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Aspectos processuais da obrigação alimentar:

análise do artigo 1.698 do Código Civil brasileiro

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09/11/2013 às 10:11
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4     A INTERVENÇÃO DE TERCEIROS NA AÇÃO DE ALIMENTOS

Dando continuidade ao esclarecimento dos institutos processuais que se assemelham ao ‘chamamento’ a que alude o art. 1.698 do CC e, tendo em vista a proposição inicial de esclarecer a natureza jurídica de tal fenômeno, o presente capítulo analisa a denunciação da lide e o chamamento ao processo, bem como os argumentos utilizados pelas correntes que entendem que o dispositivo em comento se referem a tais hipóteses de intervenção.

Primeiramente, para melhor elucidação do tema, necessário se faz o esclarecimento do conceito e classificação das intervenções de terceiro na relação jurídica processual.

4.1 Intervenção de terceiros: conceito e classificação

Com base na clássica lição de Chiovenda, parte é aquele que pede a tutela jurisdicional e em face de quem se pede; terceiro é aquele que não é parte, é todo aquele que não pede ou contra quem nada se pede em juízo[45].

Intervenção de terceiros é o nome dado ao ingresso de terceiro numa relação jurídica processual existente, aceito nesta porque autorizado por lei, deixando de ser terceiro e passando a ser parte, assumindo os direitos, as faculdades e os ônus processuais peculiares à posição de parte, independentemente de sua própria iniciativa, uma vez que pode ocorrer tanto pela manifestação de vontade desse terceiro em intervir no processo[46], como por convocação do órgão judicial, a requerimento ou não das partes[47][48].

As modalidades forçadas, provocadas ou coactas são: a nomeação à autoria, a denunciação da lide, o chamamento ao processo, e a iussu iudicis[49]. Dessas modalidades, apenas nos interessam denunciação da lide e o chamamento ao processo, em virtude da proximidade que guardam com a intervenção prevista no procedimento alimentar.

4.2 O art. 1.698 do Código Civil e a denunciação da lide

Conforme exposto anteriormente, o art. 1.698 do Novo Código dispõe que, sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide[50].

Dentre as diversas correntes formuladas na busca de tentar definir a que instituto processual existente se refere este “chamamento” dos demais parentes obrigados a prestar alimentos, nos casos em que for intentada apenas contra um dos obrigados, uma delas, defendida pelo civilista Renan Lotufo[51], entendeu se tratar de hipótese de denunciação da lide.

A denunciação da lide é o ato pelo qual o autor[52]ou o réu chama a juízo um terceiro, a que se ligam por alguma relação jurídica de que decorra para este a obrigação de ressarcir os prejuízos porventura ocasionados ao denunciante, em virtude de sentença que reconheça a algum terceiro direito sobre a coisa por aquele adquirida[53]. É, portanto, uma ação secundária, de natureza condenatória, ajuizada no curso de outra ação condenatória principal, que tem por finalidade pretensão indenizatória contra o terceiro, nas hipóteses do art. 70 do CPC, caso venha ele, denunciante, a perder a demanda principal[54][55]. Sua principal característica é a eventualidade, pois só será examinada se o denunciante for vencido pelo mérito, na ação principal.

Segundo Renan Lotufo[56], o ‘chamamento’ previsto no art. 1.698 do CC implica tornar a obrigação solidária entre os do grau sucessivo, remanescendo com o autor o direito de escolha contra quem direcionar o pedido, facultado ao "eleito" o direito regressivo, mediante denunciação à lide.

Convém ressaltar que o autor se manifestou em momento anterior a entrada em vigor do Código Civil de 2002, quando ainda estava em análise o seu projeto; desta forma, entendeu que a inserção do artigo 1.698 do atual Código Civil (previsto como o art.1.710no referido Projeto) tornaria a obrigação de prestar alimentos solidária entre os parentes de grau sucessivo, conforme pode se observar abaixo:

