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Do regime de previdência complementar:

a problemática do momento da instituição e consequente efeito jurídico

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28/10/2013 às 13:14
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(ii) Da equivalência da data de vigência do RPC para os servidores das EFPC

Fixado o roteiro para se auferir a data marco da instituição do Regime de Previdência Complementar em âmbito federal (RPC) e, por assim dizer, o início dos efeitos jurídicos decorrentes de sua vigência, resta conhecer se essa data é a mesma para todos os servidores públicos federais, independentemente do tempo de criação de cada entidade autorizada pela Lei nº 12.618/2012  – FUNPRESP-EXE, FUNPRESP-LEG e FUNPRESP-JUD - , ou se a vigência ocorre em momentos diferenciados em razão da criação de cada qual.

Quanto a esse aspecto, a legislação realiza um trajeto pouco elucidativo.

O art. 33 da Lei nº 12.618/2012 refere que o regime de previdência complementar entra em vigor na data em que forem criadas quaisquer das entidades, a demandar ilação no sentido de que a vigência dá-se a partir da criação da primeira entidade que for instituída, não sendo necessário aguardar a criação das demais[8]. Esse entendimento, entretanto, parece não subsistir ileso quando confrontado com o art. 31 da Lei nº 12.618/2012.

A saber:

Em primeiro lugar, conforme dito alhures, o cumprimento do disposto no art. 31 é condição a ser observada para desencadear a data de vigência disposta no art. 33, ambos da Lei nº 12.618/2012.

Nesse contexto, o art. 31, da Lei nº 12.618/2012, é dispositivo condição. É ele que prescreve e faz referência aos prazos para criação das três EFPS, nominadas FUNPRESP-EXE, FUNPRESP-LEG e FUNPRESP-JUD. Prazos que englobam diversos procedimentos e ações a serem implementados e que, portanto, admitem a criação das entidades em momentos diversos.

O § 1º do art. 31 da Lei nº 12.618/2012 consigna que findo os prazos estabelecidos para criação e funcionamento das entidades - (i) 180 dias para criação, contados de 2.5.2012, data da publicação da Lei, que chegou ao fim em 29.10.2012 e, (ii) 240 dias, para entrada em funcionamento, contados da data da publicação da autorização de funcionamento concedida pela PREVIC, cujo marco inicial depende de ação do referido órgão regulador[9]considerar-se-ia vigente o RPC[10]. O § 2º do art. 31 da Lei nº 12.618/2012, não refere sobre a vigência ou instituição do RPC, mas da possibilidade de adesão aos planos de benefícios da entidade que primeiro entrou em funcionamento quando vencidos os prazos fixados no caput do art. 31, sem instituição das demais.

Diante das prescrições legais, vislumbra-se que o extrapolamento do prazo é consignado como condição que confere ensejo à uniformização da vigência ou instituição do regime, na medida em que somente nessa hipótese é possibilitada a adesão dos servidores que não tiverem suas entidades criadas aos planos de benefícios daquela que primeiro ingressou no mundo jurídico. 

A lógica que advém da leitura dos dispositivos está calcada na hipótese de uniformização da data de vigência condicionada ao extrapolamento dos prazos ali estabelecidos. A não ultrapassagem ou o cumprimento dos prazos, sob essa ótica, legitima(ria) a vigência e consequente instituição do RPC em momentos diferentes para cada entidade. A regra prescrita, desta feita, está circunscrita, basicamente, à contagem dos prazos estabelecidos para criação e funcionamento das entidades. Ou seja, somente na hipótese de a União não ter cumprido os prazos é que o gatilho da vigência unificada teria acessibilidade enquanto efeito jurídico posto na Lei, possibilitado pela adesão dos servidores aos planos de benefícios da entidade que primeiro entrou em funcionamento.

Sob tal perspectiva, a expressão “quaisquer”, insculpida no art. 33, da Lei nº 12.618/2012, avoca a ideia de individualização das datas de criação das entidades, subordinadas à contagem de prazos diversos em razão da necessidade de autorização para constituição e funcionamento pelo órgão regulador.

