é realizada pelo Estado somente quando este for provocado (acionado) pelo cidadão interessado, sendo imperioso que esta atividade seja feita segundo normas precedidas de um devido processo legislativo e inseridas na ordem do devido processo legal, preceitos estes garantidores de uma adequada participação dos jurisdicionados até o esgotamento da prestação jurisdicional. Estas são exigências rigorosas advindas do devido processo constitucional, conforme a doutrina de Dias, para quem o classifica como uma “disciplina constitucional principiológica” (DIAS, 2005, p.151) capaz de afastar qualquer tipo de arbítrio, subjetivismo ou ideologia do agente público julgador.

Desta forma, a aplicação da súmula impeditiva pelo julgador afronta o devido processo legal e seus princípios corolários, uma vez que cria situação anômala no processo. Ao apelar contra o ato decisório de primeiro grau, o jurisdicionado visa o reexame perante o tribunal daqueles motivos que o tornaram sucumbente. Contudo, estando tal decisão “em conformidade” com súmula do STJ ou STF, o juiz não receberá o seu recurso, impedindo que seja apreciado no segundo grau de jurisdição.

Consoante o entendimento de Leal et al,

[...] as súmulas mostram-se ilegítimas porque violam os princípios e as garantias processuais constitucionais. Com a adoção das súmulas, afrontam-se Devido Processo Legal e seus corolários – a inafastabilidade do controle judiciário ou exercício do direito-de-ação, a obrigatoriedade de motivação das decisões judiciais e o duplo grau de jurisdição – acarretando graves conseqüências para a ordem processual. (LEAL et al, 2005, p.192)

Ressalta-se que a defesa processual deve ser ampla, sendo resguardados o contraditório, a isonomia e o duplo grau de jurisdição para as partes em litígio, destinatárias do provimento final. Em função de um precedente que não é lei, a atividade jurisdicional torna-se incompleta e a defesa do cidadão em litígio fica evidentemente prejudicada, haja vista que terá que buscar por via processual diversa (Agravo de Instrumento e, se necessário, Agravo Interno) a fim de que o seu recurso seja apreciado, o que comportará em maior tempo gasto no curso processual. Tal situação prejudica ambas as partes, conforme aduz Carvalho:

Por mais ponderáveis e judiciosos que sejam os argumentos, além da autoridade daqueles que os sustentam, não se pode silenciar diante do avanço sobre os princípios e garantias individuais do cidadão, prática reincidente e banalizada entre nós. É inescondível que, sob o pretexto da celeridade processual, a concentração de instâncias em juízo único camufla, na realidade, a supressão do direito de um cidadão. (CARVALHO, 2002, p.228)

É justamente o pretexto da celeridade processual que justifica a súmula impeditiva de recurso, um dos meios agressores ao sistema recursal implementados pela onda reformista do Código de Processo Civil, segundo o qual, para Oliveira:

O país segue uma tendência de aprovação de alterações à legislação processual civil para, dentre outros: (a) diminuir o número de recursos; (b) tornar certos atos do juiz irrecorríveis; (c) conferir poderes para os juízes de tribunal julgarem sozinhos e não em formação colegiada; (d) criar juizados especiais para causas de menor valor financeiro; (e) conceder mais poderes ao juiz para praticar atos no curso da atividade processual . (OLIVEIRA, 2003, p.95)

Conforme outrora explanado, do direito ao recurso é acolhido por grande parte da doutrina pátria e alienígena como uma garantia que tem o jurisdicionado de insurgência contra um ato decisório desfavorável, mormente no primeiro grau de jurisdição. Tem-se, pois, o direito de recorrer como um direito constitucional, uma obrigação estatal de oportunizar ao jurisdicionado uma revisão por agentes públicos julgadores diversos daquele prolator do ato decisório impugnado.

Os incisos XXXV, LIV e LV do art. 5º da Constituição da República determinam claramente que é imperiosa a realização de um devido processo legal democratizado, sendo garantidos aos jurisdicionados o contraditório e a ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes, preceitos estes inibidores da concentração e/ou supressão de instâncias, bem como (e principalmente) a inafastabilidade do controle jurisdicional.