O Projeto do Código Civil ao inovar no tratamento legislativo prescrevendo nos arts. 1.708 a 1.710. Assim é que o atual art. 397 passará a ter a redação do art.1.708, o art. 398 tem a redação mantida no art. 1.709, e é inserido o art. 1.710,que dispõe: "Art. 1.710. Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide. "Como se vê, a alteração implica em tornar a obrigação solidária entre os do grau sucessivo, remanescendo com o autor o direito de escolha contra quem direcionar o pedido, facultado ao "eleito" o direito regressivo, mediante denunciação à lide. Constata-se que o legislador não conseguiu deixar a mania de querer entrar na área processual, que foi típica do período anterior, por ausência de um Código de processo. Bastava ao legislador atual referir à solidariedade da obrigação, ou ao direito de regresso. Caberá à jurisprudência impedir que o exercício da denunciação não seja um entrave e que impeça o normal andamento do processo alimentar, como buscou fazer o acórdão em exame[57]. (grifo do autor)

Ocorre que o projeto do Novo Código Civil entrou em vigor e nada falou o legislador sobre a solidariedade das obrigações alimentares decorrentes de parentesco[58], impossibilitando ao "eleito" para prestar alimentos o direito regressivo, pressuposto fundamental da denunciação da lide.

Por não ter havido previsão expressa do legislador quanto à solidariedade da obrigação de prestar alimentos, ou ao direito de regresso, o entendimento de Lotufo ficou sem argumentos técnicos, uma vez que, consoante o disposto no artigo 265 do Código Civil, a solidariedade não é passível de presunção, devendo derivar da lei ou da vontade das partes. Caso fosse aplicado tal instituto, o credor poderia exigir o pagamento integral da prestação alimentar de qualquer um dos potenciais alimentantes e, acaso este efetuasse o pagamento, teria direito de regresso no tocante aos demais. Nessa hipótese, todos os devedores seriam responsáveis pela totalidade do valor.

Porém, em virtude da inexistência de solidariedade, o alimentante deve se voltar sempre contra o parente de grau mais próximo e somente no caso de restar comprovado que este não tem condições de arcar com o total necessário ao alimentando, sob o prisma do famigerado binômio necessidade de quem pede alimentos e possibilidade daquele a quem se pede, é que haverá a possibilidade de se voltar contra o parente do grau seguinte.

Convém ressaltar que, não obstante o alimentante dever primeiro se voltar contra o parente de grau mais próximo e somente no caso de restar comprovado que este não tem condições de arcar com o total necessário ao alimentado, é possível, excepcionalmente, que a pretensão alimentar possa ser direcionada diretamente aos parentes mais remotos, porém, nesse caso, o alimentado, preterindo, desde logo, a escala legal de preferência, sujeita-se, sob pena de ver desatendido o pedido, à prova plena da falta ou incapacidade econômica dos ascendentes de grau inferior imediatos, este foi o entendimento da 7º Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no julgamento da Apelação Cível de número 70.001.770.171, em 29 de novembro de 2000, que com base em lição de Yussef Cahali[59], evidenciou que, efetivamente, o conceito de parte, particularmente no caso de alimentos, não pode prescindir do exame do direito material, de forma que o exame da necessidade e da possibilidade devem ser situados no âmbito da instrução, e não a priori, como pretendeu a decisão originária[60].

Ante o exposto, conclui-se que a possibilidade de serem chamados novos coobrigados, nos moldes do artigo 1.698 do CC, não significa uma garantia de direito de regresso do réu, mas, uma forma de se alcançar, na mesma demanda, o valor suficiente para suprir as necessidades do alimentando. Dessa forma, a hipótese de denunciação da lide não se entrevê, porque o réu da ação de alimentos não invoca relação de garantia tampouco exerce direito de regresso, não havendo como identificar, na expressão utilizada por Humberto Theodoro Júnior[61], o “chamamento a integrar a lide”, nas ações alimentares.

Há que se entender que, na denunciação da lide, o denunciante visa ao ressarcimento pelo denunciado de eventuais prejuízos que, porventura, venha a sofrer em razão do processo pendente, não há, portanto, qualquer afirmação de existência de relação jurídica entre o adversário do denunciante e o denunciado. Logo, se não há possibilidade de direito de regresso, pois não há direito de regresso de um alimentante a outro, cada um responde pelo que puder pagar, havendo,assim, tantas relações jurídicas quantas sejam os alimentantes.

