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A guarda municipal e o direito fundamental à segurança

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07/12/2013 às 07:45
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3 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E O PODER DE POLÍCIA

É possível visualizar que com a configuração de um Estado Democrático de Direito e com a constitucionalização do ordenamento jurídico, bem como das relações sociais, a função primordial da Administração Pública é assegurar o interesse público, sendo sua medida e sua finalidade, além de princípio norteador de suas ações[28]. A atuação da Administração Pública, a partir de uma compreensão constitucionalista, evidencia que toda a estrutura e sistemática estatal tem como finalidade a garantia e promoção de direitos fundamentais, da mesma maneira que a higidez do ordenamento jurídico de acordo com os ideais democráticos.

A democracia, para não ver os seus valores e a sua soberania falir, necessita de um sistema de gestão, uma estrutura ampla e organizada que mantenha e assegure a condição de seus interesses. Os interesses públicos, isto é, a soma aplicada dos interesses particulares e maximização dos produtos e serviços considerados públicos confere o predicativo de que a Administração Pública sempre tem que agir defendendo sua supremacia[29].

Portanto, o capítulo terá por análise a conceituação de Administração Pública, tentando compreender os princípios que a regem não de forma a esgotá-los, mas sim fazendo uma análise sintética a ser apreciada com o intuito de fundamentar e amparar a noção de poder de polícia. É pelos princípios que se poderá entender a finalidade da função do objeto de estudo proposto para análise.

Neste contexto, o terceiro capítulo refletirá sobre a criação teórica da Administração Pública no Direito como forma de embasar o que pretende com a pesquisa.

3.1 O CONCEITO DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Para que se faça uma análise do conceito de Administração Pública é necessário compreender o conceito de Estado. No entendimento do conceito de Estado, imprescindível que se distinga entre os elementos de sua constituição: povo, território e poder político. Neste sentido, o povo é o elemento humano de constituição estatal. Não há Estado sem o elemento humano para que se cumpram suas finalidades[30].

O grupo humano ou a coletividade de pessoas obtém unidade, coesão e identidade com a formação do Estado, mediante vínculos étnicos, geográficos, religiosos, linguísticos ou simplesmente políticos que os unem. O povo é, assim, o sujeito destinatário do poder político que se institucionaliza. Ele só existe dentro da organização política. Uma vez eliminado o Estado, desaparece o povo como tal[31].

Há que se distinguir que povo e população possuem conceitos completamente distintos. Enquanto o primeiro reúne a condição de unidade correspondente a um conceito jurídico-político, o segundo apresenta uma conceituação demográfica e econômica, sendo um conjunto de residentes em determinado Estado[32]

Outro elemento caracterizador da constituição do Estado é o território como característica material para a sua formação. O espaço geográfico é essencial para a atuação soberana do Estado, pois além de limitá-la corresponde também a totalização da unidade política que lhe confere sustentação material[33]:

O território é a base material, geográfica do Estado, sobre a qual ele exerce a sua soberania, e que compreende o solo, ilhas que lhe pertencem, rios, lagos, mares interiores, águas adjacentes, golfos, baías, portos e a faixa do mar exterior que lhe banha a costa e constitui suas águas territoriais, além do espaço aéreo correspondente ao próprio território[34].

Com efeito, o poder político é a força inerente da própria estrutura social que harmoniza toda a sociedade, possibilitando a convivência pacífica entre seus membros por intermédio de um conjunto de regras que lhe dê sustentáculo. O poder político é universal por se estender a todos. Tem uma qualidade final monopolizadora de coação institucionalizada e organizada e é legítimo em virtude da aceitação do povo[35]:

O poder político, como elemento formal do Estado, não se identifica com o governo, que é, no entanto, apontado por alguns autores para designá-lo. Governo (do latim gubernatio, onis = direção, administração) traduz o poder já organizado e disciplinado. É palavra que tem vários significados, como conjunto de pessoas ou órgãos encarregados de governar, de dirigir o Estado; a atividade de governar; uma situação de direção ordenada; a maneira, método ou sistema pelo qual a sociedade é governada. Confunde-se, ainda, em sentido estrito, com o Poder Executivo[36].

Partindo de seus pressupostos, o Estado é o meio pelo qual a sociedade nele se integra ou a ele se contrapõe, sendo uma sociedade territorial, com organização jurídica cuja finalidade de seu poder soberano é a busca do bem estar coletivo[37]. Contudo, não se pode prescrever um conceito que lhe encerre haja vista a grande variação doutrinária que se encontra ao vocábulo:

O conceito de Estado varia segundo o ângulo em que é considerado. Do ponto de vista sociológico, é corporação territorial dotada de um poder de mando originário (Jellinek); sob o aspecto político, é a comunidade e homens, fixada sobre um território, com potestade superior de ação, de mando e de coerção (Malberg); sob o prisma constitucional, é pessoa jurídica territorial soberana (Biscaretti di Ruffia); na conceituação do nosso Código Civil, é pessoa jurídica de Direito Público Interno (art. 41, I). Como ente despersonalizado, o Estado tanto pode atuar no campo do Direito Público como no do Direito Privado, pois a teoria da dupla personalidade do Estado acha-se definitivamente superada.