Sob tal orientação, a data de vigência do RPC seria diferenciada em razão da instituição de cada entidade e, como tal, o Poder Judiciário – favorável à criação da própria EFPC – estaria jungido ao compromisso com os prazos a ele conferidos com vistas a afastar a data de 4 de fevereiro de 2013 como marco inicial do RPC para os seus participantes. E, ao que parece, foi o que fez.

A FUNPRESP-JUD obteve criação por meio da Resolução nº 496, de 26 de outubro de 2012, do Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal  ex vi do disposto no inciso III do art. 4º da Lei nº 12.618/2012. Pela Portaria DAT/PREVIC nº 71, de 14 de fevereiro de 2013, publicada no DOU de 15 seguinte, foi autorizada a constituição e o funcionamento da FUNPRESP-JUD e aprovado o respectivo Estatuto, correndo a partir daí o prazo de 240 dias para a entidade entrar em funcionamento, vencido em 14 de outubro de 2013, data em que foi publicada Portaria DAT/PREVIC nº 559, de 11 de outubro de 2013, que aprovou o Regulamento do Plano de Benefícios do Poder Judiciário da União, do Ministério Pública da União e do Conselho Nacional do Ministério Público. Ou seja, no último dia do prazo previsto para criação e funcionamento da FUNPRESP-JUD esta obteve o aval do órgão regulador, cumprindo, desta feita, os ditames legais do art. 31, da Lei nº 12.618/2012, e afastando, em tese, a data de 4 de fevereiro de 2013, como marco de instituição do RPC para os seus destinatários.

Nesse contexto, tendo a FUNPRESP-EXE e a FUNPRESP-JUD cumprido os prazos previstos no art. 31 ex vi do art. 33, todos da Lei nº 12.618, de 2012, legitimada estaria a vigência diferenciada do RPC para os destinatários/participantes de cada qual, correspondente a 4 de fevereiro de 2013 e 14 de outubro de 2013, respectivamente, a colher a segunda linha exegética.


(iii) Conclusão

A vigência e consequente instituição do Regime de Previdência Complementar (RPC) da União talvez figure como a questão mais complexa no bojo da aplicabilidade da Lei nº 12.618, de 2012, diante da obscuridade das regras que dispõem sobre o tema.

Na verdade, o atrelamento da data de vigência do RPC à materialização de uma situação fática, no caso, a criação de três entidades fechadas de previdência sob a modalidade de fundação com personalidade jurídica de direito privado[11], sujeita a uma série de procedimentos e prazos, acabou por ocasionar dúvidas acerca do momento da instituição do regime. E os prováveis participantes estão aguardando a definição dessa vigência para se posicionar, para tomar a sua decisão, para investir no seu futuro. Para esses a pergunta que não quer calar: _quando é que estou sujeito ao teto de benefícios do RGPS?                       

 A resposta, como se deixou registrado linhas atrás, pode ser de duas ordens: (i) vigência única, para todos os servidores e membros de Poder, a partir de 4 de fevereiro de 2013, e (ii) vigência a contar de 4 de fevereiro de 2013 para os servidores titulares de cargo efetivo integrantes do Poder Executivo e do Poder Legislativo, inclusive membros do Tribunal de Contas da União; e a contar de 14 de outubro de 2013, para os servidores e membros do Poder Judiciário, assim como para os membros do Ministério Público da União e do Conselho Nacional do Ministério Público. 

Como visto alhures, os preceitos legais podem respaldar tanto uma posição, quanto a outra, muito embora a melhor exegese esteja a contemplar a segunda opção, que concretiza a sistemática da existência do regime complementar dos servidores públicos por intermédio de uma entidade fechada de previdência, a teor do que prescreve o § 15 do art. 40 da Constituição (“O regime de previdência complementar de que trata o § 14 será instituído por lei de iniciativa do Poder Executivo, observado o disposto no art. 202 e seus parágrafos, no que couber, por intermédio de entidades fechadas de previdência complementar, de natureza pública, que oferecerão aos respectivos participantes planos de benefícios somente na modalidade de contribuição definida”). Logo, se a previsão é de criação de mais de uma entidade, há que se entender que para cada uma existe um momento de instituição e vigência do regime complementar.