4.3 O art. 1.698 do Código Civil e o chamamento ao processo

O chamamento ao Processo só passou a ser conhecido pelo nosso ordenamento com o advento do Código de Processo Civil de 1973, como adverte, na Exposição de Motivos, o autor do projeto, o professor Alfredo Buzaid:

No capítulo “Da intervenção de Terceiros”, foi incluído o instituto do Chamamento ao Processo, à semelhança do Código de Processo Civil português (art. 330). O projeto admite o chamamento do devedor na ação intentada contra o fiador: dos outros fiadores, quando a ação for proposta contra um deles; e de todos os devedores solidários, quando o credor exigir de um ou de alguns deles, parcial ou totalmente, a dívida comum (art. 82). A vantagem deste instituto está em que a sentença, julgando procedente a ação, condenará os devedores, valendo como título executivo em favor do que satisfez a dívida, para exigi-la, por inteiro, do devedor principal, ou de cada um dos co-devedores, a sua quota, na proporção que lhe tocar (art. 85)[62].

Disciplinado, posteriormente, nos artigos 77 a 80 do diploma processual brasileiro, o chamamento ao processo trata-se de formação de litisconsórcio passivo por iniciativa do próprio réu[63], não havendo ampliação do objeto litigioso[64]. Sua finalidade é alargar o campo de defesa dos fiadores e dos devedores solidários, possibilitando-lhes, diretamente no processo em que um ou alguns deles forem demandados, chamar o responsável principal, ou os corresponsáveis, para que assumam a posição de litisconsorte, ficando submetidos à coisa julgada[65].

Conforme salienta Celso Barbi, o instituto em tela constitui uma exceção ao princípio de que ninguém deve ser coagido a pleitear direito em juízo. Isso porque, havendo o chamamento pelo réu devedor, o credor se vê obrigado a demandar contra os devedores chamados, com quem poderia ter diversos motivos para não querer litigar, desde um vínculo de parentesco até mesmo uma situação de insolvência[66].

No tocante à tese de que a modalidade estampada no art. 1.698 do Estatuto Civil seria uma espécie de chamamento ao processo, os processualistas Humberto Theodoro Jr.[67]e Cassio Bueno[68], entendem que esse seria o melhor enquadramento processual da norma, aos moldes do art. 77 do CPC, formando-se um litisconsórcio incidental ou superveniente entre os coobrigados da mesma relação obrigacional, com o objetivo de se estabelecer, efetivamente, a quota-parte de cada um dos devedores, proporcionalmente às suas respectivas condições financeiras.

Por reconhecerem a ausência de solidariedade em sua prestação pelos devedores, nas ações de alimentos, argumentam que a nova regra pode ser enquadrada na modalidade descrita no art. 77, inciso III, do Código de Processo Civil, porém, remodelada, uma vez que os aplicadores do direito não devem se ater com exagero ao conceito e natureza da forma de intervenção de terceiros de que ora se trata, pois o mais importante é que se busque um processo eficaz e justo, sem apego exacerbado ao formalismo, que somente traria danos aos litigantes:

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Menos pelo emprego do verbo “chamar” e mais pela sistemática dos alimentos no plano do direito material, o caso parece ser de chamamento ao processo para os fins do art. 77, III, do Código de Processo Civil. A estrutura processual, penso, afina-se bem à hipótese mesmo que de solidariedade não se trate no plano do direito material. [...] O que penso possível — e desejável, à luz do direito material (v. item 1, supra) — fazer é ampliar o termo “solidariedade” empregado no inciso III do art. 77 do Código de Processo Civil para nele admitir, pelo menos na hipótese a que aqui me refiro, também o chamamento de devedores comuns. [...] Basta uma pequena flexibilização na letra da lei processual e entender que a “solidariedade” do art. 77, III, do Código de Processo Civil, pode ser entendida também como aqueles casos em que, posto não exista, propriamente, solidariedade, os efeitos de uma condenação diante de vários co-obrigados seja favorável ao autor da ação. É deixar a hipótese processual embeber-se um pouco do novo direito material para bem e adequadamente realizá-lo[69].