Esse é o Estado de Direito, ou seja, o Estado juridicamente organizado e obediente às suas próprias leis[38].

Desta forma, o Estado executa finalidades e programas previstos em lei de forma a garantir a promoção do interesse público. A Administração Pública, então, é um conjunto de atividades de execução das pessoas jurídicas de Direito Público ou de pessoas jurídicas que, de alguma forma, a Administração delegou poderes cuja finalidade é o gerenciamento dos interesses coletivos, visando à promoção dos fins almejados pelo Estado para esta promoção[39].

Ainda que caminhem juntos Governo e Administração Pública, os termos não podem ser confundidos. Por Governo o que se entende é o conjunto de poderes e órgãos constitucionais[40].

[...] em sentido material, é o conjunto de funções estatais básicas; em sentido operacional, é a condução política dos negócios públicos. Na verdade, o Governo ora se identifica com os Poderes e órgãos supremos do Estado, ora se apresenta nas funções originárias desses Poderes e órgãos como manifestação da Soberania. A constante, porém, do Governo é sua expressão política de comando, de iniciativa, de fixação de objetivos do Estado e de manutenção da ordem jurídica vigente. O Governo atua mediante atos de Soberania ou, pelo menos, de autonomia política na condução dos negócios públicos[41].

Por sua vez, a Administração Pública é o conjunto de órgãos instituídos para que o Governo atinja seus objetivos propostos, isto é, a Administração Pública é o aparelhamento do Estado, o instrumento estatal, legitimado constitucionalmente para consecução de fins do Estado em vias de assegurar os interesses públicos[42]:

[...] em sentido material, é o conjunto das funções necessárias aos serviços públicos em geral; em acepção operacional, é o desempenho perene e sistemático, legal e técnico, dos serviços do próprio Estado ou por ele assumidos em benefício da coletividade. Numa visão global, a Administração é, pois, todo o aparelhamento do Estado preordenado à realização de serviços, visando à satisfação das necessidades coletivas[43].

Nota-se que a Administração Pública é o instrumento executório do Estado e como instrumento executório do Estado cuja finalidade é atender as necessidades sociais e defender o interesse público, a atuação da Administração Pública é regida por alguns princípios.

3.2 OS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Para exame do objeto de estudo, necessário se faz, ainda que em caráter didático, uma apreciação de alguns princípios constitucionais administrativos que tangenciam a atividade e as funções da Administração Pública, bem como da atuação da Guarda Municipal. É possível notar que de acordo com o caput do mencionado artigo 37, a Administração Pública e sua atividade como instrumento executório, apresenta cinco mandamentos principiológicos nucleares:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte[44]:

Pelo princípio da legalidade da Administração Pública, nota-se um caráter específico do Estado, uma vez que é por sua legalidade que o Estado Democrático de Direito qualifica seu caráter identitário, isto é, as atitudes do Estado estão subordinadas ao império da lei[45].

A legalidade, como princípio da administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso[46].

Subordinados os atos da Administração Pública ao princípio da legalidade, a moralidade constitui como um pressuposto de validade de sua conduta, isto é, a moralidade se ampara em uma moral jurídica, elevando a condição do agente público ao respeito da situação da própria Administração. É o agir correto do agente público, distinguindo o bem e o mal, o honesto e o desonesto sem ignorar o preceito ético-jurídico de sua conduta[47].

Por sua vez, o princípio da impessoalidade, descrito no caput do artigo 37 da Constituição Federal de 1988, tem um cunho finalístico, uma vez que impõe ao administrador que atue de acordo com o fim estabelecido em lei. Também entendido como uma forma de excluir qualquer tipo de favorecimento pessoal de autoridades ou servidores públicos sobre as realizações administrativas conforme indica o artigo 37, § 1º da Constituição[48]:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[...]

§ 1º - A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos[49].

No que se atina ao princípio da publicidade, o atos da Administração Pública deve ser divulgado para conhecimento público, além de evidenciar seus efeitos externos[50]. A eficiência da Administração Pública como vetor principiológico se efetua a partir da presteza, perfeição e rendimento funcional administrativo, ou seja, os resultados exigidos devem ser positivos para o serviço público e satisfazer as necessidades de sua sociedade. É um princípio que reproduz a ordem racional da atuação administrativa[51].

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Além dos princípios constitucionais descritos, existem outros princípios que de igual maneira vincula a atividade administrativa estatal. Para fins propostos pelo trabalho, serão analisados o princípio da supremacia do interesse público, o princípio da motivação e o princípio da responsabilidade do Estado por atos administrativos.

O princípio da supremacia do interesse público, ainda que não explícito no texto constitucional, é verificado em todo o ordenamento jurídico a exemplo da função social da propriedade que é uma forma de sua manifestação concreta[52]. Pelo princípio da supremacia do interesse público, demonstra que a atividade estatal deve atender os fins de interesse geral, sendo proibida a renuncia parcial ou total dos poderes de sua competência[53].