Na verdade, a concretização de um regime complementar ocorre por meio de uma entidade de previdência complementar[12], de modo que é o momento de sua existência[13] que conduz à materialização do regime. Se há previsão de criação de mais de uma entidade acolhe-se a perspectiva de prazos diversos de funcionamento para cada qual e, por derradeiro, diversos serão os momentos de instituição do regime. E a Lei nº 12.618/2012 trouxe essa perspectiva com uma condicionante: somente na hipótese de ultrapassados os prazos fixados para a constituição e funcionamento dessas entidades, então fixados no art. 31 e 26 da Lei nº 12.618/2012, é que se poderia admitir prazo uniforme ou único prazo de vigência, então possibilitado pela faculdade de adesão aos planos de benefícios da entidade que primeiro entrou em funcionamento.

Esse o alicerce sobre o qual se deve conduzir a produção dos efeitos da instituição do Regime de Previdência Complementar (RPC) em sede federal, que tem por missão aproximar, materialmente, o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) como mais uma etapa de construção de um regime universal básico de Previdência para todos os trabalhadores brasileiros.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto-lei 200, de 25 de fevereiro de 1967 – Dispõe sobre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a reforma administrativa e dá outras providências.

________,Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988.

________, Lei Complementar nº 108, de 29 de maio de 2001 - Dispõe sobre a relação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e outras entidades públicas e suas respectivas entidades fechadas de previdência complementar, e dá outras providências.

________, Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001 – Dispõe sobre o Regime de Previdência Complementar e dá outras providências.

________, Lei nº 12.154, de 23 de dezembro de 2009 – Cria a Superintendência Nacional de Previdência Complementar - PREVIC e dispõe sobre o seu pessoal; inclui a Câmara de Recursos da Previdência Complementar na estrutura básica do Ministério da Previdência Social; altera disposições referentes a auditores-fiscais da Receita Federal do Brasil; altera as Leis nos 11.457, de 16 de março de 2007, e 10.683, de 28 de maio de 2003; e dá outras providências.

________, Lei nº 12.618, de 30 de abril de 2012 – Institui o regime de previdência complementar para os servidores públicos federais titulares de cargo efetivo, inclusive os membros dos órgãos que menciona; fixa o limite máximo para a concessão de aposentadorias e pensões pelo regime de previdência de que trata o art. 40 da Constituição Federal; autoriza a criação de 3 (três) entidades fechadas de previdência complementar, denominadas Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo (Funpresp-Exe), Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Legislativo (Funpresp-Leg) e Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Judiciário (Funpresp-Jud); altera dispositivos da Lei no 10.887, de 18 de junho de 2004; e dá outras providências.

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________, Decreto 7.808, de 20 de setembro de 2012 – Cria a Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo - Funpresp-Exe, dispõe sobre sua vinculação no âmbito do Poder Executivo e dá outras providência.

________, Resolução nº 496, do Supremo Tribunal Federal, de 26 de outubro de 2012 – Cria a Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Judiciário – Funpresp-Jud, dispõe sobre sua vinculação ao STF e dá outras providências.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 16 ed. Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2006.

GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo.  5ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2000.


Notas

[1]Vale enfatizar que quando nos referimos à sistemática trazida pelo Regime Complementar estamos a falar da limitação dele decorrente, então consubstanciada na autorização da equivalência do teto dos benefícios do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) com o teto máximo previsto para o Regime Geral de Previdência Social (RGPS).

[2] Não é demais lembrar que, de acordo com o inciso XIX do art. 37 da Constituição, somente por lei específica pode ser autorizada a criação de uma fundação, “cabendo à lei complementar definir as áreas de sua atuação”.  Na hipótese em análise, a Lei nº 12.618/2012, autorizou a criação das entidades por meio das formas que fez especificar (atos expedidos pelas autoridades de cada Poder), sendo que a área de atuação há que ser considerada definida por meio do previsto no art. 8º da Lei Complementar nº 108, de 2001, ou do § 1º do art. 31 da Lei Complementar nº 109/2001.