Segundo tal entendimento, se, por qualquer motivo, a ação de alimentos for dirigida originariamente, a quem não deva, como regra, pagar alimentos em primeiro lugar, como por exemplo, os avós paternos, é possível que seja chamado ao processo o devedor principal, o que será feito com base no art. 77, I, do Código de Processo Civil, dando-se ao termo “fiador” aí referido a elasticidade similar à “solidariedade” do inciso III[70], conforme se pode depreender do trecho abaixo:

Admitindo-se a conclusão que aqui sustento, é possível que os avós “chamem ao processo” o “devedor principal”, o que farão com base no art. 77, I, do Código de Processo Civil, dando-se ao termo “fiador” aí referido a elasticidade similar a que prego à “solidariedade” do inciso III. Além de a hipótese afastar toda a discussão quanto à inexistência de solidariedade na obrigação alimentar (e por isto, só por isto, descartar-se o chamamento ao processo), a vantagem da situação é a de colocar, frente a frente, desde logo, o alimentando e os que devem alimentos em “primeiro lugar”, sem prejuízo de, consoante as forças concretas dos chamados, executar-se a sentença desde logo em face dos réus originários (os avós, chamantes). Mais ainda quando, por hipótese, a causa de pedir da ação recair no dever de os avós prestarem alimentos diretamente, como já admitiu o Superior Tribunal de Justiça. Também aqui, sem qualquer “violação ao direito processual” ou qualquer prejuízo para o autor da ação, concretizasse e efetiva-se, da melhor forma possível, a nova regra de direito civil[71].

Não se pode afirmar que a inexistência de solidariedade entre os coobrigados é indiferente; nos alimentos, não existe a maior característica do chamamento ao processo que é a solidariedade da obrigação. Isso, impossibilita o autor de exigir o todo de um só devedor se esse não tiver em condição de arcar com a totalidade da obrigação, porque a obrigação depende, para existir, da possibilidade concreta de cada um dos obrigados. Porém, não podemos negar que esse “chamamento ao processo remodelado” a que se referem Bueno e Theodoro Jr. seja positivo para o alimentando, autor da ação, pois, embora por iniciativa do réu, serão introduzidas no processo, que se mantém uno, outras relações de direito material que poderão redundar em um leque maior de efetivação da sentença em favor do alimentando.

As diversas obrigações alimentares manifestam-se de forma bastante próxima à solidariedade, pois o chamamento de outros devedores, não importando se eles são solidários ou comuns só geram benefício para o autor da ação que tem ampliada a possibilidade concreta da efetivação da tutela jurisdicional a seu favor.

No que tange, especificamente, aos alimentos, objetivou-se aumentar a proteção ao alimentando, mediante a criação de mecanismos que proporcionassem uma efetiva eficácia do direito à prestação alimentícia, considerando que, no direito contemporâneo o que se busca é salvaguardar a dignidade do ser humano, conferindo prioridade em particular às crianças. Assim, nenhuma interpretação pode deixar de enfocar solução em favor do menor, como, lamentavelmente, ocorre nos casos em que o juiz se fixa, exacerbadamente, nos aspectos formais do processo, em lugar de privilegiar a sua instrumentalidade, visando à efetivação do direito material.

Esse, louvadamente, foi o entendimento do Superior Tribunal de Justiça como se pode constatar a seguir.

4.3.1 Posicionamento do Superior Tribunal de Justiça

Em 11 de março do corrente ano, o STJ, ao julgar o Recurso Especial de número 964.866 de São Paulo, entendeu que o art. 1.698 do Novo Código Civil trata de norma de natureza especial e que não obstante se possa inferir do texto que o credor de alimentos detém a faculdade de ajuizar ação apenas contra um dos coobrigados, não há óbice legal a que o demandado exponha, circunstanciadamente, a arguição de não ser o único devedor e, por conseguinte, adote a iniciativa de chamamento de outro potencial devedor para integrar a lide.

A tese abraçada pelo STJ, qual seja, de possibilidade de chamamento da genitora para compor o polo passivo da ação de alimentos proposta por filhos em desfavor do pai, abarca o entendimento de que a obrigação alimentar é de responsabilidade dos pais, e, no caso de a genitora dos autores da ação de alimentos também exercer atividade remuneratória, é juridicamente legítimo que seja chamada a compor o polo passivo do processo para ser avaliada a sua condição econômico-financeira para assumir, em conjunto com o genitor, a responsabilidade pela manutenção dos filhos maiores e capazes, salvo na hipótese de qualquer deles estar na condição de guardião de filhos menores.