Por conseguinte, o princípio da motivação indica que todo ato administrativo deve ser chancelado por lei, demonstrando sua base legal e seu motivo, podendo o ato sem motivo tornar-se irregular. Há na falta de motivação certa presunção de irregularidade e de ilicitude do ato, uma vez que é possível questionar sobre sua razão e proporcionalidade[54].

Pela motivação o administrador público justifica sua ação administrativa, indicando os fatos (pressupostos de fato) que ensejam o ato e os preceitos jurídicos (pressupostos de direito) que autorizam sua prática. Claro está que em certos atos administrativos oriundos do poder discricionário a justificação é dispensável, bastando apenas evidenciar a competência para o exercício desse poder e a conformação do ato com o interesse público, que é pressuposto de toda atividade administrativa[55]

A responsabilidade do Estado por atos administrativos também se nota com uma carga valorativa e principiológica. Por este princípio não há distinção de responsabilidade a quaisquer funções públicas, pois não se restringem aos danos provocados por atos administrativos. É de se considerar que existe, no caso da responsabilidade do Estado arrimado como princípio, o direito de regresso contra o agente responsável[56]. A evidencia deste princípio se verifica pelo que estabelece o artigo 37, § 6º da Constituição Federal de 1988:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[...]

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa[57].

Verificados os princípios que vinculam à Administração Pública, imprescindível se faz uma análise do poder de polícia e como estes princípios o norteiam, distinguindo-o da própria atuação policial do Estado enquanto garantidora do princípio fundamental da segurança pública.

3.3 O PODER DE POLÍCIA

Convém salientar que um Estado Democrático de Direito é dotado de poderes. Dentre estes poderes há os poderes políticos que são exercidos pelas funções executiva, legislativa e judiciária e os poderes administrativos que surgem pela atuação administrativa do Estado, efetivando-se na medida em que se exigem interesses sociais e serviços públicos[58].

A partir do exercício regular do poder administrativo pelo Estado, existe a necessidade de gerenciar e condicionar todas as atividades e bens que possam afetar ou afetam os interesses da coletividade, existindo competência concorrente das três esferas estatais[59].

Todavia, como certas atividades interessam simultaneamente às três entidades estatais, pela sua extensão a todo território nacional (v.g., saúde, pública, trânsito, transportes etc), o poder de regular e de policiar se difunde entre todas as Administrações interessadas, provendo cada qual nos limites de sua competência territorial. [...] Como todo ato administrativo, o ato de polícia subordina-se ao ordenamento jurídico que rege as demais atividades da Administração, sujeitando-se, inclusive, ao controle de legalidade pelo judiciário[60].

O poder de polícia seria uma faculdade da Administração Pública no interesse de restringir e condicionar o uso e o gozo de bens, atividades, direitos, isto é, os cidadãos com seus direitos não podem exorbitá-los em sua atuação, devendo a liberdade e a propriedade estar em consonância com o interesse público[61].

A atividade estatal de condicionar a liberdade e a propriedade ajustando-as aos interesses coletivos designa-se ‘poder de polícia’. A expressão, tomada neste sentido amplo, abrange tanto atos do Legislativo quando do Executivo. Refere-se, pois, ao complexo de medidas do Estado que delineia a esfera juridicamente tutelada da liberdade e da propriedade dos cidadãos. [...] A expressão ‘poder de polícia’ pode ser tomada em sentido mais restrito, relacionando-se unicamente com as intervenções, quer gerais e abstratas, como os regulamentos, quer concretas e específicas (tais as autorizações, as licenças, as injunções), do Poder Executivo destinadas a alcançar o mesmo fim de prevenir e obstar ao desenvolvimento de atividades particulares contrastantes com os interesses sociais[62].

Um conceito de poder de polícia é dado pelo Código Tributário Nacional em seu artigo 78 que o define como uma atividade coatora, subordinada aos ditames legais, bem como aos seus princípios, cuja função precípua é regular a prática de um ato ou uma recusa de fato:

Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse (sic) ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse (sic) público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade (sic) pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder[63].

Desta forma, a razão do poder de polícia se consubstancia no interesse social e a sua fundamentação se encontra em uma supremacia geral que é de exercício do Estado em acordo com o que se revela como mandamento constitucional, condicionando e restringido a liberdade e a propriedade em favor da sociedade[64]. Contudo, esta restrição e condicionamento da liberdade e da propriedade devem ter como vetores os princípios constitucionais que vinculam os atos administrativos, bem como os princípios administrativos propriamente ditos, uma vez que os atos administrativos e, consequentemente o poder de polícia, são tangenciados pelos valores que harmonizam o sistema jurídico e a atuação do aparelhamento do Estado, isto é, a Administração Pública.

Em capítulo posterior serão examinadas as diferenças entre a polícia administrativa e a polícia judiciária, da mesma forma que o conceito de polícia e a atuação da Guarda Municipal no exercício do poder limitador, desempenhado dentro dos ditames e condicionamentos legais.

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Sobre o autor
Diego Ramires Bittencourt

Bacharel em Direito pelas Faculdade Santa Amélia - Secal/Ponta Grossa

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BITTENCOURT, Diego Ramires. A guarda municipal e o direito fundamental à segurança. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3811, 7 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26050. Acesso em: 23 abr. 2024.

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