[3] GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo.  5ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p.330.

[4] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 16 ed. Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2006, PP. 437/438

[5] A Resolução MPS/CGPC nº 8, de 19/2/2004, que estabelece os procedimentos para a formalização de processos de estatutos, regulamentos de plano de benefícios, convênios de adesão e suas alterações, traz subjacente a necessidade de autorização prévia da constituição da entidade, a ocorrer mediante a aprovação da proposta de estatuto inicial, enquanto ato necessário à constituição jurídica da própria entidade. Em outras palavras, a norma confere ilação no sentido de que a autorização é procedimento prévio à constituição jurídica da entidade, independentemente da forma que vier a ser adotada. Essa é também a direção conferida pelo art. 19 da Lei nº 12.618/2012.

[6] O § 1º do art. 31 faz alusão aos prazos previstos no caput (no plural), de modo que se deve entender que a referência é realizada tanto para indicar o prazo de 180 dias ali previsto, como para o estabelecido no art. 26, que cuida do prazo para funcionamento.

[7] O Poder Legislativo decidiu não instituir entidade fechada de previdência, delegando à FUNPRESP-EXE a administração do plano de previdência para os servidores da Câmara dos Deputados, Senado Federal e Tribunal de Contas da União.

[8] Algumas orientações jurídicas estão sendo oferecidas nesse sentido conforme se pode observar em revistas especializadas, a exemplo de artigo publicado na Edição nº 145, da Revista JC (Editora JC).

[9] A Lei nº 12.618/2012, ao deixar de fixar uma data para início da contagem do prazo contido no art. 26, inviabilizou um termo final uniforme para o tempo demandado no seu art. 31. Ou seja, os 240 dias previstos para que as entidades entrassem em funcionamento ficou à mercê da data da publicação da autorização de funcionamento concedida pela PREVIC. Assim, somente findo esse prazo, sem a publicação do regulamento do plano de benefícios, é que se poderia ter como descumpridos os prazos previstos no art. 31, aos quais submete o art. 33, ambos da Lei nº 12.618/2012, como condição de vigência unificada do RPC.

[10] Vale lembrar que, no prazo de 240 dias, encontra-se inserto o tempo de publicação da aprovação do Regulamento do Plano de Benefícios, ponto nodal da vigência do regime complementar.

[11] As normas do Regime Complementar de que trata a Lei nº 12.618/2001 está sendo questionada junto ao STF em pelo menos três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI 4885, ADI  4863 e ADI 4893), todas com argumentos contrários a natureza privada da entidade por força do disposto no § 15 do art. 10 da CF..

[12]Reza o art. 2º da LC nº 109, de 2001, in verbis: “Art. 2º O regime de previdência complementar é operado por entidades de previdência complementar que têm por objetivo principal instituir e executar planos de benefícios de caráter previdenciário, na forma desta Lei Complementar.” As entidades podem ser fechadas ou abertas, conforme o caso.

[13] A referência à existência é feita sob a ótica que alberga o funcionamento e, por conseguinte, a aprovação de um plano de benefícios.

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Sobre a autora
Maria Lucia Miranda Alvares

Advogada do Escritório ACG - Advogados, Pós-Graduada em Direito Administrativo/UFPA, autora do livro Regime Próprio de Previdência Social (Editora NDJ) e do Blog Direito Público em Rede, colaboradora de revistas jurídicas na área do Direito Administrativo. Palestrante, instrutora e conteudista de cursos na área do Direito Administrativo. Exerceu por mais de 15 anos o cargo de Assessora Jurídico-Administrativa da Presidência do TRT 8ª Região, onde também ocupou os cargos de Diretora do Serviço de Desenvolvimento de Recursos Humanos e Diretora da Secretaria de Auditoria e Controle Interno. Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa Eneida de Moraes (GEPEM).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVARES, Maria Lucia Miranda. Do regime de previdência complementar:: a problemática do momento da instituição e consequente efeito jurídico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3771, 28 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25611. Acesso em: 28 mar. 2024.

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