Dessa forma, esse posicionamento não se aplica nos casos de alimentos complementares na situação de obrigação subsidiária, que exige a comprovação de que os devedores originários (pais, por exemplo) estejam impossibilitados de cumprir com seus deveres, em tal hipótese, entendeu o tribunal que, prima facie, facultar aos obrigados que chamem uns aos outros em detrimento dos interesses maiores do credor de alimentos poderia traduzir-se em irracionalidade, sobretudo em razão da ordem do grau de parentesco: ascendentes, descendentes e colaterais[72].

A título de esclarecimento, tal entendimento também não se aplica aos alimentos a que se referem à Lei n. 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), que, de forma expressa e específica, estabeleceu, no seu art. 12, que "a obrigação alimentar é solidária, podendo o idoso optar por entre os prestadores"{C}[73]{C}.

Eis o teor da ementa, in verbis:

PROCESSUAL CIVIL E DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE ALIMENTOS. FILHOS MAIORES E CAPAZES. OBRIGAÇÃO ALIMENTAR. RESPONSABILIDADE DOS PAIS. GENITORA QUE EXERCE ATIVIDADE REMUNERADA. CHAMAMENTO AO PROCESSO. ART. 1.698 DO CÓDIGO CIVIL. INICIATIVA DO DEMANDADO. AUSÊNCIA DE ÓBICE LEGAL. RECURSO PROVIDO.

1. A obrigação alimentar é de responsabilidade dos pais, e, no caso de a genitora dos autores da ação de alimentos também exercer atividade remuneratória, é juridicamente razoável que seja chamada a compor o polo passivo do processo a fim de ser avaliada sua condição econômico-financeira para assumir, em conjunto com o genitor, a responsabilidade pela manutenção dos filhos maiores e capazes.

2. Segundo a jurisprudência do STJ, "o demandado (...) terá direito de chamar ao processo os co-responsáveis da obrigação alimentar, caso não consiga suportar sozinho o encargo, para que se defina quanto caberá a cada um contribuir de acordo com as suas possibilidades financeiras" (REsp n. 658.139/RS, Quarta Turma, relator Ministro Fernando Gonçalves, DJ de 13/3/2006.)

3. Não obstante se possa inferir do texto do art. 1.698 do CC - norma de natureza especial - que o credor de alimentos detém a faculdade de ajuizar ação apenas contra um dos coobrigados, não há óbice legal a que o demandado exponha, circunstanciadamente, a arguição de não ser o único devedor e, por conseguinte, adote a iniciativa de chamamento de outro potencial devedor para integrar a lide.

4. Recurso especial provido.

(REsp 964.866/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 01/03/2011, DJe 11/03/2011)

O Recurso Especial foi interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, desprovendo agravo de instrumento, confirmou ato de rejeição de pedido formulado pelo réu, no sentido de chamamento da mãe dos autores para integrar o polo passivo da ação de alimentos, em virtude de os artigos 1.696 e 1.698, ambos do Código Civil, não autorizarem esse chamamento, competindo aos alimentandos provocar a formação de litisconsórcio facultativo entre os coobrigados à prestação[74].

Sob tais perspectivas, na análise da questão central, a Quarta Turma do STJ, por unanimidade, decidiu pela plausibilidade jurídica do pleito recursal, porquanto, não obstante a obrigação alimentar não tenha caráter de solidariedade, no sentido de que sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos todos devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, o demandado terá direito de chamar ao processo os corresponsáveis da obrigação alimentar, caso não consiga suportar sozinho o encargo, para que se defina quanto caberá a cada um contribuir de acordo com as suas possibilidades financeiras.

O fundamento utilizado foi o de que, consoante dispõe o art. 1.703 do CC, os pais, salvo na hipótese de qualquer um deles estar na condição de guardião de filhos menores, devem responder pelos alimentos, arcando cada qual com parcela compatível às próprias possibilidades. E, que, somente a partir da integração dos pais no polo passivo da demanda, pode melhor ser aferida a capacidade de assunção do encargo alimentício em quotas proporcionais aos recursos financeiros de cada um[75].