Nesta ordem, quando o juiz de primeiro grau não recebe o recurso de Apelação sob a vaga fundamentação de existir súmula correlata com o ato decisório, ocorre uma verdadeira inobservância aos preceitos constitucionais mencionados, além da visível incompletude na prestação jurisdicional, que é atividade-dever do Estado.

Carvalho salienta em seu artigo que:

A concentração ou supressão de instância, inegavelmente, constitui-se de maneira indireta e oblíqua de impedir a utilização do recurso como garantia do devido processo e da ampla defesa, configurando, além disso, uma forma canhestra de exclusão da apreciação de um direito pelo Poder Judiciário, com verdadeira negativa da prestação jurisdicional, em toda a sua plenitude, ao contribuinte cujo direito se acha ameaçado ou em vias de ser violado. (CARVALHO, 2002, p.235)

Ademais, o recurso de Apelação é um direito e visa a devolução da matéria impugnada a um grupo colegiado de juizes mais experientes que, em segundo grau de jurisdição, poderão reformar no todo ou em parte a decisão prejudicial recorrida. Portanto, não há “dilação indevida” e, quanto menos, “cunho protelatório”, conforme alegação dos defensores da súmula impeditiva. O direito ao recurso deve ser resguardado, pois o resultado do processo interessa às partes e não ao Juiz. Aliás, a parte que se sentir prejudicada pela suposta protelação da outra, pode requerer multa por litigância de má-fé (art. 17 e 18, CPC) e até mesmo, se for o caso, a antecipação dos efeitos da tutela por abuso de direito de defesa da outra parte (art. 273, II, CPC).

Sob outra ótica, Leal entende que o exame de admissibilidade do juiz de primeiro grau deve se ater restritamente aos requisitos extrínsecos ligados ao exercício do direito de recorrer, quais sejam a tempestividade, regularidade forma e preparo, haja vista a “[...] afirmação ou negação da existência do direito de requerer ou do direito postulado no recurso, que é ‘matéria’ de competência do juízo ad quem” (LEAL, 2005a, p.208), ou seja, são os tribunais que devem apreciar em segundo grau de jurisdição os requisitos intrínsecos do recurso: cabimento, legitimação, interesse, inexistência de fatos jurídicos obstativos do recurso. Nesse sentido, observa que:

Assim, o recebimento e a ordem de seguimento do recurso dão-se, no juízo a quo, pelo exame de existência dos requisitos extrínsecos, não se podendo extravasá-los, sob pena de inconstitucionalidade. Diga-se o mesmo quando ocorre o exame pleonástico de iguais requisitos pelo órgão ad quem que, por coerência legal, estaria balizado pelo exame dos requisitos intrínsecos da admissibilidade do recurso e não por juízo absoluto de admissibilidade como freqüentemente acontece. (LEAL, 2005a, p.208)

Antes mesmo da novidade legal em comento, o mesmo jurista já observava a inconstitucionalidade do art. 518 do CPC:

Por evidência, são manifestamente inconstitucionais o parágrafo único do art. 518 e o art. 557 do CPC, por implicarem vedação de jurisdição, pelo duplo grau, em lesão ao direito fundamental da ampla defesa e dos recursos a esta inerentes (art. 5º, XXXV e LV, da CR/88), já que a maioria dos processualistas pátrios expressamente ensina que a distinção teórica e jurídica dos requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade impõe que a decisão sobre o direito de recorrer e sobre o direito recorrido não poderá fazer-se no mesmo juízo ou instância onde se analisa o exercício do direito de recorrer . (LEAL, 2005b, p.130)

O direito ao recurso é, portanto, garantia fundamental do cidadão de controle contra o arbítrio, subjetivismos ou ideologias do agente público julgador. É garantia constitucional de uma devida e completa prestação jurisdicional pela qual o Estado não pode se furtar, como tem feito com medidas supressoras deste direito. Nesta linha, Oliveira assevera que

[...] é impossível sumarizar o procedimento de forma tão radical que suprima as oportunidades para que as partes defendam seus argumentos e contradigam aquilo que é decidido pelo juiz. A existência de recursos é a maior demonstração de que o processo não é do juiz, mas das partes, tanto que elas podem recorrer dos atos e modificar-lhes o teor. (OLIVEIRA, 2003, p.101)

A privação de recorrer imposta com a súmula impeditiva de recurso representa, portanto, uma negação à jurisdição, ao devido processo legal, à ampla defesa e ao direito de um reexame (duplo grau de jurisdição) por, pelo menos uma instância superior ao órgão julgador e aplicador da súmula. Esta negação impede que o jurisdicionado tenha acesso a uma completa prestação jurisdicional, o que fere também o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional.

Carnelutti afirmou em sua obra que “uma das limitações mais graves que o princípio da economia processual ocasiona à satisfação da necessidade de justiça em matéria de impugnação é a que se traduz na exclusão do duplo grau e, por conseguinte, na inapelabilidade da sentença.” Ademais, o mesmo autor conclui que “esta limitação pode se manifestar em dois sentidos que, mais que sê-lo parecem contrárias: por meio da supressão do segundo grau ou por meio da supressão do primeiro.” (CARNELUTTI, 2000, p.883)

Nesse sentido, dada a ausência de dialeticidade e processualidade com a aplicação da súmula impeditiva de recurso, ficam comprometidas as garantias constitucionais do processo previstas no artigo 5º da Constituição da República. Assim, a novidade legal inserida no ordenamento jurídico não possui guarida constitucional, eis que “podemos afirmar que os princípios constitucionais do processo, alicerçados no art. 5º da Constituição Federal, têm o condão de inconstitucionalizar os artigos do Código de Processo Civil que com seus ditames são incompatíveis.” (LIMA E SILVA, 2001, p.45)

Outro ponto a ser analisado diz respeito ao artigo 93, inciso IX da Constituição da República. Este dispositivo determina que todos os atos imperativos judiciais deverão ser devidamente fundamentados, em todas as instâncias, como decorrência lógica do procedimento em contraditório realizados entre as partes.

Segundo o entendimento de Dias,

[...] a jurisdição somente pode ser desenvolvida ou prestada por meio de processo instaurado e desenvolvido em forma obediente aos princípios e regras constitucionais, entre os quais avultam o juízo natural, a ampla defesa, com todos os meios e recursos a ela (defesa) inerentes, o contraditório e a fundamentação dos pronunciamentos jurisdicionais com base no ordenamento jurídico vigente (princípio da legalidade ou da reserva legal), com o objetivo de realizar imperativa e imparcialmente o direito.  (DIAS, 2007, p.225)

Sob este prisma, a súmula impeditiva de recurso também apresenta-se inconstitucional, haja vista que a fundamentação dos provimentos é condição de validade para produção dos seus efeitos. Isto porque a sua aplicação pelo juiz de primeiro grau não atende ao requisito da fundamentação, pois a súmula é desprovida de razões suficientes para adequar-se ao caso concreto. Mesmo discorrendo acerca da súmula vinculante, LEAL et al observa que “o princípio da fundamentação das decisões é outro obstáculo à adoção da súmula vinculante, uma vez que a mera referência a uma súmula não atende a esse princípio constitucional.” (LEAL et al, 2005, p.183)

Não obstante, ainda que o julgador tente expor suas razões quanto à aplicação de determinada súmula, a sua fundamentação será deficiente por não atender o comando constitucional, visto que, repita-se, os precedentes são meros enunciados acerca de um entendimento reiterado do tribunal. Isto inviabiliza que juiz apresente fundamentos lógicos e coerentes com tudo o que foi produzido no processo. Ademais, como a súmula é um entendimento “solidificado”, toda a produção intelectual e dialética durante o curso do processo torna-se inócua, inclusive o papel do juiz, que passa a ser um mero agente “decisor” submisso do STF ou STJ.

Nesse contexto, Baracho leciona que “a Constituição requer que o juiz motive suas decisões, antes de tudo, para permitir o controle da atividade jurisdicional [...] demonstrando a correção e justiça da decisão judicial sobre direitos da cidadania.” (BARACHO, 1999, p.97) Assim, tanto a súmula impeditiva da devolução do recurso de Apelação ao tribunal quanto a decisão que a aplicou, serão desprovidas de suficiente fundamentação, o que é inconstitucional perante o preceito contido no art. 93, inciso IX da Constituição.