Nesse contexto, à luz do novo Código Civil, frustrada a obrigação alimentar principal, de responsabilidade dos pais, a obrigação subsidiária deve ser diluída entre os avós paternos e maternos na medida de seus recursos, diante de sua divisibilidade e possibilidade de fracionamento, uma vez que a necessidade alimentar não deve ser pautada por quem paga, mas por quem recebe, representando para o alimentado maior provisionamento tantos quantos coobrigados houver no polo passivo da demanda[76].      Nota-se que, diante das várias interpretações possíveis para o texto do art. 1.698 do CC vigente, o Superior Tribunal de Justiça defendeu, em última análise, que o referido dispositivo da lei civil acabou por criar uma nova figura de chamamento ao processo, além daquelas previstas no art. 77 do Código de Processo Civil, que permite ao réu o direito de chamar ao processo os corresponsáveis originários da obrigação alimentar, para que se defina quanto caberá a cada um contribuir de acordo com as suas possibilidades financeiras[77].

É válido ressaltar que, mesmo alguns Tribunais entenderem que o alimentando poderia estabelecer um litisconsórcio facultativo[78], o STJ sempre se posicionou pela impossibilidade litisconsórcio facultativo ou necessário[79].

Em que pese as diversas críticas quanto ao posicionamento do colendo Tribunal, uma vez que as características da obrigação alimentar não se enquadram ipsis litteris ao instituto processual do chamamento ao processo, pensamos ter sido o mais acertado, pois, como se pode perceber, a possibilidade de o réu trazer ao processo  o outro corresponsável originário pela obrigação alimentar dos filhos, possibilitou a efetivação prática e célere do direito material, evitando a propositura de nova ação para a satisfação completa das necessidades do alimentando, haja vista tudo ter se resolvido em um só processo.

Essa é, com efeito, a característica principal do instituto do chamamento ao processo, conforme entendimento predominante da doutrina. Se não fosse pela possibilidade da intervenção dos coobrigados na ação de alimentos, esta tenderia a ser inócua ou menos útil para o alimentando justamente porque, mesmo admitindo-se o dever de pagar alimentos, a condenação não pode, por definição, superar as reais possibilidades do alimentante[80].

É imperioso destacar que o processo, dado ser instrumento construído para a atuação do direito substancial, deve conformar-se de diferentes maneiras segundo as diversas exigências de seu objeto; é fundamental que os institutos de processo civil sejam lidos, interpretados e aplicados a partir e para o direito material, variando consoante seja seu conteúdo[81]. Não se pode olvidar que se está diante de uma obrigação que demanda rito especial justamente pelo seu objetivo de amainar o desespero daqueles que, só pelas vias judiciais, conseguem constranger o responsável ao adimplemento da obrigação de prestar alimentos, e que, justamente por isso, requer maior celeridade e eficiência da prestação jurisdicional.

A necessidade do estudo do processo desse prisma de análise é fundamental para a determinação da possibilidade de terceiros intervirem no processo, nas diversas hipóteses admitidas pelo estatuto processual[82]. Dessa forma, chamando-se ao processo devedor comum ou solidário, o que importa mais, sobretudo em ação de alimentos, é que o autor possa ver satisfeito, da maneira mais completa e expedita possível, o direito material pretendido – in casu, a necessidade de receber alimentos – que motivou seu ingresso em juízo, afinal, quem necessita de alimentos não pode esperar nem tampouco se submeter a formalidades exacerbadas de natureza processual.

Como ensina Renan Lotufo, a tônica, no direito contemporâneo, é a de não se fixar em conceitos formais mas se buscar a efetividade da justiça[83], e sem um pouco de ousadia não se aperfeiçoa o direito nem se rompem os obstáculos que travam a marcha processual e dificultam a efetivação da prestação jurisdicional. O dogmatismo e o conceitualismo, assim como o formalismo exacerbado, cada vez menos se prestam ao progresso do estudo do direito processual e, muito pouco contribuem para o aprimoramento político e social da prestação jurisdicional. A visão estática das categorias processuais perde, dia a dia, importância, ao passo que é, na visão dinâmica ou funcional, que se divisa, com maior intensidade, o verdadeiro papel do processo contemporâneo.

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Sobre a autora
Suzana Carolina Dutra

Advogada<br>Pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil pela UFRN.<br>Extensão em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito.<br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACÊDO, Suzana Carolina Dutra. Aspectos processuais da obrigação alimentar:: análise do artigo 1.698 do Código Civil brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3783, 9 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25750. Acesso em: 23 dez. 2024.

Mais informações

Monografia apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para a obtenção do título de Especialista em Direito Civil e Processual Civil.

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