Ademais, observa-se ainda que as súmulas precedem ao processo judicial, ou seja, são editadas antes da realização do procedimento em contraditório que viabiliza a construção do provimento final. Enfim, não há como conferir validade para um provimento prolatado mediante aplicação de súmula do STJ ou STF.

Considerando, portanto, que o provimento final deve ser fruto de uma atividade realizada segundo o devido processo legal e seus princípios corolários, a fundamentação é condição sem a qual padecerá de validade o ato judicial, o que faz concluir a aplicação de súmula impeditiva em processo judicial não guarda respaldo constitucional.

Sob outra ótica, cumpre observar que o parágrafo primeiro do art. 518 do CPC viola também o princípio da reserva legal, previsto no art. 5º, inciso II da Constituição, segundo o qual determina que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Conforme analisado em tópico específico, o sistema jurídico adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro é o civil law, por meio do qual os precedentes dos tribunais têm autoridade persuasiva, diferentemente do common law adotado pelos Estados Unidos e Inglaterra, onde os precedentes têm força vinculativa. Isto ocorre porque o Brasil é um Estado Democrático de Direito, onde as leis que fazem parte do ordenamento jurídico são discutidas e aprovadas por representantes do povo eleitos democraticamente para compor o Poder Legislativo.

Todavia, com o advento da súmula vinculante e da súmula impeditiva de recurso, Vieira sustenta que:

Ambas as reformas aperfeiçoam a mescla de common law em nossa tradição de direito legislado. Ressalte-se, contudo, que nossas súmulas são puros dispositivos: expurgadas de fundamentação e raramente abrangentes de uma sumária descrição do contexto fático de que emergiram. (VIERA, 2006, p.59)

Desta forma, o dispositivo legal em comento atribui força de lei para súmulas do STJ e STF, haja vista que conferem poderes para o juiz impedir a subida dos recursos de Apelação que porventura venham a coincidir com sua matéria, o que contraria completamente o princípio do devido processo constitucional, resultado do desdobramento entre o devido processo legislativo e o devido processo legal. Tal fato se deve ao princípio da reserva legal, eis que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de espécie normativa elaborada pelo Poder Legislativo e em estrita observância ao devido processo legislativo. Portanto, o inciso II do art. 5º da Constituição se refere somente às leis e não a quaisquer espécie de precedentes jurisdicionais que, como visto, têm autoridade limitada e persuasiva.

Nesta esteira, as súmulas não podem ser revestidas de imperatividade visto que são produzidas sem o devido processo legislativo, cabendo ressaltar que a edição, revisão ou cancelamento das súmulas são feitas pelo Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, ou seja, órgãos do Poder Judiciário, cuja função típica é a jurisdicional, ou seja, a de “dizer o direito” e não de “criar o direito”.

Concluindo, a súmula editada pelo Poder Judiciário não é e não tem força de lei, haja vista que não há participação do Poder Legislativo e muito menos processo democrático. Inexistindo o processo democrático, não se cogita a participação popular. Não havendo tal participação, a súmula é desprovida de legitimação pelos seus destinatários: o povo. Assim, torna-se inevitável a inconstitucionalidade da súmula impeditiva de recurso.

Sob o ponto de vista eminentemente processual, não somente a súmula impeditiva, mas diversos dispositivos foram introduzidos no Código de Processo Civil no sentido de aumentar os poderes do agente público julgador durante os procedimentos realizados no processo, como por exemplo o julgamento prima facie (art. 285-A), a decretação ex officio da prescrição (art. 219, §5º) e os poderes do relator em segundo grau (art. 557), sendo certo que tais “tendências reformistas brasileiras ainda trabalham com um modelo monológico de aplicação de tutela, em que se cria uma credulidade de que a grande maioria dos problemas do sistema processual poderão ser sanadas com o paulatino aumento dos poderes do juiz.” (COELHO NUNES, 2003, p.142)

Igualmente, o mesmo jurista afirma ainda que “é fácil perceber que no caso brasileiro os movimentos reformistas da atualidade contentam-se em seguir a tendência de reforço de poderes judiciais, preocupando-se tão-somente com a celeridade e negligenciando a dialogicidade.” (COELHO NUNES, 2003, p.160)

Assim, considerando as doutrinas de Fazzalari, Baracho e Gonçalves, bem como dos contemporâneos Leal e Dias, é inconcebível que em um processo onde regem os princípios constitucionais do devido processo legal, contraditório, ampla defesa, isonomia, fundamentação das decisões, direito ao advogado, amplo acesso à jurisdição, duplo grau de jurisdição e inafastabilidade do controle jurisdicional, sejam atribuídos aos agentes públicos julgadores diversos “poderes”, “atribuições” e “faculdades” que são das partes destinatárias do provimento final. Tal fato gera a impressão de inexistência do Estado Democrático de Direito no Brasil ou, pelo menos, na mente dos legisladores e dos adeptos à corrente instrumentalista.

Segundo a doutrina de Theodoro Júnior:

Tendo sido imputado ao juiz não apenas o comando do processo, mas o dever de “velar pela rápida solução do litígio” (CPC, art. 125, II), pensou-se que, ampliando cada vez mais a interferência autoritária do juiz, poder-se-ia superar a enorme, lamentável e crônica morosidade da prestação jurisdicional. Nessa linha de preocupação, as últimas reformas do Código de Processo Civil concentram-se, em grande parte, no incremento da iniciativa judicial e na redução da autonomia das partes.

[...]

Sem atentar para a realidade de que, substancialmente, o maior interesse na composição do litígio pertence às partes e não ao juiz, predicamentos preciosos como o contraditório e o papel exclusivo desempenhado no diálogo entre as partes, foram desprezados, e inovações arrojadas (para não dizer temerárias) foram realizadas no sentido de suprimir o duplo grau de jurisdição e a influência do recorrente sobre a identificação do objeto do recurso. (THEODORO JR., 2006, p.63)

Nesse sentido, as premissas básicas do processo constitucional orientam que todo ato final emanado do Estado – tanto legislativo quanto judiciário – deve ser precedido de devido processo, sendo imperiosa a realização plena da dialeticidade entre as partes envolvidas ou interessadas, cujos efeitos irão suportar. Portanto, em processo judicial, o interesse no provimento final é das partes e cabe ao Estado garantir que elas controlem e conduzam os procedimentos a serem realizados segundo as formas e prazos legais, não cabendo ao juiz, por imperativo lógico-constitucional, realizar atividade “tutelar” ou “justiceira”, haja vista que o processo não é seu e não se destina a si próprio, mas apenas garantir que o devido processo seja resguardado às partes durante o curso processual, conforme leciona Gonçalves, para quem é necessário que o juiz, em seu mister profissional,

[...] esteja presente, atuante nos atos judiciais que visem assegurar o desenvolvimento do contraditório. Fazê-lo observar significará cumprir o dever da jurisdição, para assegurar que o contraditório não seja negligenciado, violado, que a participação das partes em simétrica paridade esteja eficazmente garantida.” (GONÇALVES, 1992, p.125/126)

Carvalho leciona na mesma ordem:

Tem-se por inaceitável, nas sociedades abertas e democráticas, a adoção de mecanismos que importem na supressão ou afastamento de garantias individuais contra o arbítrio de poder exercido sem controle. É fundamental, nos Estados de Direito, um sistema adequado de controle das decisões judiciais. Não se pode aconchavar com a perspectiva do juiz autocrático. Na verdade, nos diversos setores da vida nacional, o grande mal que assola o País é justamente a inexistência ou ineficácia de controle da atuação dos agentes públicos. (CARVALHO, 2002, p.228)

Por fim, importante observar que, ao contrário da visão de muitos juristas, a súmula impeditiva de recurso não garantirá “razoável duração” quanto menos “celeridade” no processo, infringindo também o inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição.

Em primeiro lugar, prazo razoável no processo não significa “aceleração processual”, mas simplesmente cumprimento dos prazos processuais previstos no CPC. Entretanto, a morosidade se deve à lentidão pela qual os próprios órgãos jurisdicionais atuam, sendo inúmeros os motivos, dentre os quais a ausência de prazo peremptório para os juízes. Isto faz com que processos fiquem “empilhados” por meses nas secretarias do foro aguardando julgamento ou, até mesmo (e absurdamente), pendente de despachos de mero expediente, o que corresponde a “etapa morta processual” que deveria ser resolvida imediatamente pelos juízes ou serventuários.

A efetiva celeridade será possivelmente alcançada mediante uma melhora na estrutura física dos órgãos, eficientização na informatização dos processos, contratação de serventuários e juízes em termos proporcionais às comarcas, eliminação das etapas mortas e estabelecimento de prazos peremptórios para os juízes, inclusive penalidades administrativas pelo seu descumprimento.

Não obstante a sua posição favorável à súmula impeditiva de recurso, Humberto Theodoro Júnior, em recente artigo publicado, afirma que de nada adiantarão as reformas no Código de Processo Civil se os prazos judiciais não forem cumpridos, especialmente pelos magistrados:

Nenhum processo duraria tanto como ocorre na Justiça brasileira se os atos e prazos previstos nas leis processuais fossem cumpridos fielmente. A demora crônica decorre justamente do descumprimento do procedimento legal. São os atos desnecessariamente praticados e as etapas mortas que provocam a perenização da vida dos processos nos órgãos judiciários. De que adianta reformar leis, se é pela inobservância delas que o retardamento dos feitos se dá? (THEODORO, JR., 2006, p.12)

Em oportuna observação, Dias observa que ao jurisdicionado devem ser garantidas todas as condições para o regular desenvolvimento do processo e este ocorra em tempo razoável, a fim de garantir efetividade nos provimentos jurisdicionais. Porém, por questões óbvias, a celeridade processual não deve se sobrepor às garantias constitucionais, para quem o autor entende que

[...] alguma demora na solução decisória sempre haverá nos processos, a fim de que possam ser efetivados os devidos acertamentos das relações de direito e de fato controvertidas ou conflituosas, entre os envolvidos, por meio da moderna e inafastável estrutura normativa (devido processo legal) e dialética (contraditório) do processo, e não há outro modo racional e democrático de fazê-lo. (DIAS, 2007, p. 219)

Ainda discorrendo acerca do tema, Theodoro Júnior lembra que “é como se ninguém soubesse que a morosidade da Justiça pouco ou nada têm a ver com os procedimentos da lei, mas se deve maciçamente ao anacronismo dos serviços forenses e à completa indiferença dos que neles operam pelas modernas técnicas da administração.” (THEODORO JR., 2006, p.64)

Deste modo, cabe ao Estado, promover uma reforma que altere e melhore a estrutura do Poder Judiciário, atuando também no sentido de eliminar trâmites inócuos e sistematizar os prazos, ao invés de extirpar direitos que são ínsitos a todo cidadão, como os direitos de dizer, contradizer e recorrer, previstos no Código de Processo Civil e garantidos pela Constituição da República de 1988.

Nas palavras de Lima e Silva:

As normas constitucionais que representam a vontade do povo, verdadeiro detentor do poder constituinte originário, depois de promulgadas têm o condão, a força de estabelecer restrições, limitações: ao legislador constituinte reformador, ao legislador ordinário, ao Estado e aos cidadãos”. (LIMA E SILVA, 2001, p.49)

Portanto, diante dos estudos que ora precedem, há que se entender pela inconstitucionalidade da súmula impeditiva de recurso. Esta novidade legal representa uma afronta ao Estado Democrático de Direito, de modo que, se por um lado pretende promover a celeridade processual, por outro não garantirá uma real efetividade e justiça nos provimentos, cujos elementos imprescindíveis restarão ausentes em sua concepção, mormente o amplo, isonômico e democrático debate, o que viabiliza o recurso como garantia à completa prestação jurisdicional.

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Sobre o autor
Francisco Rabelo Dourado de Andrade

Advogado. Pós-Graduado em Direito Público pela PUC/Minas. Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho/RJ. Mestrando em Direito Processual pela PUC/Minas. Sócio do escritório Dourado, Oliveira e Neder Advogados Associados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, Francisco Rabelo Dourado. Da inconstitucionalidade da súmula impeditiva de recursos:: uma análise crítica sobre parágrafo primeiro do Art. 518 do Código de Processo Civi. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3752, 9 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25480. Acesso em: 5 nov. 2024.

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